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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0003918-19.2009.8.24.0045 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Ronaldo Moritz Martins da Silva
Origem: Palhoça
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial
Julgado em: Thu May 10 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Maximiliano Losso Bunn
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 362, 54

 


Apelação Cível n. 0003918-19.2009.8.24.0045, de Palhoça

Relator: Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva

   Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de títulos cumulada com indenização por danos morais e ação cautelar preparatória de sustação de protesto. Sentença conjunta de procedência. Insurgência da demandada.

   Boletos bancários. Utilização para protesto por indicação de duplicatas virtuais. Possibilidade. Relativização das regras insertas no artigo 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 e no artigo 21, § 3º, da Lei n. 9.492/1997. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Legalidade da referida providência que se condiciona à efetiva comprovação da entrega/recebimento de mercadoria ou da prestação de serviço. Relação mercantil entre as partes, apta a justificar a emissão dos títulos, demonstrada. Documentos apresentados pela própria apelada que confirmam essa realidade. Reforma do decisum a quo. Inversão dos ônus sucumbenciais. Observância do artigo 20, § 4º, do CPC/1973, vigente à época do decisum. Reclamo provido. 

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0003918-19.2009.8.24.0045, da comarca de Palhoça (2ª Vara Cível) em que é Apelante Q.C.D. Quadros de Comando e Distribuição Ltda. EPP e Apelada Ice Queen Indústria e Comércio de Alimentos Ltda.

           A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar provimento, nos termos do voto do relator. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Tulio Pinheiro e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Gilberto Gomes de Oliveira e Jaime Machado Junior.

           Florianópolis, 10 de maio de 2018.

Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva

Relator

 

           RELATÓRIO

           Perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de Palhoça, Ice Queen Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. propôs ação cautelar (processo n. 045.09.002553-3  - apenso) em face de Q.C.D. Quadros de Comando e Distribuição Ltda. EPP, visando a sustação dos protestos relacionados aos boletos bancários vencidos em 23.03.2009 e 30.03.2009, no valor de R$ 7.500,00 cada um, originários da nota fiscal n. 003326 (fls. 02/08).

           A liminar foi deferida (fls. 42/45).

           Citada (fls. 51/52), a ré apresentou resposta (fls. 56/62).

           A réplica repousa às fls. 73/76.

           A demandante, posteriormente, ajuizou "ação de anulação de protesto cumulada com indenização por dano moral" (autos n. 045.09.002553-3) contra a mesma requerida, visando o reconhecimento da inexigibilidade dos aludidos títulos, o cancelamento definitivo do protesto já realizado, bem como indenização pelo abalo que alega ter sofrido (fls. 02/10).

           A suplicada ofereceu contestação, resistindo à pretensão exordial (fls. 53/62).

           Realizada audiência, a conciliação ficou prejudicada diante da ausência da autora (fl. 100). Na oportunidade, foram ouvidos o representante da ré e duas testemunhas arroladas pela requerida (fls. 97/99).

           O MM. Juiz de Direito, Dr. Maximiliano Losso Bunn, prolatou sentença conjunta (fls. 91/96 do feito n. 045.09.002553-3 e fls. 101/106 do processo n. 045.09.003918-6), cujo dispositivo foi assim redigido:

    Ante o exposto, com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na ação principal e na ação cautelar, ambas ajuizadas por Ice Queen Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. em desfavor de Q.C.D. Quadros de Comando e Distribuição Ltda., para:

    a) confirmando a medida liminar anteriormente deferida, anular os protestos relativos aos boletos bancários vencidos em 23/03/2009 e 30/03/2009 (ambos originários da nota fiscal n. 003326);

    b) condenar a ré a pagar à autora, a título de danos morais, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária pelo INPC a partir desta data (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ).

    Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos moldes do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, valor que abarca as duas demandas.

    Determino o levantamento da caução ofertada pelo autor no feito cautelar (fl. 50).

    Oficie-se ao Tabelionato de Notas e Protestos dando conta da presente sentença, para que promova o registro da anulação dos protestos.

    Tendo em vista o aparente registro de protesto com base em boleto bancário sem lastro em qualquer título de crédito, oficie-se à Direção do Foro, com fotocópia desta sentença, para que adote as providências cabíveis perante o Tabelionado de Notas e Protestos.

    Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive pessoalmente a parte autora, para regularizar sua representação processual, no prazo de 10 (dez) dias, trazendo aos autos substabelecimento ou novo instrumento de mandato, ante os termos das petições de fl. 87 da ação principal e fl. 90 da cautelar.

    Com o trânsito em julgado, arquivem-se.

           Não resignada, a vencida apelou (fls. 110/120 dos autos n. 045.09.003918-6), alegando, em síntese, que 1) é incontroverso que as partes celebraram contrato de compra e venda mediante contrato escrito e com alterações verbais quanto às datas e valores de cada parcela; 2) não há dúvida acerca do débito constante nos boletos impugnados, tampouco que a mercadoria foi entregue; 3) a decisão que considerou que não foram observadas as formalidades legais para embasar os atos notariais merece reforma; 4) os boletos bancários mencionam os dados dos títulos de créditos pendentes e que se tratam de duplicatas mercantis virtuais, inexistindo irregularidades; 5) "o protesto por indicação é modalidade comum nos dias atuais e amplamente utilizado com o auxílio de instituições bancárias mandatárias na cobrança de títulos não quitados" (fl. 113); 6) a duplicata emitida por meio eletrônico pode ser protestada por indicação, sem o envio da cambial ao sacado para aceite, que se considera presumido pelos comprovantes de recebimento das mercadorias.

           Postulou o provimento do reclamo para que sejam julgados improcedentes os pleitos da autora.

           As contrarrazões repousam às fls. 130/139.

           Esse é o relatório.

VOTO

           Em observância ao julgamento consoante a ordem cronológica de conclusão, registra-se que o processo em apreço enquadra-se no inciso VII do § 2º do artigo 12 do novo Código de Processo Civil, bem como na Meta 2 aprovada para o ano 2018 pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual se destaca:

    META 2 - Julgar processos mais antigos (todos os seguimentos)

    Identificar e julgar até 31.12.2017, pelo menos:

    [...]

    - Na Justiça Estadual, [...] 80% dos processos distribuídos até 31.12.2015 no 2º grau [...].

           O recurso é tempestivo (fls. 108 e 110) e o preparo foi corretamente efetuado (fls. 121/122).

           Ice Queen Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. ingressou com ação declaratória e ação cautelar em desfavor de Q.C.D. Quadros de Comando e Distribuição Ltda. EPP, objetivando a sustação/cancelamento dos apontamentos levados a protesto (por indicação) relacionados aos boletos bancários vencidos em 23.03.2009 e 30.03.2009, no valor de R$ 7.500,00 cada um, relacionados à nota fiscal n. 003326.

           Na exordial de ambas as demandas, a autora aduziu, resumidamente, que 1) em dezembro/2008 ajustou com a demandada contrato de compra e instalação de quadros elétricos, conforme nota fiscal n. 003326 (fl. 25) e contrato escrito (fl. 27); 2) as partes avençaram o valor de R$ 50.000,00; 3) pagou a entrada de R$ 15.000,00 e renegociou o quantum restante em 5 parcelas de R$ 7.500,00, com vencimentos para 25.02.2009, 09.03.2009, 16.03.2009, 23.03.2009 e 30.01.2009; 4) quitou a primeira prestação na data avençada; 5) ao receber notificação de protesto no tocante à segunda e à terceira parcelas, realizou os pagamentos; 6) dias após, recebeu nova notificação de protesto, quanto às demais parcelas devidas (vencidas em 23.03 e 30.03.2009; 7) a ré encaminhou para protesto boletos bancários que não tem origem em duplicata com o seu aceite; 8) "os títulos se tornam inexigíveis por descumprimento das formalidades legais devidas para a emissão e protesto do título indicado" (fl. 05).

           O magistrado singular julgou procedentes os pedidos da suplicante, com base nos seguintes fundamentos:

    [...] Primeiramente, afigura-se oportuno esclarecer que a presente demanda não versa sobre a (in)existência do débito da autora perante a ré. O objeto da controvérsia reside, em verdade, na validade dos protestos levados a efeito.

    Como cediço, "O boleto bancário, por não ser título de crédito, não pode ser levado a protesto, salvo se demonstrado que o título que lhe deu origem tenha sido encaminhado ao devedor e ele o reteve indevidamente" (TJSC, Apelação Cível n. 2006.024775-4, Rel. Des. Jânio Machado, j. 26/08/2010).

    Ao que se depreende do processado, a requerida protestou boletos bancários que emitiu em razão do negócio entabulado entre as partes. Contudo, não há lastro probatório a indicar a emissão das duplicatas que teriam originado tais boletos.

    [...] E, como já destacado, o boleto bancário sem base de título de crédito não é documento apto ao protesto, conforme abalizado entendimento doutrinário.

    [...] Dessa maneira, e sem maiores delongas, a anulação dos protestos é medida que se impõe.

           De fato, preponderou, por algum tempo, o entendimento no sentido de ser essa modalidade de ato notarial (por indicação) excepcional, cabível tão somente nas hipóteses em que, comprovadamente, a duplicata geradora do boleto bancário era remetida ao sacado para aceite e este a retivesse indevidamente, ex vi do artigo 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 e do artigo 21, § 3º, da Lei n. 9.492/1997, in verbis:

    Art. 13. A duplicata é protestável por falta de aceite de devolução ou pagamento.

    § 1º Por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, o protesto será tirado, conforme o caso, mediante apresentação da duplicata, da triplicata, ou, ainda, por simples indicações do portador, na falta de devolução do título.

    [...].

    Art. 21. O protesto será tirado por falta de pagamento, de aceite ou de devolução.

    [...] § 3º Quando o sacado retiver a letra de câmbio ou a duplicata enviada para aceite e não proceder à devolução dentro do prazo legal, o protesto poderá ser baseado na segunda via da letra de câmbio ou nas indicações da duplicata, que se limitarão a conter os mesmos requisitos lançados pelo sacador ao tempo da emissão da duplicata, vedada a exigência de qualquer formalidade não prevista na Lei que regula a emissão e circulação das duplicatas.

           Contudo, frente ao progresso tecnológico que repercutiu significativamente nas relações comerciais, o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir o protesto de boleto bancário quando vinculado a duplicata virtual, desde que, à evidência, retrate fielmente as características do título e esteja acompanhado do comprovante da entrega/recebimento das mercadorias ou da prestação do serviço.

           A propósito:

    EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA DEMONSTRADA. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL.

    PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO INSTRUMENTO DE PROTESTO, DAS NOTAS FISCAIS E RESPECTIVOS COMPROVANTES DE ENTREGA DAS MERCADORIAS. EXECUTIVIDADE RECONHECIDA.

    [...].

    2. Embora a norma do art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 permita o protesto por indicação nas hipóteses em que houver a retenção da duplicata enviada para aceite, o alcance desse dispositivo deve ser ampliado para harmonizar-se também com o instituto da duplicata virtual, conforme previsão constante dos arts. 8º e 22 da Lei 9.492/97.

    3. A indicação a protesto das duplicatas mercantis por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados encontra amparo no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.492/97. O art. 22 do mesmo Diploma Legal, a seu turno, dispensa a transcrição literal do título quando o Tabelião de Protesto mantém em arquivo gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica do título ou documento da dívida.

    4. Quanto à possibilidade de protesto por indicação da duplicata virtual, deve-se considerar que o que o art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 admite, essencialmente, é o protesto da duplicata com dispensa de sua apresentação física, mediante simples indicação de seus elementos ao cartório de protesto. Daí, é possível chegar-se à conclusão de que é admissível não somente o protesto por indicação na hipótese de retenção do título pelo devedor, quando encaminhado para aceite, como expressamente previsto no referido artigo, mas também na de duplicata virtual amparada em documento suficiente.

    5. Reforça o entendimento acima a norma do § 2º do art. 15 da Lei 5.474/68, que cuida de executividade da duplicata não aceita e não devolvida pelo devedor, isto é, ausente o documento físico, autorizando sua cobrança judicial pelo processo executivo quando esta haja sido protestada mediante indicação do credor, esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria e o sacado não tenha recusado o aceite pelos motivos constantes dos arts. 7º e 8º da Lei.

    6. No caso dos autos, foi efetuado o protesto por indicação, estando o instrumento acompanhado das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados, não havendo manifestação do devedor à vista do documento de cobrança, ficando atendidas, suficientemente, as exigências legais para se reconhecer a executividade das duplicatas protestadas por indicação.

    7. O protesto de duplicata virtual por indicação apoiada em apresentação do boleto, das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados não descuida das garantias devidas ao sacado e ao sacador.

    8. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos.

    (STJ, EREsp n. 1024691/PR, rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 22.08.2012).

           Nesse sentido, o Enunciado n. 461 da V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ orienta:

          Enunciado 461. Art. 889. As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação dos serviços.

           Assim, revela-se "[...] possível o protesto por indicação de boleto bancário devidamente acompanhado da comprovação da realização do negócio jurídico e da entrega das mercadorias ou da prestação de serviço, em substituição à duplicata emitida eletronicamente" (STJ, AgRg no AREsp n. 27.041/GO, rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 08.05.2014).

           Colhe-se da documentação de fl. 21 que, em 27.03.2009, a demandante foi instada pelo cartório de títulos da comarca de Palhoça/SC, para efetuar a quitação do boleto bancário (no valor de R$ 7.500,00, com vencimento para 23.03.2009) relativo à entrega de mercadorias representada pela nota fiscal n. 3326-03.

           Considerando que a autora não nega que recebeu as mercadorias, que houve o ajuste do preço nos termos indicados e que a intimação expedida pelo cartório contém os dados da nota fiscal de fl. 25, o ato de constituição em mora não pode ser considerado inválido.

           Demonstrada a existência de um negócio apto a justificar a lavratura de protesto contra a requerente/apelada, não se pode falar em declaração de irregularidade da notificação cartorária.

           Quanto ao alegado protesto do título vencido em 30.03.2009, a autora não trouxe documentos que comprovem sua efetivação ou a notificação acerca do ato, o que inviabiliza a análise de sua (ir)regularidade.

           Diante do exposto, acolhe-se o apelo da demandada, para reformar o decisum impugnado e julgar improcedentes os pleitos exordiais, afastando-se a declaração de nulidade de protesto dos títulos relativos aos boletos vencidos em 23.03.2009 e 30.03.2009 e a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais.

           Diante do resultado do julgamento, procede-se à inversão dos ônus sucumbenciais, arcando a postulante, ora apelada, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), ex vi do artigo 20, § 4º, do CPC/1973, vigente à época do decisum.

           Esse é o voto.


Gabinete Desembargador Ronaldo Moritz Martins da Silva

NMO