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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0000698-84.2015.8.24.0018 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre d'Ivanenko
Origem: Chapecó
Orgão Julgador: Quarta Câmara Criminal
Julgado em: Thu May 03 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Ana Karina Arruda Anzanello
Classe: Apelação Criminal

 


 

ESTADO DE SANTA CATARINA

       TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 


 

ESTADO DE SANTA CATARINA

       TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 


Apelação Criminal n. 0000698-84.2015.8.24.0018

Relator: Desembargador Alexandre d'Ivanenko

   APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÂNSITO. AFASTAR-SE DO LOCAL DO ACIDENTE PARA EVITAR A RESPONSABILIDADE PENAL OU CIVIL. ART. 305 DA LEI N. 9.503/1997 (CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). INCONFORMISMO DO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO (ART. 386, INC. III, DO CPP).TEMA SEDIMENTADO NESTE TRIBUNAL EM ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADO PELO ÓRGÃO ESPECIAL. FATO ATÍPICO. DIREITO DO ACUSADO DE PERMANECER EM SILÊNCIO E DE NÃO SE AUTOINCRIMINAR. ENTENDIMENTO NÃO SUPERADO. JURISPRUDÊNCIA QUE DEVE SE PRESERVAR ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ABSOLUTÓRIA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

   "Não se pode conceber a premissa de que, pelo simples fato de estar na condução de um veículo, o motorista que se envolve em um acidente de trânsito tenha que aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação de eventual responsabilidade civil ou penal, porquanto, reconhecer tal norma como aplicável, seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si, hipótese vedada pela Constituição Federal por ofender o preceito da ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), além de incorrer em malferição ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Ademais, estar-se-ia punindo o agente por uma conduta praticada por qualquer outro delinqüente, qual seja, a evasão da cena do delito, sem que por tal conduta receba sanção mais alta ou acarrete maior gravosidade em suas penas, estabelecendo-se forte contrariedade aos princípios da isonomia e da proporcionalidade.

   Desse modo, afigura-se inviável vislumbrar outra responsabilidade penal a ser imputada ao motorista que se evade do local em que estivera envolvido em acidente de trânsito com vítima que não a omissão de socorro, situação com disposição específica no CTB (art. 304). Assim, se o condutor que se encontra nessas circunstâncias, que resultaram apenas em danos materiais, pode ter sua liberdade cerceada, está-se criando nova modalidade de prisão por responsabilidade civil, matéria que encontra limites constitucionais inestendíveis pelo legislador ordinário, o qual sofre limitação pelo art. 5º, LXVII da CF/88, que impede a prisão civil por dívida afora as hipóteses nele excetuadas" (Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Criminal n. 2009.026222-9/0001.00, rel.ª Des.ª Salete Silva Sommariva, j. em 1º-6-2011).

   RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000698-84.2015.8.24.0018, da comarca de Chapecó 2ª Vara Criminal em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelada Gleice Aparecida Veloso:

           A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado no dia 3 de maio de 2018, teve a participação dos Exmos. Srs. Des. José Everaldo Silva e Des. Sidney Eloy Dalabrida. Funcionou, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Abel Antunes de Mello.

           Florianópolis, 4 de maio de 2018.

Alexandre d'Ivanenko

PRESIDENTE E RELATOR

           RELATÓRIO

           O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Gleice Aparecida Veloso, pelos cometimentos, em tese, dos crimes descritos nos arts. 305, 306 e 309, todos da Lei n. 9.503/1997, pelos seguintes fatos descritos na peça acusatória:

    No dias 18 de janeiro de 2015, por volta das 21h30min, a vítima Antonio José Tonin trafegava com seu veículo Toyota Etios, placas MMH- 7148, pela Rodovia Estadual 283, s/n, Linha Tomazelli, direção São Carlos/Chapecó, quando, na altura da entrada do IBAMA, reduziu a velocidade para passar por uma lombada existente no local, oportunidade em que seu veículo foi atingido na parte traseira pelo veículo conduzido pela denunciada GLEICE APARECIDA VELOSO, qual seja um Fiat Palio, placas LZR-4743, que trafegava na mesma via pública e mesmo sentido de direção.

    A vítima Antonio José Tonin desembarcou de seu veículo para verificar os danos materiais ocasionados neste, oportunidade em que a denunciada GLEICE APARECIDA VELOSO fugiu do local, com o objetivo de furtar-se da responsabilidade civil, criminal ou administrativa que pudesse lhe ser atribuída, sendo perseguida pela vítima que também acionou a polícia, informando sobre o ocorrido.

    Na sequência, a vítima Antonio José Tonin alcançou a denunciada GLEICE APARECIDA VELOSO, isso já na Rua Jacutinga, Bairro Efapi, próximo ao "Bailão Fantástico", ainda nesta cidade de Chapecó/SC, tendo a autoridade policial logo em seguida chegado no local, momento em que constataram que a denunciada não possuía Carteira Nacional de Habilitação e encontrava-se em visível estado de embriaguez.

    Assim, os policiais realizaram a abordagem da denunciada GLEICE APARECIDA VELOSO e, realizado o teste de bafômetro, constatou-se que estava com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, pela quantia de 0,71 mg/l de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões, conforme Teste de Alcoolemia da fl. 31, de forma que as suas condições de dirigiblidade estavam gravemente comprometidas (pp. 47-48).

           A denúncia foi recebida em 4-2-2015 (p. 51).

           Citada, a ré apresentou resposta à acusação (pp. 70-71 e 73).

           Concluída a instrução processual, sobreveio a sentença (pp. 157-177), publicada em cartório em 30-5-2016, cujo dispositivo contém a seguinte redação:

    Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE, a denúncia para, em consequência:

    A) ABSOLVER a acusada GLEICE APARECIDA VELOSO, qualificado nos autos, quanto ao crime descrito no art. 305, da Lei n. 9.503/97(Código de Trânsito Brasileiro), o que faço com fulcro no artigo 386, III do Código de Processo Penal;

    B) CONDENAR a acusada GLEICE APARECIDA VELOSO, qualificado nos autos, ao cumprimento de 1 (um) ano de detenção, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, bem como a proibição de obter permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor pelo período de 02(dois ) meses, por infração ao artigo 306, art. 309, ambos da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) c/c o art. 69 do Código Penal.

    [...]

    Fixo o regime aberto para o resgate da pena (CP, art. 33, § 2º, alínea "c").

    Cabível a substituição de pena corpórea por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária na importância de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade pública ou privada com destinação social (art. 45, §1º, CP).

    Inviável a concessão do sursis, haja vista caber a substituição da pena (art. 77, inciso III, CP).

           Inconformado com a decisão do Juízo de primeiro grau, o órgão do Ministério Público interpôs recurso de apelação (razões às pp. 187-193), alegando, em resumo, que a sentença deve ser reformada no tópico em que reconheceu a atipicidade do fato e absolveu a acusada do crime descrito no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, na medida em que não constituiu violação ao art. 5º, inc. LV e LXIII, da Constituição da República. 

           Com as contrarrazões (pp. 203-210), os autos ascenderam a este Tribunal.

           Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do recurso (pp. 225-229).

           Este é o relatório.

           VOTO

           Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.

           Trata-se de apelação criminal interposta pelo órgão do Ministério Público contra a absolvição da acusada quanto ao crime previsto art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/1997) com fundamento na inconstitucionalidade do delito ali descrito.

           Eis a redação do mencionado preceptivo legal:

    Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuídas:

    Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

           Não obstante o posicionamento defendido pelo órgão do Ministério Público neste recurso, este Tribunal firmou no âmbito de arguição de inconstitucionalidade julgada pelo seu Órgão Especial a compreensão no sentido de que o art. 305 do CTB denota fato atípico, por ofensa aos direitos assegurados na Constituição da República ao silêncio e à não autoincriminação (art. 5º, incs. LV e LXIII), reconhecendo-se, de forma incidental, a inconstitucionalidade do crime de evasão de local de acidente para evitar a responsabilidade criminal ou civil.

           Assim ficou vazada a ementa do acórdão, que é autoexplicativa:

    ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 305 DO CTB - FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE PARA ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL - INCONSTITUCIONALIDADE - VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE SILÊNCIO E DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO (CF/88, ART. 5º, LXIII) - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE - TRATAMENTO DIFERENCIADO SEM MOTIVAÇÃO IDÔNEA - PROCEDÊNCIA DA ARGÜIÇÃO.

    Não se pode conceber a premissa de que, pelo simples fato de estar na condução de um veículo, o motorista que se envolve em um acidente de trânsito tenha que aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação de eventual responsabilidade civil ou penal, porquanto, reconhecer tal norma como aplicável, seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si, hipótese vedada pela Constituição Federal por ofender o preceito da ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), além de incorrer em malferição ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Ademais, estar-se-ia punindo o agente por uma conduta praticada por qualquer outro delinqüente, qual seja, a evasão da cena do delito, sem que por tal conduta receba sanção mais alta ou acarrete maior gravosidade em suas penas, estabelecendo-se forte contrariedade aos princípios da isonomia e da proporcionalidade.

    Desse modo, afigura-se inviável vislumbrar outra responsabilidade penal a ser imputada ao motorista que se evade do local em que estivera envolvido em acidente de trânsito com vítima que não a omissão de socorro, situação com disposição específica no CTB (art. 304). Assim, se o condutor que se encontra nessas circunstâncias, que resultaram apenas em danos materiais, pode ter sua liberdade cerceada, está-se criando nova modalidade de prisão por responsabilidade civil, matéria que encontra limites constitucionais inestendíveis pelo legislador ordinário, o qual sofre limitação pelo art. 5º, LXVII da CF/88, que impede a prisão civil por dívida afora as hipóteses nele excetuadas (Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Criminal n. 2009.026222-9/0001.00, rel.ª Des.ª Salete Silva Sommariva, j. em 1º-6-2011).

           No mesmo sentido são os seguintes precedentes recentes deste Tribunal: Apelação Criminal n. 0019870-46.2014.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 18-7-2017 e Apelação Criminal n. 0000803-80.2013.8.24.0002, de Anchieta, rel. Des. Rui Fortes, Terceira Câmara Criminal, j. 20-6-2017.

           Acrescente-se, a título de fundamentação, a doutrina de Guilherme de Souza Nucci a respeito do tema:

    [...] trata-se de delito de fuga à responsabilidade, que, em nosso entendimento, é inconstitucional. Contraria, frontalmente, o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo [...] Inexiste razão plausível para obrigar alguém a se auto acusar, permanecendo no local do crime, para sofrer as consequências penais e civis do que provocou. Qualquer agente criminoso pode fugir à responsabilidade, exceto o autor de delito de trânsito. Logo, cremos inaplicável o art. 305 da Lei 9.503/99 (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Vol. 2, 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 898).

           Sendo assim, considerando a necessidade de preservar-se a jurisprudência estável, íntegra e coerente, é de rigor manter-se a sentença absolutória quanto ao delito tipificado no art. 305 da Lei n. 9.503/1997 com base no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.

           Pelo exposto, vota-se no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Alexandre d'Ivanenko