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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0006413-79.2011.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sebastião César Evangelista
Origem: Blumenau
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu May 03 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Cássio José Lebarbenchon Angulski
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0006413-79.2011.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Desembargador Sebastião César Evangelista

   APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO ZERO KM. LEGITIMIDADE DA CONCESSIONÁRIA ALIENANTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 7º, PARÁGRAFO ÚNICO E 25 DO CDC. VÍCIOS OCULTOS. DESRESPEITO AO PRAZO DE 30 DIAS PARA REPAROS PREVISTOS NO ART. 18, § 1º, DO CDC. RESCISÃO DO CONTRATO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. DEVOLUÇÃO DO AUTOMÓVEL E RESTITUIÇÃO DO VALOR DE MERCADO, LANÇADO PELA TABELA FIPE VIGENTE NA DATA DE SUA DEVOLUÇÃO SEM ATUALIZAÇÃO E JUROS DE MORA. DANO MORAL. MANUTENÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

   Toda linha de produção está sujeita a defeitos, seja por falha mecânica, humana ou ambas, sendo muito provável a eventual colocação no mercado de produto com defeito que não será detectado pelo consumidor no ato da compra. O art. 18 do Código de Defesa do Consumidor abriga a garantia de que, quando isso ocorrer, será possível exigir do fornecedor o reparo em prazo de trinta dias, ou escolha, a critério do consumidor, de uma de três soluções: substituição do produto, devolução com restituição do valor ou abatimento do preço.

   "Após a rescisão do contrato de compra e venda, as partes devem retornar ao status quo ante, situação que implica na devolução do bem viciado às rés, livre e desembaraçado de qualquer ônus, e no ressarcimento do veículo ao autor correspondente ao valor de mercado na data da sua devolução, utilizando-se como padrão o previsto na tabela Fipe, sem atualização e juros de mora." (Ap. Cív. n. 0000037-96.2012.8.24.0055, de Rio Negrinho, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 28.11.2016).

   A demora injustificada ao cumprimento dos deveres inscritos no art. 18 do CDC é fato antijurídico que, observadas as circunstâncias do caso concreto, é passível de gerar dever de reparação. O tempo subtraído de horas de lazer ou de trabalho, a decepção e a angústia geradas por repetidas e infrutíferas diligências administrativas e o tratamento pouco digno conferido ao consumidor são fatos que, no conjunto, representam dano moral indenizável.

   O valor da indenização por dano moral deve ser arbitrado em atenção ao princípio da proporcionalidade, levando-se em consideração, de um lado, a gravidade do ato danoso e do abalo suportado pela vítima e, de outro, o aspecto sancionatório ao responsável pelo dano, a fim de coibir a reiteração da conduta lesiva.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0006413-79.2011.8.24.0008, da comarca de Blumenau 3ª Vara Cível em que é Apelante Barigüi Veículos Ltda. e Apelado Antônio Sérgio Gonçalves Pontes.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz.

           Florianópolis, 3 de maio de 2018.

Desembargador Sebastião César Evangelista

Relator

 

RELATÓRIO

           Cuida-se de Apelação Cível interposta por Barigui Veículos Ltda. da decisão na 3ª Vara Cível da comarca de Blumenau, nos autos do processo de n. 0006413-79.2011.8.24.0008, em que contende com Antônio Sérgio Gonçalves Pontes.

           Em primeira instância, a sentença apresentou o seguinte dispositivo:

  Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos efetuados pelo autor, com resolução do mérito, nos moldes do art. 269, I, do CPC, para em consequência:

  I) Declarar rescindido o contrato de compra e venda que teve por objeto o veículo FIAT Uno Way, 1.0, ano 2010, modelo 2011 e, consequentemente determinar a devolução do veículo à requerida, que por sua vez deverá ressarcir a quantia de R$ 34.550,00 (trinta e quatro mil, quinhentos e cinquenta reais), os quais deverão ter correção monetária de acordo com o INPC, desde o efetivo desembolso (17.06.2010), e juros de mora, na ordem de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação;

  II) Condenar a requerida ao pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de indenização por danos morais, os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da data de arbitramento - Súm. 362 do STJ -, e incidir juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a partir da data de 17.06.2010.

  Tocante a sucumbência, porquanto o autor decaiu à metade de seus pedidos, deve ser aplicada à hipótese a regra procedimental do artigo 21, caput, do Código de Processo Civil, ou seja, o pagamento recíproco e proporcional da verba honorária e custas processuais, estando nesta incluídos os honorários periciais, levando-se à repartição das custas e despesas processuais, estas que serão devidas na proporção de 50% (cinquenta por cento) para o autor e 50% (cinquenta por cento) para a ré.

  Condeno a parte autora ao pagamento da verba honorária, que arbitrado em R$ 2.000,00 (dois mil reais), enquanto que condeno a parte ré, igualmente, ao pagamento de honorários que estabeleço em 10% (dez por cento) do valor da condenação, com base no artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, vedada a compensação.

  Por fim, em atenção ao pedido de fl. 273, entendo que as perguntas englobam a perícia realizada, razão pela qual os honorários já depositados abrangem os quesitos suplementares respondidos, razão pela qual indefiro nova fixação de honorários periciais. (fls. 300-301).

           Na fundamentação, consignou-se que o autor, apesar de ter adquirido veículo novo, precisou, em menos de um ano, levá-lo à concessionária por sete vezes, em uma periodicidade aproximadamente quinzenal, situação que além de incontroversa, restou comprovada materialmente pelas ordens de serviço de ns. 13006, 13398, 13742, 13966, 15710, 15937 e 15970. Registrou-se a frustração do consumidor que investiu em carro novo e deparou-se com diversos problemas de funcionamento, tais como, sistema de ar-condicionado, ruídos, mal funcionamento eletrônico, fluxo irregular da ventilação interna e infiltração de água, sendo que alguns deles não foram efetivamente reparados. Reconheceu-se a existência de vício de qualidade do produto e manifesta inadequação do automóvel, posto que, superado o prazo de trinta dias para previsto no § 1º, do artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor. Assim, rescindiu-se o contrato de compra e venda firmado entre as partes e, em consequência, determinou-se a devolução do automóvel à concessionária mediante a devolução do valor integral adimplido pelo consumidor. Ainda, afastou-se o pedido de condenação da ré ao pagamento de dano material, visto que realizado pedido genérico, bem como ao pagamento de lucros cessantes, por não ter trazido aos autos provas aptas a comprovar suas alegações, ônus que lhe incumbia, a teor do art. 333, inc. I, do CPC. Por fim, condenou-se a requerida ao pagamento de indenização por dano moral, sob o argumento de que a situação disputada nos autos supera o mero aborrecimento.

           Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação, em que levantou os seguintes pontos de insurgência:

           a) sua ilegitimidade passiva, visto que a responsabilidade por supostos defeitos do automóvel seria da fabricante, não havendo responsabilidade solidária entre si e a concessionária ré;

           b) nas diversas vezes, em que o veículo esteve em sua sede para conserto, não permaneceu na concessionária por prazo superior a dois dias, tendo a maioria das falhas sido sanadas, conforme laudo pericial;

           c) restou constatada pelo perito apenas a desregulagem do sistema de ar-condicionado, ocorrida pelo fato do autor não ter realizado as revisões obrigatórias periódicas;

           d) a perícia constatou que a falha no sistema de injeção eletrônica e possibilidade de pane de funcionamento poderia ser eliminada com testes de substituição de componentes, todavia, referida pane jamais aconteceu;

           e) os defeitos apontados pelo expert - desregulagens do ar- condicionado, falha do sensor da borboleta e no sistema de injeção - não tornam o veículo impróprio para o uso;

           f) requereu, alternativamente, a substituição da condenação à restituição dos valores pagos pela condenação ao pagamento do valor referente à desvalorização do veículo em razão do vício apresentado, a ser apurado em liquidação de sentença, ou pela condenação ao pagamento do valor do veículo com fulcro na Tabela Fipe na data da devolução do bem, considerando-se a depreciação do automóvel pela utilização ou, em última hipótese, pela condenação à restituição dos valores pagos pelo veículo com a incidência de juros apenas após a devolução do automóvel;

           g) a incidência da correção monetária a partir da data do ajuizamento da ação, a teor da interpretação dada ao art. 1º, § 2º, da Lei n. 6.899/81;

           h) afastamento do dano moral arbitrado, uma vez não comprovado o abalo anímico supostamento sofrido pelo autor;

           i) requereu, por fim, a minoração do valor indenizatório.

           A parte autora foi intimada para apresentar contrarrazões, postergando-se o recebimento do recurso, nos termos do art. 1.010, § 3º, do CPC. Em contrarrazões (fls. 328-336), sustentou os fundamentos da decisão e pugnou pelo desprovimento do apelo da ré.

           Após, os autos ascenderam a esta instância. Distribuídos, vieram conclusos.

           Este é o relatório.

VOTO

           1 A admissibilidade do recurso bem como o seu julgamento serão realizados sob o enfoque do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/15), vigente à época da publicação da decisão recorrida, nos termos do enunciado administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/15 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

           O reclamo atende aos pressupostos de admissibilidade, observando-se, inicialmente, sua tempestividade. O preparo foi recolhido. O interesse recursal é manifesto e as razões de insurgência desafiam os fundamentos da decisão profligada. Encontram-se satisfeitos, pois, os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

           2 Registre-se que é inconteste a necessidade de análise do caso vertente sob a égide das determinações legais constantes no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso porque a relação jurídica existente entre as partes é tipicamente de consumo, visto que ambas enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor ditados pelos artigos 2º e 3º da legislação consumerista.

           3 Preliminarmente, sustentou a apelante sua ilegitimidade passiva em razão da inexistência de responsabilidade solidária entre si e a fabricante do veículo, a qual, apesar de não integrar o pólo passivo da lide, seria a responsável pelos vícios apresentados pelo automóvel.

           Sem razão, contudo.

           Segundo o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor responde independente de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores em decorrência de defeitos relativos à prestação do serviço, in verbis:

  Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

           Verifica-se que o parágrafo único do art. 7º do CDC adotou o princípio da solidariedade legal para a responsabilidade pela reparação dos danos causados ao consumidor, podendo, pois, o consumidor escolher quem acionará.

           Sobre o tema leciona a doutrina:

  O parágrafo único do art. 7º traz a regra geral sobre a solidariedade da cadeia de fornecedores de produtos e serviços. Aqui a idéia geral é o direito de ressarcimento da vítima-consumidor (art. 6º, VI, c/c art. 17 do CDC), uma vez que o microssistemado CDC geralmente impõe a responsabilidade objetiva ou independente de culpa (arts. 12, 13, 14, 18, 20 do CDC). O CDC permite assim a visualização da cadeia de fornecimento através da imposição da solidariedade entre os fornecedores. O CDC impõe a solidariedade em matéria de defeito do serviço (art. 14 CDC) em contraponto aos arts. 12 e 13 do CDC, com responsabilidade objetiva imputada nominalmente a alguns agentes econômicos. Também nos arts. 18 e 20 a responsabilidade é imputada a toda cadeia, não importando quem contratou com o consumidor. Segundo o parágrafo único do art. 7º, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo, disposição que vem repetida no art. 25, § 1º. ( BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 360-361)

           No caso em tela, a apelante responde, solidariamente, pelos danos que decorrem de falha na prestação dos serviços juntamente com a fabricante, portanto, detém legitimidade para integrar o polo passivo da demanda, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, e 14, ambos, do Código de Defesa do Consumidor.

           4 Tem-se, no caso concreto, que se trata de aquisição de veículo "zero km" que apresentou diversos vícios e que foi levado para conserto em 7 diferentes ocasiões em período inferior a um ano a partir da aquisição (ocorrida em 17.6.2010), quais sejam: 20.10.2010 - O.S. n. 13006, por apresentar infiltração de água pelo parabrisas e problemas no ar-condicionado; 10.11.2010 - O.S. n. 13398, em razão de ruídos nas portas; 29.11.2010 - O.S. n. 13742, por trepidação na embreagem, falta de pressão na guarnição do vidro da porta dianteira e problemas no sistema de ar-condicionado; 9.12.2010 - O.S. n. 13966, ainda por problemas no ar-condicionado e infiltração de água pela porta; 14.3.2011 - O.S. n. 15710, para conserto do velocímetro e trava da boca do combustível; 24.3.2011 - O.S. n. 15937; 28.3.2011 - O.S n. 15970, por problemas no velocímetro e mal funcionamento das travas das portas (fls. 43-48).

           Assim, como mencionado anteriormente a reparação civil com amparo no Código de Defesa do Consumidor dispensa a comprovação de culpa, mas pressupõe a presença dos requisitos de ilícito, dano e nexo causal.

           No caso, diferentemente do apregoado no recurso de apelação, não se mostra possível isentar a concessionária ré pelos vícios existentes no veículo, tampouco se pode dar guarida à alegação de que os defeitos decorrem da não realização de revisão obrigatória em seu prazo adequado.

           Isso porque, a desregulagem dos sistemas de ar-condicionado e de injeção eletrônica não foi solucionada pela concessionária desde o momento do seu surgimento até a data da perícia no automóvel, na qual o expert, em seu quesito n. 2, confirmou a existência de peças avariadas nestes dois sistemas, bem como a necessidade de testes de substituição de componentes para eliminar possíveis panes de funcionamento no sistema de injeção eletrônica. (fls. 211-212).

           Não se descuida da alegação da requerida de que a realização de apenas uma das revisões obrigatórias no automóvel, quando este contava com 7.191 km rodados e, à época da perícia realizada, o veículo apresentava 50.749 km rodados, satisfatória à atribuição do consumidor da responsabilidade pelos vícios do veículo. Todavia, extrai-se da cópia do manual de garantia colacionado pela perícia, à fl. 205, a previsão de nova revisão apenas quando o automóvel contasse 45.000 km, ou seja, por quilometragem pouco inferior a realizada pelo automóvel na data do laudo pericial.

           Aliado a isso, desde a primeira vez que o veículo retornou a concessionária ré foi constatado vício no sistema de ar-condicionado, o qual somente seria objeto de revisão após a rodagem de 30.000 km pelo automóvel, conforme perícia complementar de fls. 248-251.

           É cediço que o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, caput e § 1º, assegura ao comprador de produto com defeito exigir do fornecedor o reparo em prazo de trinta dias, ou escolha, a critério do consumidor, de uma de três soluções: substituição do produto, devolução com restituição do valor ou abatimento do preço.

           O direito de não efetuar a troca e sim promover o reparo é um favor legal ao fornecedor, que se aplica somente à hipótese em que a substituição da parte do defeito não prejudique o valor final do produto. É essa a regra inscrita no § 3º do art. 18 do CDC: "O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial".

           Sobre o tema, disserta Cláudia Lima Marques:

  Nunca é demais frisar que este prazo de 30 dias previsto no § 1º só será utilizado em situações especiais, que permitam a substituição das partes do produto, como em caso de veículos. Nesse sentido, é claro o § 3º que exclui o prazo "sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor (...)". É um critério bastante subjetivo, que será sempre interpretado pró-consumidor, tendo em vista as expectativas legítimas que o produto despertou nele. Tratando-se de uma sociedade de consumo, o eventual conserto de bens de grande valor geralmente acarreta a diminuição de seu valor. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1212-1213).

           Zelmo Denari, em comentário sobre o tema, registra que o preceito é voltado especificamente para produtos industrializados dissociáveis:

  É bom frisar, neste tópico, que o Código concedeu ao fornecedor de bens o direito de proceder ao saneamento dos vícios capazes de afetar a qualidade do produto, no prazo de 30 dias, contados da sua aquisição. Esse prazo legal de saneamento dos vícios, no entanto, somente deve ser observado em se tratando de produtos industrializados dissociáveis, é dizer, que permitam a dissociação de seus componentes, como é o caso dos eletrodomésticos, veículos de transporte, computadores, armários de cozinha, copa ou dormitório. Se os vícios afetarem produtos industrializados ou naturais essenciais, que não permitem dissociação de seus elementos - v.g., vestimentas, calçados, utensílios domésticos, medicamentos, bebidas de todo gênero, produtos in natura -, não se oferece a oportunidade de saneamento, e o consumidor pode exigir que sejam imediatizadas as reparações previstas alternativamente no § 1º do art. 18, como prevê expressamente o § 3º, in fine. (In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 1. p. 224).

           Compreendido o escopo do preceito contido no art. 18 do CDC, revela-se razoável a sua aplicação na hipótese. O vício poderia ser resultante de uma peça com defeito, o que poderia ser rapidamente detectado e reparado, sem prejuízo para a qualidade ou o valor do produto. Esse prazo de espera de 30 dias, conferido ao fornecedor pelo já mencionado artigo 18 da Lei n. 8.078/90, foi aceito pelo consumidor.

           De outro lado, adquirido o produto com defeito, apresentada a situação ao fornecedor e transcorrido o prazo de trinta dias sem uma resposta, passa a existir uma situação contrária ao direito. O fornecedor, nesse caso, estará abusando do favor legal que lhe foi conferido pelo CDC e sujeitando o consumidor à privação do uso do produto que comprou.

           O posicionamento ora adotado possui respaldo neste Tribunal de Justiça. Em idêntico sentido ao que ora se concluiu, confira-se:

  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DESCONSTITUTIVA C/C CONDENATÓRIA. DEVOLUÇÃO DE VEÍCULO COM VÍCIO REDIBITÓRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA COM RELAÇÃO A REVENDEDORA E TERMINATIVA POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RELATIVAMENTE À FINANCEIRA DEMANDADA. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA. PLEITO DE MANUTENÇÃO DA HIGIDEZ DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO ENTABULADO COM O AUTOR. AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO EM RELAÇÃO AO BANCO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ALEGAÇÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DO CONTEÚDO DA SENTENÇA. INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 514, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973. REQUISITO FORMAL NÃO PREENCHIDO. RECURSO NÃO CONHECIDO. RECURSO DA REVENDEDORA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO NEGOCIAL. INSUBSISTÊNCIA. PROVA ORAL E TESTEMUNHAL ATESTANDO TER O VEÍCULO SIDO ALIENADO PELA REVENDEDORA REQUERIDA. VÍCIO OCULTO. PEDIDO DE REFORMA DO JULGADO AO ARGUMENTO DA CARÊNCIA PROBATÓRIA DO VÍCIO. INSUBSISTÊNCIA. PROVA ORAL UNÍSSONA A COMPROVAR A EXISTÊNCIA DE ADULTERAÇÃO NO MOTOR VERIFICADA EM VISTORIA DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO. DANOS MATERIAIS. ALEGADA INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZOS. INSUBSISTÊNCIA. ANULAÇÃO DO CONTRATO POR VÍCIO OCULTO NA COISA ALIENADA. RESCISÃO CONTRATUAL QUE IMPORTA NO RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. EXEGESE DO ARTIGO 182, DO CÓDIGO CIVIL. DANO MORAL. PLEITO DE AFASTAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR FALTA DE PROVAS DO ABALO MORAL. INSUBSISTÊNCIA. VÍCIO QUE IMPORTOU EM RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE BEM COMO AO USO REGULAR DO AUTOMÓVEL. DANO MORAL PRESUMIDO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO CONHECIDO. RECURSO DA REVENDEDORA CONHECIDO E DESPROVIDO. (Ap. Cív. n. 0018228-03.2008.8.24.0033, rel. Des. Denise Volpato, j. 12.12.2017).

  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. AQUISIÇÃO DE MOTOCICLETA ZERO QUILÔMETRO PARA SE DESLOCAR ATÉ O TRABALHO. DEFEITOS CONSTATADOS LOGO APÓS A COMPRA. REPAROS EM DIVERSAS OCASIÕES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DAS RÉS. 1. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 2. ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVA DO VÍCIO DO PRODUTO. INSUBSISTÊNCIA. ÔNUS PROBATÓRIO QUE LHE PERTENCIA, TENDO EM VISTA A INVERSÃO AUTORIZADA POR LEI (ARTIGO 6º, VIII, DA LEI N. 8.078/1990). NÃO OBSTANTE, VASTO ACERVO PROBATÓRIO ACOSTADO AOS AUTOS PELO CONSUMIDOR. 3. PROPALADA AUSÊNCIA DE DANO MORAL. SITUAÇÃO QUE SUPERA O MERO ABORRECIMENTO. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. "a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de ser cabível indenização por dano moral quando o consumidor de veículo zero quilômetro necessita retornar à concessionária por diversas vezes para reparo de defeitos apresentados no veículo adquirido.[...]" (STJ, AgRg no AREsp 60866/RS, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 5-12-2011. DJe 1-2-2012). 4. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE, NO ENTANTO, DEVE SER MINORADO DE R$15.000,00 PARA R$10.000,00, EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 5. RESCISÃO CONTRATUAL. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 6. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. DEMANDADAS DEVEM ARCAR COM A TOTALIDADE DAS CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 7. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Ap. Cív. n. 0002738-93.2013.8.24.0055, rel. Des. Raulino Jacó Brüning, j. 7.12.2017).

            Nesse contexto, a prova dos autos orienta-se no sentido de que, ao contrário do alegado no recurso de apelação, o adquirente do automóvel diligenciou adequadamente a fim de sanar os problemas existentes no veículo, procurando manter a relação contratual até o limite do aceitável: conforme já narrado, o autor levou o veículo para conserto pela ré em várias oportunidades, tendo alguns dos problemas persistido ao longo das sete tentativas de reparo e, por prazo superior ao determinado pela legislação consumerista.

           Diante disso, tal como pontuado na sentença, mostra-se correta a rescisão do contrato de compra e venda.

           5 Todavia, apesar da manutenção da rescisão contratual, a sentença merece reforma no que tange à restituição dos valores pagos pelo automóvel mediante sua devolução à ré.

           Isso porque, apesar dos vícios apresentados pelo veículo, o autor permanece utilizando o bem até hoje, de modo que, a devolução da quantia paga pela autora quando da aquisição do automóvel, há oito anos atrás, importa em enriquecimento sem causa do consumidor.

           Nesse contexto, revela-se adequado que o valor a ser ressarcido pela concessionária corresponda ao valor de mercado do automóvel na data da efetiva devolução do bem, utilizando-se como referência a tabela Fipe.

           Nesse sentido, tem entendido esta Corte de Justiça:

  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DAS RÉS. VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO ADQUIRIDO DAS REQUERIDAS QUE APRESENTOU VÍCIOS DE QUALIDADE EM PERÍODO CURTO DE TEMPO. MOTOR QUE TREPIDA EM BAIXA ROTAÇÃO. INCESSANTES TENTATIVAS DE REPARO. CONCESSIONÁRIA RÉ QUE EXTRAPOLA O PERÍODO DE 30 DIAS PARA CONSERTO DO VEÍCULO. APLICAÇÃO DO ART. 18, § 1º, DO CDC. POSSIBILIDADE DE O CONSUMIDOR EXIGIR, ALTERNATIVAMENTE, A SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO, A RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA OU O ABATIMENTO PROPORCIONAL DO PREÇO. ALEGADA DEMORA DO CONSERTO POR SER IMPORTADA A PEÇA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE PROVA. DISPONIBILIZAÇÃO DE CARRO RESERVA QUE NÃO POSSUI O CONDÃO DE AFASTAR A ESCOLHA DO CONSUMIDOR. RESCISÃO CONTRATUAL MANTIDA. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA PELO AUTOMÓVEL. AUTOR QUE USUFRUIU DO VEÍCULO, AINDA QUE POR PEQUENO LAPSO TEMPORAL. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE PAGO QUE DEVERÁ CORRESPONDER AO VALOR DE MERCADO DO VEÍCULO, CONFORME TABELA FIPE VIGENTE NA DATA DA ENTREGA À CONCESSIONÁRIA, SEM INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. "Após a rescisão do contrato de compra e venda, as partes devem retornar ao statu quo ante, situação que implica na devolução do bem viciado às rés, livre e desembaraçado de qualquer ônus, e no ressarcimento do veículo ao autor correspondente ao valor de mercado na data da sua devolução, utilizando-se como padrão o previsto na tabela Fipe, sem atualização e juros de mora." (TJSC, Apelação Cível n. 0000037-96.2012.8.24.0055, de Rio Negrinho, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 28-11-2016). [...] PLEITO DE MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO, FIXADO EM R$ 8.000,00. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE, DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DEFINIDOS PELA CÂMARA. JUROS DE MORA. FIXAÇÃO PELO JUÍZO A QUO A PARTIR DO EVENTO DANOSO. ILÍCITO CONTRATUAL. TERMO INICIAL QUE DEVE CORRESPONDER AO ATO CITATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (Ap. Cív. n. 0007038-45.2013.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Cláudia Lambert de Faria, j. 30.5.2017).

  APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUTOMÓVEL NOVO. VÍCIO DE QUALIDADE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE TODAS AS PARTES. PRELIMINAR. AVENTADA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONCESSIONÁRIA RÉ. AQUISIÇÃO DO AUTOMÓVEL EM CONCESSIONÁRIA DIVERSA. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. RÉ QUE, AO INICIAR A SUA ATUAÇÃO COMO AUTORIZADA DA MARCA HONDA, PROSSEGUIU REALIZANDO AS ATIVIDADES NO MESMO LOCAL E COM OS MESMOS FUNCIONÁRIOS DA CONCESSIONÁRIA ANTERIOR. ALTERAÇÃO SOMENTE DO NOME PERANTE O CONSUMIDOR. AUTOR QUE ENCAMINHOU O SEU VEÍCULO PARA CONSERTO NO MESMO ESTABELECIMENTO EM QUE O ADQUIRIU. PREJUDICIAL REFUTADA. MÉRITO. VÍCIO DE QUALIDADE COMPROVADO. DEFEITO NO SISTEMA DE EMBREAGEM. AUSÊNCIA DE REPARO EFICAZ. SUBSTITUIÇÕES QUE NÃO SURTIRAM EFEITO. PROBLEMA CONSTATADO NOS PRIMEIROS MESES DE USO QUE IMPLICA NA DESVALORIZAÇÃO DO AUTOMÓVEL. SENTENÇA MANTIDA. PRETENSÃO DO AUTOR DE SUBSTITUIÇÃO DO VEÍCULO POR UM NOVO OU RESTITUIÇÃO DO VALOR DE AQUISIÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. DEMANDANTE QUE USUFRUIU DO AUTOMÓVEL POR MAIS DE CINCO ANOS. USO GRATUITO QUE IMPLICARIA MANIFESTO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. RESTITUIÇÃO QUE DEVE CORRESPONDER AO VALOR DE MERCADO DO VEÍCULO, CONFORME TABELA FIPE VIGENTE NA DATA DA RESTITUIÇÃO, TAL COMO CONSIGNADO NA DECISÃO VERGASTADA. DANOS MORAIS. ABALO ANÍMICO INCONTESTE. VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO QUE DEVE SER FONTE DE FELICIDADE E SATISFAÇÃO, E NÃO DE INCÔMODOS E TRANSTORNOS. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. REDISTRIBUIÇÃO DAS VERBAS SUCUMBENCIAIS. RECURSOS DAS RÉS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Ap. Cív. n. 2014.055405-6, da Capital, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 12.2.2015).

           Ante o exposto, reforma-se a sentença a fim de determinar a restituição à parte autora do valor correspondente ao valor de mercado do automóvel na data em que for devolvido à concessionária, utilizando-se como referência a tabela Fipe, sem atualização e juros de mora.

           6 Em decorrência da exclusão da condenação ao pagamento de correção monetária, resta prejudicado o ponto do apelo que se insurge quanto ao termo inicial do encargo.

           7 Superada a questão relativa aos danos materiais, mantendo-se a determinação para rescisão contratual, passa-se à análise da tese recursal referente à condenação ao pagamento de danos morais.

           O dano moral é indenizável, pretensão que encontra suporte nos artigos 186 e 944 do Código Civil. Entretanto, não é qualquer ato ou situação que é capaz de causar o abalo moral. Para a sua configuração, o sofrimento de quem se diz ofendido deve ultrapassar a linha da normalidade, atingindo sobremaneira a reputação, a honra ou a integridade moral do indivíduo e o seu comportamento psicológico. Não merece indenização o simples desagrado, a irritação ou o aborrecimento diante de uma situação cotidiana, devendo-se distinguir lesão a atingir a pessoa e mero desconforto.

           Em complementação, o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho leciona sobre a configuração do dano moral:

  Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do individuo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por dano moral, ensejando ações judiciais em busca pelos mais triviais aborrecimentos. (Programa de responsabilidade civil. 11. ed. - São Paulo : Editora Atlas S.A., 2014. p. 111).

           Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou:

  A jurisprudência desta Corte entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de circunstância a ensejar mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando mero descumprimento contratual, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente. (AgRg no AREsp n. 701.905/MG, rel. Min. Raul Araújo, j. 1.12.2015).

           O entendimento é o mesmo nas hipóteses em que se discute o mero dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual:

  O simples inadimplemento contratual não gera, em regra, danos morais, por caracterizar mero aborrecimento, dissabor, envolvendo controvérsia possível de surgir em qualquer relação negocial, sendo fato comum e previsível na vida social, embora não desejável. No caso em exame, não se vislumbra nenhuma excepcionalidade apta a tornar justificável essa reparação. "Não cabe indenização por dano moral quando os fatos narrados estão no contexto de meros dissabores, sem humilhação, perigo ou abalo à honra e à dignidade do autor" (REsp 1.329.189/RN, Rel.Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012). (AgRg no AREsp n. 844.643/PB, rel. Min. Marco Buzzi, j. 26.4.2016).

           Essa orientação existe para evitar que a tutela jurídica estatal não transborde em excessiva ingerência na vida privada, com a regulação das relações sociais nos seus mínimos detalhes, ao lado da multiplicação de ações judiciais desnecessárias, com prejuízo para a efetividade da prestação jurisdicional.

           Sem desatentar à validade de tal argumento, é necessário ponderar, por outro lado, que o Poder Judiciário deve, no exame das provas, diferenciar as situações de "mero dissabor" daquelas em que o desgosto experimentado é significativo e resulta de prática abusiva de quem tem com a outra parte relação de poder. Devem, portanto, ser analisados em cada caso os fatos, as circunstâncias do ofensor e do ofendido e as consequências produzidas pela ação ou omissão daquele na vida desse. Ou seja, para caracterizar-se o dever de indenizar, é imprescindível a coexistência da ação ou omissão, do dano e do nexo de causalidade, competindo a parte autora a demonstração da existência dos fatos constitutivos do seu direito à luz do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, encargo que restou cumprido.

           Há provas suficientes no sentido de que não se trata de mero dissabor diante do que se mostrou um verdadeiro calvário para o adquirente do bem - que desembolsou expressiva quantia ao buscar um veículo que suprisse a demanda para fins de trabalho e, ao revés, teve franca impossibilidade de uso, com sucessivas idas à concessionária.

           7.1 Por fim, no tocante ao quantum indenizatório, tampouco merece ser reformada a decisão objurgada.

           Conforme assente na jurisprudência, a quantificação do dano deve, de um lado, compensar a vítima pelo abalo sofrido e, de outro, ter caráter pedagógico ao infrator, a fim de que não lhe seja infligida sanção irrelevante, incapaz de estimular uma mudança de comportamento.

           Sobre o tema, registra-se precedente do Superior Tribunal de Justiça:

  A fixação da indenização por dano moral deve revestir-se de caráter indenizatório e sancionatório, adstrito ao princípio da razoabilidade e, de outro lado, há de servir como meio propedêutico ao agente causador do dano. (REsp 582.047/RS, rel. Min. Massami Uyeda, j. 17.2.2009)

           No caso, a quantia de R$ 8.000,00 mostra-se razoável diante da miríade de problemas experimentados pelo autor e não se pode crer que onere em demasia a concessionária, além de servir de instrumento coercitivo a fim de evitar que situações de desídia com o consumidor como a presente voltem a se repetir.

           8 Por todo o exposto, conhece-se do recurso e dá-se-lhe parcial provimento.

           É o voto.


Gabinete Desembargador Sebastião César Evangelista