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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0027942-30.2012.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Júlio César Knoll
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Mar 20 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Roberto Lepper
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0027942-30.2012.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Júlio César Knoll

   ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESOCUPAÇÃO DE BEM PÚBLICO OCUPADO POR PARTICULAR. IMÓVEL PERTENCENTE AO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. COMPROVAÇÃO DE PRÉVIO EXERCÍCIO DA POSSE PELA MUNICIPALIDADE. DESCABIMENTO. POSSE JURÍDICA. INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS E DE CONCESSÃO DE MORADIA ALTERNATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MERA DETENÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

   "Em relação aos bens públicos, a posse 'decorre do domínio (posse jurídica), o que dispensa maiores considerações acerca da anterioridade da prática de atos possessórios, pois, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a proteção possessória dos bens públicos, regida que é pelas normas de direito administrativo, não pode ser deferida nos moldes privatistas do direito civil, para o qual é indispensável o poder material sobre a coisa, por intermédio do exercício de fato de um dos poderes inerentes ao domínio'" (TJSC, Apelação Cível n. 2007.039152-4, de Fraiburgo, rel. Des. Vanderlei Romer, Primeira Câmara de Direito Público, j. 04-10-2007).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0027942-30.2012.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara da Fazenda Pública em que é Apelante Daniele dos Santos e Apelado Município de Joinville.

           A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e desprover o apelo, mantendo incólume a decisão hostilizada por seus próprios fundamentos. Custas na forma da lei.

           O julgamento, realizado no dia 20 de março de 2018, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Ronei Danielli.

           Funcionou como representante do Ministério Público o Dr. Murilo Casemiro Mattos.

           Florianópolis, 20 de março de 2018.

Desembargador Júlio César Knoll

Relator

 

  RELATÓRIO

           Perante a 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, o Município de Joinville, devidamente qualificado, com fundamento nos permissivos legais, através de procurador habilitado, promoveu ação de reintegração de posse, em desfavor de Daniele dos Santos.

           Relatou, em síntese, que a requerida invadiu um terreno pertencente à municipalidade, o qual seria destinado à implementação do Loteamento Parque Residencial Palmiro Gomes Vidal.

           Pugnou, liminarmente, pela reintegração da posse, com a demolição da residência que foi edificada no imóvel e a cominação de astreinte em caso de novo esbulho, com a confirmação de seus efeitos ao final.

           Às fls. 24-26, foi deferida a antecipação de tutela.

           Regularmente citada, a demandada deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar defesa (fl. 31).

           Prosseguindo o feito, o Município de Joinville veio aos autos e informou a ocorrência de evacuação voluntária da propriedade e desfazimento da moradia (fls. 37-38).

           Ato contínuo, o MM. Juiz de Direito, Dr. Roberto Lepper, proferiu sentença, nos seguintes termos:

    Prejudicado o requerimento de demolição do casebre porquanto isso já foi levado a efeito espontaneamente pelos réus. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para confirmar a liminar e, com isso, reintegrar definitivamente o autor na posse do imóvel descrito na exordial. A ré e Juliano dos Santos (CPF 093.929.179-09) arcarão com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, que estabeleço em R$ 850,00 (CPC, art. 20, § 4º), estes devidos ao Município de Joinville, levando-se em conta que o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça "[...] é firme no sentido de que os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o ente público, não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade" (AgRg no AgRg no Ag nº 970.240/SC, Quinta Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 16.11.2010; idem: REsp nº 623.038/MG, Primeira Turma, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 18.10.2005). Tais obrigações, contudo, ficam suspensas porque é evidente que os obrigados são pobres na acepção da Lei nº 1.060/50. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive o MP (observe-se o disposto no art. 322). Joinville, 25 de junho de 2014 Roberto Lepper Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública

           Inconformada, a tempo e modo, Daniele dos Santos interpôs recurso de apelação.

           Disse, em suas razões, que não restaram preenchidos os pressupostos previstos no art. 927 do CPC, além de que faltava interesse processual para a propositura da demanda.

           Pugnou pela extinção do processo, sem resolução do mérito, ou, alternativamente, pela improcedência da actio, em razão da falta de comprovação da posse pela municipalidade.

           Requereu, em caso de manutenção da sentença, que a reintegração seja condicionada à prévia disponibilização de outra habitação à apelante e determinada à indenização pelas benfeitorias.

           Contrarrazões às fls. 77-85.

           Os autos foram encaminhados à Douta Procuradoria-Geral de Justiça, sendo que lavrou parecer o Dr. Lenir Roslindo Piffer, que opinou pelo conhecimento do recurso e, sobre o mérito, deixou de se manifestar, em razão da ausência de interesse público.

           Vieram-me conclusos.

           Este é o relatório.

 

  VOTO

           De início, mister enfatizar que, como a decisão vergastada foi prolatada na vigência do Código de Processo Civil de 1973, as disposições do novo regramento processualista não se aplicam ao presente recurso.

           Assim sendo, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do inconformismo.

           Trata-se de recurso de apelação, com o desiderato de reformar sentença, que acolheu os pedidos iniciais formulados nesta demanda, proposta pelo Município de Joinville, em desfavor de Daniele dos Santos.

           O entrave arquitetado na causa de pedir consubstanciou-se na ocupação ilegítima de bem público, pela parte requerida, adquirido pela municipalidade em 05-02-2010.

           Nas razões da insurgência, a apelante discorreu acerca da não demonstração do prévio exercício da posse esbulhada, ocasião em que argumentou a falta de interesse de agir da municipalidade.

           Entretanto, em caso de manutenção da desocupação, arguiu ter direito à retenção pelas benfeitorias úteis (na hipótese, uma casa de madeira de 20m²) e moradia alternativa.

           Adianto que melhor sorte não lhe socorre.

           É consabido que, quando se trata de bens públicos, não é imprescindível exigir do ente responsável que demonstre o poder físico sobre o imóvel, para que se caracteriza a posse sobre o bem.

           É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

    ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL PARA REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM AÇÃO DE USUCAPIÃO. PLEITO QUE VISA IMPEDIR O PODER PÚBLICO A DAR CONTINUIDADE A OBRAS EM SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. ABERTURA DE VIA PÚBLICA. BEM PÚBLICO OCUPADO POR PARTICULAR. MERA DETENÇÃO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ACAUTELADORES. RECURSO DESPROVIDO.

    "Em relação aos bens públicos, a posse 'decorre do domínio (posse jurídica), o que dispensa maiores considerações acerca da anterioridade da prática de atos possessórios, pois, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a proteção possessória dos bens públicos, regida que é pelas normas de direito administrativo, não pode ser deferida nos moldes privatistas do direito civil, para o qual é indispensável o poder material sobre a coisa, por intermédio do exercício de fato de um dos poderes inerentes ao domínio' (AC n. 2007.039152-4, Des. Vanderlei Romer). Conforme consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não é 'possível a posse de bem público, constituindo a sua ocupação mera detenção de natureza precária', não cabendo a 'invocação de 'posse velha' (artigo 924 do Código de Processo Civil), para impossibilitar a reintegração liminar em bem imóvel pertencente a órgão público' (T-4, Resp n. 932.971, Min. Luis Felipe Salomão; T-2, Resp n. 1.310.458, Min. Herman Benjamin). [...] (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.075532-5, de Joinville, rel. Des. Newton Trisotto, j. 15-4-2014)" (Agravo de Instrumento n. 2015.018216-4, de Joinville, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 2-2-2016) (AC n. 0300160-02.2016.8.24.0016, de Capinzal, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 9-5-2017, grifou-se).

           Em caso análogo ao dos autos, em que o Município de Joinville integrou como autor em ação reintegratória de posse contra particular, a Segunda Câmara de Direito Público decidiu:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE PROPOSTA PELO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. BEM PÚBLICO OCUPADO POR PARTICULAR. ALEGAÇÃO DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL EM RAZÃO DA INEXISTÊNCIA DE PRÉVIA POSSE DA MUNICIPALIDADE SOBRE A ÁREA E, AINDA, FALTA DE PROVA QUANTO A PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INSUBSISTÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. POSSE PRESUMIDA E PROVA ROBUSTA DA PROPRIEDADE POR PARTE DA MUNICIPALIDADE. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS E DE CONCESSÃO DE MORADIA ALTERNATIVA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE IRREGULAR DA ÁREA. SITUAÇÃO QUE CARACTERIZA MERA DETENÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 

    "Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade" (Resp 863939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24/11/2008). 

    A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. Ora, se assim deve ser, o particular não exerce posse sobre imóvel inserido em área pública, mas mera detenção, a qual é insuscetível de atender às condicionantes que ensejam o direito à indenização e a moradia alternativa pleiteadas pela apelante. (TJSC, Apelação Cível n. 0021285-38.2013.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 11-07-2017, grifou-se).

           E, do corpo do acórdão, extrai-se:

    Inicialmente, imperioso ressaltar alguns pontos específicos atinentes a matéria em análise.

    Sabe-se que os imóveis públicos são insuscetíveis de usucapião (art. 183, § 3º, da CF e art. 102 do CC). "Desse modo, mesmo que o interessado tenha a posse de bem público pelo tempo necessário à aquisição do bem por usucapião, tal como estabelecido no direito privado, não nascerá para ele o direito de propriedade, porque a posse não terá idoneidade de converter-se em domínio pela impossibilidade jurídica do usucapião." (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, RJ: Lúmen Juris, 2008, p. 1011).

    Diga-se também, desde logo, que o fato de o município nunca ter reivindicado o imóvel, nem se oposto à posse dos autores, não possibilita a declaração de propriedade com base na prescrição aquisitiva. Os bens públicos são imprescritíveis enquanto preservarem essa condição.

    Conforme leciona Hely Lopes Meirelles:

    A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como conseqüência lógica de sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: se os bens púbicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Dai não ser possível a invocação de usucapião sobre eles. É princípio jurídico, de aceitação universal, que não há direito contra Direito, ou, por outras palavras, não se adquire direito em desconformidade com o Direito (Direito Administrativo Brasileiro, SP: Malheiros, 2004, p. 517).

    Da mesma forma, não induz o usucapião o fato de o município não ter dado nenhuma destinação social ao terreno do autores.

    Sobre o tema, valiosa é a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

    É verdade que há entendimento no sentido de que é vedado o usucapião apenas sobre bens materialmente públicos, assim considerados aqueles em que esteja sendo exercida atividade estatal, e isso porque somente esses estariam cumprindo função social. Dissentimos, concessia venia, de tal pensamento, e por mais de uma razão: a uma, porque nem a Constituição nem a lei civil distinguem a respeito da função executada nos bens públicos e, a duas, porque o entendimento, ou não, à função social somente pode ser constatada em se tratando de bens privados; bens públicos á presumidamente atendem àquela função por serem assim qualificados. (Op., cit., p. 1011/2).

    Desse modo, não há falar que não foram preenchidos os pressupostos processuais específicos da inicial possessória, diante da falta de interesse processual em razão da inexistência de prévia posse do Município apelado sobre a área.

    Pois bem.

    Quanto a falta de prova de que o imóvel ocupado pertence ao Município, assim como sobre os pedido de indenização e de moradia alternativa, com a devida vênia, transcreve-se o pertinente das bem lançadas palavras do douto magistrado a quo, que pôs fim a estas celeumas:

    Quanto ao mérito, denoto que o autor comprovou ser proprietário da área questionada, conforme certidão imobiliária à fl. 14, e a ré não infirmou essa prova da propriedade. Aliás, sequer contestou a alegação do autor quanto ao ser proprietário da área tratada nestes autos, o que a torna confessa a tal respeito.

    Outrossim, o esbulho praticado além de implicitamente confessado na peça de defesa, decorre da prova documental aparelhada à inicial, mais especificamente através da notificação constante à fl. 18.

    Dessarte, forçoso é ter que as provas carreadas conjugadas com as próprias assertivas trazidas aos autos levam ao fato de que plenamente comprovada resta a propriedade alegada pelo autor e de que a demandada ingressou clandestinamente em parte da área e nela edificou irregularmente.

    Dessa forma, considerando, como dito, que a posse antecedente exercida pelo poder público é presumida, impositivo é o acolhimento da reintegração perseguida na peça de exordio, pois presentes os requisitos do art. 561 do CPC (927 do CPC/73).

    No propósito ao ter como de rigor o acolhimento do pedido, acentuo que a argumentação defensiva avocando o direito à moradia como impeditivo da pretensão vestibular não merece alento. A uma, em função de que invasões clandestinas em áreas de interesse de toda uma sociedade, previstas justamente para o bem estar da coletividade a área ocupada decorre de reserva de loteamento e é destinada ao verde e, portanto, degradantes e invasivas ao meio ambiente não têm como receber a chancela do Poder Público a pretexto de estar a moradia inserida como direito social do indivíduo; e, a duas, embora não se negue o direito constitucional à moradia, não tem o Judiciário, sob o argumento de que o Executivo não tem cumprido com um dever escrito na Constituição Federal, como compatibilizar com tais tipos de ações e, assim, ser conivente com irregularidades.

    Resumindo, repito aqui o que tenho dito em casos análogos, no sentido de que não se nega o direito à moradia. O que se rejeita é a conivência com situações irregulares de invasões clandestinas em áreas da coletividade, de interesse da toda uma sociedade, que a pretexto de estarem coletivos, inclusive aquele que detém a sociedade quanto ao meio ambiente saudável.

    Quanto ao mais, observo que a ré não cogitou da prescrição aquisitiva. De qualquer sorte, lembro que os imóveis públicos, por expressa disposição contida no art. 183, § 3º, da CF, não são adquiridos por usucapião. Aliás, os imóveis públicos, assim como os demais bens públicos, não podem ser objeto de alienação a qualquer título, por qualquer motivo, mas somente quando observados requisitos específicos e legais.

    Logo, não podendo o bem público, ressalvadas situações excepcionais legais, ser alienado, conclusivo é que tampouco pode se converter em objeto do direito de posse de outrem que não o Estado (lato sensu), circunstância que, por si só, afasta qualquer possibilidade de indenização por benfeitorias, já que essa depende da configuração da posse (fls. 78 - 79).

    E, em sede de embargos declaratórios, complementou:

    Com efeito, como referi na sentença dirimindo a questão da própria invasão praticada pela ora embargante, não se nega o direito à moradia, contudo, esse direito assistencial não legitima a ocupação ilícita da propriedade, seja pública ou privada, circunstância que, por si, já enseja ver que não há como se condicionar a retomada da posse a quem de direito vinculando esse ato a disponibilização de imóvel, pois não há como se admitir, ou mesmo tolerar, que a violência da invasão imponha condição. Aliás, a construção e disponibilização de moradias populares pelos ente públicos tem operado no País por meio de programas próprios de assistência, o que revela que condicionar a desocupação de área invadida a disponibilização de moradia violaria o acesso isonômico daqueles que regularmente encontram-se inscritos nos programas governamentais, já que se colocaria o invasor em condição preferencial, preterindo-se os regularmente cadastrados (fl. 85).

           No caso em análise, a certidão de fls. 12-13, lavrada pelo 1º Registro de Ofício de Registro de Imóveis, daquele Município, relata que a Administração Pública é proprietária da área em discussão.

           Por outro lado, o esbulho praticado pela apelante restou demonstrado com a notificação extrajudicial para desocupação do imóvel (fl. 16) e as fotos acostadas no caderno processual.

           Sendo assim, a ocupação de imóvel público, quando irregular, caracteriza-se como mera detenção, não podendo ser reconhecida como posse, ainda que de boa-fé.

           Colhe-se da jurisprudência do STJ:

    ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. BENS PÚBLICOS. AÇÃO POSSESSÓRIA DE REINTEGRAÇÃO. DETENÇÃO IRREGULAR DO PARTICULAR. DESOCUPAÇÃO. CABIMENTO.

    [...] 2. Trata-se, in casu, de bem público ocupado irregularmente por particular que, mesmo após notificação para desocupação, permaneceu no bem. Insurge-se o recorrente contra o tipo de ação promovida pela recorrida para fazer cessar a desocupação.

    3. Tem-se caso de ocupação de área pública, a qual, dada sua irregularidade, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção.

    4. Não há como prosperar qualquer alegação do recorrente para fazer-se permanecer com a detenção irregular do bem público. Ademais, não se discute nos autos a propriedade do bem, portanto, plenamente cabível a ação possessória para fazer desocupar de bem público quem o detinha de forma irregular. Portanto, não pode prosperar a alegação do recorrente de que não cabe ação possessória de reintegração no presente caso.

    5. Recurso especial a que se nega provimento (REsp. n. 1.203.500 - RJ (2010/0129071-7), rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 21-9-2010, grifou-se).

           Nesse diapasão, inexiste a obrigação de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias e moradia alternativa, uma vez que, para ser realizada, a posse deve estar plenamente configurada, o que, no caso em apreço, não se permite.

           Conforme já dito alhures, "Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias (REsp n. 863.939/RJ, rel.ª Min.ª Eliana Calmon, DJe 24-11-2008)."

           Não destoa esta Corte:

    APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ÁREA DESAPROPRIADA PARA A CONSTRUÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO. OCUPAÇÃO DO IMÓVEL POR PARTICULAR. AUSÊNCIA DE PROVA DE AUTORIZAÇÃO, CONCESSÃO OU PERMISSÃO DE USO. ESBULHO CARACTERIZADO. MERA DETENÇÃO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DAS BENFEITORIAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.

    "Configurada a ocupação indevida de bem público, não há falar em posse, mas em mera detenção, de natureza precária, o que afasta o direito à indenização por benfeitorias." (Resp 1310458/DF, Rel. Ministro Hermann Benjamin) (Ap. Cível n. 2011.081816-4, rel. Des. José Volpato de Souza, j. em 21-11-2013, grifou-se).

           Assim, mostra-se acertada a decisão do juízo a quo, pois clarividente que a apelante estava ocupando o bem público de forma irregular, devendo ser mantida, nestes termos, a reintegração de posse ao Município de Joinville, posto que, a utilização do terreno ocorria a título precário.

           Nessa toada:

    APELAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL DE FATO PERTENCENTE AO MUNICÍPIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ. POSSE ANTERIOR DO ENTE PÚBLICO QUE SE PRESUME. OCUPAÇÃO IRREGULAR EVIDENCIADA. MERA DETENÇÃO. JUNTADA DE NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO DA PORÇÃO DE TERRA. CONFIGURAÇÃO DO ESBULHO PRATICADO PELA PARTICULAR. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. INSURGÊNCIA CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJSC, Apelação n. 0041402-89.2009.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 14-06-2016).

    APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL PERTENCENTE AO MUNICÍPIO. OCUPAÇÕES IRREGULARES. MERA DETENÇÃO. DESOCUPAÇÃO. CABIMENTO. SENTENÇA A QUO MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.099014-3, de Palhoça, de minha relatoria, j. 30-04-2015).

           Confirma-se a sentença, outrossim, quanto ao afastamento dos encargos sucumbenciais (fl. 45), em virtude da apelante ser beneficiária da justiça gratuita (fl. 73).

           Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e desprover o apelo, mantendo incólume a decisão hostilizada por seus próprios fundamentos.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Júlio César Knoll