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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0016145-59.2012.8.24.0005 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: João Henrique Blasi
Origem: Balneário Camboriú
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Mar 20 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Adriana Lisboa
Classe: Reexame Necessário

 


 


Reexame Necessário n. 0016145-59.2012.8.24.0005, de Balneário Camboriú

Relator: Desembargador João Henrique Blasi

   REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE ALVARÁ DE LICENÇA PARA A REALIZAÇÃO DE EVENTOS DE PÔQUER, NA MODALIDADE "TEXAS HOLD'EM". NEGATIVA DA AUTORIDADE COATORA POR CONSIDERAR TRATAR-SE DE JOGO DE AZAR. ATO ÍRRITO. ATIVIDADE QUE DEPENDE DE HABILIDADE E NÃO DE SORTE. CONTRAVENÇÃO PENAL NÃO TIPIFICADA. VEDAÇÃO APENAS QUANTO À PRÁTICA DE "CASH GAME" OU OUTRA CATEGORIA DE JOGO DE DINHEIRO. PRECEDENTES. LIMINAR CONFIRMADA. SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM MANTIDA. REMESSA DESPROVIDA.

   "[...] o jogo de pôquer não é jogo de azar, pois não depende - exclusiva ou principalmente da sorte - (DL 3.688/41, art. 50, a), norma cujo rumo não pode ser invertido, como se dissesse que de azar é o jogo cujo ganho ou perda não depende exclusiva ou principalmente da habilidade. É o contrário. Diz que pode prevalecer é o fator sorte, e não que deve prevalecer o fator habilidade. [...] No pôquer, o valor real ou fictício das cartas depende da habilidade do jogador, especialmente como observador do comportamento do adversário, às vezes bastante sofisticado, extraindo daí informações, que o levam a concluir se ele está, ou não, blefando. Não por acaso costuma-se dizer que o jogador de pôquer é um blefador. Por sua vez, esse adversário pode estar adotando certos padrões de comportamento, mas ardilosamente, isto é, para também blefar. Por exemplo, estando bem, mostra-se inseguro, a fim de o adversário aumentar a aposta, ou, estando mal, mostra-se seguro, confiante, a fim de o adversário desistir. Em suma, é um jogo de matemática e de psicologia comportamental." (TJRS - Mandado de Segurança n. 70025424086, de Porto Alegre, Primeira Câmara Cível, rel. Des. Irineu Mariani, j. 17.12.2008)" (Grupo de Câmaras de Direito Público. Mandado de Segurança n. 2010. 047810-1, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, julgado em 27.10.2011).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reexame Necessário n. 0016145-59.2012.8.24.0005, da comarca de Balneário Camboriú, Vara da Fazenda Pública, em que é impetrante Associação Circuito Balneário Camboriú de Poker e impetrado Delegado Regional da 29ª Ciretran de Balneário Camboriú.

           A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade de votos, desprover a remessa. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Francisco de Oliveira Neto, que o presidiu, e Sérgio Roberto Baasch Luz.

           Florianópolis, 20 de março de 2018

Desembargador João Henrique Blasi

RELATOR

 

RELATÓRIO

           Cuida-se de reexame necessário de sentença proferida pela Juíza Adriana Lisbôa (fls. 1109 a 112) que, em mandado de segurança impetrado pelar Associação Circuito Balneário Camboriú de Poker - ACBCPOKER, via Advogado Clonny Capistrano Maia de Lima, contra ato da Delegada Regional de Polícia da 29ª DRP/SC do Município de Balneário Camboriú, concedeu a ordem para, confirmando a decisão liminar, determinar "[...] que a autoridade impetrada se abstenha de proibir a realização de TORNEIOS de pôquer na modalidade 'Texas-Hold'em, exceto 'cash game', ou qualquer modalidade do jogo a dinheiro na sede da associação impetrante, desde que não haja outro motivo ensejador da negativa por parte da autoridade coatora, ficando proibidas as apostas" (fl. 112).

           Pelo Parquet exarou parecer o Procurador de Justiça Newton Henrique Trennepohl, que opinou pelo conhecimento e desprovimento da remessa (fls. 129 a 134)

           É, no essencial, o relatório.

VOTO

           Ressai dos autos que a associação impetrante requereu e a autoridade impetrada negou a expedição de alvará de licença para a realização de eventos de pôquer em sua sede, sob a justificativa de que "[...] a legislação brasileira não faz qualquer citação específica sobre o jogo de pôquer [...]" (fl. 63), aduzindo, ainda, tratar-se de jogo de azar, conforme definido pela Lei de Contravenções Penais (n. 3.688/1941).

           A sentença reexaminanda, confirmando a liminar antes concedida, com esteio em precedentes deste Tribunal, porta suficiente fundamentação que bem justifica a concessão da ordem, por estar evidenciado o direito líquido e certo da entidade impetrante, quanto à promoção de eventos relacionados à prática de pôquer, na modalidade "Texas Hold'em", por não se enquadrar no perfil de jogos de azar, mas sim de esporte que depende da habilidade do jogador, ressalvada a impossibilidade da prática de "cash game" ou de outra categoria de jogo a dinheiro.

           Sobre o tema, esta Corte já manifestou o entendimento de que "[...] o jogo de pôquer não é jogo de azar, pois não depende - exclusiva ou principalmente da sorte - (DL 3.688/41, art. 50, a), norma cujo rumo não pode ser invertido, como se dissesse que de azar é o jogo cujo ganho ou perda não depende exclusiva ou principalmente da habilidade. É o contrário. Diz que pode prevalecer é o fator sorte, e não que deve prevalecer o fator habilidade. [...] No pôquer, o valor real ou fictício das cartas depende da habilidade do jogador, especialmente como observador do comportamento do adversário, às vezes bastante sofisticado, extraindo daí informações, que o leva a concluir se ele está, ou não, blefando. Não por acaso costuma-se dizer que o jogador de pôquer é um blefador. Por sua vez, esse adversário pode estar adotando certos padrões de comportamento, mas ardilosamente, isto é, para também blefar. Por exemplo, estando bem, mostra-se inseguro, a fim de o adversário aumentar a aposta, ou, estando mal, mostra-se seguro, confiante, a fim de o adversário desistir. Em suma, é um jogo de matemática e de psicologia comportamental.' (TJRS - Mandado de Segurança n. 70025424086, de Porto Alegre, Primeira Câmara Cível, rel. Des. Irineu Mariani, j. 17.12.2008)" (Grupo de Câmaras de Direito Público. Mandado de Segurança n. 2010.047810-1, da Capital, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. em 27.10.2011 - negritei)

           Mostra-se conveniente, ainda, reproduzir substancioso excerto do parecer exarado pelo Ministério Público, que segue na mesma vereda. Confira-se:

  [...] insta mencionar, de plano, que o jogo de pôquer, na modalidade Texas Hold'em, não se enquadra naquilo que é definido como jogos de azar, prática vedada pelo art. 50 da Lei de Contravenções Penais, in verbis:

  "Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:

  Pena - prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.

  (...)

  § 3º Consideram-se, jogos de azar:

  c) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;

  b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;

  c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva."

  Na verdade, o pôquer, segundo estudos, não possui a sorte como fator predominante, e sim a habilidade do jogador, como mostra o site da Brazilian Series of Poker:

  "O Poker é acometido por um fator randômico e aleatório a cada rodada: a distribuição de cartas.Esse fator gera uma falsa sensação de que a sorte decide o resultado das partidas. Mas após tal distribuição de cartas, existem dezenas de variáveis que são determinantes no andamento e no resultado de uma mão: a sua estratégia, a sua percepção acerca da estratégia de seus adversários, o uso da estatística e matemática, a sua posição e a posição de seus adversários dentro daquela mão, as rodadas de apostas e como elas se desenrolam no decorrer de uma mão específica, o seu padrão de comportamento e o padrão de comportamento dos seus adversários; a sua capacidade de leitura do comportamento de seus adversários, a simulação, a dissimulação, a extração exata de valor em situações de possuir uma mão vencedora, o blefe em situações de possuir uma mão perdedora, a capacidade de controlar suas emoções (& ) enfim, estas são algumas dentre inúmeras outras."

  Na mesma direção, concluiu estudo feito pelo Instituto de Criminalística, do Departamento Estadual de Polícia de São Paulo, após analisar as características do jogo de cartas denominado Texas Hold'em:

  "(...) Considerando que a requisição pericial exarada pela Autoridade Policial se deu para determinar as características do jogo de cartas denominado "Texas Hold'em" e que nos estudos a esta modalidade de jogo carteado contida em diversos manuais e pesquisas bibliográficas foram encontradas as características abaixo especificadas, infere o perito relator que o jogo de cartas Texas Hold'em tem como requisito preponderante e indispensável a habilidade.

  Tal conclusão se baseia em razão das seguintes características e circunstâncias que necessariamente devem ser observadas e de plena ciência dos participantes desta modalidade de jogo de cartas:

  I - Conhecimento de regras específicas predeterminadas conforme exposto neste laudo;

  II - posicionamento do participante na mesa de jogo, pois em função de sua posição a mesa, este terá mais informações que os demais participantes, no momento de decidir a jogada que o precederam na rodada;

  III - circunstância de suas cartas nas mãos, tais como o número de naipes e hierarquia dentro do baralho, fato que poderá ou não lhe permitir combinações melhores que a dos outros participantes no decorrer do jogo para obtenção do resultado vitorioso;

  IV - circunstâncias de suas cartas nas mãos, tais como números, naipes e hierarquia dentro do baralho, fato que poderá não lhe permitir combinações melhores que a dos outros participantes no decorrer do jogo para obtenção do resultado vitorioso;

  V - capacidade cognitiva, psicológica e sensibilidade visual e comportamental apresentada pelos demais participantes no jogo, pois em cada carta aberta no centro da mesa, há uma reação individual exteriorizada por cada participante que dominar melhor tais fatores, em princípio terá vantagem sobre os demais participantes da mesa na obtenção de um resultado vitorioso;

  VI - conhecimento de regras de estatísticas e aptidão matemática para analisar as possíveis combinações diferentes nas diversas fases de cada partida, pois o participante que dominar melhor tais fatores, em princípio terá vantagem sobre os demais participantes da mesa na obtenção de um resultado vitorioso;

  VII - possuir autocontrole emocional e físico para poder dissimular ou impingir aos demais participantes uma ideia errônea sobre suas combinações no decorrer da partida, pois tal controle permitirá utilizar mais ou menos do artifício denominado blefe para obtenção de um resultado vitorioso, tendo em vista que na prática em torno de 70% das partidas são vencidas sem que haja necessidade de se prosseguir."

  Desse modo, na medida em que a habilidade do jogador prevalece sobre o fator sorte, não há como considerar o jogo de pôquer como jogo de azar, porque ele não depende exclusiva ou predominantemente da sorte, como dispõe o art. 50, da Lei das Contravenções. (fls. 130 a 133 - destaquei)

           A propósito, em feito quejando, oriundo da mesma comuna, esta Corte, de igual modo deixou assentado que:

  REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. 1) NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ ESPECÍFICO PARA A REALIZAÇÃO DE TORNEIO DE PÔQUER. AUTORIDADE COATORA QUE NÃO CONCEDEU A LICENÇA POR SE TRATAR DE JOGO DE AZAR.  2) SENTENÇA QUE CONCEDEU A ORDEM EM PARTE PARA QUE A IMPETRADA SE ABSTENHA DE PROIBIR A REALIZAÇÃO DO TORNEIO DE PÔQUER DESCRITO NA INICIAL, EXCETO "CASH GAME", OU QUALQUER MODALIDADE DO JOGO A DINHEIRO, DESDE QUE NÃO HAJA OUTRO MOTIVO ENSEJADOR DA NEGATIVA. 3) ATIVIDADE QUE DEPENDE ESSENCIALMENTE DAS HABILIDADES DO PARTICIPANTE E NÃO MERAMENTE DE SORTE. MODALIDADE QUE NÃO SE ENQUADRA NO PRECEITO DO ART. 50, § 3º, "A", DO DECRETO N. 3.688/1941. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA. (Reexame Necessário n. 0014035-53. 2013.8.24.0005, de Balneário Camboriú, relª. Desª. Denise de Souza Luiz Francoski, 5ª Câmara de Direito Público, j. 14.12.2017 - destaquei).

           Sem mais, à vista do exposto, voto pelo desprovimento da remessa.


Gabinete Desembargador João Henrique Blasi