Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0301119-24.2014.8.24.0054 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Tulio Pinheiro
Origem: Rio do Sul
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial
Julgado em: Thu Feb 01 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Manuel Cardoso Green
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 72

 

 ESTADO DE SANTA CATARINA

 TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0301119-24.2014.8.24.0054, de Rio do Sul

Relator: Desembargador Tulio Pinheiro

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULO. SENTENÇA QUE, APÓS REPUTAR IRREGULAR A PRÉVIA CONSTITUIÇÃO EM MORA DA DEVEDORA, JULGOU IMPROCEDENTE A DEMANDA.

   RECURSO DA FINANCEIRA AUTORA.

   DEFENDIDA COMPROVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO EM MORA. TESE NÃO ACOLHIDA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL ACOSTADA À INICIAL REFERENTE A PARCELA DIVERSA DAQUELA QUE ENSEJOU O AJUIZAMENTO DA PRESENTE DEMANDA. FALTA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. DECISUM MANTIDO INCÓLUME. 

   RECLAMO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0301119-24.2014.8.24.0054, da Comarca de Rio do Sul (2ª Vara Cível), em que é Apelante Banco Itaucard S/A e Apelada Ardelina Vres Vicente:

           A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva e Des. Gilberto Gomes de Oliveira.

           Florianópolis, 1º de fevereiro de 2018.

Desembargador Tulio Pinheiro

PRESIDENTE E RELATOR

 

RELATÓRIO

           Na 2ª Vara Cível da Comarca de Rio do Sul, Banco Bradesco Financiamentos S.A. ajuizou ação de busca e apreensão em face de Ardelina Vres Vicente, com lastro na Cédula de Crédito Bancário n. 37279398/50156167-4, garantida por alienação fiduciária do veículo FORD/FUSION SEL 2.3 16V, de Placas MAR 2095 (fls. 1/6).

           Ao receber os autos, o MM. Juiz Manuel Cardoso Green deferiu a liminar (fl. 45), sendo os mandados de busca e apreensão e de citação devidamente cumpridos (certidão de fl. 50).

           A parte requerida apresentou defesa, na forma de contestação. Na peça, arguiu, preliminarmente, a nulidade da notificação extrajudicial, sob dois argumentos: a) de que recebida por terceiro estranho a lide; e b) de que "diz respeito à parcela de 28/02/2014, já quitada, enquanto os presentes autos versam sobre a parcela de 28/04/2014, igualmente já quitada". Outrossim, postulou a revisão das cláusulas do contrato e o reconhecimento da purgação da mora (fls. 56/77).

           Após manifestação contrária do banco acerca da purgação da mora (fls. 85/86), o MM. Juiz Manuel Cardoso Green, entendendo não estar constituída a mora da parte devedora, sentenciou o feito, julgando improcedente a busca e apreensão (fls. 87/88).

           Irresignado, o banco demandante interpôs recurso de apelação, pugnando pela cassação do decisum extintivo. Nas razões do inconformismo (fls. 93/97), sustentou estar devidamente comprovada a prévia constituição em mora da devedora, mormente porque a notificação extrajudicial colacionada para fins de comprovação da mora fez menção ao "vencimento antecipado das demais parcelas". Outrossim, defende ter havido excesso de rigor e formalismo na extinção do feito por parte do magistrado a quo.

           Em decisão de fl. 103, o juiz singular recebeu o recurso manejado e ordenou a restituição do veículo apreendido à parte requerida.

           Às fls. 109/115, o banco recorrido apresentou suas contrarrazões.

           Aportou aos autos certidão negativa de entrega do bem (fl. 133).

           Diante disso, o Juízo a quo determinou nova intimação da casa bancária autora, agora "para que promovesse a devolução do veículo à parte ré, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de atraso, limitada ao valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como sob pena de incidir em crime de desobediência' (fls. 140/141).

           O interlocutório foi objeto do Agravo de Instrumento n. 0139892-56.2015.8.24.0000, interposto pela instituição financeira, o qual, por acórdão desta Terceira Câmara de Direito Comercial, em acórdão de relatoria e lavra deste signatário, conheceu, em parte, do recurso e deu-lhe parcial provimento a fim de "reduzir o valor da multa diária para R$ 300,00 (trezentos reais), tendo por limite máximo o valor do preço do automóvel de acordo com a Tabela Fipe na data da apreensão do bem" (fls. 186/193).

           Em seguida, subiram os autos a esta Corte.

           Este é o relatório.

 

VOTO

           O inconformismo, adianta-se, não merece guarida.

           Como cediço, a comprovação da prévia constituição em mora do devedor constitui requisito indispensável à propositura da ação de busca e apreensão, a teor do que dispõe a Súmula 72 do Superior Tribunal de Justiça.

           A propósito da questão, a legislação que regula a matéria - Decreto-Lei n. 911/69 - foi objeto de alterações importantes, com a edição da Lei n. 13.043/14.

           Segundo a antiga redação do art. 2º, § 2º, do referido Decreto-Lei, a mora poderia ser comprovada mediante carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título inadimplido.

           Com a modificação da lei, deixou de ser exigida a participação de Serventia Extrajudicial para a interpelação do devedor, bastando, para fins de constituição em mora, prova da entrega de carta notificatória no endereço deste.

           Segue a nova redação do dispositivo supramencionado: "A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.".

           Considerando que a alteração da lei objetivou facilitar a prova da constituição em mora, admitindo a adoção de meio menos formal para a notificação do devedor, não parece lógico e razoável desconsiderar-se a possibilidade de utilização dos procedimentos mais solenes, realizados por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos e por Tabelionato de Notas.

           Nesse sentido, reproduz-se trecho de artigo de autoria do Juiz de Direito Silas Silva Santos, intitulado "Breves anotações sobre a Lei 13.043/2014: alienação fiduciária de bem móvel", citado pelo Exmo. Sr. Des. José Carlos Carstens Köhler em acórdão prolatado nos autos da Apelação Cível n. 2015.057004-6, datado de 15.09.2015:

    (...) Parece razoável entender que o objeto da nova lei foi o de facilitar a comprovação da mora, mediante a adoção de um expediente menos formal (carta registrada com AR), de sorte que a adoção de mecanismos mais solenes (notificação ficta pelo Cartório Extrajudicial ou protesto) não poderia ser considerada inidônea para comprovação da mora do devedor. (...) (http://www.epm.tjsp.jus.br/Internas/Artigos/DirCivilProcCivilView.aspx?ID=25054, consulta em 8-9-15).

           Segue a ementa do julgado sobredito:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MAGISTRADA A QUO QUE INDEFERIU A EXORDIAL E JULGOU O PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 267, INCISOS I E IV, DO CÓDIGO BUZAID, SOB FUNDAMENTO DE INOCORRÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MORA. IRRESIGNAÇÃO DO BANCO. PROCESSUAL CIVIL. VERIFICAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE UM DOS PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. CONSTITUIÇÃO EM MORA. MODIFICAÇÕES IMPINGIDAS PELA LEI 13.043/2014 QUE PERMITEM AO CREDOR FIDUCIÁRIO COMPROVAR A MORA POR CARTA REGISTRADA COM AVISO DE RECEBIMENTO. FACULDADE, CONTUDO, DE UTILIZAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO POR MEIO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL OU PROTESTO DO TÍTULO, TAL QUAL PREVIA A REDAÇÃO ANTERIOR DO ART. 2º, DO § 2º, DO DECRETO-LEI 911/69. (...) (TJSC, Apelação Cível n. 2015.057004-6, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. em 15.09.2015).

           No mesmo norte, confira-se julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: Apelação Cível n. 70065969388, rel.ª Des.ª Angela Terezinha de Oliveira Brito, j. em 30.09.2015.

           Tem-se, pois, que a despeito do silêncio da nova redação do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/69, são ainda admitidos como mecanismos de constituição do devedor em mora a notificação extrajudicial levada a efeito por meio de Cartório de Títulos e Documentos e o protesto do título por tabelionato de notas.

           Dito isso, passa-se à análise do caso concreto.

           No caso sub judice, infere-se que a casa bancária, a fim de demonstrar a constituição em mora da devedora, acostou à inicial notificação extrajudicial expedida por Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de Caucaia/CE, devidamente recebida no endereço indicado no contrato (vide às fls. 33 e 37/39).

           Ocorre que a notificação colacionada à peça exordial traz em seu bojo a indicação da cobrança da parcela com vencimento em 28.2.2014 (fl. 37), enquanto que a pretensão formulada na inicial refere-se à inadimplência da prestação com vencimento em 28.4.2014 (fl. 1).

           Ou seja, a notificação acima reportada trata de prestação diversa da que ensejou a propositura da presente ação, de modo que, à toda evidência, a despeito do vencimento antecipado das demais prestações subsequentes, tal como aduzido na peça de emenda encartada à fl. 55, não se presta à comprovação da constituição em mora.

           Nesse sentido, extrai-se da jurisprudência desta Corte:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO QUE DETERMINOU A COMPROVAÇÃO DA MORA DO DEVEDOR. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECORRENTE QUE DEFENDE A VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DA MORA. NOTIFICAÇÃO QUE EMBORA TENHA SIDO RECEBIDA PELO DEVEDOR, REFERE-SE A PRESTAÇÃO DIVERSA DAQUELA QUE EMBASA A AÇÃO. PARCELA, A RIGOR, JÁ QUITADA, PORQUANTO NÃO FAZ PARTE DO CÁLCULO DO DÉBITO APRESENTADO PELO PRÓPRIO AUTOR. ATO INVÁLIDO PARA O MISTER ALMEJADO. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 2015.094940-9, rel.ª Des.ª Soraya Nunes Lins, j. em 17.3.2016).

           E também:

    Apelação cível. Ação de busca e apreensão. Cédula de crédito bancário. Aquisição de veículo. Sustentado inadimplemento das prestações n. 26 e seguintes, ajustadas entre as partes. Imprescindibilidade de constituição da mora. Súmula 72 do Superior Tribunal de Justiça. Pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo a ser preenchido, a critério do credor, por meio de notificação extrajudicial ou de protesto, e não pelo mero descumprimento das obrigações. Artigo 2º, § 2º, do Decreto-lei n. 911/1969. Requisito essencial à propositura da demanda e não apenas para a concessão da liminar. Notificação juntada aos autos que se refere à 21ª prestação, a qual foi adimplida, optando o credor pela continuidade do contrato. Inexistência de prova de constituição em mora do demandado, referente à parcela n. 26. Impossibilidade de emenda à inicial. Vício insanável. Requisito essencial à propositura da demanda não preenchido. Alegação no sentido de que o requerido deveria pagar a integralidade da dívida no prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar, para recuperar a posse do bem, não conhecida. Argumentação que não guarda relação com o provimento judicial recorrido. Sentença mantida. Recurso desprovido. (Apelação n. 0312438-18.2015.8.24.0033, rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. 18.8.2016).

           Por tais razões, ante a irregularidade da notificação extrajudicial efetuada pela instituição financeira autora, conhece-se do recurso para negar-lhe provimento.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Tulio Pinheiro