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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0004177-74.2009.8.24.0025 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Gaspar
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Feb 06 00:00:00 GMT-03:00 2018
Juiz Prolator: Clóvis Marcelino dos Santos
Classe: Apelação Criminal

 

Apelação Criminal n. 0004177-74.2009.8.24.0025, de Gaspar

Relator: Des. Sérgio Rizelo

   APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, § 2º, IV, C/C O 14, II) DESCLASSIFICADA PARA LESÕES CORPORAIS GRAVES (CP, ART. 129, § 1º, III). RECURSO DO ACUSADO.

   IRRESIGNAÇÃO QUANTO À DOSIMETRIA DA PENA. 1. LESÕES CORPORAIS GRAVES. MOTIVO DO CRIME. DISCUSSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 2. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. DELITO COMETIDO PRÓXIMO AOS FILHOS. 3. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. RECONHECIMENTO DE QUE A VÍTIMA CONTRIBUIU PARA O DELITO, SEM O CORRESPONDENTE ABRANDAMENTO DE PENA. REPRIMENDA REDUZIDA. 4. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRAZO DE 4 ANOS NÃO ATINGIDO.

   1. É inviável o aumento da pena do delito de lesão corporal, por má valoração dos seus motivos, se o que levou o agente a agredir a vítima foi uma discussão.

   2. É idôneo o aumento de pena, na primeira fase dosimétrica, em razão de o delito ter ocorrido em ambiente onde estava uma criança.

   3. Tendo o magistrado reconhecido que o comportamento da vítima foi relevante para o cometimento do crime, é devido reduzir a pena de acordo com a proporcionalidade da circunstância.

   4. O prazo prescricional com base na pena aplicada que atinge 1 ano de privação de liberdade é de 4 anos. Se tal lapso não transcorreu entre os marcos interruptivos não há falar em prescrição.

   RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA REDUZIR A PENA.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0004177-74.2009.8.24.0025, da Comarca de Gaspar (Vara Criminal), em que é Apelante Celso Wanderlei Antunes dos Santos e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

           A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso; dar-lhe provimento para reduzir a pena para 1 ano de reclusão, substituída por restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade; e determinar, após o exaurimento da possibilidade de interposição de recursos nesta Corte, o encaminhamento da íntegra do presente decisum ao Juízo da Condenação para que expeça os documentos necessários à execução provisória da pena imposta ao Acusado, caso isso ainda não tenha sido implementado. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado no dia 6 de fevereiro de 2018, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva (Presidente) e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Genivaldo da Silva.

           Florianópolis, 7 de fevereiro de 2018.

Sérgio Rizelo

relator

 

           RELATÓRIO

           Na Comarca de Gaspar, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Celso Wanderlei Antunes dos Santos, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, c/c o 14, II, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:

    Infere-se do incluso Inquérito Policial que, no dia 27 de janeiro de 2009, aproximadamente às 20h40min, o denunciado Celso Wanderlei Antunes dos Santos dirigiu-se à residência de Luci Matkus, sua ex-esposa, sito à rua Oriente 652, Bairro Sete de Setembro, nesta Cidade e Comarca.

    Ainda do lado externo da residência, o denunciado Celso avistou a vítima Elisandro de Oliveira, atual namorado de Luci Matkus. Ato continuo, movido por animus necandi e por futilidade (discussão), o denunciado Celso, simplesmente, de inopino (surpresa, dificultando e ou impedindo sobremaneira a defesa do ofendido), desferiu cinco tiros de arma de fogo contra a vítima Elisandro, alvejando-a três vezes: um disparo no estômago (de raspão), outro pelas costas, no ombro esquerdo e, o último, na mão esquerda, causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial de fls. 08-09.

    Nessa conduta, o denunciado Celso iniciou a execução de um homicídio, pois tinha o nítido desejo de matar Elisandro e, só não concretizou seu propósito, por circunstâncias alheias à sua vontade, mormente porque a vítima, incontinenti, foi socorrida por terceiro e, levada ao hospital, resistiu aos ferimentos (fls. 1-3).

           Concluída a persecução penal, por meio da decisão das fls. 455-460, o Magistrado de Primeiro Grau pronunciou Celso Wanderlei Antunes dos Santos pela prática, em tese, do crime estampado no art. 121, § 2º, IV, c/c o 14, II, ambos do Código Penal.

           Submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, os Senhores Jurados desclassificaram a conduta de Celso Wanderlei Antunes dos Santos para outra diversa de sua competência. O Juiz Presidente proferiu sentença e condenou Celso Wanderlei Antunes dos Santos à pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime inicialmente aberto, substituída por duas restritivas de direitos (prestação pecuniária no valor equivalente a 3 salários mínimos e prestação de serviços à comunidade), pelo cometimento do delito previsto no art. 129, § 1º, III, do Código Penal (fls. 455-460).

           Insatisfeito, Celso Wanderlei Antunes dos Santos deflagrou recurso de apelação.

           Em suas razões, sustenta que "o histórico processual indica perfeitamente cabível a aplicação da sanção no seu mínimo legal; tanto é claro tal afirmativa, que o próprio Sentenciante reconheceu ter a vítima contribuído para o evento danoso. Em outras palavras, não tivesse a vítima provocado o Apelante, este com certeza não teria praticado nenhum ato, descaracterizando, livre vontade em praticar ilícito" (fls. 470-472).

           Alega, ainda, que, diante da readequação da pena, deve ser reconhecida a extinção da pretensão punitiva estatal pela prescrição.

           O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 477-483).

           A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Humberto Francisco Scharf Vieira, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 487-491).

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

           Celso Wanderlei Antunes dos Santos interpôs apelo, objetivando a readequação da pena-base ao mínimo legal (1 ano de reclusão) e, em consequência da redução, o reconhecimento da prescrição.

           O pleito merece parcial provimento.

           O Apelante foi submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri. Os Senhores Jurados, ao analisarem os fatos, desclassificaram a conduta de tentativa de homicídio qualificado para outra diversa da sua competência. O Juiz Presidente proferiu sentença e condenou Celso Wanderlei Antunes dos Santos à pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, pela prática do crime de lesão corporal grave.

           A dosimetria da pena foi assim realizada:

    A culpabilidade é evidente, pois a reprovabilidade de seu ato foi contundente. O acusado não registra antecedentes criminais. Sua conduta social é boa, pois tinha profissão e emprego fixos. Não há elementos nos autos a respeito da personalidade do réu, sendo que o motivo do crime as desavenças com a vítima. As circunstâncias não foram normais à espécie, pois o crime foi cometido na casa da ex-esposa do réu, onde estavam seus filhos, sendo que as consequências poderiam ser muito mais graves, sendo que a vítima colaborou, parcialmente, para o crime ao discutir com o acusado.

    Ante as circunstâncias legais, aplico a pena base em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão. Pouco acima do mínimo legal, tendo em vista o motivo e as circunstâncias do crime. Não ocorrem atenuantes ou agravantes. Inexistem causas de aumento ou diminuição de pena, pelo que, totalizo finalmente a pena em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão. Ante o quantum da pena, fixo o regime aberto.

           A reprimenda corporal merece reforma.

           Os motivos do crime "são as razões subjetivas que estimularam ou impulsionaram o agente à prática da infração penal. Os motivos podem ser conforme ou em contraste com as exigências de uma sociedade" (SCHMITT, Ricardo. Sentença penal condenatória. 8. Ed. Salvador: Juspodivm. 2013. p. 133).

           Neste passo:

    Quando o motivo do agente é o normal à espécie delitiva, não pode o juiz exasperar a reprimenda, tendo em vista que aquele, por ser inerente ao tipo, já possui a necessária censura, prevista, até mesmo, na pena mínima abstrata.

    Exemplificando: num caso de furto praticado pelo desejo de obtenção de lucro fácil, o juiz deve entender pelo não recrudescimento da pena em razão desta circunstância judicial, pois, frequentemente, este é o motivo dos crimes de furto (acima como a satisfação da lascívia nos crimes de estupro; o enriquecimento nos crimes fiscais etc). Os motivos diversos dos normais à espécie delitiva, portanto, é que podem (e devem) ser valorados pelo julgado. (op. cit. p. 134).

           Partindo dessa premissa, cabe esclarecer que discussões são normalmente o motivo dos crimes de lesões corporais, seja no trânsito, em estádios de esportes, em bares ou em festas. A violência física, na maior parte das vezes, é precedida de desinteligências verbais. Por essa razão, não configura circunstância apta a elevar a pena na primeira fase dosimétrica.

           De outro lado, as circunstâncias do crime são mantidas, pois graves. O Recorrente efetuou os disparos de arma de fogo na residência da ex-esposa, onde estava ao menos uma criança, filha deles.

           Luci Mitkus pontuou, na fase administrativa, que o Apelante e a Vítima estavam discutindo na entrada da sua casa, quando ouviu 4 disparos de arma de fogo, instante em que "se encontrava dentro de casa com uma das crianças" (fl. 16).

           Na fase judicial, a ex-esposa do Recorrente afirmou que os disparos foram efetuados no quintal da sua residência, logo após levar as crianças para o interior da habitação: "daí eu peguei as crianças e fui pra dentro, daí quando eu ouvi um barulho, assim, de tiro né, mas eu nunca imaginava que um deles tinha uma arma" (4m37s-4min50s da mídia da fl. 124).

           Portanto, diante da comprovação de que as agressões (tiros) ocorreram na residência onde estava pelo menos uma criança, o agravamento de pena deve ser mantido.

           No que toca ao comportamento da Vítima, é importante mencionar que o Magistrado de Primeiro Grau reconheceu que ela "colaborou, parcialmente, para o crime ao discutir com o acusado" (fl. 459), sem insurgência do Ministério Público.

           Todavia, o Doutor Juiz de Direito apesar de reconhecer que o comportamento do Ofendido foi relevante para a prática da conduta delituosa, deixou de proceder a diminuição da pena.

           Assim, presente uma circunstância judicial negativa e outra benéfica, faz-se a compensação, fixando-se a pena-base no mínimo legal (1 ano de reclusão).

           Na segunda e terceira fases, não foi reconhecida qualquer exasperação de reprimenda, tornada definitiva a pena estabelecida na primeira etapa dosimétrica.

           Diante do quantum de punição é mantido o regime aberto para resgate inicial da reprimenda. Ante a fixação da sanção em 1 ano de reclusão e a primariedade do Apelante, substitui-se a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (CP, art. 44, § 2º), consistente em prestação de serviços à comunidade, a razão de uma hora por dia de pena corporal aplicada.

           O Recorrente Celso Wanderlei Antunes dos Santos requer, ainda, a decretação da extinção de sua punibilidade diante da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.

           Improcede o pleito.

           Após o trânsito em julgado para a Acusação, a prescrição regula-se pela pena aplicada (CP, art. 110, § 1º). O Ministério Público foi intimado do teor da sentença em 13.7.17 (fl. 461) e não interpôs recurso.

           A pena privativa de liberdade aplicada ao Apelante foi de 1 ano de reclusão, pelo cometimento do delito de lesão corporal grave, de sorte que o lapso prescricional correspondente é 4 anos (CP, art. 109, V).

           Os fatos foram praticados em 27.1.09 (fl. 1); a denúncia foi recebida em 11.2.11 (fl. 63); a decisão de pronúncia foi publicada em 13.12.13 (fl. 174) e confirmada em 22.7.15 (fl. 233); e a sentença condenatória foi publicada em 13.7.17 (fl. 461), de modo que entre os marcos interruptivos da prescrição não decorreu o prazo de 4 anos necessário ao seu reconhecimento.

           Não se verifica, portanto, óbice ao exercício da pretensão punitiva do Estado.

           Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso para reduzir a pena de Celso Wanderlei Antunes dos Santos para 1 ano de reclusão, substituída a pena por uma restritiva de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade.

           Determina-se ao Juízo da Condenação, exaurida a possibilidade de interposição de recurso nesta Corte, que expeça os documentos necessários à execução imediata da pena imposta ao Acusado, caso isso ainda não tenha sido implementado, nos termos da orientação do Supremo Tribunal Federal (ARExtra 964246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 11.11.16; e Ag. Reg. no HC 142.750, Rel. Min. Luiz Fux, j. 2.6.17).


Gabinete Des. Sérgio Rizelo