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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 8000280-30.2016.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Ronei Danielli
Origem: Chapecó
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Mon Dec 04 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Direta de Inconstitucionalidade

 


 


Direta de Inconstitucionalidade n. 8000280-30.2016.8.24.0000, de Chapecó

Relator: Desembargador Ronei Danielli

   AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO QUE PROÍBE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS EM LOGRADOUROS PÚBLICOS MUNICIPAIS. COLISÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE E SEGURANÇA. JUÍZO DE PONDERAÇÃO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. SUBPRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO, NECESSIDADE E PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO. CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE VERIFICA A APTIDÃO DA MEDIDA PARA A OBTENÇÃO DO OBJETIVO PRETENDIDO. EXISTÊNCIA DE MEIO MENOS GRAVOSO, CONSISTENTE NA PUNIÇÃO INDIVIDUAL. AUSÊNCIA DE EQUILÍBRIO ENTRE O MEIO UTILIZADO E O FIM ALMEJADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI N. 6.555/2014 E, POR ARRASTAMENTO, DOS ARTS. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º E 7º, DA MESMA LEI, DESTINADOS A REGULAR O ALCANCE E MODO DE FISCALIZAÇÃO DA RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO DIPLOMA LEGAL. PRECEDENTE DO ÓRGÃO ESPECIAL NA ADIN 8000075-98.2016.8.24.0000, DES. JAIME RAMOS. EFEITOS EX TUNC E ERGA OMNES.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade n. 8000280-30.2016.8.24.0000, da comarca de Chapecó em que é Requerente Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade Ceccon e Requerido Câmara de Vereadores do Município de Chapecó.

           O Órgão Especial decidiu, por unanimidade, julgar procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 6.555, de 7 de março de 2014, do Município de Chapecó. Custas na forma da lei.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargador Ronei Danielli, Desembargador Ricardo Roesler, Desembargador Rodrigo Collaço, Desembargadora Vera Lúcia Ferreira Copetti, Desembargador Pedro Manoel Abreu, Desembargador Newton Trisotto, Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, Desembargador Fernando Carioni, Desembargador Torres Marques, Desembargador Rui Fortes, Desembargador Marcus Tulio Sartorato, Desembargador Cesar Abreu, Desembargador Ricardo Fontes, Desembargador Salim Schead dos Santos, Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Desembargador Cid Goulart, Desembargador Jaime Ramos, Desembargador Alexandre d'Ivanenko, Desembargador Lédio Rosa de Andrade, Desembargador Jorge Schaefer Martins, Desembargador Sérgio Izidoro Heil e Desembargador Jânio Machado. Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Desembargador Torres Marques.

           Florianópolis, 4 de dezembro de 2017.

Desembargador Ronei Danielli

Relator

RELATÓRIO

           O Ministério Público de Santa Catarina propôs ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal n. 6.555/2014, que dispõe sobre a proibição do consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos do Município de Chapecó.

           Sustentou haver (1) inconstitucionalidade formal do art. 5º do Diploma Legal, em razão da violação ao Princípio Federativo, considerando ter o Município legislado sobre a atribuição da Polícia Militar, sendo esta incumbência do Governador do Estado; (2) inconstitucionalidade material por ofensa ao princípio da independência e harmonia dos poderes; (3) inconstitucionalidade material especificamente no que tange à proibição do consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos, por violação ao princípio da proporcionalidade.

           Apontou violação aos arts. 1º, 32 e 107 da Constituição do Estado de Santa Catarina, os quais, em necessária simetria, reprisam os artigos 1º e 2º e 144, § 6º, da Constituição da República.

           O Prefeito de Chapecó prestou informações impugnando a alegação de inconstitucionalidade em questão.

           O Procurador-Geral do Município apresentou resposta, oportunidade na qual defendeu a constitucionalidade dos dispositivos impugnados, bem como a integralidade da lei.

           Alegou, em síntese, não ter o diploma criado atribuição aos policiais militares, porquanto a aplicação do art. 5º depende da formalização de convênio com a instituição (PM), mediante aval do Estado, a fim de de delegar a competência da fiscalização. No que pertine ao art. 4º, alega ter sido o projeto de lei de iniciativa do próprio Poder Executivo, não havendo falar em ingerência do Poder Legislativo.

           Quanto à alegada violação ao princípio da proporcionalidade, afirma haver interesse público a justificar a elaboração da lei em tela, tendo em vista o recorrente transtorno causado por pessoas reunidas em logradouros públicos para o consumo de álcool, geralmente em excesso, o que acaba culminando na depredação de bens de uso comum, acúmulo de lixo, dentre outros problemas.

           A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Dr. Durval da Silva Amorim, opinou pela procedência do pedido inicial, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da lei.

           Este é o relatório.

VOTO

           Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei proveniente do Município de Chapecó, supostamente em violação aos arts. 1º, 32 e 107 da Constituição do Estado de Santa Catarina, os quais, em necessária simetria, reprisam os artigos 1º e 2º e 144, § 6º, da Constituição da República.

           De início, vale destacar que é plenamente admissível que lei ou ato normativo municipal seja impugnado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Lei n. 9.868/1999 e Lei Estadual n. 12.069/2001), a ser proposta perante o Tribunal de Justiça do respectivo Estado, quando incompatíveis, em regra, com os parâmetros da Constituição Estadual. É o que autoriza, aliás, o §2º do art. 125 da Constituição Federal.l).

           A Lei Fundamental "estabelece a ação direta de inconstitucionalidade como mecanismo de fiscalização abstrata da constitucionalidade das leis ou atos normativos municipais" (ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. O Novo Controle de Constitucionalidade Municipal. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 132).

           A propósito do tema, também disciplinou a Constituição do Estado de Santa Catarina em seu art. 83, inciso XI, alínea f, que compete a esta Corte de Justiça, processar e julgar, originariamente, as ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais questionados em face da própria Carta Estadual, sendo, outrossim, o Ministério Público, nos termos do art. 85, VII da CE, parte legítima para propor este tipo de ação.

           Feitas as considerações necessárias, passa-se ao enfrentamento das teses esposadas na petição inicial.

           Da inconstitucionalidade material por violação ao Princípio da Proporcionalidade

           O dispositivo da Lei 6.555/2014 que possui o conteúdo proibitivo foi assim redigido:

    Art. 1º. Fica proibido o consumo de bebidas alcoólicas de qualquer graduação em Logradouros Públicos do Município de Chapecó, Estado de Santa Catarina

           Alega o Ministério Público que "a proibição do consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos mostra-se inadequada aos fins pretendidos e, por conseguinte, desproporcional", havendo, portanto, ofensa ao art. 1º da Constituição Estadual (fl. 14).

           O Município, a seu turno, afirma haver interesse público a justificar a elaboração da lei combatida, tendo em vista o recorrente transtorno causado por pessoas reunidas em logradouros públicos para o consumo de álcool, geralmente em excesso, o que acaba culminando na depredação de bens de uso comum, acúmulo de lixo, dentre outros problemas.

           Assim, a discussão gira em torno da colisão entre dois direitos fundamentais, quais sejam, a liberdade e a segurança, ambos previstos no art. 5º da Constituição Federal e assegurados pelo art. 1º e 4º da Constituição Estadual, nos seguintes termos:

    Art. 1º. O Estado de Santa Catarina, unidade inseparável da República Federativa do Brasil, formado pela união de seus Municípios, visando à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, preservará o s princípios que informam o estado democrático de direito (...).

    Art. 4º. O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte (...).

           Acerca do conflito entre direitos fundamentais e o modo de solucioná-lo, é válido trazer a lume a lição de Gilmar Ferreira Mendes:

    Que acontece quando duas posições protegidas como direitos fundamentais diferentes contendem por prevalecer numa mesma situação?

    Ultimamente, a doutrina tem sido convidada a classificar as normas jurídicas em dois grandes grupos (o dos princípios e o das regras).

    As regras correspondem às normas que, diante da ocorrência do seu suposto de fato, exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos. Não é viável estabelecer um modo gradual de cumprimento do que a regra estabelece. Havendo conflito de uma regra com outra, que disponha o contrário, o problema se resolverá em termos de validade. As duas normas não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico.

    No âmbito dos direitos fundamentais, porém, normas que configuram princípios são mais frequentes.(...) Os princípios são determinações para que certo bem jurídico seja satisfeito e protegido na maior média que as circunstâncias permitirem. Daí se dizer que são mandados de otimização, já que impõem que sejam realizados em máxima extensão possível. (...)

    No conflito entre princípios, deve-se buscar a conciliação entre eles, uma aplicação de cada qual em extensões variadas, segundo a respectiva relevância no caso concreto, sem que se tenha um dos princípios como excluído do ordenamento jurídico por irremediável contradição com outro. (...)

    O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrio, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução. (Curso de Direito Constitucional. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 183/184 - sem grifo no original)

           Conforme já mencionado, o Município de Chapecó atribui ao consumo, em geral excessivo, de álcool em logradouros públicos o comportamento violento de parte da população, de modo que, no caso concreto, o direito fundamental da liberdade deve ceder espaço ao princípio da segurança.

           Nesse viés, é necessário, de acordo com a lição doutrinária supra transcrita, efetuar um juízo de ponderação, ancorando-se na proporcionalidade, a fim de que seja determinado qual princípio deve prevalecer na situação em exame.

           O princípio da proporcionalidade, conforme amplamente aceito pela doutrina, é constituído por três elementos, as chamadas "máximas da proporcionalidade", quais sejam, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

           Novamente recorrendo à doutrina de Gilmar Ferreira Mendes, temos os seguintes conceitos sobre os referidos elementos:

    Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para a consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit).

    O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos. A Corte Constitucional examina se o meio é "simplesmente inadequado" (schlechthin ungeeignet), "objetivamente inadequado" (objektiv ungeeignet), "manifestamente inadequado ou desnecessário" (ofenbar ungeeignet oder unnötig), ou "se com a sua utilização o resultado pretendido pode ser estimulado" (ob mit seiner Hilfe der gewunschte Erfolg gefördet werden kann).

    O subprincípio da necessidade (Notwendugkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.

    Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. Ressalta-se que, na prática, adequação e necessidade não têm o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação. Assim, apenas o que é adequado poder ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado. (...)

    De qualquer forma, um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado a intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito).(op. cit.p. 226/227 - sem grifo no original)

           Nessa senda, o diploma legal questionado deve ser analisado de acordo com os subprincípios da proporcionalidade, a fim de ser verificada sua constitucionalidade.

           No que pertine à máxima da adequação, tem-se que, ao que parece, a medida proposta pela lei é, de certa maneira, apta a garantir maior segurança pública, evitando-se, por exemplo, a depredação de patrimônio. Isso porque, o Município de Chapecó afirmou ser parte do do costume local a reunião em espaços públicos, especialmente "no prolongamento da principal avenida, Getúlio Vargas" (fl. 46), para o fim de consumo de bebida alcoólica.

           Não se olvida, contudo, que, conforme destacado pelo Ministério Público, "a simples proibição do consumo, em local público, de uma substância lícita não é capaz, por si só, de garantir maior segurança pública, de evitar atos de tumulto ou violação do sossego, muito menos de desestímulo a sua ingestão" (fl. 62).

           Ao cotejar a norma proibitiva em questão com o subprincípio da necessidade, a única conclusão possível é no sentido do não atendimento do requisito.

           É que os comportamentos visados pelo legislador municipal a serem evitados já são, em sua maioria, tratados pelo direito penal, que, inclusive, no sistema de proteção de bens jurídicos é considerado como a ultima ratio, somente sendo legitimada sua atuação quando os demais ramos do direito se mostrem incapazes ou ineficientes para a proteção ou controle social.

           Ora, as condutas de apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, urinar em local público, dirigir sob a influência de álcool e depredar patrimônio, estão tipificados, respectivamente, no art. 62 da Lei de Contravenções Penais, art. 233 do Código Penal ou art. 61 da Lei de Contravenções Penais, art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro e art. 163 do Código Penal.

           Desse modo, não se mostra necessária a proibição de ingestão de álcool em local público para toda a população, quando o direito penal já trata de situações específicas e prevê a sanção a ser aplicada individualmente (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal) a quem praticar o fato tipificado.

           Quando da análise do último subprincípio da proporcionalidade, isto é, proporcionalidade em sentido estrito, verifica-se não haver equilíbrio entre o meio utilizado e os objetivos perseguidos pelo legislador municipal, porquanto a restrição imposta à liberdade individual de todos os cidadãos Chapecoenses não se justifica diante da possibilidade de punição restrita ao transgressores, papel já cumprido pelo direito penal, conforme dito anteriormente.

             Ademais, "a liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem" (STF - ADI n. 4815/DF, relatora Ministra Cármen Lúcia, julgado em 10.06.2015 - sem grifo no original).

           Ressalta-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já teve a oportunidade de decidir sobre lei de semelhante teor nos autos da ADI 8000075-98.2016.8.24.0000, relator Des. Jaime Ramos, Órgão Especial, julgado em 15.02.2017, tendo esta Corte decidido pela inconstitucionalidade do diploma legal:

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI N. 4.666/2010, DO MUNICÍPIO DE CANOINHAS, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE PROÍBE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS DE QUALQUER GRADUAÇÃO EM CERTOS LOGRADOUROS PÚBLICOS MUNICIPAIS (ARTS. 1º E 2º) E IMPÕE AO PREFEITO A OBRIGAÇÃO DE FIRMAR CONVÊNIO COM A POLÍCIA MILITAR PARA FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DA LEI (ART. 3º) - INDEVIDA INTERFERÊNCIA EM ATOS DE GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES (ART. 32, DA CE/1989) - ATRIBUIÇÃO DE OBRIGAÇÕES À POLÍCIA MILITAR QUE É SUBORDINADA AO GOVERNADOR DO ESTADO (ART. 4º) - OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO (ART. 1º E 107, DA CE/1989) - PROIBIÇÃO DO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS EM LOGRADOUROS PÚBLICOS QUE, A PRETEXTO DE GARANTIR MAIOR SEGURANÇA, RESTRINGE O DIREITO DE LIBERDADE INDIVIDUAL - OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 4.666/2010, DO MUNICÍPIO DE CANOINHAS - EFEITOS EX TUNC E ERGA OMNES. (...)

       "A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais" (STF - ADI n. 2551 MC-QO/MG, Rel. Ministro Celso de Mello). Por isso, não é proporcional nem razoável a lei que, a pretexto de garantir maior segurança, proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em logradouros públicos, mas restringe o direito de liberdade individual, sobretudo porque a ingestão moderada de bebida alcoólica, além de ser legalmente lícita, é socialmente aceita e tolerada e, além disso, o consumo excessivo é reprimido por dispositivos legais mais eficazes (sem grifo no original)

           Destarte, após a filtragem constitucional da lei em comento, especialmente com base no princípio da proporcionalidade e suas máximas - adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito - e a verificação de não preenchimento de seus pressupostos, a declaração da inconstitucionalidade é medida que se impõe.

           Da inconstitucionalidade material do art. 4º da Lei Municipal n. 6.555/2014 por Violação ao Princípio da Independência e Harmonia dos Poderes e inconstitucionalidade formal do art. 5º da Lei Municipal n. 6.555/2014 por violação ao Princípio Federativo.

           Os dispositivos em questão possuem a seguinte redação:

    Art. 4º O Poder Executivo Municipal poderá firmar Convênio com a Polícia Militar, instituição responsável pela preservação da ordem pública, conforme artigo 144, § 5º, da Constituição Federal, para a fiscalização do cumprimento da presente.

    Art. 5º. A autoridade policial que flagrar o descumprimento da Lei, determinará ao infrator que cesse a conduta, lavrando termo, tomando as medidas penais cabíveis em caso de descumprimento.

           As previsões legais, conforme se pode notar, mantêm vínculo de dependência jurídica com o art. 1º que trata especificamente da proibição de consumo de bebida alcoólica em logradouro público.

           Isso porque referidos artigos 4º e 5º da Lei 6.555/2014, assim como os arts. 2º, 3º, 6º e 7º, não possuem existência autônoma, na medida em que destinados justamente a regular o alcance e forma de fiscalização do cumprimento da restrição prevista no art. 1º do diploma legal.

           Desse modo, a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 6.555/2014 deve ser estendida aos demais dispositivos que com ele possuam correlação.

           Sobre a técnica de julgamento em questão, colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

           1) ADI 3645, Relatora  Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgada em 31.05.2006:

    Constatada a ocorrência de vício formal suficiente a fulminar a Lei estadual ora contestada, reconheço a necessidade da declaração de inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento de sua respectiva regulamentação, materializada no Decreto 6.253 , de 22.03.06. Esta decorrência, citada por CANOTILHO e minudenciada pelo eminente Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 437-QO , DJ 19.02.93, ocorre quando há uma relação de dependência de certos preceitos com os que foram especificamente impugnados, de maneira que as normas declaradas inconstitucionais sirvam de fundamento de validade para aquelas que não pertenciam ao objeto da ação . Trata-se exatamente do caso em discussão, no qual "a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei a que refere o decreto executivo (...) implicará o reconhecimento, por derivação necessária e causal, de sua ilegitimidade constitucional" (voto do Min. Celso de Mello na referida ADI 437-QO) . No mesmo sentido, quanto à suspensão cautelar da eficácia do ato regulamentador, a ADI 173-MC , rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90. (sem grifo no original).

           2) ADI 2895, Relator  Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgada em 02.02.2005:

    Também o Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado, fica condicionado ao "princípio do pedido". Todavia, quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma afeta um sistema normativo dela dependente, ou, em virtude da declaração de inconstitucionalidade, normas subsequentes são afetadas pela declaração, a declaração de inconstitucionalidade pode ser estendida a estas, porque ocorre o fenômeno da inconstitucionalidade "por arrastamento" ou "por atração". (sem grifo no original)

           Assim, diante da inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 6.555/2014, necessária a declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, dos dispositivos destinados à regulamentação.

            Pelo exposto, julga-se procedente o pedido, a fim de declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 6.555/2014, do Município de Chapecó por contrariar os arts. 1º, 4º da Constituição do Estado de Santa Catarina e o princípio da proporcionalidade.

           Com fundamento no art. 17, da Lei Estadual n. 12.069/2001, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 6.555/2014, do Município de Chapecó são ex tunc e erga omnes, não cabendo modulação, diante da ausência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

            Este é o voto.


Gabinete Desembargador Ronei Danielli