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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0000298-28.2014.8.24.0011 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Ronei Danielli
Origem: Brusque
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Nov 07 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0000298-28.2014.8.24.0011, de Brusque

Relator: Desembargador Ronei Danielli

   AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABORDAGEM POLICIAL. AUTOR DIRIGINDO SEM HABILITAÇÃO. ALEGAÇÕES DE ABUSO DE AUTORIDADE, AGRESSÃO E OFENSAS VERBAIS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA ARBITRARIEDADE DOS AGENTES DO ESTADO. NEXO CAUSAL NÃO CARACTERIZADO. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. DANO MORAL INEXISTENTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0000298-28.2014.8.24.0011, da comarca de Brusque Vara da Fazenda Pública e dos Registros Públicos em que é Apelante Narcisio Marian e Apelados Estado de Santa Catarina, Leomir Campos Mendonça e Marinho Sanches

           A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo relator e dele participaram o Exmo. Sr. Desembargador Pedro Manoel Abreu e o Exmo. Sr. Desembargador Ricardo Roesler.

           Florianópolis, 16 de outubro de 2017.

Desembargador Ronei Danielli

Relator

           RELATÓRIO

           Trata-se de ação de indenização por danos morais, proposta por Narcicio Marian, perante a Vara da Fazenda e Registros Públicos da comarca de Brusque, em face de Leomir Campos Mendonça, Marinho Sanches e Estado de Santa Catarina.

           Para tanto, narrou o autor que, no dia 16.08.2013, conduzia sua motocicleta na Rodovia Antonio Heil quando foi abordado pelos policiais, ora réus.

           Sustentou que a abordagem ocorrera de forma abusiva, pois ao indagar a um dos réus acerca do procedimento a ser realizado com o capacete que segurava nas mãos, obteve resposta agressiva, sendo que o policial estava apontando uma arma e ameaçando atirar.

           Afirmou ter sido agredido fisicamente com socos e chutes, tendo sido utilizado spray de pimenta, além de ter sido algemado, sendo tal conduta desproporcional ante sua ausência de reação ao procedimento.

           Conforme narrou, após os fatos, fora liberado, situação, todavia, que lhe ocasionou humilhação, suportando danos de ordem moral.

           Em contestação, os policiais réus aduziram que o autor, ao receber a ordem de parada, tentou se evadir do local, inclusive jogando o veículo sobre o demandado Leomir.

           Informaram ter o autor descido da motocicleta bastante alterado, proferindo ofensas verbais, razão pela qual ordenaram sua prisão. Conforme alegam, nesse momento o demandante precisou ser contido com a utilização de pistola Taser em razão da agressividade demonstrada, inclusive com tentativa de agressões físicas.

           Sustentaram que, ao ser colocado na viatura, devidamente algemado, tentou depredar o veículo com pontapés.

           Ao efetuarem busca no sistema da Polícia Militar, alegam ter verificado que o autor não possuía habilitação, além de o veículo estar registrado em nome de terceiro.

            Disseram não ter havido qualquer excesso na abordagem, tendo esta sido realizada de acordo com o manual de técnicas de polícia ostensiva da Polícia Militar.

           O réu Estado de Santa Catarina repetiu as alegações fáticas tecidas pelos policiais demandados. Aduziu, ainda, que os atos praticados pelos agentes estatais no exercício de suas funções gozam de presunção de veracidade.

           Afirmou não estarem presentes os requisitos necessários para a sua responsabilização no âmbito civil, tendo os agentes atuado, ademais, em estrito cumprimento de dever legal.

           Sustentou serem as lesões sofridas pelo autor decorrentes de sua própria conduta agressiva em face dos milicianos, de modo que houve rompimento de nexo causal.

           Disse não ter sido demonstrada a existência de danos morais, sendo que na hipótese de condenação o valor fixado deve ser moderado. Subsidiariamente, pugnou pelo reconhecimento da culpa concorrente do autor, diminuindo-se eventual condenação pela metade.

           Na sentença, o Magistrado Antonio Marcos Decker, julgou improcedente o pedido formulado na exordial, condenando o demandante ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$1.000,00 (mil reais).

           Irresignado, o vencido apelou, afirmando que restaram comprovados os fatos alegados na exordial, requerendo a condenação dos réus à indenização pelos danos morais experimentados.

           Pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. André Carvalho deixou de se manifestar sobre o mérito por considerar não ser hipótese de intervenção do Ministério Público no feito.

           Esse é o relatório.

           VOTO

           Versa o recurso sobre pleito indenizatório em que requer a parte autora o ressarcimento pelos danos morais suportados em decorrência de abordagem policial supostamente abusiva.

           Na espécie, narrou ter sido abordado de forma agressiva pelos réus, policiais militares, os quais lhes desferiram chutes, socos, jatos de pimenta, uso de arma Taser e ameaças verbais, mesmo não tendo reagido à abordagem.

           Alegou que tal comportamento, além de exceder a autoridade e poder do agente público em questão, foi deveras agressivo, causando-lhe danos de ordem moral, motivo pelo qual requer a compensação pecuniária.

           De início, cumpre assentar que, regra geral, é objetiva a responsabilidade do poder público, frente aos atos comissivos praticados por seus agentes no exercício de suas funções, forte no art. 37, §6º, da Constituição Federal.

           Imperioso, neste caso, verificar se a situação explanada comporta a tríplice: a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre a conduta e o evento danoso.

           Cabe destacar, de plano, que os réus não negam a utilização de força na abordagem (pistola Taser e algemas), tendo em vista a negativa do autor em obedecer a ordem de parada, bem como seu comportamento agressivo durante o procedimento.

           Nesse ponto, cumpre destacar os depoimentos prestados pelos milicianos:

           1) Leomir Campos Mendonça:

    Que estavam realizando uma blitz na entrada do bairro Limeira; Que durante o procedimento entrou uma motoneta biz; Que a moto fez menção de que retornaria na rua para evitar a blitz; Que por esse motivo o declarante deu ordem de parada; Que então o condutor fingiu que pararia e arrancou a moto, jogando ela para cima do declarante; Que apenas não foi atingido pois pulou para trás; Que então seu parceiro que estava em frente sacou a arma e determinou a parada; Que o autor arremessou o capacete contra o policial Marinho; Que então Marinho sacou arma teaser e atingiu o autor;[...]; Que Marinho usou da pistola teaser porque o autor o desacatou e arremessou o capacete contra ele; Que fizeram todo o procedimento necessário para conter o autor; Que o autor estava muito alterado e resistiu a prisão; Que conduziram o declarante à delegacia; Que não haviam outros veículos parados; Que estivesse com outro veículo não conseguiria ver o autor, uma vez que prestava atenção a outra pessoa; Que não sabe indicar o porque dos olhos inchados do autor; Que no uso de spray de pimenta os olhos ficam inchados;Que não pode afirmar que na foto de fl.20 demonstra uso de spray de pimenta; Que usaram de uso de força para conter o autor; Que as marcas de algemas são normais quando a pessoa debater; Que as algemas tem sistema de trava, quando a p e pessoa fica se mexendo muito, ela pode apertar;Que o capacete que o autor arremessou chegou a atingir seu parceiro; Que o autor desceu da motocicleta bem alterado; Que não havia ninguém sendo autuado na blitz; Que se tivesse alguém não haveria a possibilidade de parar outro veículo, por questões de segurança (fl.133).

           2) Marinho Sanches:

    Que estavam em uma blitz quando o autor veio com sua biz; Que seu parceiro Leomir ordenou a parada; Que o autor, com o intuito de se evadir, jogou a moto para cima de Leomir; Que então o declarante, que estava à frente fazendo a segurança da barreira, abordou o autor com a arma em punho;Que o autor jogou a moto sobre a calçada; Que o autor tirou o capacete e jogou sobre o declarante; Que então o declarante veio para cima do declarante; Que então guardou a arma de fogo e sacou arma não letal; Que o autor o desacatou; Que então prendeu o autor e o conduziu para delegacia; Que o autor não possuía carteira de habilitação e a motocicleta que conduzia estava com a documentação atrasada; Que então fizeram os procedimentos de trânsito e depois levaram o autor para a delegacia; Que os procedimentos de trânsito demoraram cerca de 10 minutos;[...]; Que acredita que o autor tentou fugir e atirar a motoneta contra seu parceiro em virtude dos delitos de trânsito que possuía; Que não haviam carros sendo abordados; Que o fluxo de trânsito não era intenso; Que também não haviam pessoas no local; Que não usaram spray de pimenta (fl. 133).

           Como se pode notar, ambos policiais afirmaram, em depoimentos firmes e claros, ter havido necessidade do uso da força em razão da agressividade perpetrada pelo autor ao tentar acertar o réu Leomir com a moto, além do arremesso do capacete contra os milicianos e as agressões verbais proferidas.

           Os documentos que acompanham a contestação corroboram a versão dos milicianos. No relato de prisão (fl. 57), consta a ocorrência em questão, sendo a versão ali constante exatamente a mesma contada em juízo pelos réus. O auto de infração de trânsito de fl. 63 também reforça a agressividade por parte do demandante na abordagem em tela.

           Outrossim, conforme bem ressaltado pelo juízo sentenciante, o autor conduzia a motoneta de propriedade de terceiro sem possuir habilitação, fato confirmado em audiência, sendo que tal situação pode ter causado o impulso de não parar na blitz policial e o comportamento agressivo durante a abordagem.

           Também em juízo foi ouvida testemunha da parte autora, além de colhidos os depoimentos pessoais de autor e réus, que corroboraram cada qual uma das versões apresentadas, sem definição concreta e segura acerca do desenvolvimento da ação supostamente abusiva.

           A testemunha arrolada pelo insurgente - Vanessa de Souza - afirmou em juízo ter presenciado parte da abordagem, ressaltando ter o autor atendido o sinal de parada feito pelo policial.

           O relato da Sra. Vanessa, todavia, afigura-se contraditório, porquanto iniciou o depoimento afirmando ter visualizado uma arma (Teaser) sendo apontada na direção do apelante; em seguida disse não ter visto a arma, apenas um ponto vermelho (um "alvo") no rosto do Sr. Narcisio.

           Ademais, a testemunha alegou ter passado rapidamente pelos fatos, tendo seguido em direção à sua casa logo após ter presenciado apenas a situação da arma apontada (ou o ponto vermelho no rosto do autor). Em outra parte do relato, contudo, alega ter o apelante sido agredido com pontapés (fl. 133).

           Nesse viés, como se vê, o testemunho da depoente pouco traz de concreto acerca do desfecho fático, além de possuir incongruências, razão pela qual não alcança credibilidade.

           Em resumo, afigura-se impossível extrair-se, seja do exame do corpo de delito, das narrativas da testemunhas, do boletim de ocorrência, a ocorrência do dano invocado, não restando suficientemente comprovadas as alegações do autor, ônus que lhe incumbia (art. 333, I, do CPC/73 e 373, I, do CPC/2015).

           Em sendo assim, a situação narrada se mostra incapaz de comprometer, por si só, os direitos da personalidade do demandante, até porque o nexo causal entre a conduta do agente público e o dano não ficou efetivamente estabelecido, tratando-se, ao que tudo parece, de estrito cumprimento do dever legal.

           Nesse sentido, já decidiu esta Corte Estadual de Justiça:

           1) Apelação Cível n. 2011.078757-7, de Criciúma, relator Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Primeira Câmara de Direito Público, julgada em 25.10.2011:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ABORDAGEM POLICIAL. CONDUÇÃO DA VÍTIMA À SUA RESIDÊNCIA PARA AVERIGUAÇÃO E APÓS A DELEGACIA PARA ESCLARECIMENTOS. INTERVENÇÃO NECESSÁRIA DIANTE DAS EVIDÊNCIAS DO CASO. AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA ARBITRARIEDADE DOS AGENTES DO ESTADO. ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO E ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. DANO MORAL INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. - "Não se pode perder de vista que a abordagem policial, por si só, não configura ato capaz de ensejar dano moral, mas estrito cumprimento do dever legal, devendo-se punir apenas o excesso ou abuso de poder. Em tais casos, o Poder Público somente poderá ser responsabilizado caso evidenciada a prática de ato ilícito por seus prepostos, sob pena de ser obrigado a indenizar quando age no exercício de sua função de prestar segurança pública." (AC n. 2007.013907-2, da Capital, Rel. Des. Cid Goulart, j. em 15/09/2010). - "A teor do art. 333, I, do Código de Processo Civil, compete ao autor o ônus da prova a respeito do fato constitutivo de seu direito." (AC n. 2006.025387-4, Rel. Des. Volnei Carlin, da Capital, j. 28.06.2007).

           2) Apelação Cível n. 2012.067166-2, de Barra Velha, relator Des. Stanley da Silva Braga, Terceira Câmara de Direito Público, julgada em 27.05.2014:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABORDAGEM POLICIAL PARA AVERIGUAÇÃO DE ATITUDE SUSPEITA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCESSOS OU ABUSO DE PODER. ATUAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS DENTRO DA NORMALIDADE, COM PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE CIVIL INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Não há responsabilidade civil do Estado, por ato praticado por agentes públicos em abordagem policial, quando verificado que os policiais procederam com razoabilidade, dentro dos parâmetros normalmente esperados, isto é, a partir de uma atitude suspeita do autor no trânsito, e da resistência injustificada apresentada, realizaram à abordagem investigativa, sem qualquer atitude excessiva ou desproporcional que pudesse resultar em abuso de autoridade.

           3) Apelação Cível n. 2014.032442-2, de Brusque, relator Des. Stanley da Silva Braga, Terceira Câmara de Direito Público, julgada em 12.08.2014:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. AGRESSÃO FÍSICA PERPETRADA POR POLICIAL MILITAR. ALEGADO ABUSO DE AUTORIDADE. INEXISTÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. ATUAÇÃO POLICIAL HÍGIDA. AGENTE PÚBLICO QUE AGE COM PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCESSOS OU ABUSO DE PODER. ENCARGO PROBATÓRIO NÃO CUMPRIDO. EXEGESE DO ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL RECHAÇADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Não há responsabilidade civil do Estado, por ato praticado por agente público em procedimento de ocorrência policial (briga envolvendo terceiros), quando verificado que o policial procedeu com razoabilidade, dentro dos parâmetros normalmente esperados, isto é, a partir de uma atitude agressiva e desmedida do autor, realizou a sua contenção, ainda que tenha precisado utilizar a força para tanto, culminando com lesão física.

           Feitas essas considerações, o recurso é conhecido e desprovido.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Ronei Danielli