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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0017313-80.2010.8.24.0033 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Júlio César Knoll
Origem: Itajaí
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Aug 08 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Carlos Roberto da Silva
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0017313-80.2010.8.24.0033, de Itajaí

Relator: Desembargador Júlio César Knoll

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONSULTORIA DE OTIMIZAÇÃO DA ARRECADAÇÃO MUNICIPAL. LICITAÇÃO NA MODALIDADE CONVITE. PROPOSTAS RECEBIDAS ANTES DA CONFECÇÃO DO EDITAL. FRAUDE EVIDENCIADA. NOVO CERTAME, EM SITUAÇÃO IDÊNTICA. ILICITUDE CONSTATADA. AVENÇAS E ADITIVOS INVÁLIDOS. DOLO INEQUÍVOCO DOS ENVOLIDOS. DANO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA. SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. CONDENAÇÃO ÀS SANÇÕES DO ART. 12, III, DA LEI N. 8.429/1992. ALTERAÇÃO DAS PENALIDADES. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0017313-80.2010.8.24.0033, da comarca de Itajaí Vara da F. Púb. E. Fisc. A. do Trab. e Reg. Púb. em que é Apte/Apdo Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado João Baptista Krein e outros.

           A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e desprover os recursos. Custas na forma da lei.

           O julgamento realizado no dia 08 de agosto de 2017, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Ronei Danielli, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu.

           Funcionou como representante do Ministério Público o Dr. Américo Bigaton.

           Florianópolis, 08 de agosto de 2017

Desembargador Júlio César Knoll

Relator

 

           RELATÓRIO

           Perante Vara da Fazenda, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da comarca de Itajaí, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, no gozo de suas atribuições constitucionais, promoveu Ação Civil Pública, por ato de improbidade administrativa, em desfavor de João Baptista Krein, Créditor Assessoria e Cobranças Ltda ME, Gerson Hélio da Cruz, Arildo José Uller e Roberto Carlos Imme

            Relatou, em apertada síntese, que, no ano de 2005, após a simulação de processo de licitação, na modalidade convite, foi contratada, a empresa Créditor Assessoria e Cobranças Ltda ME, de forma fraudulenta, isto é, sem que tenha ocorrido a "prestação de serviços técnicos especializados em assessoria e consultoria" (fl. 38) na Secretária da Fazenda do Município de Itajaí.

           Postulou, pela condenação dos requeridos, sucessivamente, com base: no art. 9º, XI, às penas do art. 12, I; no art. 10, I, às medidas do art. 12, II; e no art. 11, caput, e I, às sanções do art. 12, III, todos da LIA, aplicando-se as sanções estabelecidas no art. 12, inc. II ou, sucessivamente, no inc. III, da Lei n. 8.429/92.

           Notificados, os requeridos manifestaram-se previamente.

           Os argumentos apresentados foram refutados pelo Parquet.

           Recebida a inicial, determinaram-se as citações.

           Em todas as contestações apresentadas, houve a rejeição das razões aduzidas na exordial.

           Houve réplica.

           O Município de Itajaí pediu para ingressar no pólo ativo da ação.

           Saneado o feito, foram realizadas três audiências de instrução, na quais foram ouvidas as testemunhas, e tomado o depoimento pessoal dos demandados.

           Após as alegações finais, sobreveio sentença do MM. Juiz de Direito, Dr. Carlos Roberto da Silva, que julgou:

    Ex positis, na forma do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO para absolver o demandado Roberto Carlos Imme e dar os demais demandados, com e como incursos no art. 11, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e, com base no art. 12, inciso III, da mesma Lei, CONDENAR: A) João Baptista Krein a pagar multa civil, sendo esta, no valor de duas vezes a remuneração percebida considerando o cargo público e os subsídios vigentes à época dos fatos (fevereiro de 2005) e o demandado Gerson Hélio da Cruz, sob mesmos critérios, a uma vez a remuneração percebida quando dos aditivos (maio de 2007), valores estes a serem corrigidos pelo INPC desde o ilícito (10/02/2005), a serem revertidos em favor do Município de Itajaí, forte no art. 18 da Lei n. 8.429/92 B) Em razão do art. 3º da Lei n. 8.429/92, a empresa Creditor Assessoria e Cobrança Ltda. ME e Arildo José Uller, a multa de 1/12 (um doze avos) do total recebido, considerando a soma de todos contratos firmados e prorrogações com o poder público, corrigido pelo INPC desde a data final do último aditivo firmado e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos. Os condenados ficam responsáveis pelo pagamento das custas processuais pro rata. Sem honorários (REsp n. 493.823 / DF, Min. Eliana Calmon; REsp 363.949 / SP, Min. Franciulli Netto; REsp n. 406.767 / SP, Min. Carlos Alberto Menezes Direito; REsp n. 153.829 / SP, Min. Milton Luiz Pereira; REsp n. 422.801 / SP, Min. Garcia Vieira). Sentença sujeita ao reexame necessário (1774-1775).

           Inconformadas, a tempo e modo, ambas as partes interpuseram respectivos recursos de apelação.

           O Ministério Público, em suas razões, asseverou que, se demandados agiram com dolo e má fé, deve haver, então, ressarcir os valores pagos ilegalmente ao erário, ainda que tenham sido efetivamente prestados os serviços sob exame.

           Pleiteou a condenação dos requeridos nos termos da inicial.

           Pediu, alternativamente, o agravamento da pena de multa.

           Por sua vez, João Baptista Krein sustentou que, os atos relacionados à licitação não eram de sua competência, bem como, a utilidade dos serviços prestados pela consultoria.

           Créditor Assessoria e Arildo José Uller defenderam a lisura do certame e, que, eventuais irregularidades identificadas não lhes podem ser imputadas.

           Requereram, alternativamente, o abrandamento da punição recebida.

           Gerson Hélio da Cruz argumentou que a apenas promoveu o aditivo contratual, o que não poder ser considerado ato de improbidade.

           Aduzidas contrarrazões, os autos foram enviados à douta Procuradoria-Geral de Justiça, sendo que lavrou parecer o Exmo. Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira, que entendeu pelo desprovimento dos recursos dos requeridos, e pelo acolhimento do inconformismo do autor, para reformar a pena aplicada ao caso.

           Vieram conclusos.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Importa esclarecer que, este julgamento será realizado de acordo com o antigo Código de Processo Civil, tendo em vista que a prolação da sentença e a interposição dos recursos ocorreram sob a vigência do mesmo diploma legal.

           Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se dos recursos.

           O art. 37, XXI, da Constituição Federal, determina que,

    "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".

           Por sua vez, consoante o art. 22 da Lei n. 8.666/1993:

    "§ 3º Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.

           Acerca da matéria, ensinou Marçal Justen Filho:

    A faculdade de escolha pela Administração dos destinatários do convite deve ser exercida com cautela, diante dos riscos de ofensa à moralidade e à isonomia. Se a Administração escolher determinados licitantes ou excluir outros por preferências meramente subjetivas, estará caracterizado desvio de finalidade e o ato terá de ser invalidado. A seleção prévia dos participantes faz-se no interesse da Administração para a realização de suas funções (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.p. 353).

           Em relação ao parágrafo sexto,

    § 6º Na hipótese do § 3º deste artigo, existindo na praça mais de 3 (três) possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, é obrigatório o convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações ",

           atestou o Jurista paranaense:

    A vontade legislativa é evitar a cristalização da identidade dos destinatários do convite. Por isso, a Administração, na licitação posterior, pode dirigir o convite para os mesmos particulares que já tivessem sido convocados a participar da licitação anterior. Mas, quando isso ocorrer, deverá convidar, no mínimo mais um outro particular (op cit p. 357).

           O valor máximo de serviço que não seja de engenharia, passível de ser licitado na modalidade convite, é de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), nos termos do art. 22, II, alínea "a", da Lei de Licitações.

           O § 5º do dispositivo em apreço, estatui que

    "É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço" 

           Quanto à burla ao fracionamento do certame para conformá-lo aquele limite, lecionaram Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

    A identificação da fraude, empreitada nem sempre fácil de ser ultimada, deve ser feita com a individualização dos seguintes fatores: a) preexistência, por ocasião da primeira licitação, das situações fáticas que serviram de elemento deflagrador das demais; b) idêntica natureza dos objetos das sucessivas licitações; c) ausência de situação excepcional (de natureza econômica, social, etc.) que pudesse justificar a limitação do montante de cada uma das contratações (art. 23, § 1º, da Lei 8.666/1993); d) que a licitação das partes, no caso de fracionamento justificado por situação excepcional, não observe a modalidade que seria realizada para o todo (art. 23, § 2º, e 7º, da Lei 8.666/1993); e e) proximidade temporal entre as licitações ((Improbidade administrativa. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 513).

           In casu, da análise dos autos, verifica-se que as licitações sob exame preenchem os requisitos supracitados de fracionamento e que, no segundo convite, não ocorreu a chamada de uma quarta empresa:

            De acordo com o documentos acostados aos autos, de março de 2005 a dezembro de 2008 a empresa Créditor Assessoria e Cobranças Ltda foi contratada do Município de Itajaí, entre março de 2005 a maio de 2006, para a "prestação de serviços de assessoria e consultoria para elaboração de diagnóstico, análise, projeto, treinamento e recuperação de crédito decorrentes de IPTU, ISS, ITR, Alvarás, Contribuições de Melhoria e demais taxas, inscritos em dívida ativa, a serem Prestados na Secretaria da Fazenda" (fl. 496), por meio do Contrato 114/2005, no valor de R$ 66.000,00 (sessenta e seis mil reais)(fls. 502-505), e do Termo Aditivo n. 114/2005 - 001, de R$ 11.000,00 (onze mil reais) (fls. 506-507).

           O pacto sob exame ocorreu após a sociedade limitada ter vencido o processo licitatório Carta Convite n. 036/05, para o qual foram convidadas as empresas Wama Cobrança Ltda. e Volani & Cia Ltda (fl. 483);

           E, nos trinta e um meses seguintes, a empresa esteve vinculada a Municipalidade, mediante a "execução de serviços de assessoria e consultoria a serem prestados na Secretaria de Receita, compreendendo: elaboração de projetos, análises, e diagnósticos voltados à área de cobrança dos tributos municipais; análise e desenvolvimento do novo sistema de cobrança; treinamento de servidores objetivando a recuperação de créditos decorrentes de impostos e taxas municipais inscritos em dívida ativa ou não" (fl. 607), por meio do Contrato 203/2006, no valor de 71.800,00 (setenta e um mil e oitocentos reais)(fls. 193-182), do Termo Aditivo n. 203/2006 - 001, de R$ 71.800,00 (setenta e um mil e oitocentos reais) (fls. 197-200) e do Termo Aditivo n. 203/2006 - 002, de R$ 43.655,42 (quarenta e três mil, seiscentos e cinquenta e cinco reais e quarenta e dois centavos) (fls. 618-619).

           A avença em comento decorreu da requerida ter apresentado a melhor proposta no processo licitatório Carta Convite n. 036/05, para o qual foram convidadas as empresas as mesmas outras duas empresas convidadas anteriormente, isto é, Wama Cobranças e Volani & Cia (fl. 602).

           Resumidamente, em face da provas elencadas na presente lide, vislumbra-se que o Município de Itajaí tinha como objetivo contratar consultoria para otimizar a arrecadação tributária do ente público.

           Tal espécie de serviço, todavia, não é passível de ser prorrogada, conforme impõe o art. 57 da Lei de Licitações e Contratos:

    Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

    I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

    II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;

    III - (Vetado).

    IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.

    V - às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração.

    § 1o Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

    [...]

    §2º Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.

    § 3º É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado.

           Sobre a norma, Marçal Justen Filho, na obra já citada, colacionou julgado do Tribunal de Contas da União:

    "as contratações públicas devem ter um determinado prazo de vigência pois, em decorrência de excessivo transcurso de tempo, não há como se garantir que os termos pactuados ainda sejam compatíveis com os princípios ínsitos à realização de licitação - isonomia, economicidade e impessoalidade, dentre outros. Em outras palavras, o passar do tempo impõe a confirmação, mediante nova licitação, de que estão sendo atendidos os preceitos constitucionais referentes às contratações públicas" [...] (Acórdão 1.375/2013, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler) (op. cit. p. 948).

           Na remota hipótese de ser considerado o serviço sob exame, como de prestação continuada, seria necessário fundamentar a vantagem de ser prorrogar o ajuste.

           Nesse sentido, é o ensinamento de Jessé Torres Pereira Júnior:

    Pode-se imaginar que, sob dadas circunstâncias, será vantajoso para a Administração obter do contratado aquiescência para a prorrogação nas mesmas condições originalmente pactuadas; sob outras circunstâncias, a mera manutenção dessas condições poderá relevar-se desvantajosa para a Administração. Impõe-se, destarte, que se lancem, nos autos do pertinente processo, relatórios e pareceres aptos a demonstrar o que seria vantajoso ou não para a Administração em cada caso (Comentários à Lei das Licitações e contratações da administração pública. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 656).

           Compulsando-se os autos, especialmente os termos aditivos, e os documentos acostados pelos requeridos, verifica-se que as prorrogações foram celebradas sem a respectiva motivação prévia, exigida pela lei.

           Frisa-se que, os acertos foram entabulados com João Baptista Krein, Secretário da Fazenda de Itajaí, à exceção dos aditivos contratuais 203/2006 - 001 e 203/2006 - 001, subscritos pelo seu sucessor, Gérson Hélio da Cruz.

           Em relação a essas contratações, destaca-se da decisão de primeiro grau:

    O que causa desconforto nessa lide é o objeto contratado e a real necessidade de contratação do serviço em questão. Também o fato de que, no ano seguinte, para nova licitação, terem sido convidadas ao certame as mesmas empresas. Obviamente a pretensão era para que a CREDITOR executasse as atividades, em continuidade ao "serviço" que já vinha executando.

    Se de antemão os agentes administrativos sabiam que o "serviço" não poderia ser executado em um ano, não poderiam ter fracionado o mesmo objeto, tão somente para permitir a modalidade da 'carta convite' que tem limitação de valor.

    [...]

    Reconhece-se a muito na doutrina a fragilidade da modalidade de licitação por 'carta convite', por isso essa escolha deve se dar da forma mais transparente e lídima possível. Assim, não há como concluir de outra maneira, senão de que ambos os processo licitatórios por meio de convite são nulos (e por conseguinte as prorrogações) nesse caso, por terem faltado com os requisitos da Lei n. 8.666/93, falhando na descrição o objeto a ser licitado, convocando empresas que não podiam concorrer entre si e fracionando o objeto (fls. 1.760-1.761, grifou-se).

           Contudo, a infração à lei, por si só, não implica improbidade administrativa.

           É preciso a caracterização do dolo dos envolvidos:

           "o dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas" (REsp 1512085/SP, Rel. Min. Hermann Benjamin, j. em 02/08/2016, DJe 10/10/2016).

           Na situação sob exame, é inequívoco o dolo de Arildo José Uller, sócio da Créditor Assessoria Cobranças Ltda, e de João Baptista Krein, então Secretário da Fazenda de Itajaí, porquanto os documentos de fls. 342-443 comprovam, sem sombra de dúvida que as aludidas licitações fracionadas, invalidamente prorrogados, na modalidade convite, disputadas entre as mesmas empresas, na verdade, não passaram de um embustre:

    no mesmo dia em que foi feito memorando justificando a necessidade de contratação do serviço, em 10/02/2005 (fl. 432 assinado por João e Arnaldo) foram também recebidas as propostas das empresas (ou no dia seguinte fls. 433-436), correspondências essas direcionadas ao demandado João na qualidade de Secretário ou ao Sr. Michael Zimmermam, mesmo antes da edição do edital de convite de 23/02/2005 (fls. 437-443). Assim, praticamente impossível tal agilidade, ficando claro que antes mesmo da solicitação e abertura da licitação já foram direcionadas algumas empresas para concorrer. [...].

    O demandado João, que fez o pedido justificador da contratação - quando assumiu a Secretaria da Fazenda de Itajaí, na transição do governo naquele ano de 2005, na qualidade de Secretário da Fazenda - em seu depoimento (fl. 1664), após longo discurso sobre o serviço que entendia ser necessário ao melhoramento da cobrança tributária em Itajaí, disse que pretendia criar um departamento de cobrança administrativa, dando qualidade técnica ao serviço de arrecadação, que afirmou ser ineficiente, mas não soube justificar o motivo de terem as concorrentes, no mesmo dia ou já no dia seguinte a sua solicitação, já apresentado propostas. Também não houve fundamentação plausível a justificar o objeto e a contratação (fls. 1.759-1.760, grifou-se).

           É evidente que Gerson Hélio da Cruz participou dessa simulação, uma vez que, o Termo Aditivo n. 203/2006 - 001, é idêntico ao Contrato n. 203/2006 - no valor, tempo de duração, ausência de justificativa do objeto e na fraude ao processo de licitação - e o subsequente, Termo Aditivo n. 203/2006 - 002, tão somente tem valor e vigência inferior ao primeiro. 

           A prorrogações avençadas, por três meses, quanto ao primeiro contrato, e dezenove meses, em relação ao segundo, evidenciam a acuidade da análise realizada pelo competente Magistrado sentenciante Dr. Carlos Roberto da Silva, de que os pactos e aditivos objurgados tiveram como finalidade a dissimulação da contratação direta, sem concurso público, de Arildo José Uller para atuar na Secretaria da Fazenda de Itajaí:

    Analisemos, então, o serviço que foi contratado. Não se ouvida das dificuldades técnicas que o Município de Itajaí tinha à época, e ao que se nota do depoimento do Sr. João, eram de estrutura física e quantidade de pessoa e de qualificação. Bem, o primeiro impasse só poderia ser resolvido por meio de licitação para compra de equipamentos e investimento em infraestrutura, dependente de licitação própria. O outro com a contratação de pessoal mediante concurso público, pois este deve ser o modelo de entrada na carreira pública, e deveria ser o comissionado a exceção. O último seria mediante treinamento e qualificação do corpo técnico, responsabilidade da chefia executiva.

    No caso, o próprio Secretário da Fazenda poderia qualificar os funcionários mediante cursos de capacitação sem que houvesse necessidade do objeto contratado, diga-se de atribuição e competência de execução exclusiva das autoridades fazendárias, como observou oportunamente o Des Newton Trisotto, ao dizer que "o lançamento e a inscrição do crédito em dívida ativa, por exemplo, são atos que somente poderão ser realizados pela autoridade fazendária definida em lei, e não por terceiros (AI n. 2005.020852-2, rel. Des. Newton Trisotto, j.22.11.2005).

    O serviço (objeto) que se fez constar no contrato já possuia pessoal para fazer sua execução, sendo assim a empresa não poderia ocupar o lugar de funcionários. Não há lugar na administração pública para serviços de consultoria (com exceção de casos excepcionais técnicos), que no caso não foram prestados por uma empresa, mas por pessoa física. O caso até se assemelha a alguns julgados do TJSC sobre casos de contratações de advogados para trabalhar como se procuradores fossem, em que se vê essa atitude como corrupção administrativa. Cita-se a exemplo:

    "Apelação cível em ação de improbidade administrativa. Advogado. Contratação por Município, em ocasiões diversas e sucessivas, ora com dispensa de licitação, ora mediante Carta Convite. Alegado favorecimento pessoal do patrono pelo alcaide. Indícios presentes. Improcedência, porém, decretada na inferior instância após a apresentação de manifestação preliminar dos réus, entendendo-se que a hipótese configurava caso de inexigibilidade do certame, por se tratar de serviço técnico especializado (Lei n. 8.666.93, art. 25, II). Presença, contudo, de procurador concursado no Município, com aptidão, em tese, para desempenho das tarefas objeto de contratação direta. Indícios de desnecessidade desta e de direcionamento dos certames. Recurso provido.

    A contratação de advogado sem licitação somente se justifica quando em razão da alta complexidade do serviço a ser executado impõe-se a escolha de profissional de alto nível e de notória especialização (Luiz Cézar Medeiros). Para o recebimento da vestibular de improbidade administrativa, contenta-se a lei com a presença de meros indícios de sua ocorrência, não exigindo, desta forma, que a inicial já apresente prova cabal da conduta lesiva ao patrimônio público. E se o fizesse incorreria em flagrante inconstitucionalidade por cerceamento ao exercício do direito político de ação e ao próprio direito à produção de prova no curso do processo, uma das faces mais visíveis do devido processo legal (Emerson Garcia)." (TJSC, Apelação Cível n. 2010.063455-8, de Lages, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 03-07-2012).

    A empresa demandada não comprovou que possui qualquer funcionário e nos depoimentos testemunhais, às fls. 1691-1702, fica claro que o sócio da empresa vencedora, o Sr. Arildo, trabalhava como se funcionário fosse. Colhe-se dos depoimentos:

    "Norma Fernandes Joaquim, ...que já é funcionária municipal há 15 anos; que confirma sua assinatura no depoimento de fl. 234 [247] do segundo volume, depoimento esse que lhe foi lido em voz alta e que a depoente confirma integralmente; que esclarece que não tinha contato com o Sr. Arildo, como colega de trabalho, diretamente, porque a depoente atuava em uma sala separada tratando diretamente com contribuintes, com funções diferentes das de Arildo que estava em outra sala. (...) que esclarece e confirma que na época em que trabalhou na Secretaria da Fazenda, onde também trabalhava Arildo, não sabia quais as funções que ele deveria desempenhar, igualmente não sabia quando prestou depoimento à fl. 234, (...) que trabalhou cerca de um ano na Secretaria da Fazenda, atuando no atendimento ao contribuinte em pedidos de parcelamento, efetuando; que se tratava de contribuintes que foram notificados pelo departamento de cobranças, onde Arildo atuava; que melhor explica dizendo que agora se recorda que já naquela época tinha conhecimento de que Arildo teria atuado prestando treinamento para funcionários da Secretaria da Fazenda, não sabe o tipo de treinamento porque não participou desse grupo que foi treinado, participando sim de outro grupo, cujo treinamento foi prestado e dirigido por Rogério e outros; que ouviu falar que Arildo e seu grupo prestaram sim treinamento para as pessoas que passaram naquele concurso, todavia não sabe precisar para quais setores; que pelo que sabe esse Rogério e outros que lhe prestaram treinamento, porque já eram funcionários efetivos, não receberam treinamento do grupo de Arildo; que não sabe porque Arildo foi contratado para trabalhar na Secretaria da Fazenda (...) que costumava ver Arildo na Secretaria da Fazenda todos os dias, nos períodos matutino e vespertino (...) que afirma que passou a trabalhar na Secretaria da Fazenda, lá já encontrou Arildo trabalhando, e quando deixou de trabalhar naquela pasta, Arildo continuou lá trabalhando".

    [...]

    O demandado João, ao final de seu depoimento audiovisual (29:30 min) também confirma a presença diária de Arildo na Prefeitura Municipal, o que teoricamente lhe impediria de executar atribuições na comarca vizinha onde foi contratado para mesma atividade (sendo anulado o contrato por sentença de maio de 2009 nos autos n. 031.05.002064-2, o que foi confirmado pelo TJSC) (fls. 1.759-1.763, grifou-se).

           Trata-se a decisão supramencionada do julgamento da Apelação Cível n. 2010.013792-0:

    APELAÇÕES. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS MUNICIPAIS. EMPRESA CONTRATADA. PROCESSO LICITATÓRIO DIRECIONADO. ATO ÍMPROBO.

    [...]

    Cumpre, agora, sindicar o mérito da quaestio, vale dizer, o cometimento ou não de improbidade administrativa mercê da celebração, defluente de certame licitatório, de contrato de "elaboração de diagnóstico, análise, projeto, treinamento e acompanhamento de recuperação de créditos decorrentes de impostos municipais" (fls. 32 a 36). 

    A resenha fático-jurídica destes autos está adequada e objetivamente expressa na sentença apelada, da qual me utilizo, transcrevendo o seguinte excerto:

     [...] No caso dos autos, não obstante a participação de três empresas no processo licitatório, apenas duas destas foram convidadas a participar do certame - CREDCOB e CREDITOR, conforme se infere do incluso Processo Administrativo Preliminar, fls. 55/56, havendo, portanto, violação às disposições da Lei nº 8.666/93.

    Além disso, de acordo com o contrato social hospedado às fls. 57/60, uma das empresas convidadas, a CREDCOB COBRANÇAS LTDA, não desenvolve atividades no ramo objeto do processo licitatório, de modo que o número de empresas efetivamente convidadas cai para um, malferindo flagrantemente o disposto no art. 22, § 3º, da Lei nº 8.666/93, não só por desrespeito ao mínimo de convites válidos, mas também por ter havido convite sem observação da atividade desenvolvida.

    De outra parte, é inegável a existência de certo liame entre as empresas concorrentes, porquanto Carlos César Pereira, sócio da CREDCOB, fez parte do quadro societário da CREDITOR até 4/4/02, conforme oitava alteração contratual da empresa (fls. 64/66), quando transferiu parte de suas cotas ao sócio Arildo Uller. Posteriormente, em 11/9/02, deu entrada na sociedade vencedora da licitação César Alexandre Pereira, filho daquele (Carlos César Pereira) (fls. 67/68 e 99).

    Não bastasse, consta do termo de declarações de Arildo José Uller, proprietário da CREDITOR, que a empresa WAMA, a qual participou do processo licitatório, pertence a Walter Antônio Stolf, conhecido daquele, sendo isso mais um forte indicativo de que o processo licitatório estava previamente direcionado (fls. 99/100).

    Nem se diga que Roberto Carlos Imme não teve participação nos atos, pois, de acordo com o termo acima citado, este era associado a Creditor de modo informal, devendo ser responsabilizado, da mesma forma, pelas irregularidades em testilha.

    Afora isso tudo, forçoso registrar que o processo licitatório não faz menção alguma aos motivos que ensejaram o ato administrativo em questão.

    Em outras palavras, mesmo havendo no Município de Indaial uma estrutura funcional suficiente e, bem por isso, capaz de lidar com a cobrança de créditos tributários municipais, o Poder Público não apresentou justificativa plausível à contratação de terceiros para realização de tais serviços.

    Daí se extrai mais uma razão para se dizer que o processo licitatório e, por conseguinte, o contrato nº 018/2005 são nulos, pois todo ato administrativo, máxime o discricionário, deve ser motivado, isto é, deve ser precedido da exposição do porquê daquela manifestação de vontade funcional produzida no exercício de função administrativa, sob pena de vício ensejador de anulação.

    [...]

    Restou, também, patenteado o relacionamento entre os protagonistas/réus da ação, como deixou claro o corréu Roberto Carlos Imme:

    [...] [...] Walter, assim como Arildo, tinha sido funcionário da Fininvest, não sabendo informar se eram amigos. Conhece Carlos César Pereira, que tinha uma empresa que prestava serviços de cobranças para a Fininvest, na época em que o depoente era empregado desta. Conheceu Jorge Luiz Prim no mandato de 2000/2004 [...] (fls. 585 e 586)

    Desta forma, nítida, pela prova carreada aos autos, tal qual declinado pela sentença recorrida, está a ausência de competitividade na licitação promovida, porque intencionalmente direcionada a um determinado grupo de pessoas que tinham afinidade com os então Secretário de Finanças e Prefeito Municipal, tendo este deflagrado o processo licitatório e assinado o firmado o contrato (fls. 10 e 20), ambos corréus.(TJSC, Apelação Cível n. 2010.013792-0, de Indaial, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 11-03-2014).

           Por outro lado, o requerimento feito pelo Parquet, de subsunção das condutas ímprobas ao art. 9º, XI, e art. 10, I, da Lei n. 8.429/92, não prospera.

           Conquanto patente o desprezo dos quatro requeridos pela legislação pátria, o acervo probatório aponta no sentido de que o serviço em comento foi efetivamente prestado.

           Extrai-se da sentença:

    não há como afirmar a inabilidade técnica do demandado Arildo (que pode ser vislumbrada nos volumes anexos) para execução do que se propunha, bem explicitado pelo demandado João, que seria o aperfeiçoamento da cobrança administrativa. O que confirmam algumas testemunhas, vide:

    "Carlos Alberto Collares disse que... sabia todavia que Arildo fez um levantamento de todas as receitas, impostos, taxas, tarifas do Município, organizou todo o sistema de cobranças, de dados e outros serviços; que esclarece que não viu e nem ouviu falar de Arildo ter organizado ou prestado diretamente algum tipo de curso ou treinamento a funcionários municipais, mas esclarece já ter visto Arildo no ambiente de trabalho prestando orientações, não só aos funcionários mas também a diretores, coordenadores e secretários". (...)que esclarece que quando fala das atividades que Arildo prestou, sabe delas por ter ficado uns três meses ainda no prédio da Prefeitura, ensinando os novos funcionários (repassando serviços), (...) acredita que Arildo comparecia à Secretaria toda semana, mas não sabe dizer se um, dois ou mais dias por semana, tem certeza de que não trabalhava semana cheia; que ainda naquele período de 2007/2008, o depoente era coordenador, sendo que Arildo figurava como consultor, que portanto respondia à diretora, e essa ao depoente; que pelo que sabe Arildo começou a trabalhar a partir da administração de 2005; que não se opôs à contratação de Arildo; que reafirma que o trabalho desempenhado por Arildo contribuiu para a melhoria dos serviços da Secretaria, inclusive na arrecadação, (...) que confirma que quando o depoente foi coordenador, Arildo entregava relatórios, não se recorda a periodicidade, pelo que lembra no mínimo um por mês; ..."

    "Maurício José da Silva, ...possui 30 anos de serviço público, sendo 26 desses na Prefeitura e 4 na Receita Federal; que é auditor fiscal do Município; que não tem conhecimento da Prefeitura ter contratado outras empresas dessa área além da Creditor; que pode afirmar que antes de 2005 a Secretaria de Fazenda não estava bem estruturada no Setor de Cobrança; que com os serviços prestados por Arildo houve desenvolvimento na área administrativa de cobrança de dívida ativa, afirmando que Arildo fez serviço de assessoria na estruturação do departamento de cobrança, citando por exemplo a criação de um call center; que Arildo também atuava na capacitação do pessoal, isso no dia-a-dia da atividade de forma individual ou em grupo, tendo havido inclusive uma capacitação no Hotel Marambaia, presidida por Arildo; que as medidas implementadas pela Creditor resultaram em melhoria na organização e arrecadação, tendo havido progresso também no setor de cadastro mobiliário e imobiliário; (...) que via Arildo frequentar a Secretaria em vários dias por semana; que sabe que Arildo também atuou na criação da Praça de Atendimento ao Cidadão e nos multirões de conciliação. (...) que antes da chegada de Arildo, nenhum outro servidor fazia o trabalho que ele passou a desempenhar.(...)"

    "Marcos de Andrade, (...) aditivo contratual, era feito pelo secretário da área e depois encaminhado à Secretaria de Administração que analisava a justificativa da secretaria de origem e procedia o encaminhamento, limitando-se a Secretaria de Administração a verificar a regularidade do procedimento e não o mérito do pedido; que nesses procedimentos é solicitado parecer da procuradoria; que sabe que o call center foi idealização da época de Arildo; que atualmente o município já dispõe de estrutura nessa área mas na época, se fosse secretário, aprovaria a contratação; que não acompanhou mas ouviu falar que Arildo chegou a prestar cursos para orientar funcionários acerca do encaminhamento dos processos. (...) que conhece o funcionário Carlos Collares e afirma que a função desempenhada por Arildo não foi a mesma que antes era cumprida por Carlos; (...) que melhor explica dizendo que quando afirmou que as funções de Arildo não eram as mesmas desempenhadas por Carlos Collares, se referiu à época em que este último passou a ser coordenador na Secretaria de Fazenda; que não tinha conhecimento se a Creditor também trabalhava em Indaial, igualmente não sabe a formação profissional de Arildo, tendo afirmado que Arildo era capaz pelos resultados obtidos de seu trabalho; que no trabalho desempenhado por Arildo, para receber pelos serviços teria que apresentar um relatório das atividades e a nota fiscal com a concordância do secretário de que o serviço foi efetivamente executado, sempre foi assim, na época e até hoje; que essa documentação fica arquivada ou na própria prefeitura ou na parte histórica(...)".

    Assim, comprova-se que o demandado, não efetivamente a pessoa jurídica, prestou serviços ao Município. Não se questiona sua capacidade e o talvez algumas medidas de gestão eficientes, o que ocorre é que não poderia executar tais atividades sem concurso público ou por meio de licitação própria que se socorresse da necessidade de um serviço singular muito bem justificado.

    Acompanhe a doutrina de Carvalho Filho:

    Além dessas características, impõe a lei que os serviços tenham natureza singular. Serviços singulares são os executados segundo características próprias do executor. Correta, portanto, a observação de que "singulares são os serviços porque podem ser prestados, de certa maneira e com grau de confiabilidade, por um determinado profissional ou empresa. Por isso mesmo é que a singularidade do serviço está contida no bojo da notória especialização. Diante da exigência legal, afigura-se ilegítima, a contrario sensu, a contratação de serviços cuja prestação não apresente qualquer carga de particularização ou particularidade, ainda que também sejam serviços técnicos e especializados.

    (...)

    Não obstante, é mister consignar que a contratação direta no caso em pauta deve ser vista como exceção ao princípio licitatório, e exceção bem delineada. Lamentavelmente, alguns administradores desonestos ou despreparados têm recorrido a essa modalidade para escapar àquele princípio, cometendo flagrante desvio de finalidade e ofensa ao princípio da moralidade e, frequentemente, provocando graves prejuízos à Administração (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 225-226).

    Assim, em que pese a irregularidade da contratação e a duvidoso objeto contratado, não se pode afirmar ausência de prestação de serviço e por conseguinte prejuízo ao erário, pois não há qualquer prova que o valor mensal pago à empresa ou particularmente ao Sr. Arildo (aproximados R$ 5.000,00 mês) seja superfaturado para a atividade ou que houve inexecução de serviço ou que fez menos do que o objeto do contrato.

    O Sr. Arildo, como se observa no seu depoimento pessoal (audiovisual fl.1664), foi contratado para corrigir a ineficiência administrativa no setor de cobrança, o que em tese deveria ser resolvido pelos servidores efetivos e por aqueles que, como o Sr. João, foram indicados pelo então Prefeito para Secretarias do governo, pressupondo que esses cargos devem ser ocupados por aqueles aptos a solucionar os problemas do Município.

    Todavia a realidade institucional é outra, e talvez o mesmo se repita em outras gestões, em que os problemas são repassados a terceiros. Como mesmo disse o Sr. Arildo, sua função era "transferir seu Know-how" (08:02min), que significa justamente levar o seu conhecimento prático de como fazer.

    Ademais, é conhecimento deste juízo que há procuradores municipais, que também poderiam exercer a atividade de gerenciamento, assessoramento e recuperação de créditos fiscais, mesmo administrativamente, que recebem hoje importância maior do que a fixada mensalmente para o contrato em questão.

    Sendo assim, não há que se falar na aplicação dos art. 9º e 10 da Lei de Improbidade pela ausência de prova de dano, posição já seguida por este juízo (fls. 1.764-1.768, grifou-se).

           Apesar de que "a ninguém é lícito alegar em seu benefício a sua própria torpeza", segundo enfatizou o Ministério Público, também não se admite que haja o enriquecimento sem causa da Administração Pública.

           Em situação análoga, manifestou-se esta Corte:

    IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. [...] AUSÊNCIA DE LESÃO ÀS FINANÇAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO NO ART. 10 DA LIA. [...]

    O prejuízo concreto aos cofres públicos, "ensejador de perda do erário, devido a lesão patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres, causados pelos agentes públicos, é um dos requisitos básicos ao enquadramento do dispositivo em comento [art. 10 da LIA], independentemente se houve ou não recebimento ou obtenção de vantagem patrimonial do agente" (Alexandre de Moraes apud Mauro Roberto Gomes de Mattos, O limite da improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed., 2010, p. 265).

    Uma vez que pretende o Órgão Ministerial o enquadramento da conduta dos réus no art. 10, situação que demanda o efetivo dano ao erário, e que o fato não foi comprovado, ao contrário, há prova pericial no sentido da inexistência do dano - acervo probatório que sequer foi materialmente rebatido pelo autor -, o recurso também não merece ser provido neste ponto.

    Ademais, uma vez apresentadas provas que corroboram com as teses da defesa dos réus, cabia ao autor derruir a presunção de veracidade da documentação, o que não foi feito. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0009531-83.2010.8.24.0045, de Palhoça, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, j. 21-02-2017, grifou-se).

           Destarte, ante o todo processado, conclui-se que a condenação de Arildo José Uller, sócio da Créditor Assessoria Cobranças Ltda, da própria empresa, e dos ex-secretários da fazenda itajaiense, não merece reparo.

           Quanto à extensão das penalidades aplicadas, houve protesto de ambas as partes.

           Sua disciplina está prevista no art. 12, III, da LIA:

    Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

    III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. 

           A Lei 12.120/09 (que deu nova redação ao caput do art. 12) consagrou o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que as penas ali previstas devem ser aplicadas de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, conforme gravidade do fato.

           No caso ocorrido no Município de Indaial, resolveu a Segunda Câmara de Direito Público:

    (I) desconstituir a pena de ressarcimento integral do dano em relação a todos os réus; (II) condenar os réus/apelantes Olimpio José Tomio e Jorge Luiz Prim à suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos e ao pagamento de multa civil equivalente a (1) uma remuneração por eles percebida; (III) condenar os réus Arildo José Uller e Roberto Carlos Imme também à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 3 (três) anos e ao pagamento de multa civil, por proporcionalidade, no mesmo valor da aplicada aos dois primeiros réus/apelantes, além de, em relação a estes dois últimos, a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente pelo mesmo prazo trienal; (IV) condenar Creditor Assessoria e Cobranças Ltda. ME ao pagamento de multa civil no mesmo valor acima referenciado e à proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente pelo mesmo prazo trienal

           Assim, entende-se proporcional e razoável a imposição do Juízo de primeiro grau:

    "com base no art. 12, inciso III, da mesma Lei, CONDENAR:

    A) João Baptista Krein a pagar multa civil, sendo esta, no valor de duas vezes a remuneração percebida considerando o cargo público e os subsídios vigentes à época dos fatos (fevereiro de 2005) e o demandado Gerson Hélio da Cruz, sob mesmos critérios, a uma vez a remuneração percebida quando dos aditivos (maio de 2007), valores estes a serem corrigidos pelo INPC desde o ilícito (10/02/2005), a serem revertidos em favor do Município de Itajaí, forte no art. 18 da Lei n. 8.429/92

    B) Em razão do art. 3º da Lei n. 8.429/92, a empresa Creditor Assessoria e Cobrança Ltda. - ME e Arildo José Uller, a multa de 1/12 (um doze avos) do total recebido, considerando a soma de todos contratos firmados e prorrogações com o poder público, corrigido pelo INPC desde a data final do último aditivo firmado e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos".

            Tampouco deve ser alterada a improcedência dos pedidos em relação a Roberto Carlos Imme.

           A respeito, utiliza-se como razões para decidir as mesmas expostas pelo Togado a quo:

    Observa-se, que de início, não há qualquer responsabilização a ser imputada ao demandado Roberto Carlos Imme, pois nenhuma ligação dele com o fatos foi provada. Cogitou-se de sua participação por ter exercido atividade para a empresa demandada, em que exerceria atividade societária informal segundo depoimento de Arildo às fls. 348-349 feito à Promotoria de Indaial-SC, por fatos apurados também naquela Comarca, o que não se confirmou no processo. Ademais:

    A) Em seu depoimento (fl. 1676), o demandado confirma ter trabalhado para a empresa CREDITOR por curto período como funcionário, nesta qualidade disse nunca ter trabalhado na comarca de Itajaí.

    B) Não houve qualquer prova no sentido de indicar sua participação ou atividade nos atos que aqui se sucederam, sendo totalmente temerárias as presunções que se fazem ao seu desfavor, por tão somente conhecer outros demandados ou ter trabalhado para empresa por curto período. Como dito no início destes autos não se admite condenação por presunção.

    C) Nesse caso, a testemunha Eloi Antônio, sócio de uma empresa de urbanização, confirmou que o Sr. Roberto trabalhou para sua empresa de meados do ano de 2005 até início de 2006, na área de licitações e administração, em atividade exclusiva.

    D) Outra testemunha, o Sr. Francisco, disse que conhecia o demandado Roberto quanto ainda era funcionário da prefeitura de Blumenau, antes do ano de 2005, e que encontrou o mesmo posteriormente representando a empresa SOBERANA em licitações que apregoava na comarca de Itapema. Essa testemunha desconhece atividades do demandado Roberto no Município de Itajaí ou Indaial.

    E) Sebastião de Souza, proprietário da empresa SOBERANA, confirma que o demandado Roberto trabalha para sua empresa na parte administrativa, sem vínculo, de fevereiro de 2006 a 2007, inclusive possuía procuração da pessoa jurídica para representá-la nas questões de licitação, por sua experiência, sendo o demandado registrado em 2008.

    F) Dentre as testemunhas de acusação, a primeira, Dnª Norma F. Joaquim (fls. 1888-1690), disse "que nunca ouviu falar do nome de Roberto Carlos Imme". Igual afirmação faz a testemunha Carlos A. Collares (fl. 1693). A testemunha Marcos de Andrade afirmou que conhecia todas pessoas demandadas, menos o Sr. Roberto.

    Oportunamente este juízo já se manifestou dizendo que na ambiência de ação por improbidade administrativa, cujas sanções são sabidamente severas, não sobeja espaço para condenações fundadas em indícios ou presunções. (nesse sentido TJSC, Apelação Cível n. 2010.028096-0, de Lages, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 27-09-2011).

    É de conhecimento deste juízo que o demandado Roberto C. Imme foi condenado por alegada participação em atos fraudulentos em licitação na comarca de Indaial, por meio da ação n.031.05.002064-2, confirmada pelo TJSC, com apenas reformas de "dosimetria" das penas (2010.013792-0). Todavia, aquele resultado não reflete diretamente neste, pois o juízo deve ater-se às provas dos autos.

    Sendo assim, não resta a menor dúvida que, no caso sob análise, nenhuma ação ou omissão ímproba pode ser imputada ao demandado Roberto (fl. 1.768-1.770).

           Ante o exposto, é medida que se impõe, conhecer e desprover os recursos.

           Proceda-se à inscrição dos condenados no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que Implique Inelegibilidade - CNCIAI, do Conselho Nacional de Justiça.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Júlio César Knoll