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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0061896-15.2012.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Janice Goulart Garcia Ubialli
Origem: Capital
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Comercial
Julgado em: Tue Apr 25 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Fernando de Castro Faria
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 0061896-15.2012.8.24.0023, de Capital

Relatora: Desa. Janice Ubialli

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE HIPOTECA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.

   RECURSO DA AGÊNCIA RÉ.

   HIPOTECA CONVENCIONAL. GARANTIA REAL PRORROGÁVEL ATÉ 30 ANOS DA DATA DO CONTRATO. ARTIGO 817 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, E ARTIGO 1.845 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRAZO NÃO SUJEITO À SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO.

   A hipoteca é modalidade de garantia real sobre a qual a lei impõe prazo máximo de eficácia, o qual só pode ser excedido se reconstituída a garantia por novo título e novo registro. Esse limite temporal não se sujeita, nem mesmo que por interpretação analógica, à incidência do regramento próprio do instituto da prescrição, especialmente às causas de sua interrupção e suspensão.

   RECURSO DO AUTOR.

   DANO MORAL. PEDIDO DE BAIXA DA HIPOTECA. NÃO ATENDIMENTO PELA PARTE CONTRÁRIA. SITUAÇÃO QUE NÃO EXPÕE O AUTOR A DOR, VEXAME, SOFRIMENTO OU CONSTRANGIMENTO PERANTE TERCEIROS. DANO NÃO CONFIGURADO.

   A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça "entende que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de circunstância a ensejar mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando o mero descumprimento contratual, embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos ao recorrente." (AI. no REsp. n. 1.635.534/PR, Quarta Turma, rel. Min. Raul Araújo, DJe de 14-3-2017).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0061896-15.2012.8.24.0023, da comarca de Capital (3ª Vara Cível) em que são Apte/Apdo Agência Catarinense de Fomento S.A. - BADESC e Apdo/Apte Reinoldo Rodrigues Alves:

           A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar a eles provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Lédio Rosa de Andrade, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. José Carlos Carstens Köhler.

           Florianópolis, 25 de abril de 2017.

Janice Ubialli

Relatora

 

RELATÓRIO

           Cuida-se de apelações cíveis interpostas pelas partes da sentença proferida nos autos n. 0061896-15.2012.8.24.0023. A decisão apelada contou com a seguinte parte dispositiva:

    Ante o exposto, na forma do art. 269, I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por Reinoldo Rodrigues Alves contra Badesc Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A, para DECLARAR a extinção das hipotecas gravadas no imóvel de matrícula n. 12.374 registros R.2/12.374 e R.3/12.374, ante o instituto da perempção. Condeno o réu, ainda, a proceder em 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado, ao cancelamento dos respectivos registros das hipotecas aqui declaradas peremptas, junto ao Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Capital/SC, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

    Ante a sucumbência recíproca, condeno as partes (50% cada) ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, CPC, vedada a compensação (art. 23, EAOAB).

    Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

    Transitada em julgado, observadas as custas, arquivem-se.

           Em suas razões recursais, Badesc - Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A. sustenta que não há falar em perempção das hipotecas constituídas, porquanto a perempção ocorre apenas quando o credor hipotecário deixar transcorrer o prazo decadencial de 30 anos, a fluir da contratação havida entre as partes e o ajuizamento da execução hipotecária. Assevera, ainda, a respeito da não caracterização da "decadência" em razão do exercício do "direito de execução" das hipotecas.

           No recurso que interpôs, o autor, Reinoldo Rodrigues Alves, defende que, diante da negativa do réu em proceder à baixa da hipoteca, sofreu abalo de ordem moral.

           Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte.

 

VOTO

           Em primeiro lugar, vale esclarecer que tanto a prolação da decisão recorrida quanto a interposição dos presentes recursos, ocorridas, respectivamente, em 16-11-2015 e 27-11-2015 (réu) - 1º-12-2015 (autor), precedem a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), que se deu em 18-3-2016 (Enunciado Administrativo n. 1 do STJ).

           Assim, os pressupostos da admissibilidade recursal são os do Código de Processo Civil de 1973, segundo estabelecido no Enunciado Administrativo n. 2, aprovado pelo Superior Tribunal de Justiça:

    Aos recursos interpostos com fundamento do CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

           Mas não é só. Porque o que aqui se reexamina é decisão prolatada sob a égide do CPC/1973, o juízo que se realizará a respeito do acerto ou desacerto do decidido será, quanto ao aspecto processual, exclusivamente orientado por aquela normatividade. É que a aplicabilidade imediata assegurada à norma processual não implica a possibilidade de revisão dos atos já praticados pelo juiz, tampouco a desconstituição de situações jurídicas consolidadas sob a vigência da lei processual revogada (art. 14 do CPC/2015).

           Lançado isso, passa-se ao enfrentamento do recurso.

Da Apelação por Badesc - Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.

           Defende o apelante que diante da ausência de pagamento da dívida garantida pela hipoteca - cujo vencimento se dera em 31-12-1981 -, promoveu, em 17-3-1983, sua execução; diz que a citação do executados se operou em 6-5-1983, com simultânea interrupção da prescrição do crédito exequendo e, por conseguinte, da respectiva garantia hipotecária que recaíra sobre o imóvel em debate.

           Noticia que os pais do autor, João Rodrigues Alves e Olivia Boticelli Alves, ajuizaram embargos de terceiros, julgados improcedentes por decisão já transitada em julgado.

           Por tudo isso, defende não caracterizada a "decadência" em razão do exercício do "direito de execução" das hipotecas, que importou interrupção do prazo.

           Pois bem. Constata-se dos autos que na data de 2-7-1980, sobre o apartamento n. 204 do edifício Governador Felipe Schmidt, registrado sob a matrícula n. 12.374, foi constituída hipoteca por meio de acordo de vontade entre o apelante e as empresas Cecomtur S.A. e Daux Boabaid Ltda. (fl. 18). Portanto, fato jurídico ocorrido há mais de 30 (trinta) anos.

           O art. 817 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, assim dispunha sobre a matéria:

    Mediante simples averbação requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até perfazer trinta anos, da data do contrato. Desde que perfaça trinta anos, só poderá subsistir o contrato de hipoteca, reconstituindo-se por nova inscrição; e, neste caso lhe será mantida a procedência, que então lhe competir. 

           Nesse mesmo rumo, a norma estabelecida no art. 241 da Lei 6.015/1973, segundo a qual a inscrição da hipoteca convencional valerá pelo prazo de trinta (30) anos, findo o qual só será mantida se reconstituída por novo título e novo registro.

           Sobre o tema, preleciona com peculiar objetividade Tupinambá Castro do Nascimento, in verbis:

    A consequência de ser a hipoteca direito real temporário é que sempre haverá o instante em que ela se extingue, ou desaparecendo como um todo ou desaparecendo a vinculação real que apaga a realidade do direito, a eficácia erga omnes, mantendo-se simplesmente a relação de natureza pessoal de débito-crédito (Direitos Reais Limitados. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 136).

           Desse modo, contemplado o prazo de 30 (trinta) anos, a extinção da hipoteca é consequência lógica e legal, mormente por se tratar de prazo fatal, que não se interrompe nem se suspende por qualquer razão.

           Neste ponto, leciona Washington de Barros Monteiro sobre a perempção da hipoteca:

    O prazo estabelecido para a perempção não comporta suspensão ou interrupção, porque de natureza fatal. Perempta a hipoteca, pelo decurso do prazo, a contar do registro, ao credor não mais se permite excuti-la (Curso de Direito Civil, v. 3: direito das coisas. 38ª ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 421).

           Igualmente, elucidam Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa e Luiz Guilherme A. Bondioli, que:

    O prazo de perempção da hipoteca é decadencial, razão pela qual ele não se suspende nem se interrompe. Esta regra, portanto, não vale para as hipotecas legais e judiciárias, mas tão somente para as convencionais (Código Civil e Legislação Civil em Vigor. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. pág. 502).

           A propósito:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. CANCELAMENTO DE HIPOTECA. PEDIDO ACOLHIDO [...]

    MÉRITO RECURSAL. LEVANTAMENTO DE HIPOTECA. PRAZO. 30 ANOS. EXEGESE DO ART. 817 DO CÓDIGO CÍVEL DE 1916 (CORRESPONDENTE AO ART. 1485 DO ATUAL CC) E ART. 283 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI 6.015/73). PROVA DA QUITAÇÃO DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE PAGAMENTO. CONTRATO FIRMADO EM 1969. INTELIGÊNCIA DO ART. 943 DO CC/1916 E 333, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DIREITO AO CANCELAMENTO DA HIPOTECA E RETIFICAÇÃO DO REGISTRO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

    Para o cancelamento do registro da garantia hipotecária não é exigível prova do pagamento da dívida, quando haja transcorrido o prazo de 30 anos de sua constituição, ante a ocorrência da perempção do direito real de hipoteca, que somente pode subsistir se reconstituída por novo título e novo registro.

    O ônus da prova da quitação da dívida não cabe ao autor, uma vez que "considerando o ditame do art. 943 do CC/16, pelo qual 'quando o pagamento for em cotas periódicas, a quitação desta última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores', hígido o entendimento sufragado pela Corte a quo no sentido de que incumbe à parte ré a demonstração da existência de alguma causa impeditiva desse fato, ou seja, de inadimplência do mutuário. Precedentes: REsp nº 509.533/RO, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 02.02.2004; REsp nº 70.170/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 12.06.2000." (Superior Tribunal de Justiça STJ; REsp 926.898; Proc. 2007/0034783-6; SC; Primeira Turma; Rel. Min. Francisco Cândido de Melo Falcão Neto; Julg. 17/05/2007; DJU 11/06/2007; Pág. 300) (TJSC, Ap. Cív. n. 2009.031536-2, de Balneário Camboriú, Quarta Câmara de Direito Civil, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. em 16-9-2010).

           Ainda:

    APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO DE IMÓVEIS. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PEREMPÇÃO DA HIPOTECA. PRAZO FATAL. CANCELAMENTO DO REGISTRO. EFEITO MERAMENTE REGULARIZATÓRIO. DESNECESSIDADE DE RECONHECIMENTO PELO CREDOR OU ORDEM JUDICIAL. Incontroverso o fato de que a hipoteca foi registrada há mais de trinta anos (art. 817 do CC/1916), sem qualquer renovação (art. 241 da Lei 6.015/73), impõe-se o cancelamento do pacto hipotecário em razão da perempção, cujo prazo não comporta suspensão ou interrupção. Transcorrido o prazo fatal, a hipoteca extingue-se de pleno direito, sem necessidade de reconhecimento pelo credor ou de ordem judicial, motivo pelo qual viável o cancelamento direto pelo registrador mediante simples requerimento na via administrativa pelo interessado. APELAÇÃO PROVIDA (TJRS, Ap. Cív. n. 70068975606, Décima Nona Câmara Cível, rel. Des. Marco Antonio Angelo, j. em 8-9-2016).

           E:

    APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. HIPOTECA. PEREMPÇÃO [...] BAIXA DO GRAVAME. IMPERATIVIDADE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 817 DO CC/16, REPRODUZIDO NO ARTIGO 1.485 DO CC/02. Hipótese em que se passaram mais de trinta anos da imposição do gravame, sem qualquer averbação posterior, impondo-se a baixa da garantia, a fim de que o titular do domínio possa fruir na integralidade os direitos decorrentes da propriedade. Precedentes. [...] RECURSOS IMPROVIDOS. UNÂNIME (TJRS, Ap. Cív. n. 70062699558, Décima Oitava Câmara Cível, rel. Des. Pedro Celso Dal Pra, j. em 16-4-2015).

            Por fim, importante consignar não haver controvérsia nos autos a respeito da não renovação da hipoteca.

           Destarte, a decisão recorrida, que determinou o cancelamento do pacto hipotecário sobre o imóvel de matrícula n. 12.374, Registros R.2/12.374 e R.3/12.374, não merece reforma.

Da Apelação interposta pelo autor

           Em linhas gerais, a insurgência do apelante é no sentido de que diante da negativa do réu em proceder à baixa da hipoteca, sofreu abalo de ordem moral.

           A insurgência, todavia, não merece prosperar.

           Isso porque os aborrecimentos sofridos pelo apelante, em razão da não concordância do apelado em dar baixa na hipoteca, não alcança a magnitude suficiente a ponto de atingir a sua personalidade. Ademais, não ficou comprovado que os desacertos enfrentados entre as partes extrapolaram a normalidade.

           O suposto desconforto gerado ao apelante não causou maiores aborrecimentos do que aqueles a que todos estão sujeitos nas relações interpessoais provenientes da vida em sociedade, e por isso não caracterizam o reconhecimento do abalo moral.

           Em caso análogo já decidiu a Corte do Rio Grande do Sul, in verbis:

    APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. HIPOTECA. PEREMPÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

    [...]

     DANO MORAL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. A situação descrita nos autos não enseja a presunção de prejuízo, incumbindo ao autor do pedido indenizatório a produção de prova dos danos alegados, ônus do qual o demandante não se desincumbiu. Além disso, trata-se de mera inexecução contratual, a qual, por si só, é incapaz de gerar o dever de indenizar. RECURSOS IMPROVIDOS. UNÂNIME. (Ap. Cív. n. 70062699558, Décima Oitava Câmara Cível, rel. Des. Pedro Celso Dal Pra, j. em 16-4-2015).

           Ante o exposto, voto no sentido de conhecer dos recursos e negar a eles provimento.