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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0158625-70.2015.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Carlos Adilson Silva
Origem: Porto Belo
Orgão Julgador: Grupo de Câmaras de Direito Público
Julgado em: Wed Mar 22 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Ação Rescisória

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 343, 284, 150, 7
Súmulas STF: 343

Ação Rescisória n. 0158625-70.2015.8.24.0000 


Ação Rescisória n. 0158625-70.2015.8.24.0000, de Porto Belo

Relator: Desembargador Carlos Adilson Silva

   AÇÃO RESCISÓRIA. AMBIENTAL E URBANÍSTICO. PRETENDIDA RESCISÃO DE ACÓRDÃO QUE DETERMINOU A DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÃO. SUSCITADA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL. IMÓVEL EM TERRENO DE MARINHA. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO EVIDENCIA INTERESSE DA UNIÃO A JUSTIFICAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DA TITULARIDADE DO DOMÍNIO. MANIFESTAÇÃO DA UNIÃO INFORMANDO O DESINTERESSE NA CAUSA. TESE AFASTADA. ALEGADO ERRO DE FATO QUANTO À POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO. EDIFICAÇÃO SITUADA A MENOS DE TRÊS METROS DE CURSO D'ÁGUA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NECESSIDADE DE OBSERVAR DISTÂNCIA MÍNIMA DE QUINZE METROS EM CASO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE ESPECÍFICO (LEI 12.651/2012, ART. 65, § 2º). REGULARIZAÇÃO INVIÁVEL. AVENTADA NULIDADE DO PROCESSO ORIGINÁRIO PELA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA COMPANHEIRA. NATUREZA PESSOAL, E NÃO REAL, DA AÇÃO DEMOLITÓRIA. ENTENDIMENTO PREVALECENTE À ÉPOCA DO JULGAMENTO DO PROCESSO. SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA QUE NÃO CONSTITUI FUNDAMENTO APTO À RESCISÃO DO ACÓRDÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO.

   "O fato de o imóvel estar situado em terreno de marinha não é suficiente para deslocar a competência para a Justiça Federal, posto que o ponto nevrálgico da discussão incide sobre a adequação do imóvel em face das normas de organização do Município, editadas no âmbito de sua competência suplementar (art. 30, II da CF), não existindo, por isso, qualquer interesse da União, de entidade autárquica ou empresa pública federal no feito." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2000.002296-9, da Capital, rel. Des. João Martins, j. 7-12-2000)

   "Se a decisão judicial foi proferida com amparo na jurisprudência do STJ vigente na época, ainda que posteriormente tal entendimento seja modificado, não há como se afirmar que a decisão impugnada tenha violado literal disposição de lei. Incide à situação em análise o disposto na Súmula 343/STF a qual dispõe que 'não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais'" (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.507.471/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 3-12-2015).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Rescisória n. 0158625-70.2015.8.24.0000, da comarca de Porto Belo 2ª Vara em que são Autores Antônio Olavo Scheidt e outro e Réu Município de Porto Belo.

           O Grupo de Câmaras de Direito Público decidiu, por unanimidade, julgar improcedente a presente ação rescisória, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, cuja cobrança fica suspensa em virtude do benefício da justiça gratuita. Custas legais.

           O julgamento, realizado no dia 22 de março de 2017, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participaram os Exmos Srs. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Des. Júlio César Knoll, Desa. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Des. Francisco Oliveira Neto, Des. Gerson Cherem II, Desa. Hildemar Meneguzzi de Carvalho, Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Des. Cid Goulart, Des. João Henrique Blasi, Des. Jorge Luiz de Borba, Des. Ronei Danielli e Des. Ricardo Roesler.

           Florianópolis, 24 de março de 2017.

Desembargador Carlos Adilson Silva

Relator

RELATÓRIO

           Cuida-se de ação rescisória ajuizada por Antônio Olavo Scheidt e Lídia Elvira Bianchini, com fundamento no art. 485, II e IX, do CPC/1973, objetivando desconstituir o acórdão exarado no julgamento da Apelação Cível nº 2011.011253-6 pela Primeira Câmara de Direito Público, de lavra do Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, em que foi negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença proferida na ação demolitória proposta pelo Município de Porto Belo, que ordenou a demolição da residência do réu, ora autor.

           Em suas razões, sustentam que o imóvel encontra-se em terreno de marinha, motivo pelo qual a competência para processar e julgar a ação seria da Justiça Federal, o que revelaria a nulidade absoluta do acórdão rescindendo. Defenderam a possibilidade de regularização da obra em razão de estar inserida em área urbana consolidada, ressaltando o teor do art. 65, § 2º, da Lei nº 12.651/2012. Averberou ainda sobre a ausência de citação de litisconsorte passivo necessário, em razão de Antônio Olavo Scheidt manter união estável, desde antes da propositura da ação demolitória, com Lídia Elvira Biachini, irregularidade processual que também culminaria em nulidade absoluta do acórdão rescindendo.

           Requereram a justiça gratuita e formularam pedido liminar para que seja suspensa a ordem demolitória ou, alternativamente, concedido prazo de 120 dias para que possa regularizar administrativamente a edificação.

           Em decisão de fls. 653-659, este Relator concedeu a gratuidade da justiça e deferiu, em caráter precário, o pedido liminar para suspender o transcurso do prazo para o cumprimento da ordem demolitória, determinando a intimação da União para informar se possui interesse no feito.

           Os autores opuseram embargos de declaração (fls. 666-667), os quais foram parcialmente acolhidos, nos termos da decisão de fls. 736-740.

           A União peticionou informando não possuir interesse na discussão judicial em apreço (fl. 669).

           O Município de Porto Belo apresentou contestação (fls. 677-684), defendendo a validade do acórdão rescindendo, por ser matéria de competência da Justiça Estadual, por inexistir erro de fato quanto à impossibilidade de regularização da construção, e pela desnecessidade de citação da companheira.

           Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Drª. Hercília Regina Lemke, manifestando-se pela improcedência da ação rescisória.

           Este é o relatório.

VOTO

           De início, cumpre fixar a premissa de que, por ser de ordem material, o direito à rescisão do julgado submete-se às regras vigentes à época em que fora proferida e transitou em julgado a decisão rescindenda, daí porque são aplicáveis as disposições do CPC/1973 (arts. 485 ao 495), já revogado.

           Adianta-se que o pleito rescisório merece ser julgado improcedente.

           De início, cumpre refutar a alegação de incompetência absoluta da Justiça Estadual, pois, conforme manifestação da União de fl. 669, inexiste interesse jurídico a justificar a competência da Justiça Federal.

           É incontroverso que o imóvel situa-se em terreno de marinha, consoante a Certidão de Inscrição de Ocupação expedida pela Delegacia de Patrimônio da União em Santa Catarina, expedida em 15/05/1996, acostada às fls. 127. No entanto, essa circunstância, por si só, não demonstra a existência de interesse federal.

           A Justiça Federal é competente para processar e julgar as causas em que existir interesse jurídico da União a exigir sua intervenção, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal e a teor do entendimento sufragado na Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existencia de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas publicas".

           No caso vertente, é possível descartar o interesse federal. Primeiro, porque não está em debate a titularidade do domínio sobre a área, mas exclusivamente a regularidade urbanística e ambiental da edificação. E segundo, porque a própria União confirmou seu desinteresse na causa (fl. 669).

           Logo, resplandece a competência da Justiça Estadual, consoante se infere dos seguintes julgados:

    "Ação rescisória. Administrativo. Obra clandestina. Sentença demolitória passada em julgado. Demolição iminente. Novos argumentos, desprovidos de amparo legal e documental. Construção em terreno de marinha. Poder de polícia exercido pelo município, no controle das edificações. Possibilidade. Deslocamento da causa para a Justiça Federal. Desnecessidade, pois, intimada para a causa, manifestou-se a União uma única vez no feito, sem deixar caracterizado o seu interesse ao longo dos anos. Ausência dos pressupostos para a antecipação de tutela. Recurso desprovido. O controle das construções urbanas é atribuição específica do Município, não só para assegurar o ordenamento da cidade em seu conjunto, como para se certificar da segurança, da salubridade e da funcionalidade de cada edificação, especificamente considerada. Este é o controle técnico funcional da construção, referente à sua estrutura e ao seu uso individual, diversamente do controle urbanístico, que cuida da integração do edifício na cidade, visando a harmonizá-lo com o complexo urbano. O controle das construções exercita-se, pois, sob dois aspectos: o coletivo, para o ordenamento urbano; o individual, para adequação da estrutura à função da obra (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 574). Os terrenos de marinha pertencem à União por expresso mandamento constitucional (art. 20, VII, CF), justificando-se o domínio federal em virtude da necessidade de defesa e de segurança nacional. Entretanto, algumas áreas dos terrenos de marinha se tornaram urbanas ou urbanizáveis por aquiescência do Governo Federal, passando a ser permitido o uso privado. No que concerne às construções e edificações particulares, incidem regularmente as normas próprias editadas pelos Estados e pelos Municípios, estes, inclusive, dotados de competência urbanística local por preceito expresso na Constituição (art. 30, VIII) (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 1138)." (TJSC, Agravo Regimental em Ação Rescisória n. 2010.072264-0, de São Francisco do Sul, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 6-12-2010). [Sublinhou-se.]

    "APELAÇÃO CÍVEL. COISAS E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REINTEGRATÓRIA CUMULADA COM DEMOLITÓRIA E INDENIZATÓRIA. IMÓVEL INVADIDO. CONSTRUÇÃO DE CASA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINARES. - SENTENÇA CITRA PETITA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NÃO APRECIADA. IMPROCEDÊNCIA. REJEIÇÃO IMPLÍCITA. - CERCEAMENTO DE DEFESA. INSTRUÇÃO ENCERRADA EM AUDIÊNCIA. AUSÊNCIA DE IRRESIGNAÇÃO. PRECLUSÃO. PREFACIAIS SUPERADAS. - A superveniência de sentença de improcedência faz com que, implicitamente, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela seja considerado inviável (por evidente ausência de verossimilhança), não havendo falar em julgamento citra petita. - Se a parte não se insurge contra o encerramento da instrução no momento e modo adequados, ou seja, com a interposição de agravo retido oral na própria audiência (art. 523, § 3º, do CPC), descabida a pretensão deduzida em sede de recurso de apelação, porquanto já alcançada pela preclusão. MÉRITO. - TERRENO DE MARINHA. POSSE. DISPUTA ENTRE PARTICULARES. DESINTERESSE DA UNIÃO. PRECEDENTE DO STJ. - CAUSA DE PEDIR PRÓXIMA. ESBULHO. FEIÇÃO POSSESSÓRIA. PLEITO REINTEGRATÓRIO CUMULADO COM CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS E DEMOLIÇÃO. - FATOS NÃO DEMONSTRADOS. ART. 333, I, DO CPC. ÔNUS NÃO OBSERVADA. - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. - Mesmo em se tratando de terreno de marinha, de propriedade da União, não há "interesse da União na ação possessória em que litigam particulares, ausente discussão sobre o domínio, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Estadual". (STJ. Conflito de competência n. 41902/BA, Segunda Seção. Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, j. em 11.05.2005). - "O que determina o caráter possessório de uma ação não é só o pedido, como à primeira vista poderia parecer, mas sim a 'causa petendi', os fundamentos do pedido do autor. Se a causa de pedir for a posse e o pedido for a proteção dessa posse, estaremos diante de uma ação tipicamente possessória". (NELSON NERY JUNIOR apud FIGUEIRA JUNIOR, JOEL DIAS. Posse e ações possessórias: fundamentos da posse. Curitiba: Juruá, 1994. p. 288-289). Delineada, na inicial, a ocorrência de esbulho, exsurge validamente a pretensão reintegratória. - Inviável a reintegração de posse com a demolição do imóvel ali edificado, e a condenação ao pagamento de indenização por perdas e danos, se os autores não se desincumbiram do ônus de provar os fatos alegados, notadamente quando a parte contrária demonstra, ao menos por presunção da documentação autuada, que a posse que exerce não está eivada por qualquer mácula." (TJSC, Apelação Cível n. 2007.006383-8, de Araranguá, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 25-8-2011). [Sublinhou-se.]

    "AGRAVO DE INSTRUMENTO - DANO AO MEIO AMBIENTE - ALEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA O JULGAMENTO DO FEITO, PELO FATO DE O IMÓVEL ESTAR SITUADO EM TERRENO DE MARINHA - IMPROCEDÊNCIA - MATÉRIA DE INTERESSE ESTRITAMENTE LOCAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUALO fato de o imóvel estar situado em terreno de marinha não é suficiente para deslocar a competência para a Justiça Federal, posto que o ponto nevrálgico da discussão incide sobre a adequação do imóvel em face das normas de organização do Município, editadas no âmbito de sua competência suplementar (art. 30, II da CF), não existindo, por isso, qualquer interesse da União, de entidade autárquica ou empresa pública federal no feito. DECISÃO GENÉRICA - INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REQUISITO DO INC. II DO ART. 5º DA LEI FEDERAL N. 7.347/85 - FLORAM - FUNDAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL - ATOS CONSTITUTIVOS - JUNTADA AOS AUTOS - DESNECESSIDADE - FINALIDADES INSTITUCIONAIS EXPRESSAS NA LEI MUNICIPAL N. 4.645/95. A Lei Municipal n. 4.645/95, autorizou a instituição da Fundação Municipal do Meio Ambiente, consignando expressamente que esta terá por objetivo a execução da política ambiental do Município de Florianópolis (art. 3º), e elencando dentre suas finalidades básicas, a implantação, fiscalização e administração das unidades de conservação e áreas protegidas do município tais como matas nativas, dunas, restingas e outros bens de interesse ambiental (art. 4º, II). Assim, prevista a proteção ao meio ambiente como uma das finalidades institucionais da Fundação em epígrafe, preenchido está o requisito do inciso II do art. 5º da Lei n. 7.347/85, sendo desnecessária a juntada aos autos de seus atos constitutivos. DEMOLITÓRIA - CONCESSÃO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS - EDIFICAÇÃO SOBRE DUNAS NA PRAIA DO CAMPECHE - REGIÃO DE RESTINGA - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA - DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. 'A tolerância com edificações clandestinas em áreas de preservação permanente fará com que, estimulados pelo uso de meios retardatários da execução da liminar demolitória, novas violências contra o meio ambiente sejam perpetradas, em prejuízo de toda a comunidade" (AI n° 96.001089-0, da Capital, rel. Des. Eder Graf).' (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2000.002296-9, da Capital, rel. Des. João Martins, j. 7-12-2000). [Sublinhou-se.]

           Portanto, afasta-se a incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar a ação originária.

           Sobre a aventada possibilidade de regularização do imóvel, não se verifica qualquer erro de fato capaz de amparar a rediscussão da matéria em sede de ação rescisória.

           Com efeito, a questão foi exaustivamente discutida na ação em foco, concluindo os julgadores, à luz da legislação vigente à época, pela impossibilidade de regularização.

           Ainda, o advento da Lei nº 12.651/2012, que, frise-se, foi posterior à prolação do acórdão rescindendo, não trouxe qualquer alteração que possa modificar essa conclusão. Isso porque o art. 65 da lei em comento estabelece uma série de pressupostos para tanto, entre eles a manutenção de uma faixa não edificável com largura mínima de quinze metros de cada lado do curso d'água (art. 65, § 2º). Considerando que a edificação se situa a apenas 2,96 metros do córrego canalizado na lateral, consoante informação técnica prestada pelo perito judicial (fls. 35), mesmo à luz da novel legislação, é inviável regularizar a edificação.

           Nesse ponto, oportuno analisar a assertiva dos autores no sentido de que a ordem demolitória abarcaria somente o segundo pavimento da residência, levando em conta que, em 3-3-1998, isto é, antes do ajuizamento da ação demolitória, o Município de Porto Belo havia emitido alvará de construção para edificação comercial de um pavimento (fl. 23), ainda que posteriormente à conclusão da obra, conforme alegou o ente municipal em sua réplica (fl. 139).

           Impende reconhecer a manifesta contradição na conduta do Município ao conceder licença para a regularização do primeiro pavimento da edificação e, depois, veicular pretensão demolitória em face da edificação como um todo. Esse paradoxo corrobora com a alegação do embargante de que somente o segundo piso teria sido objeto do processo.

           Além disso, as infrações descritas nos autos de embargo 401 e 403 (fls. 59-60), aos quais a municipalidade se reporta na exordial, também são relativas apenas à construção clandestina do pavimento superior, embora o segundo embargo esteja fundamentado na exigência de recuo de quinze metros da faixa de maré, motivo que igualmente inviabiliza a edificação do primeiro pavimento.

           Sabe-se, contudo, que a extensão do objeto da ação deve ser aferida a partir da interpretação dos pedidos e da causa de pedir, assim como a amplitude do comando judicial deve ser compreendida mediante a leitura do dispositivo e da fundamentação da decisão.

           Por este viés, conclui-se que a ordem demolitória exarada no acórdão rescindendo não se limita ao segundo pavimento da edificação, mas compreende a construção como um todo, ante o teor da petição inicial do município, da sentença e do acórdão rescindendo, que abordam a edificação como um todo, sem diferenciar a situação dos dois pisos.

           Na petição inicial, o município argumenta que a edificação não observa os afastamentos da Rodovia SC-412 e da área de preservação permanente (fl. 52), postulando sua demolição. Sequer é mencionada existência de segundo pavimento em construção. Ora, os argumentos utilizados na causa de pedir, referentes à inobservância de recuos exigidos, buscam caracterizar a ilegalidade de toda a construção e não apenas do acréscimo vertical. 

           Por sua vez, a sentença reconhece que o imóvel é considerado como área de preservação permanente e, portanto, non aedificandi, desde 1989, determinando a demolição da obra, sem especificar o andar. Com esse fundamento, soa igualmente ilógico que somente o patamar superior tenha sido abarcado pela ordem demolitória, já que o restante da edificação permaneceria em local não edificável. Aliás, no recurso de apelação, os próprios autores rescindentes, aqui embargantes, admitem que a sentença se referiu à totalidade do imóvel, consoante se infere do seguinte trecho: "ao deferir a demolição total do imóvel a magistrada a quo agiu em discordância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade..." (fl. 518).

           O mesmo pode-se afirmar em relação ao acórdão, do qual se extraem os seguintes excertos:

    "Das explanações apresentadas pelo senhor perito, restou consignado ainda que, 'em busca aos arquivos da Prefeitura Municipal de Porto Belo e em consulta ao requerido (ora recorrente), não foram localizados projetos aprovados - nem mesmo do primeiro pavimento - que atestem a regularidade da edificação junto ao Município', além do que, 'a área atualmente ocupada pelo requerido de 366,76m² é maior que a registrada no SPU de 343,00m² (...)". (fl. 540 - grifou-se)

    "Fato incontroverso, portanto, que as edificações levantadas no imóvel da recorrente estão fora dos padrões previstos na lei, lesando, com isso, tanto a Administração quanto a coletividade." (fl. 540)

           Assim, em que pese o alvará de construção relativo ao primeiro pavimento, infere-se da leitura e interpretação das peças referenciadas que a edificação como um todo foi objeto da pretensão e do provimento judicial.

           Importa destacar ainda que, uma vez que o alvará em referência foi emitido antes mesmo da propositura da ação, não faltaram oportunidades para que a parte autora, no processo originário, utilizasse esse argumento na defesa do primeiro pavimento da edificação.

           Trata-se, pois, de documento que não é apto a ser invocado em sede de ação rescisória, seja por não configurar documento novo, nos termos descritos no art. 485, VII, do CPC/1973, seja por não caracterizar erro de fato capaz de modificar a conclusão acerca da ilegalidade da construção por desrespeito aos afastamentos exigidos em lei (CPC/1973, art. 485, IX).

           Por fim, acerca da alegação de inobservância do litisconsórcio necessário, ressalta-se que, apesar do posicionamento recentemente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.374.593/SC, ao tempo da prolação do acórdão rescindendo, predominava na jurisprudência a posição segundo a qual a participação do cônjuge no processo era dispensável, ante o entendimento de que a demolição - como ato de adequação da construção aos preceitos urbanísticos e ambientais - consistia em obrigação de natureza pessoal, e não real.

           Nesse sentido, cite-se o seguinte precedente:

    "RECURSO ESPECIAL - CONDOMÍNIO - 1) AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA - OBRA EM ÁREA EM PILOTIS, DE USO COMUM, TRANSFERIDA PELA INCORPORADORA PARA USO COMUM DE ALGUNS CONDÔMINOS - INADMISSIBILIDADE - PRESERVAÇÃO DE ÁREAS COMUNS NECESSÁRIA; 2) FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE DO RECURSO PARA CONHECIMENTO PELO STJ - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284; 3) CONDOMÍNIO - LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO - DESNECESSIDADE; 4) REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA INADMISSÍVEL (SÚMULA 7/STJ) - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO RECONHECIDO; 5) RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

    1. Área sobre pilotis de uso comum, não pode ser destinada, por transferência dos incorporadores, para uso exclusivo de alguns condôminos, como se lhes pertencesse como propriedade particular, por infringência à Lei de Condomínios (Lei 4591/1964, art. 3º e 10, IV, e 10º, I).

    2.- A ação de nunciação de obra nova não possui natureza de ação real imobiliária, mas sim pessoal, razão pela qual prescinde, para sua validade, da citação, na qualidade de litisconsorte necessário, do cônjuge do demandado.

    3.- Decadência da ação de nunciação de obra nova afastada, visto que movida a ação quando as obras ainda se encontravam em andamento. [...]" (STJ, REsp 710.854/MG, rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 5-8-2010) [Sublinhe-se.]

           E, deste Tribunal de Justiça, colhe-se: TJSC, Apelação Cível n. 2012.031092-2, da Capital, rel. Des. Júlio César Knoll, j. 6-6-2013; Apelação Cível n. 2010.077805-6, de São José, rel. Des. Jaime Ramos, j. 7-7-2011; e Ação Rescisória n. 2008.003975-1, da Capital, Grupo de Câmaras de Direito Público, rel. Des. José Volpato de Souza, j. 8-7-2009.

           É consabido que "Se a decisão judicial foi proferida com amparo na jurisprudência do STJ vigente na época, ainda que posteriormente tal entendimento seja modificado, não há como se afirmar que a decisão impugnada tenha violado literal disposição de lei. Incide à situação em análise o disposto na Súmula 343/STF a qual dispõe que 'não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais'" (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.507.471/SC, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 3-12-2015).

           Destarte, não configurado qualquer vício no acórdão em discussão, a teor do art. 485 do CPC/1973, o pedido rescisório merece ser julgado improcedente.

           Assim, os ônus da sucumbência devem ser suportados pela parte autora, devendo ser arbitrados honorários advocatícios, por equidade, no valor de R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/1973, cuja cobrança fica suspensa em razão do benefício da justiça gratuita.

           Ante o exposto, voto por julgar improcedente a presente ação rescisória, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, cuja cobrança fica suspensa em virtude do benefício da justiça gratuita.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargador Carlos Adilson Silva