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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0001259-31.2010.8.24.0068 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Felipe Schuch
Origem: Seara
Orgão Julgador: Câmara Especial Regional de Chapecó
Julgado em: Mon Mar 20 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Rafael Germer Condé
Classe: Apelação Cível

 


Apelação Cível n. 0001259-31.2010.8.24.0068  

Apelação Cível n. 0001259-31.2010.8.24.0068, de Seara

Relator: Des. Subst. Luiz Felipe Schuch

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. LEI MUNICIPAL QUE IMPOSSIBILITA O DESMEMBRAMENTO DE ÁREA INFERIOR A 200 M². DESNECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DO REQUISITO, SENÃO AQUELES PREVISTOS PARA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DE PROPRIEDADE POR USUCAPIÃO. PREVALÊNCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL SOBRE A NORMA MUNICIPAL. APLICAÇÃO DA LEI SOB A ÓTICA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA, FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO À MORADIA. TEMA PACIFICADO NA JURISPRUDÊNCIA, INCLUSIVE EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SENTENÇA CASSADA. CAUSA NÃO MADURA PARA JULGAMENTO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

   Por força da lei civil e princípios constitucionais garantidores do direito à aquisição da propriedade, e desde que preenchidos todos os requisitos necessários ao reconhecimento da usucapião, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido em razão da área usucapienda ser inferior ao previsto na política urbanística Municipal.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0001259-31.2010.8.24.0068, da comarca de Seara Vara Única em que é Apelante Idelga Laura Bohn e Apelados Adelino Techio e outro.

           A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, no sentido de cassar a sentença objurgada e determinar o retorno dos autos à primeira instância para regular processamento. Custas legais.

           O julgamento, realizado em 20 de março de 2017, foi presidido pelo Desembargador João Batista Góes Ulysséa, com voto, e dele participou o Desembargador Substituto José Maurício Lisboa.

           Funcionou como representante do Ministério Público a Procuradora de Justiça Eliana Volcato Nunes.

           Chapecó, 22 de março de 2017.

Luiz Felipe Schuch

RELATOR

 

           RELATÓRIO

           Acolho o relatório da sentença de fls. 69-73, de lavra do Magistrado Rafael Germer Condé, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

    IDELGA LAURA BOHN, qualificada nos autos, ajuizou a presente ação de usucapião em face de ADELINO TECCHIO e NEUSA TECCHIO, igualmente qualificados, objetivando usucapir parte do imóvel registrado no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Seara, matriculado sob nº 3.335, alegando exercer, há mais de 20 anos, a posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre referido imóvel.

    Foram citados por editais os confinantes e eventuais interessados (fls. 33, 34) e intimados, via postal, os representantes das Fazendas Públicas da União, do Estado e do Município (fls. 43, 46 e 60).

    O Município manifestou expressamente o desinteresse no imóvel usucapiendo (fls. 37/38).

    Citados, os réus, em nome de quem o imóvel se encontra registrado, apresentaram contestação às fls. 48/52, arguindo, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, sustentaram a inexistência dos requisitos indispensáveis à concessão da usucapião, postulando a improcedência da ação. Anexou documentos.

    O Ministério Público manifestou-se às fls. 61/62.

    Houve réplica à contestação às fls. 66/68.

           Ressalto que o Juiz singular, baseado em limites mínimos para parcelamento de solo contido na legislação do município de Seara, julgou improcedente o pleito inicial, nos seguintes termos:

    Ante o exposto, na forma do art. 269, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na presente ação de usucapião manejada por IDELGA LAURA BOHN, em face de ADELINO TECHIO e NEUSA TECHIO, resolvendo o mérito da demanda.

    Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, suspensa, todavia, a exibilidade das verbas, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50, em razão da concessão da Assistência Judiciária Gratuita (fl. 29).

    Expeça-se certidão de URH'a ao Assistente Judiciário nomeado à fl. 11.

    Em nada sendo pleiteado pelas partes e transcorrido o prazo recursal, certifique-se e arquive-se, promovendo-se as baixas nos registros.

           Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, a requerente interpôs o presente recurso de apelação objetivando, em síntese, a preponderância do art. 183 da Constituição Federal sobre as exigências da lei municipal, de forma a reconhecer a aquisição do imóvel pela usucapião urbana.

           Contrarrazões às fls. 98-101.

           O Ministério Público, em parecer de lavra da Procuradora de Justiça Hercília Regina Lemke, opinou pelo desprovimento do recurso. (fls. 108-119)

           É o relatório.

 

           VOTO

           1. Admissibilidade

           De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a exceção contida no § 2º, VII, primeira parte, do mesmo dispositivo legal.

           O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

           Trata-se de recurso de apelação interposto pela autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido exordial, porquanto a Lei Municipal n. 543/86 de Seara vedaria o desmembramento em área inferior a 200 m² (duzentos metros quadrados).

           Inconformada, a apelante busca a reversão do julgamento da causa, com a declaração do domínio e a propriedade sobre o imóvel objeto da demanda.

           2. Do recurso de apelação

           A recorrente pugna a prevalência dos ditames constitucionais sobre os da lei municipal, sob o argumento de que "é indiscutível em todas as esferas do Poder Judiciário que a Constituição Federal é suprema. Em caso de conflito de leis, a norma constitucional será superior àquela infraconstitucional que verse sobre o tema." (fl. 79).

           Com razão a apelante.

           Não se desconhecem os posicionamentos contrários a respeito do tema debatido nos autos em comento, e que embasaram o entendimento do julgador singular.

           Contudo, de se observar que possíveis irregularidades na área que se pretende usucapir, mormente aquelas referentes ao parcelamento do solo urbano, não podem ser óbice ao reconhecimento da aquisição originária da propriedade.

           Com efeito, preenchidos todos os requisitos constitucionais necessários ao reconhecimento da usucapião, inaplicável a tese de querer afastá-lo em razão da área usucapienda ser inferior à prevista na política urbanística municipal, desde que, evidentemente, não esteja explícita a má-fé daquele que a requer simplesmente com o fim de burlar a legislação.

           O tema, inclusive, foi objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral:

    Recurso extraordinário. Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido.

    1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse.

    2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal.

    3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

    4. Recurso extraordinário provido. (RE n. 422.349/RS. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 29/4/2015).

           De sua vez, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:

    RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS DO ART. 183 DA CF/88 REPRODUZIDOS NO ART. 1.240 DO CCB/2002. PREENCHIMENTO. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. ÁREA INFERIOR. IRRELEVÂNCIA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DECLARATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL. RE Nº 422.349/RS. MÁXIMA EFICÁCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL.

    1. Cuida-se de ação de usucapião especial urbana em que a autora pretende usucapir imóvel com área de 35,49 m².

    2. Pedido declaratório indeferido pelas instâncias ordinárias sob o fundamento de que o imóvel usucapiendo apresenta metragem inferior à estabelecida na legislação infraconstitucional que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e nos planos diretores municipais.

    3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE nº 422.349/RS, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do Código Civil, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

    4. Recurso especial provido."(REsp n. 1.360.017/RJ Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 5/5/2016).

    RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA. IMPORTÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA.

    1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV).

    2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas.

    3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.

    4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal - com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.

    5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social.

    6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.

    7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.

    8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015) 9. Recurso especial provido. (REsp n. 1.040.296/ES, Rel. Min. Marco Buzzi e Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 2/6/2015).

           Em situações análogas, esta Corte já decidiu:

    CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. [...] ALEGAÇÃO DE QUE A ÁREA USUCAPIENDA NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DA LEI 6.766/79, NEM DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL SOBRE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. IRRELEVÂNCIA. BOA-FÉ DO AUTOR. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. INSCRIÇÃO DO IMÓVEL NA PREFEITURA COM COBRANÇA DE TRIBUTOS MUNICIPAIS. PREVALÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. RECURSO DESPROVIDO. Presentes os requisitos da usucapião extraordinária, impõe-se a declaração da aquisição originária da propriedade, independentemente de eventual irregularidade referente às normas de parcelamento de solo urbano, tendo em vista a boa-fé do pretendente, o interesse social do provimento almejado e a função social da propriedade urbana (TJSC. 2ª Câmara de Direito Civil. AC n. 2012.061611-6, de Camboriú. Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben. Julgado em 4/10/2012).

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. [...] ALEGAÇÃO DE QUE O IMÓVEL DESCUMPRE AS EXIGÊNCIAS CONTIDAS NA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO E "BURLA" A LEGISLAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO CONSTATADA. AUTORA QUE, COM JUSTO TÍTULO, EXERCE A POSSE DO IMÓVEL HÁ 27 ANOS. SITUAÇÃO FÁTICA QUE DEVE SER PROTEGIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. APLICAÇÃO DA LEI SOB A ÓTICA DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA, FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO À MORADIA. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO POR PARTE DE CONFRONTANTES, TERCEIROS E PELO PODER PÚBLICO. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO ENDOSSANDO O DECRETO JUDICIAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Para a concessão da pretensão de usucapir, basta a comprovação do lapso possessório exercido pelo requerente, independentemente de justo título e boa-fé, na forma do artigo 1.238 do Código Civil. O pleito ganha ainda mais força quando revela a presença de boa-fé e justo título, representado por contrato de compra e venda, mormente se o bem é ocupado sem oposição ao longo de mais de vinte anos. Embora se compreenda a preocupação do órgão ministerial de primeiro grau quanto ao cumprimento da legislação do parcelamento do solo e seus reflexos ambientais, no caso sob análise não existe razão que impeça a concessão da declaração requerida, seja por força da lei civil, seja pelos princípios constitucionais que garantem à apelada o direito à aquisição da propriedade do bem que ocupa com ânimo de dona há longos 27 anos. A interpretação da fria letra da lei deve ser flexibilizada quando cotejada com a situação fática a que será aplicada, sob pena de, no caso de usucapião, negar vigência aos preceitos constitucionais da função social da propriedade e do direito à moradia. (TJSC. 5ª Câmara de Direito Civil. AC n. 2012.047217-4, de Camboriú. Rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves. Julgado em 4/10/2012).

           Esta Câmara não diverge:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. EXTINÇÃO, NA ORIGEM, POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO E LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL QUE IMPOSSIBILITAM O DESMEMBRAMENTO DE ÁREA INFERIOR A 360 M². DESNECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DE REQUISITOS SENÃO AQUELES PREVISTOS PARA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DE PROPRIEDADE POR USUCAPIÃO. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. RECURSO PREJUDICADO. (TJSC. Câmara Especial Regional de Chapecó. AC n. 2012.021926-6, de Xanxerê. Rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior. Julgado em 13/08/2013).

           Na mesma esteira:

    APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO MINISTERIAL INSURGINDO-SE CONTRA DECISÃO SOB FUNDAMENTO DE QUE A ÁREA USUCAPIDA NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DA LEI 6.766/79. IRRELEVÂNCIA. NÃO É REQUISITO DA USUCAPIÃO QUE A ÁREA USUCAPIENDA DEVA ESTAR REGULAR. SITUAÇÃO INCLUSIVE, QUE FOGE AO ALCANCE DA AUTORA. ADEMAIS, HÁ NOS AUTOS PROVA DA COBRANÇA DE IMPOSTO PREDIAL PELA MUNICIPALIDADE, O QUE LHE CONFERE A APARÊNCIA DE LEGALIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJSC. AC n. 2012.047214-3, de Camboriú. Rel. Des. Saul Steil. Julgado em 4/9/2012).

           E do corpo de referido aresto, extrai-se:

    [...] Não sendo impugnado o lapso temporal para a aquisição prescritiva da propriedade, a controvérsia dos autos orbita somente no fato de o imóvel objeto da presente Ação de Usucapião não atender às normas municipais de parcelamento urbano e aos ditames da lei n. 6.766/79. Todavia, tenho que o fato de o imóvel usucapiendo encontrar-se eventualmente, em área de parcelamento irregular não obsta o processamento de ação que visa à usucapião extraordinária nos moldes do artigo 1.238, do Código Civil.

    É que a usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade, sempre foi considerada hábil a regularizar a aquisição de domínio de lote integrante de parcelamento ou desmembramento irregular, constituindo a circunstância mera irregularidade administrativa, e, como já consignado, o referido artigo não exige que o imóvel tenha sido objeto de regular parcelamento do solo e atenda às posturas municipais e aos preceitos urbanísticos.

    Adotar o posicionamento defendido pelo douto promotor de justiça significa, no meu entendimento, eleger mais um requisito, não explicitado na legislação, para a aquisição da propriedade pela usucapião, questão totalmente dissociada da tese ministerial a quo, ao citar o artigo 846 do Código de Normas da CGJSC, pois neste caso, seria a vontade entre particulares de intento de registro, e no caso na usucapião, trata-se de uma determinação judicial.

    Com efeito, não há razão para exigir como mais um requisito para o reconhecimento da aquisição prescritiva, esteja o imóvel usucapiendo dentro de todas as posturas municipais, mormente quando tal situação foge ao alcance do apelado, já que por mais de quinze anos possui a posse mansa e pacífica daquela terra, na qual jamais procedeu qualquer interferência que implicasse irregularidade. [...]

           Em que pese compreensíveis as ponderações quanto ao cumprimento da legislação do parcelamento do solo e seus reflexos, in casu, se for constatado o preenchimento dos requisitos pertinentes, inexistirá óbice para a concessão da declaração requerida, seja por força da lei civil, seja pelos princípios constitucionais garantidores do direito à aquisição da propriedade do bem que se ocupa com animus domini.

           O fato é que "a interpretação da fria letra da lei deve ser flexibilizada quando cotejada com a situação fática a que será aplicada, sob pena de, no caso de usucapião, negar vigência aos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade e do direito à moradia." (TJSC. 3ª Câmara de Direito Civil. AC n. 2012.047217-4, de Camboriú. Rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves. Julgado em 4/10/2012).

           Assim, considerando que a legislação federal vigente, ao tratar das modalidades de usucapião, não determinou um limite de área mínimo de reconhecimento de propriedade por este instituto e que, ademais, a norma constitucional deve prevalecer sobre a norma municipal, não há falar em imposição de tal requisito (art. 1.238 e seguintes do Código Civil de 2002).

           Nesse palmilhar, diante das particularidades que permeiam a hipótese dos autos, é medida cogente reconhecer a possibilidade jurídica do pedido formulado e dar prosseguimento a ação de usucapião.

           Por derradeiro, salienta-se que a causa não se encontra atualmente madura para julgamento, porquanto necessária a competente instrução probatória para que os autores possam demonstrar o preenchimento dos demais requisitos legais para usucapir.

           3. Conclusão

           Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para cassar a sentença objurgada e determinar o retorno dos autos à origem para regular processamento.

           Este é o voto.


Gabinete Des. Subst. Luiz Felipe Schuch