Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0005735-81.2016.8.24.0075 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Schaefer Martins
Origem: Tubarão
Orgão Julgador: Quarta Câmara Criminal
Julgado em: Thu Mar 02 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Liene Francisco Guedes
Classe: Agravo de Execução Penal

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 512
Tema Repetitivo: 1329088

Agravo de Execução Penal n. 0005735-81.2016.8.24.0075

Relator: Desembargador Jorge Schaefer Martins

   RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DA DEFESA CONTRA INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE AFASTAMENTO DA HEDIONDEZ DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. ACOLHIMENTO. NOVEL DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (HABEAS CORPUS N. 118.533), SEGUIDA RECENTEMENTE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, SOB O RITO DOS REPETITIVOS. DEFINIÇÃO DE QUE O TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS NA SUA FORMA PRIVILEGIADA (ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006) NÃO É CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA N. 1.329.088/RS. CANCELAMENTO DO ENUNCIADO N. 512 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONSEQUENTE NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVO CÁLCULO DOS BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA E DE ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. NÃO CONHECIMENTO. NECESSIDADE QUE TAIS PEDIDOS SEJAM APRECIADOS NO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL, SOB PENA DE INCORRER EM SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ADEMAIS, PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL ISENTO DO PAGAMENTO DE CUSTAS E APENADO ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PROVIDO.

   1. Seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça acolheu, recentemente, por unanimidade, a tese de que o tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo, revisando o entendimento consolidado por ocasião do julgamento do REsp n. 1.329.088/RS - Tema 600, com o consequente cancelamento do enunciado da Súmula 512 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, considerados referidos parâmetros, a autoridade judiciária de primeiro grau deve realizar novo cálculo, atualizando-se as previsões de todos os benefícios de execução penal.

   2. "Não se conhece do recurso no tocante ao pedido de concessão do benefício da justiça gratuita e isenção de custas, se tal questão não foi submetida à apreciação do Juízo "a quo", sob pena de supressão de instância. Ademais, o procedimento de execução penal é demanda sem ônus processual." (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0004429-77.2016.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 1º-11-2016).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0005735-81.2016.8.24.0075, da comarca de Tubarão 2ª Vara Criminal em que é Agravante Wesllen Gonçalves Joaquim Laureano e Agravado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer em parte e dar provimento ao recurso. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado no dia 2 de março de 2017, os Excelentíssimos Desembargadores Roberto Lucas Pacheco e Rodrigo Collaço. Emitiu parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Genivaldo da Silva. Compareceu à sessão como representante do Ministério Público o Dr. Genivaldo da Silva.

           Florianópolis, 3 de março de 2017.

Desembargador Jorge Schaefer Martins

Relator

 

           RELATÓRIO

           Insurgindo-se contra decisão que indeferiu o pedido para que fosse afastada a hediondez do tráfico privilegiado, crime pelo qual foi condenado, Wesllen Gonçalves Joaquim Laureano interpôs recurso de agravo no processo de execução penal n. 0000685-74.2016.8.24.0075.

           Requer a reforma da decisão objurgada, "para que se declare como de natureza comum o delito de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06) a que o reeducando fora condenado nos autos n. 0005588-89.2015.8.24.0075, bem como se determine à magistrada a quo a atualização das previsões de todos os benefícios de execução penal, bem como a respectiva retificação da guia de recolhimento". Finalmente, pugna pela concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e pela isenção do pagamento das custas processuais (fls. 1-8).

           As contrarrazões foram pelo desprovimento do recurso (fls. 13-18).

           Mantida a decisão por seus próprios fundamentos (fl. 19), ascenderam os autos a este Tribunal.

           Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Genivaldo da Silva, opinou pelo provimento do recurso (fls. 25-36).

 

           VOTO

           1. O apenado pugna pela aplicação do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC n. 118.533), o de afastar a natureza hedionda da condenação pelo crime de tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º, da Lei 11.313/2006), atualizando-se as previsões de todos os benefícios de execução penal, bem como a respectiva retificação da guia de recolhimento.

           Razão lhe assiste.

           Com relação ao mérito do recurso, esta egrégia Câmara Criminal vem aplicando, com base na novel decisão do Supremo Tribunal Federal (HC 118.533/MS, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia), o entendimento de que eventuais benefícios a serem deferidos aos apenados que ostentam uma condenação pelo crime de tráfico de drogas "privilegiado" deverão considerar que tal infração não possui natureza hedionda.

           Ressalta-se, a propósito, que no dia 23 de novembro de 2016, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em decisão da lavra da Excelentíssima Ministra Maria Thereza de Assis Moura, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, acolheu, por unanimidade, a tese de que o tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo, revisando o entendimento consolidado por ocasião do julgamento do REsp n. 1.329.088/RS - Tema 600, com o consequente cancelamento do enunciado 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.

           A propósito, o referido acórdão ficou assim ementado:

    PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS NA SUA FORMA PRIVILEGIADA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. CRIME NÃO EQUIPARADO A HEDIONDO. ENTENDIMENTO RECENTE DO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NO JULGAMENTO DO HC 118.533/MS. REVISÃO DO TEMA ANALISADO PELA TERCEIRA SEÇÃO SOB O RITO DOS REPETITIVOS. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA Nº 1.329.088/RS. CANCELAMENTO DO ENUNCIADO Nº 512 DA SÚMULA DO STJ.

    1. O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do HC 118.533/MS, firmou entendimento de que apenas as modalidades de tráfico ilícito de drogas definidas no art. 33, caput e § 1°, da Lei nº 11.343/2006 seriam equiparadas aos crimes hediondos, enquanto referido delito na modalidade privilegiada apresentaria "contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa." (Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2016).

    2. É sabido que os julgamentos proferidos pelo Excelso Pretório em Habeas Corpus, ainda que por seu Órgão Pleno, não têm efeito vinculante nem eficácia erga omnes. No entanto, a fim de observar os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, bem como de evitar a prolação de decisões contraditórias nas instâncias ordinárias e também no âmbito deste Tribunal Superior de Justiça, é necessária a revisão do tema analisado por este Sodalício sob o rito dos recursos repetitivos (Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1.329.088/RS - Tema 600).

    3. Acolhimento da tese segundo a qual o tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo, com o consequente cancelamento do enunciado 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.

    (STJ, Pet 11.796/DF, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 23-11-2016, DJe 29-11-2016)

           Colhe-se do voto:

    Trata-se de proposta de revisão do entendimento consolidado por ocasião do julgamento por esta egrégia Terceira Seção, em 13/03/2013, do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.329.088/RS, da relatoria do ilustre Ministro Sebastião Reis Júnior (DJe 26/04/2013), bem como de cancelamento do enunciado 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.

    Na sessão de julgamento do dia 26/10/2016, esta Relatora afetou o julgamento da presente questão de ordem (autuada como PET) à Terceira Seção, em atenção ao disposto no artigo 256-S do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, com redação dada pela Emenda Regimental nº 24/2016.

    Posteriormente o presente feito foi encaminhado ao Ministério Público Federal que, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República Lindôra Maria Araujo, manifestou-se pelo acolhimento de ambas as propostas, nos seguintes termos:

    PENAL E PROCESSUAL PENAL. PETIÇÃO. PLEITO DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO RECURSO REPETITIVO Nº 1.329.088/RS E DE CANCELAMENTO DO ENUNCIADO Nº 512/STJ EM RAZÃO DO NOVO POSICIONAMENTO DO STF NOS AUTOS DO HC Nº 118.533/MS. APESAR DE A DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO NÃO TER EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE DEVE SER ADOTADO O NOVO ENTENDIMENTO DO STF NO SENTIDO DE QUE O DELITO DE TRÁFICO PRIVILEGIADO NÃO TEM NATUREZA HEDIONDA EM HOMENAGEM AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DA ISONOMIA, BEM COMO PARA EVITAR DECISÕES CONTRADITÓRIAS. PARECER PELO PROVIMENTO DA PETIÇÃO.

    É o relatório.

    Consoante relatado, trata-se de proposta de revisão do entendimento consolidado por ocasião do julgamento por esta egrégia Terceira Seção, em 13/03/2013, do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.329.088/RS, da relatoria do ilustre Ministro Sebastião Reis Júnior (DJe 26/04/2013), submetido ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do artigo 256-S do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, caput e § 1º, in verbis:

  Art. 256-S. É cabível a revisão de entendimento consolidado em enunciado de tema repetitivo, por proposta de Ministro integrante do respectivo órgão julgador ou de representante do Ministério Público Federal que oficie perante o Superior Tribunal de Justiça.

  § 1º A revisão ocorrerá nos próprios autos do processo julgado sob o rito dos recursos repetitivos, caso ainda esteja em tramitação, ou será objeto de questão de ordem, independentemente de processo a ela vinculado. (grifo não original)

    Naquela oportunidade, este Colegiado acolheu a tese, já então pacificada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, uma vez que a sua incidência não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do crime" (Tema 600).

    A título de ilustração, confira-se a ementa do acórdão:

  "RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPP). PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. CARÁTER HEDIONDO. MANUTENÇÃO. DELITO PRIVILEGIADO. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO. REQUISITO OBJETIVO. OBSERVÂNCIA. ART. 2º, § 2º, DA LEI N. 8.072/1990. OBRIGATORIEDADE.

  1. A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, uma vez que a sua incidência não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do crime.

  2. A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo como um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma a propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização.

  3. Recurso especial provido para reconhecer o caráter hediondo do delito de tráfico de drogas, mesmo tendo sido aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, e para determinar que, na aferição do requisito objetivo para a progressão de regime, seja observado o disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/1990, com a redação atribuída pela Lei n. 11.464/2007, ficando restabelecida a decisão do Juízo da Execução." (REsp 1329088/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2013, DJe 26/04/2013)

    Na mesma linha, esta egrégia Seção de Direito Penal houve por bem editar a Súmula 512, publicada no DJe 16/06/2014, que estabelece que:

  "A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas."

    Ocorre, porém, que, em sessão realizada em 23/06/2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento oposto à jurisprudência deste Sodalício ao assentar, em acórdão relatado pela insigne Ministra Cármen Lúcia, que o denominado tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) não tem natureza hedionda.

    Segundo esposado pela douta Ministra Relatora, apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, caput e § 1°, da Lei nº 11.343/2006 seriam equiparadas aos crimes hediondos, enquanto referido delito na modalidade privilegiada apresentaria "contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa."

    Além disso, destacou que, apesar da vedação constitucional e legal da concessão de graça e anistia e de indulto ao tráfico de entorpecentes, "os Decretos Presidenciais ns. 6.706/08 e 7.049/09 beneficiaram os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado com o indulto, o que demonstra que os mencionados textos normativos inclinaram-se na corrente doutrinária de que o tráfico privilegiado não é hediondo."

    Concluiu, em suma, em voto que foi seguido pela maioria do Tribunal Pleno, que a decisão do legislador fora no sentido de que o agente deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia o alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas e de que as circunstâncias legais do privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de punição dessas pessoas (Informativo 831). O aresto foi sintetizado nos seguintes termos:

  EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.072/90 AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES PRIVILEGIADO: INVIABILIDADE. HEDIONDEZ NÃO CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos. 2. O tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa. 3. Há evidente constrangimento ilegal ao se estipular ao tráfico de entorpecentes privilegiado os rigores da Lei n. 8.072/90. 4. Ordem concedida. (HC 118.533/MS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 16-09-2016 PUBLIC 19-09-2016)

    A Constituição Federal (artigo 5º, inciso XLIII) equiparou o delito de tráfico ilícito de drogas aos crimes hediondos, prevendo a insuscetibilidade de graça ou anistia e a inafiançabilidade, além de outras medidas previstas na Lei nº 8.072/90.

    No entanto, nem toda transação ilícita com drogas deve necessariamente submeter-se ao regime dos crimes hediondos, como a conduta de quem oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem (art. 33, § 3º, da Lei nº 11.343/2006), bem como - conforme recentemente assentado pelo Supremo Tribunal Federal - a de quem, de forma episódica, pratica o denominado tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º).

    Cumpre consignar, nessa linha de raciocínio, que o artigo 44 da Lei de Drogas, ao estabelecer que os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 da Lei "são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", conferiu ao tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) tratamento especial ao que o legislador atribuiu ao caput e ao § 1º do artigo 33, a reforçar a tese de que não se trata de delito hediondo.

    Nesse sentido, aliás, cumpre trazer à baila voto proferido pelo preclaro Ministro Celso de Mello, no julgamento do Habeas Corpus n. 118.351/MS:

  (...) A mim me parece que, sob a perspectiva da política criminal, é evidente a intenção que decorre objetivamente do texto normativo de dispensar um tratamento diferenciado ao pequeno traficante, uma vez que são estendidos a ele certos benefícios absolutamente incompatíveis com o caráter hediondo ou, por equiparação legal, dos delitos objetivamente mais graves. O Supremo Tribunal Federal chegou até mesmo a declarar a inconstitucionalidade parcial desse texto normativo ao permitir que, mesmo no que concerne ao "tráfico privilegiado", se proceda à conversão da pena privativa de liberdade e pena restritiva de direitos, e também autorizando uma substancial redução no quantum da pena privativa de liberdade ao permitir uma causa especial de diminuição de pena, que pode chegar até a 2/3. É evidente, a mim me parece, que muito mais do que a "mens legislatoris", a própria "mens legis", quer dizer, aquilo que decorre objetivamente do texto normativo, vale dizer, a intenção de se dispensar um tratamento diferenciado, menos rigoroso, a quem? Ao pequeno traficante (...) (DJ 16.6.2014).

    Saliente-se, outrossim, que o conceito de hediondez é de todo incompatível ao de privilégio, conforme há muito já vem decidindo este Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis, no que toca ao homicídio qualificado-privilegiado:

  HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE.

  1. O homicídio qualificado-privilegiado não é crime hediondo, não se lhe aplicando norma que estabelece o regime fechado para o integral cumprimento da pena privativa de liberdade (Lei nº 8.072/90, artigos 1º e 2º, parágrafo 1º).

  2. Ordem concedida.

  (HC 43.043/MG, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2005, DJ 06/02/2006, p. 352)

  PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, §§ 1º E 2º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. CRIME NÃO ELENCADO COMO HEDIONDO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. CIRCUNSTÂNCIAS FAVORÁVEIS. RÉU PRIMÁRIO. PENA NÃO SUPERIOR A OITO ANOS. POSSIBILIDADE.

  I - Por incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal, o homicídio qualificado-privilegiado não integra o rol dos denominados crimes hediondos (Precedentes).

  II - Afastado o caráter hediondo do crime e atendidos os requisitos constantes do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59 do CP, quais sejam, a ausência de reincidência, a condenação por um período superior a 4 (quatro) anos e não excedente a 8 (oito) e a existência de circunstâncias judiciais totalmente favoráveis, deve o paciente cumprir a pena privativa de liberdade no regime inicial semiaberto (Precedentes).

  Writ concedido.

  (HC 144.196/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 01/02/2010)

    E, em consonância com o recente posicionamento do Excelso Pretório, Ministros integrantes desta Seção de Direito Penal do Superior Tribunal de Justiça vêm proferindo decisões no sentido de afastar a natureza hedionda do delito de tráfico privilegiado. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados: HC 374.247/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 06/10/2016; REsp 1.618/350/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 05/10/2016; AREsp 944.182/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 14/10/2016; AREsp 967.652/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 03/10/2016; HC 371.705/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 22/09/2016; HC 366.317/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 10/08/2016; entre outros.

     É sabido que os julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus, ainda que por seu Órgão Pleno, não têm efeito vinculante nem eficácia erga omnes. No entanto, a fim de observar os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos do artigo 927, § 4º, do Código de Processo Civil, bem como de evitar a prolação de decisões contraditórias nas instâncias ordinárias e também no âmbito deste Tribunal Superior de Justiça, creio ser necessária a revisão do tema analisado por este Sodalício sob o rito dos recursos repetitivos, a fim de nos alinharmos à jurisprudência do Excelso Pretório.

    Dessarte, determino a revisão do entendimento consolidado por esta Terceira Seção no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1.329.088/RS - Tema 600 (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 13/03/2013, DJe 26/04/2013), a fim de acolher a tese segundo a qual o tráfico ilícito de drogas na sua forma privilegiada (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo.

    Proponho, como consequência do presente julgamento, o cancelamento do enunciado 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.

    Encaminhe-se cópia do inteiro teor deste acórdão, após a publicação, à Presidência deste Superior Tribunal, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios, bem como aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais.

    É como voto.

    TESE FIRMADA: O TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS NA SUA FORMA PRIVILEGIADA (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006) NÃO É CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO.

           Nessa conformidade, impõe-se o reestudo do pleito pela autoridade judiciária de primeiro grau, a fim de que considerados referidos parâmetros, atualize as previsões de todos os benefícios de execução penal, bem como a respectiva retificação da guia de recolhimento

           Diante disso, dá-se provimento ao recurso, para determinar ao Juiz da execução penal que atualize as previsões de todos os benefícios de execução penal conforme o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o de afastar a natureza hedionda do crime de tráfico privilegiado de drogas (art. 33, § 4º, da Lei 11.313/2006).

           2. Derradeiramente, não devem ser conhecidos os requerimentos de justiça gratuita e de isenção do pagamento das custas processuais, tendo em vista que tais pleitos não foram submetidos à apreciação do Juízo de primeira instância, o que acarretaria em supressão de instância.

           Ademais, torna-se necessário esclarecer que, além de o recorrente ser assistido pela Defensoria Pública, inexiste cobrança de custas na execução penal. A propósito, já decidiu este Tribunal de Justiça:

    RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL (LEP, ART. 197). RECURSO DA DEFESA. DECISÃO QUE RECONHECEU A PRÁTICA DE FALTA GRAVE (LEP, ART. 50, II), DETERMINOU A REGRESSÃO DO REGIME PRISIONAL E A PERDA DO PATAMAR MÁXIMO DOS DIAS REMIDOS, SEM A OITIVA PRÉVIA DO APENADO.

    JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA E ISENÇÃO DE CUSTAS. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELO JUÍZO "A QUO". NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.

    [...]

    - Não se conhece do recurso no tocante ao pedido de concessão do benefício da justiça gratuita e isenção de custas, se tal questão não foi submetida à apreciação do Juízo "a quo", sob pena de supressão de instância. Ademais, o procedimento de execução penal é demanda sem ônus processual.

    [...] (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0004429-77.2016.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 1º-11-2016).

           No mesmo norte:

    AGRAVO EM EXECUÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CABIMENTO. 

    Não se conhece do pleito que visa à assistência judiciária gratuita, porque, além de a recorrente ter sido assistida pela Defensoria Pública, o processo de execução criminal é isento da cobrança de custas processuais. 

    [...] (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0003012-89.2016.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 25-10-2016).

           Desta Câmara Criminal:

    RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. APENADO QUE OSTENTA UMA CONDENAÇÃO PELO DELITO DE TRÁFICO DITO "PRIVILEGIADO" (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006). DECISÃO QUE NEGA O PLEITO DO REEDUCANDO DE AFASTAMENTO DA HEDIONDEZ DO DELITO. INCONFORMISMO DA DEFESA.

    QUESTÃO PREAMBULAR. PEDIDO DE CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA E CONSEQUENTE ISENÇÃO DE PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO JUÍZO PRIMEVO. ANÁLISE NESTA INSTÂNCIA RECURSAL QUE IMPLICARIA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO DA INSURGÊNCIA NO PONTO. 

    [...] (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0005097-48.2016.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 3-11-2016) [sem grifo no original].

           Dessa forma, não se conhece do requerimento de justiça gratuita e de isenção de custas legais.

           3. Em face do exposto, conhece-se em parte e dá-se provimento ao recurso.


Gabinete Desembargador Jorge Schaefer Martins