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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0001129-08.2011.8.24.0003 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luis Costa Beber
Origem: Anita Garibaldi
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Jan 26 00:00:00 GMT-03:00 2017
Juiz Prolator: Juliano Schneider de Souza
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 7

 


Apelação Cível n. 0001129-08.2011.8.24.0003, de Anita Garibaldi

Relator: Desembargador Jorge Luis Costa Beber

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO AUTOR.

   MATÉRIA JORNALÍSTICA PUBLICADA EM REVISTA DE ABRANGÊNCIA NACIONAL. NOTÍCIA REPORTANDO REPASSES DE VERBAS PÚBLICAS POR ENTÃO SENADORA DA REPÚBLICA À ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL DA QUAL PARTICIPAVA O DEMANDANTE, ENQUANTO ASSESSOR DA PARLAMENTAR.

   PUBLICAÇÃO QUE NÃO ULTRAPASSOU OS LIMITES DO ANIMUS NARRANDI E TAMPOUCO REFERIU QUALQUER JUÍZO DE VALOR EM RELAÇÃO AO AUTOR. AUSÊNCIA DE OFENSA A DIREITO DA PERSONALIDADE. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO DEVER DE VERACIDADE, À MEDIDA QUE A NOTÍCIA TEVE ORIGEM EM DENÚNCIAS FORMULADAS POR PARLAMENTARES DA OPOSIÇÃO. DIVULGAÇÃO QUE SE VERIFICA LEGÍTIMA, MORMENTE DIANTE DO VISÍVEL CONTEÚDO DE INTERESSE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA. PREJUDICIALIDADE DO PLEITO DE RETRATAÇÃO.

   "(...) É sabido que quando se está diante de pessoas que ocupam cargos públicos, sobretudo aquelas que atuam como agentes do Estado, como é o caso dos autos, prevalece o entendimento de que há uma ampliação da liberdade de informação jornalística e, desse modo, uma adequação, dentro do razoável, daqueles direitos de personalidade. (...)". (STJ, REsp 738.793/PE, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, rel. p/ acórdão Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 17.12.2015, publicado em 08.03.2016).

   ABSTENÇÃO DE PUBLICAÇÕES FUTURAS VINCULADAS AO AUTOR. MEDIDA QUE CONFIGURA CENSURA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE.

   A pretensa vedação a futuras publicações jornalísticas configura inequívoca censura prévia, expediente absolutamente vedado pela ordem constitucional vigente.

   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0001129-08.2011.8.24.0003, da comarca de Anita Garibaldi Vara Única em que é Apelante Claudionor de Macedo e Apelados Três Editorial Ltda e outro.

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. João Batista Góes Ulysséa.

           Florianópolis, 26 de janeiro de 2017.

Desembargador Jorge Luis Costa Beber

Relator

 

           RELATÓRIO

           Claudionor de Macedo interpôs apelação cível contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação de reparação de danos morais" que move em face de Três Editorial Ltda. e Cláudio Dantas Sequeira, considerando que a reportagem publicada nas páginas 52/55 da revista ISTO É, edição n. 2181, do dia 31.08.2011, sob o título "IDELI, O ASSESSOR E AS ONGs", não revela qualquer abalo à imagem ou honra do autor.

           Alega, em resumo, que, antes da publicação impressa, a matéria jornalística impugnada já havia sido publicada no endereço eletrônico da primeira apelada no dia 26.08.2011, não sendo possível afirmar que a recorrida divulgou a notícia tão somente após a publicação realizada por outros veículos de comunicação.

           Nesse norte, aponta que a matéria foi direcionada a atingir sua dignidade, mormente ao narrar que foi beneficiado pelos repasses de verbas públicas promovidos pela ex-senadora Ideli Salvatti e que a entidade beneficiária de tais valores estava sob seu comando.

           Menciona que nunca ocupou qualquer cargo ou função de comando na entidade, justo que sua atuação não passou de mera colaboração e fiscalização no período compreendido entre os anos de 2004 e 2006, quando os registros do portal da transparência não indicam destinação de recursos públicos.

           Afirma que a reportagem ultrapassou os limites da liberdade de imprensa e do acesso à informação ao anunciar que o autor "se beneficiou e se favoreceu de emenda", dando a entender que enriqueceu de forma ilícita e que agiu com improbidade.

           Salienta a fragilidade da fonte pela qual a recorrida obteve as informações divulgadas, calcada em mera denúncia formalizada por dois parlamentares da oposição ao governo e, portanto, contrários à ex-senadora Ideli Salvatti, circunstância que retira a legitimidade da notícia veiculada.

           Assevera ser pessoa simples, de reputação ilibada, pai de família, que sofreu severo abalo diante da reportagem publicada pela apelada, que prejudicou inclusive a sua candidatura ao cargo de vice-prefeito nas eleições de 2012.

           Sustenta que a notícia rapidamente se alastrou em nível nacional, causando-lhe inequívoco sofrimento, por não poder sequer sair de casa para cumprir seus afazeres rotineiros, como trabalhar ou levar sua filha ao médico.

           Derradeiramente, insiste no pleito de que a recorrida não mais vincule seu nome a matérias jornalísticas com cunho acusatório e difamatório, postulando, ainda, pela respectiva retratação.

           Por fim, clama pelo provimento do recurso, com a inversão dos ônus sucumbenciais.

           Com as contrarrazões (fls. 250/261), os autos alçaram a esta eg. Corte e, após redistribuição, vieram-me conclusos.

           VOTO

           Presentes os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

           Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que desacolheu os pedidos iniciais, refutando a responsabilidade civil dos demandados/apelados pela notícia divulgada na edição n. 2181 da revista ISTO É, datada de 31.08.2011, sob o título "IDELI, O ASSESSOR E AS ONGs", haja vista a inocorrência de ofensa à honra ou imagem do autor/apelante.

           O édito combatido, a meu aviso, não comporta reparos.

           Com efeito, o litígio plantado nos autos gravita entre dois direitos assegurados pela Constituição da República: o que protege o direito de informar, com base na liberdade de imprensa, e o que assegura, em idêntica hierarquia, a inviolabilidade da vida privada, da intimidade, da honra e da imagem das pessoas.

           Sabidamente, não há democracia sem uma imprensa livre, que é imprescindível para o fortalecimento das instituições. Entretanto, tal liberdade não é ilimitada, inatingível ou que não possa sofrer restrições, não se podendo, sob o pretexto de informar, irrogar ofensas ou vulnerar a dignidade daqueles que se vêem objeto de notícias ou de reportagens.

           Portanto, há necessidade de compatibilizar a liberdade de informação e a livre manifestação da imprensa com o direito inalienável que possui cada cidadão de não ver sua honra ou sua imagem ser denegrida sob o pretexto de que é livre o direito de informar.

           O autor lusitano NUNO E SOUZA, discorrendo sobre o confronto entre a liberdade de imprensa com outros direitos constitucionais, preleciona:

    "No caso de conflito com outros direitos ou valores constitucionais, o legislador pode intervir na liberdade de expressão; mas tal não implica, sob pena de esvaziamento do conteúdo da garantia, que a liberdade de expressão em caso de conflito ceda sempre perante qualquer outro direito... Suscitam-se problemas de prevalência e de conciliabilidade, ao averiguar-se se outros valores previstos na Constituição foram potenciais limites da liberdade de imprensa... O juízo de prevalência sobre os valores fica a cargo do legislador ordinário e do intérprete aplicador da norma, de acordo com um critério de racionalidade e justiça." (A Liberdade de Imprensa, Coimbra, 1984, pg. 291).

           Em situações desse jaez, para o correto juízo de prevalência a que alude o citado autor, deve o magistrado, ao proferir sua dição jurisdicional para o caso concreto, perscrutar se o direito de informar foi exercido com responsabilidade, com respeito, com ética e escoimado de excessos, respeitando a linha limítrofe entre os dois valores jurídicos antes referidos, ou seja, o da liberdade de imprensa e o de observar a intimidade, a honorabilidade, o bom nome e a imagem das pessoas.

           No caso em apreço, a indigitada matéria jornalística, de autoria do demandado Cláudio Dantas Sequeira, vincula-se propriamente à atuação da ex-senadora Ideli Salvatti, notadamente pelo direcionamento de emendas parlamentares, no valor de R$ 200.000,00, a uma "ONG" que teria como partícipe o apelante, e pelo empenho que teria demonstrado em manter no cargo o então superintendente do DNIT de Santa Catarina.

           Para melhor esclarecimento, transcrevo o trecho da reportagem que faz referência ao recorrente:

    "(...) A senadora também direcionou emendas a uma ONG que tem como sócio Claudionor de Macedo, funcionário de seu gabinete no Senado e posteriormente coordenador de sua campanha para o governo catarinense no ano passado. 'São fatos gravíssimos que merecem uma apuração rigorosa, pois há risco de que verbas públicas tenham abastecido campanhas políticas do PT', diz o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), que na sexta-feira 26 protocolou novo requerimento para a convocação da ministra na Comissão de Fiscalização e Controle.

    A entidade comandada por Claudionor Macedo chama-se Centro de Elaborações, Assessoria e Desenvolvimento de Projetos (Cesap). A ONG criada em 2004, foi beneficiada por três emendas parlamentares, duas delas propostas e defendidas por Ideli. A primeira, no valor de R$ 100 mil, paga em 2008 por meio de um convênio com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM). Ao justificar o repasse, a então senadora argumentou de forma genérica a necessidade de 'incentivar a autonomia econômica e financeira das mulheres'. Já a segunda emenda, também de R$ 100 mil, foi encaminhada em 2009. Desta vez, Ideli detalhou um pouco mais o objetivo da emenda, 'reduzir as desigualdades entre homens e mulheres, e promover uma cultura não discriminatória'.

    Na Junta Comercial de Santa Catarina, no registro da entidade consta que o engenheiro Juares Lorenzon seria seu presidente. Uma consulta no site do Cesap, no entanto, que foi retirado do ar na quarta-feira 24 (mas copiado por ISTOÉ enquanto esteve disponível), revela que Lorenzon é apenas mais um dos sócios-efetivos. Entre os sócios-colaboradores está Claudionor de Macedo. Ele entrou nos quadros do Senado por força de um ato secreto e passou a assessorar Ideli. Quando o escândalo dos atos secretos se tornou público, em 2009, Claudionor teve de regularizar a situação funcional e acabou contratado como motorista, função que, oficialmente desempenhava quando Ideli direcionou as emendas no valor de R$ 200 mil. Em julho do ano passado, Claudionor foi promovido a assistente parlamentar, mas nos meses seguintes ficou em Santa Catarina, coordenando a campanha eleitoral de Ideli na região serrana. Filiado do PT, ele conta com o apoio de Ideli para concorrer à Prefeitura de Anita Garibaldi (SC). Também graças à ministra das Relações Institucionais, a irmã de Claudionor, Severine de Macedo, foi nomeada secretária Nacional da Juventude, ligada diretamente ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.

    Os dois irmãos afilhados da ministra têm origem política nos movimentos de defesa da agricultura familiar - destino de 80% das emendas de Ideli. Claudionor é dirigente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Anita Garibaldi (STR), associado à Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familia (Fetraf-Sul), onde Severine ocupou cargo de direção. A Fetraf-Sul foi acusada em 2007 de fraudar convênios com o governo federal num montante superior a R$ 5 milhões. (...)

    'A ação da ministra Ideli favorecendo seus correligionários mostra que o aparelhamento do Estado é total e absoluto. Seja a respeito das articulações para manter no DNIT o amigo investigado, seja nas emendas liberadas para aliados indiciados pela Polícia Federal, a ministra precisa explicar suas condutas', afirma o deputado Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB.

    (...) Na semana passada, ISTOÉ procurou o Cesap, entidade em que o assessor de Ideli, Claudionor de Macedo, figura como um dos sócios, para saber como os recursos foram aplicados, mas os telefonemas não foram atendidos. Também não havia ninguém nos dois endereços em nome da ONG. Num deles, no bairro Ingleses, em Florianópolis, há apenas uma casa abandonada com a placa de 'aluga-se'. Niero também não foi localizado pela reportagem. Já Ideli tem dito repetidas vezes que, sempre que apresentou emendas, o fez no interesse de seu Estado." (fl. 119, grifos meus).

           Pois bem, após atenta leitura da reportagem publicada pela revista ISTO É, não se mostra possível extrair qualquer trecho passível de denegrir a imagem e a honra do apelante. O escrito impugnado não contém uma linha sequer que dê a entender que houve algum favorecimento pessoal do recorrente pelos repasses públicos efetuados pela ex-senadora Ideli Salvatti.

           Pelo contrário, o autor da notícia deixou suficientemente claro que a beneficiada pelas emendas parlamentares foi a entidade, e não o demandante, conforme dispõe o seguinte excerto: "A ONG criada em 2004, foi beneficiada por três emendas parlamentares, duas delas propostas e defendidas por Ideli" (fl. 119). Ainda indicou expressamente as justificativas utilizadas pela ex-senadora: "(...) 'incentivar a autonomia econômica e financeira das mulheres' (...)" e "(...) 'reduzir as desigualdades entre homens e mulheres, e promover uma cultura não discriminatória' (...)" (fl. 119), o que, visivelmente, em nada se relaciona com a pessoa do apelante.

           Sob outro prisma, a matéria jornalística, de fato, anunciou que a entidade seria "comandada" por Claudionor, porém esclareceu que esse figurava tão somente como sócio colaborador, mencionando, ademais, que as emendas parlamentares foram direcionadas pela ex-senadora na época em que o apelante exercia o cargo de motorista do Senado Federal.

           Tais assertivas encontram ressonância no acervo probatório, pois o documento que repousa à fl. 78 corrobora a posição do recorrente como sócio colaborador da entidade, isso em julho de 2006.

           De outro giro, embora o apelante afirme que ostentou a posição de sócio colaborador apenas no período compreendido entre 2004 e 2006 e que nos anos de 2008 e 2009 não fazia parte da entidade, as atas de assembleia acostadas à peça de ingresso demonstram tão somente as diversas eleições para a diretoria do Cesap - Centro de Elaborações, Assessoria e Desenvolvimento de Projetos, e não a sua retirada dos quadros da associação, onde, à míngua de outras provas, presume-se que tenha permanecido.

           A despeito da posição que ocupava na entidade beneficiária, certo é que a notícia publicada na revista ISTO É limitou-se ao campo da narrativa (animus narrandi), tanto que não resultou em qualquer juízo de valor a respeito do apelante, cingindo-se a informar dados sobre a sua atuação como servidor no Senado Federal e relativos a sua carreira política, como a participação nos movimentos em defesa da agricultura familiar, o exercício de cargo de dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anita Garibaldi e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar e a sua canditadura ao cargo de prefeito do município de Anita Garibaldi (SC).

           Desse modo, a referida publicação, supedaneada em denúncias formuladas por dois parlamentares de oposição ao governo, não revela qualquer direcionamento malicioso à pessoa do apelante, tampouco distancia-se do dever de veracidade, pelo que não há falar em ato ilícito indenizável.

           Oportuno destacar que a matéria jornalística deve estar calcada na atualidade/veracidade do tema e no interesse público. Nesse sentido, aliás, as ponderações de ANGÉLICA A. SANTINI MONTES GALLEGO ao salientar que todos os valores subjacentes ao jornalismo como instituição - tais como a liberdade de opinião, a liberdade de imprensa e liberdade de expressão - são alicerçados por sua vinculação ao horizonte do interesse público, ou seja, do direito do público de saber determinadas coisas de seu próprio interesse (encipecom.metodista.br/mediawiki/images/8/81/20_o_jornalismo_nao_e.pdf f - pesquisa em 22.11.2016).

           Na seguinte decisão, sob a ótica da crítica jornalística (animus criticandi), o Exmo. Min. Celso de Mello sinalizou situação em que, dado o interesse público, a liberdade de expressão prevaleceu sobre os direitos da personalidade:

    "(...) A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade.

    É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.

    É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.

    Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica, descaracterizam o "animus injuriandi vel diffamandi", legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa.

    (...) Vê-se, pois - tal como tive o ensejo de assinalar (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "in" Informativo/STF nº 398/2005) -, que a crítica jornalística, quando inspirada por razões de interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas com alto grau de responsabilidade na condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo.

    Não é menos exato afirmar-se, de outro lado, que o direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V). (...)". (STF, ARE 722.744/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.02.2014, grifos meus).

           Acresço, nesse quadrante, que as garantias fundamentais relacionadas à liberdade de expressão, em especial o acesso à informação e a liberdade de imprensa (arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220, § 1º, da Constituição da República), transmutam-se em verdadeiros postulados da democracia, à medida que proporcionam à sociedade a participação na pauta política do Estado, a partir da avaliação da atuação de seus representantes e da própria gestão pública, e foi exatamente esse, a meu sentir, o viés da notícia publicada na revista ISTO É.

           A propósito, destaco a seguinte passagem do pronunciamento do Ministro Cezar Peluso na abertura do Fórum Internacional "Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário":

    "Seria impossível subestimar o papel da liberdade de imprensa na consolidação da democracia no Brasil. A prática democrática exige cidadãos bem informados. É preciso entender antes de analisar e analisar antes de apoiar ou criticar determinada proposta submetida ao debate público. Jornalistas, com seu incansável apego ao relato dos fatos, oferecem à sociedade um bem público essencial para o pleno funcionamento da democracia. Como afirmou James Madison, "a difusão da informação é o verdadeiro guardião da liberdade".

    Ao lado de outros institutos, como eleições livres, a independência do Judiciário, o império da lei e a separação dos Poderes, a imprensa é um dos pilares do Estado Democrático de direito. Nessa forma específica de arranjo fundamental do Estado, democracia e Constituição legitimam-se mutuamente, definindo um conjunto de normas de procedimento para a formação de decisões coletivas. (...)". (Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Pronunciamento_Peluso_Liberdade_de_Imprensa.pdf - Acesso em 22.11.2016).

           À luz dessas considerações, concluo que a reportagem teve por único escopo levar a público uma situação deflagrada em denúncias que envolviam a ex-senadora Ideli Salvatti, não ultrapassando os lindes do direito à informação e do direito de imprensa para impingir a personalidade do recorrente, que, aliás, foi citado tão somente na condição de assessor e correligionário da aludida parlamentar, e enquanto sócio colaborador da entidade beneficiária dos repasses públicos, o que, só de si, não indica qualquer conduta improba, ao contrário do que alega.

           Estimo, desse modo, que houve exercício regular do direito à informação, decorrente da narração de fatos de interesse público que, em verdade, não envolviam propriamente a figura do apelante, mas, sim, a atuação de parlamentar e a suposta aplicação indevida de recursos públicos.

           Mutatis mutandis, decidiu o c. Superior Tribunal de Justiça:

    "RECURSO ESPECIAL - CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CONDENATÓRIA - PRETENSÃO DE COMPENSAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS EXPERIMENTADOS EM VIRTUDE DE MATÉRIA JORNALÍSTICA PUBLICADA EM REVISTA - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR A REQUERIDA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS - INSURGÊNCIA DA RÉ - RESPONSABILIDADE CIVIL AFASTADA - ABORDAGEM DA MATÉRIA INSERTA NOS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO JORNALÍSTICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

    Hipótese: Trata-se de ação condenatória julgada procedente pelas instâncias ordinárias para condenar a requerida ao pagamento de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais), a título de danos extrapatrimoniais experimentados pelo autor da demanda em razão de matéria jornalística publicada em revista.

    (...) 4.1. O teor da notícia é fato incontroverso nos autos, portanto proceder a sua análise e o seu devido enquadramento no sistema normativo, a fim de obter determinada consequência jurídica (procedência ou improcedência do pedido), é tarefa compatível com a natureza excepcional do recurso especial, a qual não se confunde com o reexame de provas. Para o deslinde do feito mostra-se dispensável a reapreciação do conjunto fático-probatório, bastando a valoração de fatos consignados pelo órgão julgador, atribuindo-lhes o correto valor jurídico, portanto, descabida a incidência do óbice da Súmula 7 do STJ.

    4.2. O mérito do recurso especial coloca em confronto a liberdade de imprensa (animus narrandi e criticandi) e os direitos da personalidade.

    4.2.1. A ampla liberdade de informação, opinião e crítica jornalística reconhecida constitucionalmente à imprensa não é um direito absoluto, encontrando limitações, tais como o compromisso com a veracidade da informação. Contudo, tal limitação não exige prova inequívoca da verdade dos fatos objeto da reportagem. Esta Corte tem reconhecido uma margem tolerável de inexatidão na notícia, a fim de garantir a ampla liberdade de expressão jornalística. Precedentes.

    4.2.2. Não se olvida, também, o fator limitador da liberdade de informação lastrado na preservação dos direitos da personalidade, nestes incluídos os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade. Assim, a vedação está na veiculação de críticas com a intenção de difamar, injuriar ou caluniar.

    4.2.3. Da notícia veiculada, muito embora aluda a fatos graves, não se vislumbra outro ânimo que não o narrativo, visto que a reportagem se limita a afirmar que o recorrido estaria sendo "investigado" pelas condutas tipificadas como crime ali descritas, o que, efetivamente, não se distancia do dever de veracidade, porquanto incontroversa a existência de procedimento investigativo.

    4.3. A forma que fora realizada a abordagem na matéria jornalística ora questionada está inserta nos limites da liberdade de expressão jornalística assegurada pela Constituição da República, a qual deve prevalecer quando em conflito com os direitos da personalidade, especialmente quando se trata de informações relativas à agente público.

    4.4. É sabido que quando se está diante de pessoas que ocupam cargos públicos, sobretudo aquelas que atuam como agentes do Estado, como é o caso dos autos, prevalece o entendimento de que há uma ampliação da liberdade de informação jornalística e, desse modo, uma adequação, dentro do razoável, daqueles direitos de personalidade.

    4.5. Com efeito, se a notícia limitou-se a tecer comentários, ainda que críticos, atribuindo a fatos concretamente imputados, por terceira pessoa, estas identificadas e referidas como as autoras das informações divulgadas (animus narrandi/criticandi), inclusive ante episódios que renderam a instauração de procedimento de investigação, como é o caso dos autos, daí porque deve ser afastada a responsabilização civil da empresa que veiculou a matéria, por se tratar de exercício regular do direito de informar (liberdade de imprensa), bem como do acesso ao público destinatário da informação.

    5. Recurso especial provido para julgar improcedente o pedido veiculado na demanda e afastar a multa imposta em sede de embargos de declaração (art. 538, parágrafo único, CPC)." (REsp 738.793/PE, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, rel. p/ acórdão Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 17.12.2015, p. 08.03.2016, grifos meus). 

           Não destoa a jurisprudência deste Sodalício:

    "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRENSA. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA LESIVA À HONRA, IMAGEM E VIDA PRIVADA. INOCORRÊNCIA. REPORTAGEM PUBLICADA EM SÍTIO DE RÁDIO LOCAL QUE SE LIMITOU A REPRODUZIR FATOS APURADOS EM INQUÉRITO POLICIAL, RELATIVOS À INTERDIÇÃO DE LABORATÓRIO CLANDESTINO, DE PROPRIEDADE DO AUTOR, QUE FABRICAVA PRODUTOS QUÍMICOS (PARA SANEAMENTO E HIGIENE) SEM AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES. ANIMUS NARRANDI. DANO MORAL INOCORRENTE. RECURSO DESPROVIDO." (TJSC, Apelação n. 0000242-15.2014.8.24.0166, de Forquilhinha, rel. Des. Domingos Paludo, j. 07-07-2016).

    "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSURGÊNCIA RECURSAL SOBRE A INAPLICABILIDADE DA EXCEÇÃO DA VERDADE. RAZÕES DISSOCIADAS DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESTE PONTO. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA NA IMPRENSA LOCAL. OFENSA À HONRA. INOCORRÊNCIA. ANIMUS NARRANDI. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. RETRATAÇÃO DESCABIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. 

    (...) Não há que se falar em dano moral se a matéria jornalística é de cunho meramente informativo, decorrente do livre exercício de imprensa." (TJSC, Apelação Cível n. 2013.077322-0, de Itapema, rel. Des. Stanley Braga, j. 04-02-2016).

    "RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA NO SITE ALIMENTADO PELA RÉ. ABORDAGEM ACERCA DA OPERAÇÃO DEFLAGRADA PELA POLÍCIA CIVIL NO COMBATE AO TRÁFICO DE DROGAS NA REGIÃO. NOME DO AUTOR CITADO ENTRE OS INVESTIGADOS. ALEGAÇÃO DE QUE A NOTÍCIA CAUSA OFENSA À SUA HONRA. INSUBSISTÊNCIA. FATOS VERÍDICOS. INEXISTÊNCIA DE JUÍZO DE VALOR SOBRE OS FATOS. ANIMUS CALUNIANDI OU DIFAMANDI NÃO VERIFICADO. MERO ANIMUS NARRANDI DE FATOS. AUSÊNCIA DE AFIRMAÇÕES QUE DESABONASSEM A HONRA DO APELANTE. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. ABALO À MORAL NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 

    Meras referências a uma situação de fato, publicadas em periódico, sem o ânimo nem o efeito de atingir a honra de outrem, não configuram dano moral passível de indenização." (TJSC, Apelação Cível n. 2015.062947-3, de Caçador, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 15-12-2015).

           E deste Colegiado:

    "RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTOR PRESO EM FLAGRANTE. COMENTÁRIOS DE LEITORES EM BLOG DE JORNAL DE CIRCULAÇÃO REGIONAL. TRANSMISSÃO DE FATOS DE ENORME IMPORTÂNCIA SOCIAL. AUSÊNCIA DE VALORAÇÃO NEGATIVA. ANIMUS NARRANDI. ATO ILÍCITO NÃO CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO. 

    Quando conflitam - o que ocorre frequentemente - o princípio que assegura serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (CR, art. 5º, X) e aqueles que garantem a "manifestação de pensamento" (CR, art. 5º, IV) e "liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social" (CR, art. 220, § 1º), "é preciso verificar qual deles possui maior peso diante das circunstâncias concretas. [...] No plano do abstrato, não há uma ordem imóvel de primazia, já que é impossível se saber se ela seria aplicável a situações ainda desconhecidas. A solução somente advém de uma ponderação no plano concreto, em função da qual se estabelece que, naquelas condições, um princípio sobrepõe-se ao outro" (Humberto Bergmann Ávila). Os tribunais têm proclamado que, "para que se configure a obrigação indenizatória por dano moral em face de reportagem veiculada em jornal impresso, mister a presença de intuito de caluniar, injuriar ou difamar (feições ausentes na espécie), com evidente desbordamento do propósito de narrar" (TJSC, AC n. 2007.018998-1, Des. Henry Petry Junior; AC n. 2013.028841-5, Des. Jorge Luis Costa Beber; STJ, REsp n. 738.793, Min. Marco Buzzi; REsp n. 719.592, Min. Jorge Scartezzini)." (TJSC, Apelação n. 0007838-95.2012.8.24.0012, de Caçador, rel. Des. Newton Trisotto, j. 11-08-2016).

           Sob outro prisma, ressalto, como bem pontuou o apelante, que a revista ISTO É já havia realizado a divulgação da matéria em edição on-line, às 21:00 horas do dia 26.08.2011 (http://istoe.com.br/154942_IDELI+O+ASSESSOR+E+AS+ONGS/). Entretanto, nessa mesma data, minutos antes, a notícia foi veiculada na revista VEJA, precisamente às 20:41 horas (http://veja.abril.com.br/politica/deputados-tucanos-acusam-ideli-de-favorecer-ong/), o que corrobora o fato de que a editora apelada não foi o primeiro veículo de comunicação a publicar a reportagem.

           Aliás, ainda no dia 26.08.2011, a notícia foi publicada nos seguintes meios de comunicação na internet: (1) http://noticias.uol.com.br/politica/escandalos-no-congresso/ideli-salvatti-beneficiou-ong-de-assessor-no-senado.htm; (2) http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministra-ideli-salvatti-e-acusada-de-favorecer-ong-de-seu-braco-direito,764261.

            Desse modo, a indigitada matéria jornalística, na mesma época, foi amplamente divulgada em diversos veículos de comunicação, notadamente por tratar de questão de evidente interesse público.

           Destarte, não vejo como responsabilizar os apelados por qualquer ato ilícito, justo que a reportagem não transborda as barreiras da liberdade de expressão tampouco revela abalo à imagem, à honra, à privacidade ou intimidade do autor.

           Em corolário, não há falar em retratação e, como bem salientou o digno magistrado de primeiro grau, Dr. Juliano Schneider de Souza, o pedido de desvinculação do nome do apelante de matérias futuras importa verdadeira censura prévia aos meios de comunicação, situação incompatível com a própria ordem constitucional.

           Nesse sentido, as palavras do culto e operoso julgador a quo:

    "(...) Com relação ao pedido de desvinculação futura do nome do demandante de qualquer matéria jornalística a ser publicada pela primeira ré, trata-se de censura prévia, o que é vedado pela Constituição da República.

    Desse modo, não pode o Poder Judiciário limitar o direito de imprensa jornalística por qualquer tipo de restrição ou censura, sob pena de violar frontalmente os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. (...)". (fl. 215). 

           No mesmo norte, o entendimento deste Areópago:

    "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. 

    (...) TUTELA INIBITÓRIA. ABSTENÇÃO DO ÓRGÃO DE IMPRENSA A DIVULGAR REPORTAGEM REFERENTE AO DEMANDANTE. MEDIDA QUE VIOLA A LIBERDADE DE IMPRENSA E CONFIGURA CENSURA PRÉVIA. DETERMINAÇÃO INVIÁVEL. 

    RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO." (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2010.056926-8, de Tubarão, rel. Des. Odson Cardoso Filho, j. 21-06-2012, grifos meus).

           À luz do exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento.

           É como voto.


Gabinete Desembargador Jorge Luis Costa Beber