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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0038712-59.2014.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Capital
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Dec 06 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Cleni Serly Rauen Vieira
Classe: Apelação Criminal

 

Apelação Criminal n. 0038712-59.2014.8.24.0023, da Capital

Relator: Des. Sérgio Rizelo

   APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSIFICADO EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 304 C/C O 297 E 71, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

   1. AUTORIA. FALSIFICAÇÃO DO DOCUMENTO. USO. CRIME REMETIDO. 2. ERRO DE TIPO. DOLO. ATESTADO MÉDICO. PROFISSIONAL DESCONHECIDO. ATENDIMENTO EM POSTO DE COMBUSTÍVEIS. 3. NATUREZA DO DOCUMENTO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. LAVRATURA NÃO EXCLUSIVA DE SERVIDOR PÚBLICO. INTERESSE PARTICULAR. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR (CP, ART. 298). PENA. EMENDATIO LIBELLI (CPP, ART. 383). 4. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. ALTERAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE.

   1. Não importa, para a responsabilização do agente pelo crime de uso de documento falso previsto no art. 304 do Código Penal e classificado como delito remetido, a discussão acerca da autoria relativa ao crime que se faz remissão, pois este serve apenas para definição da sanção a ser aplicada, bastando que seja demonstrada a falsidade do documento, a sua potencialidade lesiva e a ciência do acusado acerca da ilicitude do documento a que deu uso.

   2. Não se pode acolher a tese de que o acusado desconhecia a falsidade dos atestados médicos apresentados para seu empregador se os obteve de pessoa que conheceu em um grupo de whatsapp e alegou ser médico após o agente mencionar que estava sentindo dores na costas, e o suposto atendimento deu-se em um posto de combustíveis, sem a realização de nenhum exame complementar nem utilização de aparelhos específicos.

   3. Atestados médicos, ainda que provenientes da rede de saúde pública, são documentos particulares, e o uso deles, quando falsificados, deve ser apenado de acordo com o preceito secundário do art. 298 do Código Penal.

   4. As penas restritivas de direitos impostas em substituição da sanção privativa de liberdade devem ser escolhidas pelo Juiz, dentro de seu poder discricionário, não cabendo ao acusado optar por aquela que julgar mais benéfica a si.

   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO E, DE OFÍCIO, RECLASSIFICADA A CONDUTA.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0038712-59.2014.8.24.0023, da Comarca da Capital (2ª Vara Criminal), em que é Apelante Vanuti Conrado Skierzynski e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

           A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso, negar-lhe provimento, de ofício, reclassificar a conduta narrada na inicial, afastar a remissão ao art. 297 do Código Penal, mantendo a condenação de Vanuti Conrado Skierzynski, mas por infração ao art. 304 c/c o 298, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, com reajuste da pena e, determinar, após o exaurimento da possibilidade de interposição de recursos nesta Corte, o encaminhamento da íntegra do presente decisum ao Juízo da Condenação para que expeça os documentos necessários à execução provisória da pena imposta ao Acusado, caso isso ainda não tenha sido implementado. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado no dia 6 de dezembro de 2016, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva (Presidente) e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Rui Arno Richter.

           Florianópolis, 7 de dezembro de 2016.

Sérgio Rizelo

relator

 

           RELATÓRIO

           Na Comarca da Capital, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Vanuti Conrado Skierzynski, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 304 c/c o 297, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, nos seguintes termos:

    No dia 6 de agosto de 2014, no interior da RK serviços Ltda., empresa situada na Rua Presidente Nereu Ramos n.º 19, no Centro desta Capital, o denunciado Vanuti Conrado Skierzynski fez uso de documento público que sabia ser falso, qual seja, um atestado médico do Sistema Único de Saúde, datado de 23/7/2014, com a assinatura e o carimbo do médico Rafael Cegielka, contendo a informação que Vanuti Conrado Skierzynski "necessita de 10 (#dez#) dias de afastamento do trabalho por motivo de doença", consoante Boletim de Ocorrência da fl. 3, documentos das fls. 4/6 e Laudo Pericial das fls. 22/24.

    Após duas semanas dos fatos descritos acima, o denunciado novamente fez uso de documento público que sabia ser falso, correspondente a um atestado médico do Sistema Único de Saúde com iguais características às acima expostas, com exceção de que nesta oportunidade constava a informação de que Vanuti Conrado Skierzynski "necessitaria de 8 (#oito#) dias de afastamento do trabalho por motivo de doença" e a data, desta vez correspondente a 6/08/2014 (fl. 6).

    Na ocasião, o denunciado apresentou os atestados médicos na empresa RK Serviço Ltda. Contudo, suspeitando da autenticidade do documento, o funcionário da RK Serviço Ltda. Jonath Kretzer entrou em contado com o policial civil Clesio de Morais, que ao promover diligências junto ao médico Rafael Cegielka, este confirmou a falsidade dos documentos (fls. 46-47).

           Concluída a instrução, o Magistrado de Primeiro Grau julgou procedente a exordial acusatória e condenou Vanuti Conrado Skierzynski à pena de 2 anos e 4 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 11 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no importe equivalente ao do salário mínimo, pelo cometimento do delito previsto no art. 304 c/c o 297, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal (fls. 173-180).

           Insatisfeito, Vanuti Conrado Skierzynski deflagrou recurso de apelação (fl. 190).

           Em suas razões, afirmou que "não praticou a conduta tipificada na peça acusatória e na sentença objurgada, no que se refere à autoria do réu, e mais, sem o dolo que é necessário na tipificação do art. 297 do C.P.B", e que, "durante a instrução criminal, apenas, comprovou-se que o réu fez uso do papel falsificado ou adulterado, cf. preconiza o caput do art. 304 [...], sem que fosse apontado/imputado [...] qualquer ação 'dolosa ou culposa' decorrente de 'autoria' referente ao Art. 297 do mesmo C.P.".

           Alegou que "o único possível 'crime' praticado [...] foi ter feito uso de papel falsificado ou adulterado, sem que, no entanto, tivesse [...] conhecimento de sua falsidade ou tivesse sido ele o autor da confecção ou escrita no documento".

           Sob tais argumentos, requereu a decretação da sua absolvição e, subsidiariamente, postulou a alteração da pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade por pena pecuniária (fls. 213-223).

           O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 227-231).

           A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Norival Acácio Engel, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 235-242).

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

           1. O Apelante Vanuti Conrado Skierzynski utilizou boa parte de sua insurgência para contestar a autoria do crime descrito no art. 297 do Código Penal, sob o argumento de que não foi o autor da falsidade.

           O art. 304 do Código Penal, por cuja prática o Recorrente foi efetivamente condenado, tipifica a conduta de " fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302", positivando, em seu preceito secundário, que a pena é a mesma "cominada à falsificação ou à alteração".

           Trata-se de um crime remetido, ou seja, de um tipo penal que faz menção expressa a outro. Para sua configuração não é necessário que o agente seja o autor do delito a que se faz remissão. Bastam elementos que demonstrem a ocorrência deste e a consciência do agente com relação a isso.

           Nessa linha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

    A caracterização do delito previsto no artigo 304 do Código Penal depende da aferição da presença de todas as elementares do tipo remetido, considerando que aquele faz expressa menção aos tipos penais de falsidade material e ideológica previstos nos artigos 297 a 302 daquele Diploma, exigindo-se a comprovação da natureza da falsidade, de sua potencialidade lesiva e de que o agente tinha ciência da falsidade dos documentos de que se utilizou (Ap. Crim. 5000533-31.2011.404.7115, Rel. Des. Victor Luiz dos Santos, j. 20.8.14).

           Aliás, "a  menção ao art. 297 do Código Penal, feita na parte dispositiva da sentença, deve-se à técnica de apenamento da conduta subsumida ao art. 304 do aludido Código" (TRF-1, Ap. Crim. 2001.35.00.001446-4, Rel. Des. Hilton Queiroz, j. 14.11.06).

           Enfim, não faz sentido argumentar o Apelante que "não pode haver condenação com fulcro no Art. 297 do CP Brasileiro" (fl. 218), pois isso não ocorreu. Ele não foi acusado nem condenado por falsificar os atestado médicos, mas porque, ciente da falsidade, apresentou-os a seu empregador, com o fim de obter afastamento laboral.

           2. A materialidade do fato é demonstrada por meio do boletim de ocorrência da fl. 3; da declaração do médico Rafael Cegielka, no sentido de que os atestados referidos na denúncia não são de sua lavra (fl. 4), das cópias destes documentos apresentados pelo Apelante a seu empregador (fls. 5-6) e do exame grafoscópico 9100.14.02435 (fls. 21-24), o qual atesta que as assinaturas contidas nos atestados não pertencem ao referido profissional de Medicina.

           A autoria é incontroversa. O próprio Apelante confirmou, em Juízo, que entregou os atestados médicos a Gilnei João de Bem (mídia da fl. 116) e este, sob o crivo do contraditório, ratificou a confissão (mídia da fl. 83).

           A justificativa do Recorrente é de que desconhecia a falsidade do atestado médico, ou seja, sustentou a ocorrência de erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal "papéis falsificados", situação que excluiria o dolo (CP, art. 20).

           Na Delegacia de Polícia, o Apelante Vanuti Conrado Skierzynski declarou:

    estava numa rede social (whatszap) quando ficou conhecendo um suposto médico, em conversa pela rede pediu um atestado para o suposto médico de nome Rafael, apelido Perninha, mora na Palhoça, ambos se encontraram num posto de combustível, próximo às margens da BR 101, próximo ao Shopping Via Catarina, Palhoça. Que o depoente relata que pagou 100 reais por cada atestado (fl. 17). Que relata ainda que deixa os telefones do suposto médico (fl. 17).

           Sob o crivo do contraditório, o Recorrente respondeu:

    A acusação não é verdadeira; o que aconteceu foi que eu marquei com o cara uma entrevista no WhatsApp, eu joguei na rede social que eu tava com dor na coluna, eu saio muito pra festa, essas coisas assim, e sempre adicionam em grupo; eu marquei com uma pessoa num grupo de WhatsApp, falando que eu tava com dor na coluna, marquei uma consulta; não dava meus horários porque eu tava trabalhando e os dele não batiam porque ele estava na clínica, dai ele bem assim "vamo marca em algum lugar pra gente se ver", aí eu bem assim "não, então tá, se dá", e os preços não batiam, se eu fosse na clínica dele não ia bater, porque eu não tinha condição na época, até um erro meu porque eu saio bastante pra balada e... na real eu tô até nervoso, porque eu nunca passei por isso, nunca aconteceu nada comigo parecido, ou que seja, eu nunca fiquei assim de frente pra ninguém; eu marquei com ele no posto de gasolina, ele fez uma consulta comigo, ele falou que eu tava com uma dor aqui embaixo e podia voltar a dor, se voltasse era pra mim retornar a ele, chamar ele no grupo; e não passou a dor, ele me passou um atestado, eu entreguei ainda no dia o atestado e a receita, tudo pro Gilnei, que é esse, mas não...; o médico era esse aí, Rafael; pelo jeito não era ele, pelo que estão dizendo nos fatos, mas pra mim até o momento era; eu não cheguei a ligar pra consultório nada, mas eu dei os telefones dele no dia, quando eu fui depor, dei a foto dele, que ele me passou, dei tudo os dados, porque pra mim tava correto; paguei 100 reais pela consulta; em nenhum momento eu sabia dessa falsidade; eu que entreguei em mãos o atestado, eu fui e trabalhei dois dias, o horário do meu serviço era das 7 às 8 da noite, que eu trabalhava na construção civil, e passou dois dias e continuou minhas dores, ai eu chamei ele e ele disse "isso é assim mesmo, tais com dor nas costas", aí ele me forneceu outro atestado, foram dois atestados que ele me forneceu; nos encontramos no mesmo local; o posto é na Palhoça, eu não sei indicar o nome certinho, ele falou que era lá o posto de saúde que ele trabalhava (mídia da fl. 116).

           A versão é inverossímil. Além de suas palavras, nada mais o Apelante coligiu aos autos para confirmar sua escusa. Não arrolou, como testemunha, a pessoa que lhe entregou os atestados médicos nem outra que pudesse confirmar seu problema de saúde, não colacionou cópia das supostas conversas trocadas pelo Whatsapp e não juntou recibo de compra dos medicamentos consumidos para aplacar a dor.

           Não é razoável considerar normal, "correto", receber atestados médicos, por duas vezes, de pessoa que conheceu "num grupo de Whatsapp" dizendo ser médico, ser submetido a "consulta" num posto de gasolina e, sem a realização de exame complementar ou verificação por aparelho, o "profissional" assinar liberação de 18 dias de trabalho em razão de "dor nas costas".

           É pueril perceber que o Apelante pretendia esquivar-se das obrigações profissionais e, para tanto, utilizou documentos que sabia serem falsos.

           Esta Segunda Câmara Criminal já decidiu que "comete o crime de uso de documento falso o agente que apresenta atestados médicos forjados para ausentar-se do trabalho", pois "não se pode acolher que o acusado desconhecia a falsidade de tais documentos se eles lhe foram entregues sem a prévia ocorrência de anamnese, exame clínico ou consulta médica" (Ap. Crim. 2015.007335-3, deste Relator, j. 26.5.15).

           Na mesma linha:

    APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA ACUSADA. 
AUSÊNCIA DE PROVA. USO DE ATESTADOS SUPOSTAMENTE FORNECIDOS POR MÉDICO MUNICIPAL. DESCONHECIMENTO DA INAUTENTICIDADE DOCUMENTAL. ERRO DE TIPO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ACUSADA QUE SABIA DA ILICITUDE DOS ATESTADOS. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. HOMEM MÉDIO. IDENTIFICAÇÃO POR FUNCIONÁRIO ESPECIALIZADO DA EMPREGADORA. A acusada tinha ciência da falsidade dos documentos utilizados para justificar sua ausência ao trabalho uma vez que não realizou consulta médica nem outro diagnóstico de saúde. A adulteração de documento público não pode ser considerada grosseira, a ponto de implicar a absolvição por atipicidade da conduta, se o documento falsificado é capaz de enganar o homem médio. Recurso conhecido e desprovido (Ap. Crim. 0808657-47.2014.8.24.0038, deste Relator, j. 12.7.16).

           Ainda:

    APELAÇÃO CRIMINAL - USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO (ART. 304 C/C ART. 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL), POR TRÊS VEZES E NA FORMA DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL - AGENTE QUE APRESENTA TRÊS ATESTADOS MÉDICOS FALSOS PARA SEU EMPREGADOR - ÉDITO CONDENATÓRIO - INCONFORMISMO DA DEFESA - MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIGURADAS - LAUDO PERICIAL QUE CONFIRMA A FALSIDADE DOS DOCUMENTOS - DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS QUE NÃO DEIXAM DÚVIDAS DE QUE O ACUSADO FEZ USO DOS ATESTADOS MÉDICOS FALSIFICADOS PARA SE AUSENTAR DE SUAS ATIVIDADES LABORATIVAS - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE - DOSIMETRIA - PRIMEIRA FASE - AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - SEGUNDA FASE - INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES OU ATENUANTES DA PENA - TERCEIRA FASE - CONTINUIDADE DELITIVA EVIDENCIADA - DOCUMENTOS COM DATAS DISTINTAS, MAS QUE, ENTRE SI, NÃO SUPERAM O INTERREGNO DE UM MÊS - EXASPERAÇÃO APLICADA EM PATAMAR ADEQUADO (1/5), DIANTE DO NÚMERO DE REITERAÇÕES DA PRÁTICA CRIMINOSA (TRÊS VEZES) - RECURSO DESPROVIDO (Ap. Crim. 2013.045542-5, Rel. Des. Newton Varella Júnior, j. 20.11.14).

           Também:

    APELAÇÃO CRIMINAL - USO DE DOCUMENTO FALSO (CPM, ARTS. 315 C/C 311) - APRESENTAÇÃO DE ATESTADO MÉDICO FALSO PARA OBTENÇÃO DE LICENÇA MÉDICA - MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS - ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO - INOCORRÊNCIA - CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO QUE DEIXAM ASSENTE A CIÊNCIA DO ACUSADO E A INTENÇÃO DE LUDIBRIAR A ADMINISTRAÇÃO MILITAR - CONDENAÇÃO MANTIDA (Ap. Crim. 2013.066119-0, Relª. Desª. Salete Silva Sommariva, j. 26.8.14).

           E:

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. USO DE DOCUMENTO FALSO EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 304, C/C ART. 298 E ART. 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PROVA TESTEMUNHAL É CLARA EM DETERMINAR QUE A RÉ SE UTILIZOU DE ATESTADOS MÉDICOS FALSIFICADOS PARA JUSTIFICAR FALTAS AO TRABALHO. DOCUMENTO SABIDAMENTE FALSO, ADQUIRIDO NO MEIO DA RUA COM UM DESCONHECIDO. DOLO NA UTILIZAÇÃO DO DOCUMENTO COMPROVADO. CONDUTA TÍPICA (Ap. Crim. 2011.050551-1, Relª. Desª. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 25.7.13).

           Diante disso, mantém-se a condenação de Vanuti Conrado Skierzynski.

           3. É oportuna, no entanto, a aplicação do disposto no art. 383 do Código de Processo Penal para readequação típica da conduta.

           Como acima destacado, os preceitos primário e secundário do art. 304 do Código Penal são remetidos. É importante, então, definir a qual crime deve-se fazer remissão.

           Na denúncia e na sentença foi considerada a conduta de Vanuti Conrado Skierzynski como sendo a de uso de documento público falso (CP, art. 304 c/c o 297), apenado com "reclusão, de dois a seis anos, e multa", uma vez que os atestados médicos apresentados contavam com o timbre do Sistema Único de Saúde (SUS) (fls. 5-6).

           Todavia, malgrado não se desconheça a existência de precedente em sentido contrário (Ap. Crim. 0013804-39.2013.8.24.0033, Rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 26.7.16) e de julgados condenando o agente pelo crime do art. 304 tanto em remissão ao art. 297 quanto ao art. 298 do Código Penal (conforme ementas acima destacadas), a falsificação de atestado médico, ainda que se trate de papel vinculado a serviço público de saúde, configura contrafação de documento particular.

           A doutrina traz duas conceituações para "documento público", conforme ensina Rogério Sanches Cunha:

    a) documento formal e substancialmente público: emanado de agente público no exercício de suas funções e seu conteúdo diz respeito a questões inerentes ao interesse público (atos legislativos, executivos e judiciários);

    b) documento formalmente público, mas substancialmente privado: aqui, o interesse é de natureza privada, mas o documento é de entes públicos (atos praticados por escrivães, tabeliães etc.) (Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 8. ed. Salvador: Juspovim, 2016. p. 681).

           Ainda que, aparentemente, o atestado médico do SUS possa ser enquadrado na segunda definição, por se tratar de documento subscrito por servidor público com conteúdo de interesse particular, sua natureza é distinta.

           Não se pode comparar o atestado médico lavrado por médico participante do SUS com, por exemplo, atos praticados por escrivães. Este, embora também preenchido com assunto privado, somente pode ser elaborado por delegado de serviço público; não há outra forma de obtê-lo. Um atestado médico (ao menos para os fins pretendidos pelo Recorrente, que não exigia atuação exclusiva de Médico prestador de serviço público, como no caso de concessão de algum benefício previdenciário) pode ser conseguido em uma consulta particular ou na rede pública de saúde. Assim, a falsificação de atestado médico adequa-se tipicamente no art. 298 do Código Penal, e não em seu art. 297.

           Nessa linha, do Tribunal de Justiça do Paraná:

    APELAÇÃO CRIMINAL - ARTIGO 304, C/C ARTIGO 297, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - CONDENAÇÃO - RECURSO - RÉ QUE PREENCHEU E APRESENTOU ATESTADOS MÉDICOS FALSOS COM O INTUITO DE JUSTIFICAR A AUSÊNCIA EM SEU EMPREGO DE MODO A NÃO SER PREJUDICADA COM DESCONTOS DECORRENTES DE SUAS FALTAS - PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO PARA O CRIME DE USO DE DOCUMENTO PARTICULAR FALSO (ARTIGO 304, C/C ARTIGO 298, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - POSSIBILIDADE - REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM, PARA O FIM DE POSSIBILITAR A PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - RECURSO PROVIDO (Ap. Crim. 1392077-3, Rel. Des. Laertes Ferreira Gomes, j. 25.2.16).

           Do voto:

    Tem-se que o atestado médico, ainda que efetuado em impresso oficial, não pode ser tido como documento público, sendo na verdade tal fato mero detalhe circunstancial que não retira o caráter particular do documento.

    Segundo se depreende dos autos, a apelante, com o intuito de justificar a ausência em seu emprego de modo a não ser prejudicada com descontos decorrentes de suas faltas, preencheu e apresentou atestados médicos falsos, incidindo no delito tipificado no art. 304 do Código Penal, ensejando a aplicação da pena prevista no art. 298 do mesmo diploma, que trata da falsificação de documento particular.

           No mesmo sentido, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

    Uso de documento falso. Adulteração de atestado emitido por médico do Serviço Público de Saúde para alterar o número de dias durante os quais o empregado poderia ficar justificadamente afastado de suas funções. Delito de "sanção remetida". Incidência do preceito sancionador referente à falsificação de documento particular. O atestado médico, ainda que efetuado em impresso oficial, não pode ser tido como documento público, inclusive pelo fato de sua emissão não ser limitada a funcionários públicos. O médico, ao atestar a necessidade de afastamento de paciente de suas ocupações habituais, elabora, com efeito, simples declaração, na condição de profissional da saúde, destinada a uso particular. Sua eventual vinculação com o serviço público de saúde, caso o atendimento tenha sido prestado em hospital da rede pública, será meramente circunstancial. Tanto é assim, que atestado médico emitido por profissional do Sistema Único de Saúde, se destinado a justificar a ausência do empregado junto a seu empregador, não se reveste de valor maior do que aquele de documento emanado de profissional no exercício da Medicina, enquanto profissional liberal, ou prestando serviços perante instituição privada. No que concerne à abonação de faltas, pondere-se, inclusive, prever a legislação previdenciária (art. 5º da Lei 3.807/60 - Lei Orgânica da Previdência Social) ser dotado de maior valor probante o atestado emitido por médico da própria empresa, ou de conveniada, sobre aquele advindo de órgão público. Consistindo o uso de documento falso um delito "de sanção remetida", deve ser aplicada à utilização de atestado falso a mesma reprimenda prevista para o crime de falsificação de documento particular. Uso de documento falso Conjunto probatório desfavorável ao réu composto por prova pericial e testemunhal Suficiência da prova Suficiente o acervo probatório composto por provas oral e documental incriminadoras, de rigor a manutenção do decreto condenatório (Ap. Crim. 0001044-95.2010.8.26.0554, Rel. Des. Grassi Neto, j. 14.8.14).

           Por último, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

    APELAÇÃO. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO. ATESTADOS MÉDICOS. PERÍCIA. DESNECESSIDADE. PROVA ORAL. ATESTADOS MÉDICOS. DOCUMENTO PARTICULAR. PENA COMINADA NO ART. 298 DO CP. PARCIAL PROVIMENTO. A perícia é desnecessária, quando há prova oral inequívoca demonstrando a falsidade dos documentos apresentados, para tentar justificar faltas no trabalho. A apresentação de atestados médicos falsos, delito previsto no art. 304 do Código Penal, enseja a aplicação da pena prevista no art. 298 do mesmo diploma, tendo em vista que os atestados são considerados documentos particulares. Apelação da defesa parcialmente provida (Ap. Crim. 70048139315, Rel. Des. Gaspar Marques Batista, j. 5.7.12).

           Esse o quadro, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia, atribui-se a ele definição jurídica diversa no que toca ao crime remetido, condenando-se Vanuti Conrado Skierzynski pela prática do crime previsto no art. 304 c/c o 298, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal.

           A pena aplicada, diante disso, deve ser modificada, uma vez que o preceito secundário do art. 298 do Código Penal prevê sanção de "reclusão, de um a cinco anos, e multa".

           Assim, observando-se apenas a modificação da pena mínima de 2 anos para 1 ano, mas mantendo-se o cálculo elaborado corretamente pelo Sentenciante (pena-base no mínimo, sem agravantes e/ou atenuantes, sem causas de diminuição e aumento de 1/6 pela continuidade delitiva), fixa-se as penas de 1 ano e 2 meses de reclusão, em regime aberto, e 11 dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, substituída a privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, pela prática do delito positivado no art. 304 c/c o 298, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal.

           4. O Apelante pleiteou "a substituição da pena imposta pelo juízo a quo que foi com fulcro no Art. 43, IV do C.P. brasileiro e, dessa forma, aplicar a penalidade prevista no mesmo Art. 43, I (a pena restritiva de direito por pena pecuniária)", sob o argumento de que "se encontra na Nova Zelândia" e, por isso, "a impossibilidade de retorno ao Brasil para o cumprimento de prestação de serviços à comunidade é evidente, ao menos enquanto não lograr êxito na obtenção de sua licença de piloto privado da aviação civil e, posteriormente, de piloto comercial".

           É pacífica a orientação de que "compete ao magistrado, dentro de seu poder discricionário, avaliar qual pena restritiva de direitos irá melhor se coadunar ao caso concreto, escolhendo aquela que surtirá melhor efeito reparador e pedagógico; logo, não cabe ao condenado escolher a sanção substitutiva que entende ser mais benéfica" (TJSC, Ap. Crim. 2014.021800-2, Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 11.9.14).

           No mesmo sentido, vejam-se os seguintes precedentes, todos deste Tribunal: Apelações Criminais 2015.061552-2, Rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. 20.10.15; 2014.038645-3, Rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 7.7.15; e 2014.015155-1, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 10.7.14.

           É lição de Guilherme de Souza Nucci:

    A prestação de serviços à comunidade trata-se da melhor sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade, pois obriga o autor de crime a reparar o dano causado através do seu trabalho, reeducando-se, enquanto cumpre a pena. Nesse sentido, anote-se a lição de Paul de Cant: A ideia de fazer um delinquente executar um trabalho reparador em benefício da comunidade tem sido frequentemente expressa nestes últimos anos. O fato mais admirável é que parece que Beccaria já havia pensado em uma pena dessa natureza ao escrever, no século XVIII, que a pena mais oportuna será somente aquela espécie de servidão que seja justa, quer dizer, a servidão temporária que põe o trabalho e a pessoa do culpado a serviço da sociedade, porque este estado de dependência total é a reparação do injusto despotismo exercido por ele em violação ao pacto social (Individualização da pena. São Paulo: RT, 2005. p. 321).

           De fato, "a substituição da pena privativa de liberdade por medida restritiva de direitos não pode ser utilizada como forma de facilitar demasiadamente o cumprimento da sanção irrogada, mas sim que esta seja aplicada de um modo capaz de coibir a reiteração da prática delitiva, sob pena de se desvirtuar dos reais objetivos da reprimenda, quais sejam: retribuição, prevenção e ressocialização" (TJSC, Rec. de Ag. 2012.066817-7, Rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 12.3.13).

           Além disso, de acordo com o art. 44, § 2º, do Código Penal, a Autoridade Judiciária substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: uma de prestação de serviços à comunidade e outra pecuniária.

           Portanto, já houve a fixação de uma prestação pecuniária substitutiva em favor do Recorrente, não se podendo fixar duas medidas de mesma natureza, tampouco apenas uma, sob pena de violação ao citado comando legal.

           A alternativa seria a imposição de uma pena de multa para substituir a prestação de serviços à comunidade, caso provada a impossibilidade efetiva de cumprimento desta.

           Ocorre que os documentos apresentados pelo Apelante demonstram que ele retornou (ou deveria ter retornado) ao Brasil em 2.6.16 (fls. 123-124), além do que nada comprova que esteja frequentado curso de formação de aviação civil ou comercial.

           Sendo assim, eventual impossibilidade de cumprimento da pena restritiva de direitos poderá ser debatida no Juízo da Execução Penal (cf. TJSC, Ap. Crim. 2014.029567-1, Rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 23.10.14; 2013.035025-9, Rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 9.10.14; e 2013.073299-4, Relª. Desª. Marli Mosimann Vargas, j. 16.9.14).

           Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso e pela reclassificação, de ofício, da conduta narrada na inicial, afastando-se a remissão ao art. 297 do Código Penal e mantendo-se a condenação de Vanuti Conrado Skierzynski, mas por infração ao art. 304 c/c art. 298, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, reajustando-se as penas, por consequência, para 1 ano e 2 meses de reclusão, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 salário mínimo, e pagamento de 11 dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração.

           Determina-se ao Juízo da Condenação, exaurida a possibilidade de interposição de recurso nesta Corte, que expeça os documentos necessários à execução imediata da pena imposta ao Acusado, caso isso ainda não tenha sido implementado, nos termos da orientação do Plenário do Supremo Tribunal Federal (ARExtra 964246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 11.11.16).

           Para os fins do disposto no § 5º do art. 87 do Regimento Interno desta Corte, nas Resoluções 44, 50 e 172 do Conselho Nacional de Justiça e no Provimento 29 da Corregedoria Nacional de Justiça, o nome do Acusado Vanuti Conrado Skierzynski deve ser incluído, com fulcro no art. 1º, inc. I, "e", 1, da Lei Complementar 64/90, no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que Implique Inelegibilidade (CNCIAI).


Gabinete Des. Sérgio Rizelo