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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0302355-11.2014.8.24.0054 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Ronei Danielli
Origem: Rio do Sul
Orgão Julgador: Grupo de Câmaras de Direito Público
Julgado em: Wed May 11 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Edison Zimmer
Classe: Apelação Cível

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 7
Súmulas STF: 279
Repercussão Geral: 855178

 


Apelação n. 0302355-11.2014.8.24.0054

Relator: Desembargador Ronei Danielli

   INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE (ART. 981 DO NCPC). CONTROVÉRSIA SOBRE MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO - A CARÊNCIA FINANCEIRA COMO REQUISITO PARA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS E TERAPIAS POR CONTA DO ESTADO. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 976, INCISOS I E II DO NCPC. CABIMENTO DEMONSTRADO NA FORMA DA LEI PROCESSUAL E DO ATO REGIMENTAL DESTA CORTE. IRDR ADMITIDO PARA AUTORIZAR SEU PROCESSAMENTO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0302355-11.2014.8.24.0054, da comarca de Rio do Sul Vara da Faz. Pública, Ac. do Trabalho e Reg. Pub. em que é Apelante Estado de Santa Catarina e Apelado Luiz Carlos da Silva.

           O Grupo de Câmaras de Direito Público decidiu, por unanimidade, admitir o processamento do Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargador Ronei Danielli, Desembargador Luiz Fernando Boller, Desembargador Ricardo Roesler, Desembargador Carlos Adilson da Silva, Desembargador Edemar Gruber, Desembargador Franciso de Oliveira Neto, Desembargador Pedro Manoel Abreu, Desembargador Nelson Shaefer Martins, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, Desembargador João Henrique Blasi e Desembargador Jorge Luiz de Borba.

           Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Desembargador Pedro Manoel Abreu.

           Florianópolis, 11 de maior de 2016.

Desembargador Ronei Danielli

Relator

RELATÓRIO

           Luis Carlos da Silva promoveu, perante a Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da comarca de Rio do Sul, ação de obrigação de fazer contra o Estado de Santa Catarina e o Município de Agronômica, objetivando o fornecimento dos medicamentos Vildagliptina + Metformina (GalvusMet), Levotiroxina, Ezetimiba + Sinvastatina e Carvedilol, por ser portador de Diabetes Melito Tipo II (CID 10:E11 e E 10.5), hipertensão, dislipdemia e hipotireoidismo.

           Deferida a antecipação de tutela, foi determinada a distribuição gratuita dos fármacos especificados na petição inicial e possibilitado o sequestro de valores no caso de descumprimento.

           Citado, o Município invocou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. No mérito, aduziu inexistir orçamento para custear as substâncias excepcionais. Pugnou, ao final, pela realização de prova testemunhal e pericial.

           O ente estatal, por seu turno, defendeu, preliminarmente, a ausência de interesse de agir quanto ao Levotiroxina, porquanto fornecido pelo Programa de Assistência Farmacêutica na Atenção Básica. No mérito, sustentou a impossibilidade de fornecimento de medicação distinta da padronizada nos programas oficiais, havendo alternativa terapêutica disponibilizada pelo SUS. Argumentou, ainda, a incompatibilidade da receita médica emitida por profissional particular com a Recomendação da COMESC n. 01 de 30.07.2012, a indispensabilidade da realização de perícia, a falta de provas quanto à hipossuficiência do postulante e necessidade da fixação de contracautela.

           Realizado o exame pericial, o Magistrado Edison Zimmer julgou procedente o pedido para, ratificando a liminar, condenar os réus o fornecimento dos insumos, sob pena de "multa mensal no valor equivalente a dois meses de uso dos medicamentos, a serem adquiridos nas farmácias da região, valor este que será sequestrado dos cofres [...], mediante comprovação dos gastos". Fixou, a título de contracautela, as seguintes medidas: I) o fornecimento dos fármacos ao paciente ou a familiar autorizado; II) a obrigação do autor em informar seu endereço residencial e de escritório do seu advogado ao setor administrativo onde recebe os medicamentos; III) comunicar a alteração do domicílio, bem como noticiar imediatamente a interrupção ou suspensão do tratamento, devendo devolver a medicação excedente recebida. Possibilitou aos requeridos exigir a comprovação da necessidade dos remédios, a cada quadrimestre. Por fim, condenou-os ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), sendo 50% para cada demandado.

           Irresignado, o Estado apelou, aduzindo que o requerente possui rendimentos suficientes para arcar com os fármacos pleiteados, não tendo se desincumbido do seu ônus de comprovar sua hipossuficiência, a teor do art. 333, I, do Código de Processo Civil de 1973. Por fim, pugnou pelo prequestionamento dos dispositivos legais debatidos.

           Apresentadas contrarrazões, os autos ascenderam a esta Egrégia Corte de Justiça.

           Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exmª. Srª. Drª. Gladys Afonso, opinando pelo conhecimento e desprovimento da remessa e do recurso voluntário do Estado.

           O processo foi retirado de pauta, tendo em vista conter no âmago da discussão questão altamente polêmica, revelando a pesquisa jurisprudencial nesta Corte certa discrepância entre seus órgãos fracionários.

           Com isso em mente, no intuito de evitar mais decisões conflitantes, optou-se por afetar o presente julgamento ao Grupo de Câmaras de Direito Público a fim de viabilizar o enfrentamento da questão de fundo trazida pelo recurso, uniformizando-a.

           Para tanto, pauta-se a discussão a partir do disposto no artigo 976 do Novo Código de Processo Civil, concomitante com o artigo 3º do Ato Regimental n. 136/2016 do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

           Esse é o relatório.

VOTO

           Versam os autos, nessa primeira etapa, sobre juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demanda repetitiva - IRDR - proposto sob a perspectiva constitucional da isonomia e da segurança jurídica e segundo o rito do artigo 981 do Novo Código de Processo Civil.

           Consigna-se, de início, que o cabimento do incidente submete-se à regra do artigo 976 do Novo Código de Processo Civil, que delimita:

    Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

    I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

    II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

           No caso em destaque, a controvérsia que se pretende dirimir neste órgão colegiado diz respeito à (des) necessidade de comprovação da carência de recursos ou hipossuficiência do cidadão nas ações voltadas a exigir prestação positiva do Estado em matéria de medicamentos, cirurgia e demais procedimentos afetos ao Sistema Único de Saúde.

           O recurso do ente estatal alberga precisamente a discussão acerca da capacidade econômica do demandante para custear os fármacos não padronizados pelo sistema público de saúde, apontando, pois, o equívoco da sentença que onera os cofres públicos, prejudicando, em última instância, os usuários mais necessitados.

           Sabe-se que as demandas na área de assistência à saúde tanto dizem respeito a terapias e medicamentos que, a despeito da padronização, não são regularmente fornecidos, quanto às pretensões voltadas a compelir o Estado ao fornecimento de insumos ou tratamentos não constantes das listagens oficiais.

           Para melhor discernir entre tais hipóteses (essencial ao encaminhamento do desfecho), interessante abordar ambas as situações e suas peculiaridades.

           O Sistema Único de Saúde, baseado na medicina de evidência, disponibiliza diversos medicamentos previamente selecionados com base na eficácia e segurança, compondo, assim, a listagem oficial denominada RENAME- Relação Nacional de Medicamentos, subdividida em Relação Nacional de Medicamentos do Compontente Básico da Assistência Farmacêutica, Relação Nacional de Medicamentos do Compontente Estratégico da Assistência Farmacêutica e Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. (conforme consulta em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/julho/30/Rename-2014-v2.Pdf, no dia 05.05.2016).

           Este rol é atualizado frequentemente, consoante os avanços técnicos na área e novas descobertas científicas. Por intermédio do Ministério da Saúde, mais especificamente da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias - CONITEC, novas drogas podem ser incorporadas às listagens oficiais, desde que: (a) sejam avaliadas cientificamente as opções terapêuticas disponíveis no mercado para a melhor escolha possível; (b) sejam verificadas a eficácia e segurança do medicamento submetido à incorporação; (c) haja baixa probabilidade de que novos estudos mudem as vantagens apresentadas pela nova tecnologia em relação às demais; (d) seja observado o "melhor benefício- menor risco" e o melhor "custo-efetividade. Cumpre esclarecer, por fim, que tal incorporação é regulada pela Lei n. 12.401, de 28 de abril de 2011 (que altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990), dispondo sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologias em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde.

           Feitos os necessários esclarecimentos, as estatísticas demonstram que tramitam hoje no primeiro e segundo grau de jurisdição, inúmeras ações versando sobre a temática da saúde em geral (no primeiro grau foram encontrados 23.624 processos e nas Câmaras de Direito Público 1.842 processos, além dos 55 processos pendentes em outros Órgãos Julgadores deste Tribunal).

           Dentre essas, há várias ações versando sobre assistência à saúde, nas quais a controvérsia trazida no recurso do ente estatal é recorrente e longe de ser pacificado seu entendimento.

           O Novo Código de Processo Civil inaugura importante instrumento jurídico em prol da coerência, isonomia e segurança jurídica para o tratamento das demandas repetitivas, pretendendo sua uniformização e, em última instância, a estabilização das relações sociais, essencial ao Estado Democrático de Direito.

           As decisões no âmbito da Justiça Estadual Catarinense em comparação com Estados vizinhos, como o do Rio Grande do Sul, e mesmo em relação aos precedentes das Cortes Superiores, denotam uma maior flexibilização no que diz respeito à importância da hipossuficiência do paciente.

           Isso não apenas contraria o primado da isonomia, eleito constitucionalmente como direito fundamental e como pedra angular do sistema público da saúde, como também pode acarretar pesado fardo sobre esta unidade da Federação.

           Explica-se. Atualmente já se consagrou em sede de julgamento repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 799) a solidariedade entre os entes federados, motivo por que se afirma a temeridade da amplitude dos precedentes desta Corte, diante da possibilidade de multiplicação das demandas, inclusive de pacientes oriundos de outros Estados.

           Nesses termos, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, observados os critérios do artigo 976, incisos I e II, mostra-se mais do que cabível, desejável na hipótese em tela.

           Segundo doutrina de José Miguel Garcia Medina, o incidente é cabível quando se verifica existir controvérsia, unicamente de direito, que se replica em diversas demandas, interessando a solução da referida questão aos litigantes, em primeiro lugar, mas servindo indubitavelmente a um propósito maior, qual seja, "a realização de valores constitucionais, sobretudo o da segurança jurídica". (Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.1324).

           Analisando os contornos do art. 976, tem-se na espécie o cumprimento integral dos requisitos elencados, vale dizer, a matéria controvertida é exclusivamente de direito - necessidade ou não da demonstração de carência de recursos por parte do paciente - cujas interpretações nesta e nas demais Cortes do país, inclusive as superiores, são dissonantes, sinalizando possível ofensa à segurança jurídica, além do postulado da igualdade.

           Registra-se, oportunamente, a relevância que tal indagação tem recebido em sede de Tribunais Superiores e outros Tribunais, como é o caso do Rio Grande do Sul. Confira-se a seleção a seguir:

           1) Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 894085, relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 15.12.2015 :

    DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. HIPOSSUFICIÊNCIA. SÚMULA 279/STF.

    1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde.

    2. O acórdão recorrido também está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reafirmada no julgamento do RE 855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux, no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes.

    3. A controvérsia relativa à hipossuficiência da parte ora agravada demandaria a reapreciação do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é viável em sede de recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

           2) Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 184783/MS, realtor Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 06.11.2012:

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO À PESSOA CARENTE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO BENEFICIADO. REQUISITO ESSENCIAL. ACÓRDÃO A QUO QUE NÃO RECONHECEU O REFERIDO REQUISITO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA 7 DO STJ.

    [...]

    2. Tendo o Tribunal a quo, em análise do contexto fático-probatóriodos autos, reconhecido que não ficou demonstrada a hipossuficiênciado ora agravante que lhe permitisse o fornecimento do tratamentopleiteado, quaisquer análises em sentido contrário que leve amodificação do julgado revela indispensável reapreciação do conjuntoprobatório existente no processo, o que é vedado em sede de recursoespecial, em virtude do preceituado na Súmula n. 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial"

    3. Agravo regimental não provido. (sem grifo no original).

           3) Apelação e Reexame Necessário n. 70068349729, relator Des. Marcelo Bandeira Pereira, Vigésima Primeira Câmara Cível, julgada em 06.04.2016:

    APELAÇÕES CÍVEIS. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. GESTAÇÃO DE ALTO RISCO OBSTÉTRICO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ENOXAPARINA. RESPONSABILIDADE DOS ENTES PÚBLICOS. LAUDO MÉDICO. PROVA. SUFICIÊNCIA. PREVALÊNCIA SOBRE PARECERES GENÉRICOS.

    Em matéria de saúde, a responsabilidade da União, Estados e Municípios é solidária, competindo-lhes, independentemente de divisão de funções, garantir direito fundamental do cidadão. Jurisprudência pacificada.

    É dever do Estado, lato sensu, fornecer ao cidadão necessitado os meios para resguardo da sua saúde e vida.

    Parte autora, em gestação de alto risco, com histórico de repetição associado à trombofilia de origem genética e mutações genéticas, para o que prescrito pela médica que a assiste, o medicamento objetivado na demanda. Laudos técnicos elaborados pela Equipe de Consultores da Secretaria Estadual da Saúde não podem se sobrepor aos documentos firmados pelo profissional que acompanha diretamente a parte autora, e que, por tal motivo, detém as melhores condições de avaliá-la e indicar tratamento adequado a sua enfermidade. Mais, quando justificada a impossibilidade de utilização do alternativo disponível na rede pública. Desnecessário que o atestado seja firmado por médico credenciado ao Sistema Único de Saúde, bastando que o tratamento seja indicado por profissional devidamente habilitado, e que, por tal razão, possui capacidade técnica e condições para diagnosticar a doença do paciente.

    HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. Suficiência financeira para custear tratamento que não restou demonstrada nos autos. Documentos bastantes acerca da incapacidade de suportar os custos do medicamento pleiteado, sem comprometimento do sustento próprio e de sua família. O objetivo do bloqueio de valores é o de dar efetividade à determinação judicial, em eventual descumprimento. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPOSIÇÃO AO ESTADO E AO MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. REDUÇÃO. CABIMENTO. [...] APELAÇÕES NÃO PROVIDAS. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. (sem grifo no original).

           4) Agravo de Instrumento n. 71005829551, relatora Desa. Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, julgado em 30.03.2016:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. NÃO DEMONSTRADA A HIPOSSUFICIÊNCIA DA AGRAVANTE.

    Verificando que os fármacos postulados não constam das listas de dispensação pela Administração Pública, bem como demonstrando a autora não deter condições financeiras de arcar com os custos de seu tratamento, que são relativamente baixos, é de manter-se hígida a decisão que indeferiu a antecipação de tutela postulada. RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (sem grifo no original).

           A respeito da matéria anota-se, demonstrando a significativa multiplicidade de demandas, os seguintes julgados desta Corte Catarinense: Apelação Cível n. 0004866-89.2013.8.24.0054-3, de Rio do Sul, rel. Des. Edemar Gruber, j. 06-04-2016; Apelação Cível n. 2015.089368-3, de Laguna, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 15-03-2016; Apelação Cível n. 2015.087928-1, de Concórdia, rel. Des. Ronei Danielli, j. 15-03-2016; Apelação Cível n. 2015.016015-1, de Ituporanga, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, j. 02-02-2016; Apelação Cível n. 2015.031595-2, de São Bento do Sul, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. 28-01-2016 e; Apelação Cível n. 2014.044900-9, de Imbituba, rel. Des. Cid Goulart, j. 17-11-2015.

           Importante, ainda, observar a diversidade de tratamento que o tema "hipossuficiência do paciente" recebe nas demandas mencionadas, ora considerando condição para o nascimento da obrigação estatal de fornecer a terapia buscada judicialmente, ora julgando desnecessária a demonstração da carência de recursos.

           Ilustrando a assertiva, tem-se, a propósito, os recentes precedentes desta Corte:

           1) Apelação n. 0900026-92.2015.8.24.0166, relator Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Público, julgada em 26.04.2016:

    APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO "TERIPARATIDA".

    [...]

    MÉRITO. NECESSIDADE DO FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO, INDEPENDENTEMENTE DE NÃO ESTAR PADRONIZADO PELO SUS. DIREITO À SAUDE . EXEGESE DOS ARTS. 6º, 196, E 198, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS À SAÚDE, PORQUANTO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. INSURGÊNCIA QUANTO À NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DA IDOSA. ACESSO UNIVERSAL E IGUALITÁRIO DE TODAS AS PESSOAS AO SISTEMA DE SAÚDE, INDEPENDENTE DE SUAS CONDIÇÕES FINANCEIRAS.

    "O medicamento, ainda que não padronizado, uma vez demonstrada a necessidade do paciente, deve ser fornecido gratuitamente pelo Estado, entendendo-se este em todos os seus níveis - federal, estadual e municipal. (Ap. Cível nº 2005.000306-3, rel. Des. Luiz Cezar Medeiros)." (AI 2009.021000-0, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 19/07/2011).

    "[...] tratando-se de fármaco prescrito por médico, a conclusão que assevera ser o medicamento ineficaz em relação ao autor deve vir fortemente embasada em pareceres médico-científicos [...]. Não havendo nos autos prova que afaste, estreme de dúvida, a eficácia do medicamento, devem eles ser fornecidos ao paciente. Entendimento contrário significaria ceifar o autor de qualquer chance de melhora, por menor que seja, em seu quadro clínico" (Apelação Cível n. 2011.051417-0, da Capital, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. em 27/04/2012).

    "(...) a assistência à saúde independe da comprovação de hipossuficiência financeira" (Apelação Cível n. 2013.049675-1, de Tubarão, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. em 24/09/2013). (sem grifo no original).

           2) Apelação n. 0001787-60.2013.8.24.0068, relator Des. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, julgada em 26.04.2016:

    CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE.  
PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. HIPOSSUFICIÊNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO PARA O AMPARO ESTATAL. TESE RECHAÇADA. PODER CONSTITUINTE QUE NÃO RESTRINGE O ACESSO AO DIREITO À SAÚDE ÀQUELES QUE NÃO POSSUEM RECURSOS FINANCEIROS. INTELIGÊNCIA DO ART. 186 DA CRFB/88. 
"O direito à saúde, nem na Carta Política, tampouco em legislação infraconstitucional, tem seu exercício condicionado ou limitado à comprovação de pobreza ou hipossuficiência daquele que requer a assistência do Estado." (TJSC, AI n. 2008.054686-1, rel. Des. José Volpato de Souza, j. 8.6.09). [...] (sem grifo no original).

           3) Apelação n. 2015.087928-1, relator Des. Ronei Danielli, Terceira Câmara de Direito Público, julgada em 15.03.2016:

    MEDICAMENTOS. DEMANDA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE FÁRMACO NÃO PADRONIZADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DIREITO À SAÚDE NÃO CONDICIONADO À DEMONSTRAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE. EFICÁCIA DA ALTERNATIVA TERAPÊUTICA REQUERIDA PELO PACIENTE ATESTADA EM LAUDO MÉDICO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DIANTE DE CONTRAINDICAÇÕES. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO SUFICIENTES A DEMONSTRAR A IMPRESCINDIBILIDADE DO INSUMO PLEITEADO. APELO E REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

           4) Apelação n. 0008392-69.2011.8.24.0075, relator Des. Edemar Gruber, Quarta Câmara de Direito Público, julgada dia 30.03.2016:

    APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. ORDINÁRIA. FORNECIMENTO DE FÁRMACOS. DECRETO DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO ENTE MUNICIPAL. PRELIMINARES. CARÊNCIA DE AÇÃO, AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E CERCEAMENTO DE DEFESA REFUTADAS. MÉRITO. NECESSIDADE E UTILIDADE DA MEDIDA JUDICIAL DEMONSTRADAS. DIREITO À SAÚDE. EXEGESE DOS ARTS. 6º E 196, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 153 DA CE/89. PROVA DOCUMENTAL E PERICIAL HÁBEIS A DEMONSTRAR A HIPOSSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS DA PACIENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO E REMESSA DESPROVIDOS.

           Compreendendo a saúde pública como um direito coletivo por excelência (inclusive a partir da leitura do artigo 196, de onde se extrai ser direito de "todos"), sem olvidar, todavia, de seu viés individual, conclui-se que a divergência merece ser aprofundada para, nos contornos delineados pela Nova Lei Instrumental, extrair-se posicionamento convergente neste Tribunal.

           Aprofundamento este que não pode deixar de ponderar que a dispensação de medicamentos a pessoas com recursos financeiros suficientes pode vir, em última escala, em detrimento de tantas outras carentes economicamente, dada a realidade da limitação dos recursos orçamentários na sáude.

           Objetivando harmonizar o princípio da universalidade do sistema público de saúde com a garantia constitucional do mínimo existencial, diferenciando-o do máximo desejável, porquanto traduzidas em diferentes obrigações positivas por parte do Estado (notadamente em um contexto de crise), proponho o enfrentamento da temática sob dois enfoques distintos.

           1) a desnecessidade de comprovar hipossuficiência para valer-se dos insumos e terapias protocolares, estas, a toda evidência, disponibilizadas à sociedade em geral, independente da faixa econômica (sem dúvida direito subjetivo do indivíduo);

           2) a imprescindível demonstração de carência financeira quando o tratamento ou fármaco perseguido não estiver padronizado pelo SUS, de modo a acarretar ônus imprevisto ao orçamento público destinado à saúde e, por isso, importar em eventuais escolhas (sempre difíceis, registre-se) entre o direito de um face aos direitos dos demais.

           Nesse último caso, mister ainda discernir entre prestação relativa ao máximo desejável e ao mínimo existencial, possibilitando ou não a ponderação com a tese da reserva do possível.

           Com essas considerações, no intuito de colaborar com a excelência desta Corte de Justiça e, sobretudo, firme nos propósitos de fortalecimento da jurisdição e valorização da cidadania, admite-se o processamento do incidente, na forma dos artigos 978 a 987 do Novo Código de Processo Civil.

           Esse é o voto.


Gabinete Desembargador Ronei Danielli