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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0003280-74.2012.8.24.0014 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jorge Luiz de Borba
Origem: Campos Novos
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Nov 01 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Maycon Rangel Favareto
Classe: Apelação Cível

 


 


Apelação Cível n. 0003280-74.2012.8.24.0014

Relator: Desembargador Jorge Luiz de Borba

   AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PARA A PRODUÇÃO DE FOTOS AÉREAS DO MUNICÍPIO. VALOR PAGO PELO SERVIÇO MUITO ACIMA DO PREÇO DE MERCADO. FALTA DE PROVAS ACERCA DA NECESSIDADE DO PACTO TER SIDO FIRMADO COM EMPRESA DE OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. DOCUMENTOS QUE DEMONSTRAM QUE O SERVIÇO PODERIA SER PRESTADO POR MENOR ORÇAMENTO. SUPERFATURAMENTO. ATO ÍMPROBO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE DO FATO, NO ENTANTO, QUE AUTORIZA A MODIFICAÇÃO DO VALOR RELATIVO AO PAGAMENTO DE MULTA CIVIL. ADEQUAÇÃO DA PENALIDADE. SANÇÃO DE PERDA DOS DIREITOS POLÍTICOS AFASTADA. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0003280-74.2012.8.24.0014, da comarca de Campos Novos (2ª Vara Cível), em que são Apelantes Adair Luiz Coradin e outro e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

           A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer dos recursos e dar-lhes parcial provimento a fim de modificar a penalidade correspondente ao pagamento de multa civil, para que seja solidária e equivalente a uma vez o valor do prejuízo ao erário, nos termos do voto, bem como para afastar a sanção de perda dos direitos políticos. Custas legais.

           O julgamento foi realizado nesta data e dele participaram o Exmo. Sr. Des. Carlos Adilson Silva e a Exma. Sr.ª Des.ª Subst. Denise de Souza Luiz Francoski.

           Florianópolis, 1º de novembro de 2016

Jorge Luiz de Borba

PRESIDENTE E RELATOR

 

RELATÓRIO

           O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou ação civil pública por improbidade administrativa em face de Perci José Salmória e de Adair Luiz Coradin. Narrou que o ex-Prefeito Municipal Perci José Salmória, durante a gestão 2005-2008, contratou a empresa Foto Apolo 11, de propriedade de Adair Luiz Coradin, sediada na cidade de Santa Izabel do Oeste-PR, para a produção de material fotográfico aéreo do município, bem como cartões postais para serem distribuídos à população. Destacou que o serviço foi orçado no valor de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais), sendo dispensada a licitação e, consequentemente, empenhado e pago o referido montante. Noticiou que, à época dos fatos, o órgão ministerial e os vereadores realizaram um novo orçamento acerca do trabalho e perceberam que o valor adimplido era muito superior ao empregado no mercado. Asseverou que as condutas dos réus encontram-se tipificadas no art. 9º, X, e no art. 10, V e XII, da Lei n. 8.429/1992. Assim, requereu a declaração de ilegalidade da despesa empenhada sob n. 510/2005 e a condenação dos réus nas sanções do art. 12, I e II, da Lei n. 8.429/1992.

           Os réus foram notificados (fls. 126 e 128) e apresentaram resposta preliminar (fls. 130-132 e 135-145).

           A petição inicial foi recebida (fls. 161-163).

           Perci José Samória ofereceu contestação afirmando que o valor empenhado não foge à normalidade de preço em virtude dos trabalhos técnicos realizados e da qualidade do serviço. Disse que o orçamento colacionado por um dos vereadores não especifica data, cliente e local de prestação do serviço e deve ser desconsiderado. Concluiu que não houve má-fé, nem sequer prejuízo ao erário. Defendeu que é impossível o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, o qual é restrito à legalidade, e salientou que não ocorreu improbidade administrativa (fls. 171-173).

           Adair Luiz Coradin igualmente contestou repetindo os argumentos lançados pelo ex-prefeito (fls. 178-188).

           O Município de Vargem foi notificado e se manteve silente (fl. 177).

           Sobreveio a sentença, cuja parte dispositiva se transcreve:

    Posto isso, com fundamento no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na prefacial para declarar a ilegalidade da despesa empenhada sob n. 510/2005 e, condenar os réus, nos termos do art. 12, inc. I e II, da Lei 8.429/92:

    a) solidariamente à devolução de R$ 3.930,00 (quantia referente à diferença entre o valor pago R$ 6.800,00 e o menor orçamento R$ 2.870,00 apresentado nos autos), com correção monetária pelo INPC a contar da data do desembolso, e juros de mora de 1% ao mês a iniciar da citação;

    b) cada um dos réus ao pagamento da multa civil pelo dobro do valor do dano supra mencionado, devidamente atualizado.

    c) à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos;

    d) Outrossim, condeno somente o réu Perci à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 (cinco) anos.

    Ante a sucumbência, condeno os réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais. Sem honorários (fl. 205).

           Os réus interpuseram recurso de apelação. Adair afirmou que não ficou comprovado que tenha ocorrido ato de improbidade administrativa porque o valor cobrado pela prestação do serviço está de acordo com o praticado no mercado. Sucessivamente, requereu que a devolução de eventual quantia deve se dar com base na média dos orçamentos apresentados; e que deve ser afastada a condenação ao pagamento de multa civil, ou diminuída diante da ausência de gravidade do fato (fls. 208-217). Perci, por sua vez, reforçou que não se considerou a tese no sentido de que o preço está vinculado à qualidade da produção fotográfica. Impugnou o orçamento trazido posteriormente e postulou a reforma da sentença para que o pedido seja julgado improcedente (fls. 221-224).

           Houve contrarrazões (fls. 229-233).

           A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da Exma. Sr.ª Dr.ª Hercília Regina Lemke, opinou pela manutenção da sentença (fls. 238- 248).

VOTO

           Por meio de seu Enunciado Administrativo n. 2, o Superior Tribunal de Justiça expôs o entendimento de que "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".

           Cuida-se de recursos interpostos contra a sentença pela qual se julgaram procedentes os pedidos formulados na inicial. Presentes os pressupostos de admissibilidade, examina-se a quaestio.

Dos atos considerados de improbidade administrativa

           A Lei n. 8.429/1992 qualifica os atos de improbidade administrativa em três modalidades: os que importam enriquecimento ilícito, os que acarretam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública.

           Da sentença, nota-se que o réu Adair foi penalizado pela prática da conduta descrita no art. 9º, XI, da LIA (enriquecimento ilícito); e o réu Perci, pela do art. 10, V e XII (prejuízo ao erário). Veja-se:

    Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

    [...]

    XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

    Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

    [...]

    V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

    XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

           Compulsando-se os autos, vê-se que os apelantes não negam que tenham feito contrato de prestação de serviço de produção de material fotográfico com o prefeito, à época, do Município de Vargem, sem prévia licitação, recebendo o valor de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais).

           Na exordial, o Ministério Público narra com detalhes:

    De fato, conforme documentação encaminhada pelos vereadores que exerciam seu mandato no período de 2005/2008, constatou-se que a Prefeitura Municipal de Vargem, então administrada pelo Requerido Perci José Salmória, contratou a empresa Foto Apolo 11, sediada em Santa Izabel do Oeste, no Paraná (distante 404 km de Vargem) para a produção de material fotográfico aéreo do Município, bem como cartões postais para serem distribuídos à população.

    Segundo consta da Nota Fiscal n. 3580, o serviço foi orçado em R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais), sendo tal montante efetivamente empenhado, conforme Nota de Empenho n. 510/2005 (fl. 41) e pago por meio do cheque n. 850759 (fl. 42), antes, inclusive, da devida comprovação de liquidação, que ocorreu apenas em 31/8/2005 (fl. 43 - verso na nota fiscal).

    Pois bem, com a despesa empenhada e paga, foram as notas respectivas encaminhadas para a Câmara de Vereadores, onde, após análise detalhadas pelos então alcaides Lindones Diames Chiochetta, Celso Sobrinho e Adriano Padilha, começaram a surgir desconfianças, em razão do tipo de serviço prestado (fotos aéreas) e da ausência de notícias até então da liquidação da despesa.

    Com mãos na documentação, o então vereador Adriano Padilha contactou a mesma empresa Apolo 11 solicitando a realização de orçamento para atividades semelhantes àquelas descritas na Nota Fiscal n. 3580, que haviam sido prestadas pela empresa de propriedade do requerido Adair Luiz Coradin.

    Foi nessa oportunidade, então, que receberam o orçamento acostado à fl. 7 dos autos [confirmado pelas declarações colhidas em 2/5/2006 (fls. 21/22)], e, para sua surpresa constataram que os preços eram bastante discrepantes daqueles praticados apenas três meses antes com a Prefeitura Municipal de Vargem, tudo repassado por meio do contato "Garcia" [destaque-se que o requerido Adair Luiz Coradin reconheceu que "Garcia" era seu empregado à época e teria sido, inclusive, quem efetuou as fotos em Vargem (fl. 87)].

    Não satisfeitos, os alcaides ainda procuraram orçamento em empresa sediada neste Município de Campos Novos, localizado a apenas 34 km de Vargem [...] quando apuraram novamente grande discrepância entre os preços praticados (fls. 4-5).

           Dos documentos que compõem o processo, extrai-se:

           A nota fiscal de fl. 20, emitida em 2-5-2005, relaciona os serviços prestados pela empresa Apolo 11: um trabalho fotográfico aéreo; um quadro de 100x200cm no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais); uma foto 60x90cm por R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais); 1000 cartões postais de 10x15cm no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais); um CD com fotos do Município de Vargem por R$ 600,00 (seiscentos reais).

           À fl. 21 consta um fax emitido em 11-8-2005 com a cópia de uma ordem de serviço da mesma empresa relacionando os serviços: um produto 60x90cm por R$ 700,00 (setecentos reais); um produto 1x120 [sic] por R$ 900,00 (novecentos reais); um produto 1x1,5m por R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais); e um CD por R$ 150,00 (cento e cinquenta reais).

           A empresa "Foto Imagem", localizada na cidade de Campos Novos também apresentou, em 22-8-2005, orçamento para fotos aéreas incluindo um quadro 1x2m por R$ 1.000,00 (mil reais) e outro de 60x90cm por R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) (fl. 22).

           Em 29-5-2006, a mesma empresa "Foto Imagem", por seu proprietário, formalizou novo orçamento a pedido do Ministério Público, que incluiu os serviços prestados pela Apolo 11, sendo um trabalho fotográfico aéreo; um quadro de 100x200cm no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); uma foto 60x90cm por R$ 500,00 (quinhentos reais); 1000 cartões postais por R$ 700,00 (setecentos reais); e um CD com fotos do Município de Vargem por R$ 200,00 (duzentos reais), totalizando R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais) (fl. 45).

           O fotógrafo Leopoldo Klein apresentou proposta idêntica por R$ 2.870,00 (dois mil oitocentos e setenta reais) (fl. 46) e a fotógrafa Neizi Maria Scalabrin Biolo trouxe orçamento no valor de R$ 4.100,00 (quatro mil e cem reais) (fl. 47).

           Aponta-se no processo que o Prefeito de Vargem, em atendimento ao Ofício n. 0021/2012 da Promotoria de Justiça, confirmou que a fotografia de 100x200cm está no interior da Prefeitura (fl. 53) e que foi recebida a ordem de pagamento (fl. 54) e sua autorização (fl. 55).

           Ora, o argumento defensivo dos réus é no sentido de que não foi considerada a qualidade técnica do trabalho, que seria o diferencial do preço. No entanto, a tese é contraditória à própria afirmação de Adair de que o orçamento estaria dentro do preço de mercado, circunstância que evidentemente, pela documentação acostada, não é a que desponta nos autos. Ademais, não existem provas de que a suposta qualidade do trabalho era superior à do serviço calculado pelas demais empresas localizadas na cidade de Campos Novos. Estes orçamentos, aliás, evidenciam que a importância cobrada pela empresa do réu Adair foi muito superior à média do mercado. Desse modo, ainda que se desconsidere o orçamento de fl. 21, como alegado pelo recorrente, existem nos autos outros cálculos apresentados demonstrando que semelhante trabalho poderia ter sido contratado por menor quantia na cidade vizinha.

           Arnaldo Rizzardo, analisando o inciso XI do art. 9º e os incisos V e XII do art. 10 da LIA, ensina:

    [...] Dá-se, nas formas indicadas, a aquisição, ou a permuta, ou a locação de bens, ou a prestação de serviços, para entes públicos, ou entidade formada com capital público [...]. Daí a lesividade, já que os valores reais são inferiores aos pagos. Por outros termos, o preço pago ou a coisa permutada é superior ao real, ou se estabeleceu em nível superfaturado ou exorbitante, fora dos critérios técnicos e vigorantes no mercado, tendo havido a presença do agente público ou equiparado no exercício de suas funções, que permitiu ou facilitou o negócio, agindo intencional ou desidiosamente. Há, pois, a contratação lesiva, já que fixa-se o preço superior ao do de mercado, ou ao preço corrente para operações idênticas, ou semelhantes, ou análogas, resultando um custo desnecessário, ou uma verdadeira sangria ao erário. Havendo uma alta artificial dos preços, apura-se a existência do custo superior pela conferência em número ponderável de negócios da mesma natureza e localidade ou região (p. 486; sublinhou-se).

           [...].

    O enriquecimento ilícito, no caso em exame de terceiro, equivale a uma vantagem obtida ou concedida em favor de outra pessoa que não o agente, não havendo a devida contraprestação, como no pagamento sem a entrega da mercadoria, ou sem a prestação do serviço contratado; no recebimento de um produto de qualidade inferior à adquirida; na falta de aferição da quantidade de produtos adquiridos. Pode-se dizer que se configura uma coautoria ou participação do agente, que, não raramente, é estranho à função pública para não aparecer ostensivamente na prática da ilicitude.

    O enriquecimento, na hipótese, é de terceiro à custa do erário, e não do agente, cuja atuação se manifesta em permitir, facilitar ou concorrer, de modo a importar em perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de haveres ou bens do ente público. No entanto, não atua o particular sozinho, havendo sempre a atuação do funcionário ou empregado público, ou daquele que participa de entidade que recebe subvenções ou participação do capital do Estado em seu patrimônio. Há, sem dúvidas, uma coautoria ou vínculo entre os dois.

    As ações de enriquecimento, desde que favoreçam o agente público, podem consistir em receber valores ou mercadorias, adquirir e permutar coisas, locar bens, utilizar qualquer patrimônio, e outras condutas indicadas no art. 9º.

    Marino Pazzaglini Filho arrola exemplos:

  "Apropriação ou uso de bens, rendas ou valores públicos (incisos I e II); compra, permuta ou locação de bem público, assim como aquisição de serviços públicos por preço subfaturado (inferior ao de mercado); aquisição, permuta ou locação de bem ou serviços particular por ente público por preço superfaturado (superior ao de mercado); e utilização em obras ou serviço particular de trabalho, material ou equipamentos públicos" (Lei de Improbidade Administrativa Comentada, p. 99).

    Aquele que sai favorecido, pois, está violando uma das figuras do mesmo art. 9º. Se o agente serve de meio para o terceiro enriquecer ilicitamente, causando dano à administração, a incriminação ficará jungida ao inciso XII do art. 10 (Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa, 3ª ed., Editora Forense, Rio de Janeiro: 2014, pp. 494-495; sublinhou-se).

           O entendimento doutrinário citado se coaduna com a fundamentação exposta na sentença guerreada, cujos termos se abraçam:

    No caso, segundo a documentação carreada aos autos, o réu Perci, quando ocupou o cargo de Prefeito do Município de Vargem, contratou, no mês de maio de 2005, sem prévia licitação, a produção de material fotográfico da empresa do réu Adair Luiz Coradin. Este serviço acabou sendo compensado com o pagamento da quantia de R$ 6.800,00 (fls. 54/58).

    Todavia, o exame dos orçamentos acostados com a inicial revela a existência de outros prestadores do mesmo serviço, cujos valores cobrados seriam substancialmente inferiores ao contratado. Nesse viés, de acordo com as provas produzidas no inquérito civil instaurado pelo Ministério Público, se consideradas apenas as empresas da região, Foto Imagem, Foto Real e Neizi Fotografias - que estariam aptas a efetuar todos os serviços contratados pelo município -, o montante total pela produção de fotos 100X200 e 60X90, 100 cartões postais e CD com fotos, variaria deR$ 2.870,00, R$ 3.900,00 a R$ 4.100,00 (fls. 97/99).

    Demais disso, outro orçamento demonstra que uma quarta empresa, Heinz & Adam Ltda., também da cidade de Campos Novos, desempenharia parte do trabalho (fotos aéreas 100X200 e 60X90) por R$ 1.550,00, valor nitidamente inferior aos desembolsados pelo Município de Vargem pelos serviços correspondentes (fl. 76).

    Nesse ponto, destaca-se não assistir razão ao réu Perci em sua insurgência quanto à significativa diferença entre os primeiros orçamentos das três empresas referidas e o supra delineado, pois como mencionado, o montante sugerido pela empresa Heinz & Adam Ltda. não engloba a entrega de todo o trabalho contratado, porquanto não incluídos naquele valor os 100 cartões postais e CD com fotos.

    Não bastasse, consta no conjunto probatório formalizado no inquérito civil, orçamento efetuado - em agosto de 2005, poucos meses após a contratação efetuada entre os réus (conforme se verifica da data do envio do fax e depoimentos prestados ao órgão ministerial, fls. 75 e 87/92) -, por preposto da própria empresa do réu Adair a vereadores contemporâneos ao então alcaide, que verificaram o gasto excessivo com a aquisição e reprodução de material fotográfico. Em tal orçamento, embora não constem todos os itens contratados, é possível averiguar que os valores são bastantes dissonantes e bem inferiores àqueles efetivamente adimplidos pelo ente municipal à empresa do réu Adair. Neste segundo orçamento, pode-se observar que as fotos 60X90 que custaram ao município a quantia de R$ 1.200,00, demandaria apenas R$700,00. Do mesmo modo, o CD com fotos que custou R$ 600,00, exigiria o repasse de R$ 150,00 (fls. 74/75).

    Frise-se, ainda, que, além de todas as empresas já citadas, há na região cidades próximas ao Município de Vargem que possuem várias outras empresas que realizam tais serviços e que poderiam servir, ao menos, como parâmetros para a contratação, caso o gestor público, o réu, Perci, tivesse a real intenção de seguir os princípio mais básicos que norteiam o serviço público.

    Logo, considerando: a) a distância de mais de 400 quilômetros entre a empresa contratada e o município; b) a existência de ao menos 04 empresas prestadoras do mesmo serviço na região por preço significativamente mais benéfico ao erário municipal; c) bem como a demonstração de superfaturamento dos valores cobrados pela própria empresa contratada, configurado está o ato de improbidade do réu Perci, conforme tipificado no art. 10, incs. V e XII, da Lei n.8.429/92, [...].

    Do mesmo modo, em virtude do teor do 3°, da LIA,convém ressaltar que o réu Adair deve se submeter aos ditames da mencionada norma nos moldes do disposto no artigo acima, amoldando-se as condutas também ao disposto no art. 9°, inc. XI, da LIA [...].

    [...].

    Oportuno salientar que presente está o elemento subjetivo para a caracterização do ato de improbidade, consistente na intenção deliberada do agente público e do beneficiário do ato, de praticá-lo em proveito próprio ou de outrem, em afronta à moralidade administrativa nos moldes da Lei n. 8.429/92. É fato que o então prefeito municipal, senão agiu com dolo, atuou com irresponsabilidade e negligência no trato da res publica, ao autorizar a realização do serviço sem antes exigir a apresentação de outros orçamentos na região, realizando o pagamento abusivo sem nenhuma inquietação (fls. 54/58). Por sua vez, o réu Adair obrou com patente má-fé ao apresentar um preço largamente superfaturado, o que restou devidamente comprovado nos autos, inclusive, por orçamento emitido pelo próprio preposto da sua empresa (fls. 74/75) (fls. 200-203; grifou-se).

           Em hipótese de superfaturamento, já decidiu esta Corte:

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AGENTE PÚBLICO QUE CONTRATA EMPRESA PARA REALIZAÇÃO DE CURSO COM PROFESSORES DO PRÓPRIO QUADRO - SUPERFATURAMENTO - ATO QUE CONFIGURA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PROVA DOCUMENTAL BASTANTE PARA CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO DOS DANOS E IMPOSIÇÃO DE OUTRAS SANÇÕES - [...].

    Age com improbidade administrativa passível de sanção o Secretário Municipal que contrata empresa, mera intermediária, para realização de curso ministrado pelos professores da própria municipalidade e, além disso, por preço superior ao que realmente foi despendido para a execução do contrato (arts. 10, incisos I e XII, da Lei Federal n. 8.429/92).

    Para a aplicação das penas previstas no inciso II, do art. 12, da Lei Federal n. 8.429/92, há que se entrever o dano ao erário e a conduta dolosa ou culposa do agente público. Comprovado o ato de improbidade administrativa, impõe-se a condenação do agente a ressarcir o prejuízo suportado pela Administração, bem como às sanções que guardem consonância com a espécie, observados os vetores da proporcionalidade e da razoabilidade (AC n. 2007.004971-1, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Jaime Ramos, j. 16-12-2009).

           Destarte, mantém-se a decisão condenatória.

           Por sua vez, quanto às penalidades aplicadas, vê-se que devem ser adequadas de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade sopesando a gravidade da conduta, o dano experimentado e a severidade da sanção.

           É que atentando-se ao fato como um todo, muito embora tenha sido reprovável, não há gravidade que justifique a fixação das sanções de modo tão rigoroso.

           No decisum, constou:

    Assim sendo, em observância aos princípios acima referidos e, tendo em conta a correlação entre a natureza das condutas de improbidade administrativa e as penalidades passíveis de aplicação (art. 12, incs. I e II, da LIA) entendo de rigor:

    I - Em virtude do valor do dano causado ao ente municipal e dos benefícios pecuniários dele advindo (benefício próprio no caso do réu Adair e de terceiro no caso do réu Perci):

    a) a condenação solidária à devolução de R$ 3.930,00, equivalente à diferença entre o valor pago R$ 6.800,00 e o menor orçamento R$2.870,00 (fl. 84), com correção monetária pelo INPC a contar da data do desembolso, e juros de mora de 1% ao mês a iniciar da citação;

    b) a condenação individual de cada réu ao pagamento da multa civil pelo dobro do valor do dano mencionado, devidamente atualizado;

    c) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos;

    II - E, ainda, com relação ao ex-prefeito Perci, por se tratar, à época do ocorrido, de homem público, eleito pelos munícipes para proteger os interesses públicos, aí incluído o erário municipal, sua condenação à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 05 (cinco) anos (fls. 204-205).

           O art. 12, incisos I e II, da LIA, prevê:

    Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

    I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

    II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; (marcou-se).

           O réu Adair restou incurso na conduta descrita no art. 9º e o réu Perci na do art. 10. Assim, as sanções devem respeitar, respectivamente, os limites dos incisos I e II do art. 12, da LIA.

           Para tanto, aos dois foi imputado o dever de devolução solidária de R$ 3.930,00 (três mil, novecentos e trinta reais), equivalente à diferença entre o valor pago R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais) e o menor orçamento R$ 2.870,00 (dois mil, oitocentos e setenta reais) apresentado. No particular, deve ser mantido o julgado porquanto se o Município tivesse optado pela condição mais vantajosa, teria economizado para o erário exatamente R$ 3.930,00 (três mil, novecentos e trinta reais).

           Pertinente à "condenação individual de cada réu ao pagamento da multa civil pelo dobro do valor do dano mencionado, devidamente atualizado", entende-se que não se justifica seja individual e em dobro. O pagamento da multa civil solidariamente e correspondente ao mesmo valor da diferença que excedeu o menor orçamento é suficiente para alertar os agentes quanto ao dever de cuidado no trato da coisa pública. Isso porque, muito embora a hipótese seja de dispensa licitatória, as formalidades prévias do procedimento devem se revestir de impessoalidade, transparência e legalidade.

           A sanção de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos imposta ao réu Perci igualmente apresenta-se rigorosa e deve ser afastada. Trata-se de penalidade de caráter excepcional, dosada em casos de tamanha gravidade que é indispensável o distanciamento do servidor da vida política. Na espécie, o ato de Perci foi aparentemente isolado dentro da sua administração, desmotivando a fixação da pena.

           No mais, sobre a proibição de contratar com o poder público imputada ao réu Adair por 5 (cinco) anos, já está abaixo do previsto na legislação. Não há como se afastar a referida penalidade, tendo em vista que a aplicação corretiva é necessária para que o empresário possa entender a importância do dinheiro público, que deve ser destinado para fins justificados, úteis e que favoreçam a maioria.

           Diante do exposto, dá-se parcial provimento aos apelos apenas para ajustar a reprimenda na parte relativa à multa civil e afastar a sanção de suspensão dos direitos políticos.

           É o voto.


Gabinete Desembargador Jorge Luiz de Borba