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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0002891-91.2012.8.24.0078 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Newton Trisotto
Origem: Urussanga
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Nov 10 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Rodrigo Vieira de Aquino
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 0002891-91.2012.8.24.0078, de Urussanga

Relator: Des. Newton Trisotto

   DIREITO DO CONSUMIDOR. DANO MORAL. PRODUTO (PÃO) CONTENDO MOSCA. PRETENSÃO JULGADA PROCEDENTE. RECURSOS VERSANDO SOBRE A EXISTÊNCIA DO DANO E O QUANTUM DA COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO DO DEMANDADO PROVIDO. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.

   01. Em complemento àqueles expressos na Constituição da República (art. 5º, inc. XXXII; art. 170, inc. V, entre outros), o Código de Defesa do Consumidor enuncia, como princípio, que "a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo" (art. 4º).

   O respeito à dignidade do consumidor "é um dos objetivos da política nacional das relações de consumo, conforme artigo 4º, caput, Código de Defesa do Consumidor. Deste modo, o sistema jurídico brasileiro (constitucional e infraconstitucional) estabelece de forma inequívoca que toda atividade estatal ou privada realizada no mercado deve atentar para a necessária proteção da dignidade do consumidor, que não se vincula ao aspecto material, mas refere-se aos interesses e direitos imateriais, extrapatrimoniais ou morais" (Héctor Valverde Santana).

   02. A aquisição de produto contendo corpo estranho é capaz de, por si só, causar asco, repugnância. Porém, se não foi ingerido, o fato não tem o condão de caracterizar um dano moral que deva ser pecuniariamente compensado (STJ: T-3, AgRgAg n. 276.671, Min. Carlos Alberto Menezes Direito; REsp n. 1.395.647, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; AgIntREsp n. 1.597.890, Min. Moura Ribeiro; AgIntREsp n. 1.179.964, Min. Marco Buzzi; T-4, AgRgAgREsp n. 445.386, Min. Antônio Carlos Ferreira; REsp n. 747.396, Min. Fernando Gonçalves; AgRgREsp n. 130.512, Min. Luis Felipe Salomão).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0002891-91.2012.8.24.0078, da Comarca de Urussanga (1ª Vara) em que é/são Apte/RdoAd(s) I. S. Supermercado Ltda e Apdo/RteAd(s) Genesis Naldo Correia Ramos da Silva:

           A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso e julgar improcedente a pretensão do autor, prejudicado o recurso adesivo. Com a ressalva do § 3° do art. 98 do Código de Processo Civil, condenar o autor a pagar as custas e os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais). Custas na forma da lei.

           Participaram do julgamento, realizado no dia 10 de novembro de 2016, os Exmos. Srs. Des. Newton Trisotto (Presidente), João Batista Góes Ulysséa e Sebastião César Evangelista.

           Florianópolis, 14 de novembro de 2016

Desembargador Newton Trisotto

RELATOR

 

           RELATÓRIO

           Genesis Naldo Correia Ramos da Silva ajuizou "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS" contra IS Supermercado Ltda.

           Apresentadas a contestação (fls. 31/36) e a réplica (fls. 43/51), e inquirida uma testemunha (fl. 68), o Juiz Rodrigo Vieira de Aquino prolatou a sentença. Transcrevo o dispositivo e excertos da fundamentação que revelam a natureza do litígio:

    "Em razão do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a pretensão veiculada por Genesis Naldo Correia Ramos da Silva contra I.S Supermercado Ltda. na presente ação de indenização por danos morais, o que faço com fulcro no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para, em consequência, condenar o réu a arcar com o valor equivalente a R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de dano moral, sobre qual deverá incidir juros de mora, a partir da data do evento danoso - compra do produto alimentício - e correção monetária a contar de hoje - data do arbitramento; condenar o réu a restituir a quantia de R$ 1,97 (um real e noventa e sete centavos), a ser corrigida monetariamente a partir do desembolso e acrescida de juros de mora, contados da citação.

    Condeno o requerido, ainda, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estes que fixo em 15% sobre o valor da condenação (artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil), tendo em vista a simplicidade da demanda, mitigado pelo trabalho dispensado pela advogada do requerente".

    "Por meio da presente ação, busca o autor ser indenizado por revés moral decorrente da inesperada presença de corpo estranho no interior do alimento comercializado pela ré.

    Ora, o mercado de consumo reclama por uma observância continente e irrestrita ao dever de qualidade dos produtos e serviços nele comercializados, amparados no princípio da confiança, que baliza e norteia as relações de consumo.

    Inobservado este dever de qualidade e, via reflexa, a tutela da confiança - pedra angular para o desenvolvimento do mercado - a lei impõe gravames de ordem contratual e extracontratual ao infrator.

    A proteção das legítimas expectativas, contratuais e extracontratuais, criadas na seara do consumo pela atividade dos fornecedores, exige dos agentes econômicos atuantes no mercado um standard de agir negocial.

    É cediço que os fornecedores, ao se aventurarem no âmbito negocial, despertam no consumidor a certeza de alcançar a satisfação afeita ao predicado 'qualidade' aposto a seus produtos. 

    É o que preconiza a doutrina de Cláudia Lima Marques:

  '(...) A Teoria da Qualidade se bifurcaria, no sistema do CDC, na exigência de qualidade-adequação e de qualidade-segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido haveria vícios de qualidade por inadequação (arts. 18 e ss.) e vícios de qualidade por insegurança (arts. 12 a 17) do CDC...o dever anexo de qualidade, qualidade-adequação, e seu reflexo, o vício por inadequação do produto ou serviço, substituem no sistema do CDC, com largas melhoras, a noção de vício redibitório (...)

  O princípio das novas normas sobre vício seria o da proteção da confiança, que o produto ou serviço despertou legitimamente no consumidor. Confiança está na adequação do produto ou serviço aos 'fins que razoavelmente deles se esperam', segundo dispõe o art. 20, parágrafo 2º, do CDC. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 984-985)'.

    Da análise dos autos, verifica-se que o autor provou a existência do defeito no produto, qual seja, a presença de organismo - mosca - no pão francês adquirido no supermercado réu, conforme nota fiscal de compra acostada à fl.18, fotografias de fls. 20-22 e embalagem de fl. 23.

    Ademais, ao ser ouvida em juízo (mídia de fl. 69), a namorada do autor relatou que presenciou o momento em que ele encontrou a mosca no alimento.

    À evidência, a presença de elemento estranho no interior do produto alimentício gerou no demandante sentimento de frustração, transtorno, aflição, constrangimento e embaraço. Em outras palavras, rompeu o laço de confiança que atava consumidor e fornecedor do produto.

    Quanto às alegações da ré, no sentido de que a demandante nem sequer ingeriu a pão adquirido, ou de que o seu consumo não ensejaria danos à saúde, não vieram acompanhadas de comprovação, o que seria de mister, com esteio no art. 333 do Código de Processo Civil.

    Outrossim, não logrou provar qualquer outra excludente de responsabilidade estampadas no § 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, a saber: ausência de comercialização do produto no mercado, inexistência de vício ou defeito ou a culpa exclusiva do consumidor.

    Destarte, tendo o requerente encontrado o inseto no pão francês, torna-se evidente o liame causal entre o defeito e o eventual dano, além da omissão do requerido que não tomou os devidos cuidados na fabricação do alimento fornecido aos consumidores.

    Caracterizado o defeito, passo a análise do dano extrapatrimonial.

    O dano moral advém do próprio defeito, pois a simples exposição de risco a saúde do consumidor impõe o dever de indenizar. Assim, é dispensável prova acerca da ocorrência de prejuízo concreto, ou seja, o dano moral é presumido (in re ipsa).

    [...]

    Forte em tais razões, considerando a culpa do requerido ao colocar no mercado produto impróprio ao consumo, gerando risco à saúde do consumidor e, ainda, se tratar o réu de um supermercado de grande porte, arbitro a indenização por danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), sobre qual deverá incidir juros de mora e correção monetária a contar de hoje - data do arbitramento.

    Quanto aos danos materiais, comprovou o autor o montante gasto na aquisição do produto (fl. 18). Nessas condições, deve ser acolhido o pedido do autor de ressarcimento da importância de R$ 1,97 (um real e noventa e sete centavos)" (fls. 70/76).

           Inconformado, o réu interpôs tempestiva apelação, sustentando, em síntese, que: a) "a sentença julgou procedente o pedido apenas baseado nas fotos juntadas no processo, sem, ao menos, disponibilizar ao apelante oportunidade de se realizar prova técnica, essencial a aferir se a mosca encontrada na massa do pão adveio da falta de higienização ou se foi implantada pelo apelado visando lucro fácil". Porque lhe foi cerceado o direito de defesa, o processo é nulo, pois "não pode se estabelecer a origem do ocorrido, como por exemplo, a produção de laudo técnico por órgão de vigilância sanitária, uma vez que o produto não passou por qualquer avaliação desse tipo"; b) "o mero dissabor do apelado em abrir embalagem do produto e deparar-se com uma mosca pousada no pão que iria consumir não tem o condão de configurar o dano moral" (fls. 79/90).

           Em recurso adesivo, o autor reclama a "majoração do dano moral e da verba honorária" (fls. 104/109).

           Os recursos foram respondidos (fls. 95/103 e 113/119).

           VOTO

           01. Em complemento àqueles expressos na Constituição da República (art. 5º, inc. XXXII; art. 170, inc. V, entre outros), o Código de Defesa do Consumidor enuncia, como princípio, que "a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo" (art. 4º).

           Sobre esse princípio, preleciona Héctor Valverde Santana:

    "Cumpre destacar que o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre a política nacional de relações de consumo, não tem a estrutura tradicional da norma jurídica que descreve uma conduta e comina uma sanção. Trata-se de norma que foi positivada no sentido de indicar os fins pretendidos pelo legislador, auxiliar na interpretação teleológica, guiando o operador do direito para alcançar o efeito útil das normas (princípios e regras).

    O respeito à dignidade do consumidor é um dos objetivos da política nacional das relações de consumo, conforme artigo 4º, caput, Código de Defesa do Consumidor. Deste modo, o sistema jurídico brasileiro (constitucional e infraconstitucional) estabelece de forma inequívoca que toda atividade estatal ou privada realizada no mercado deve atentar para a necessária proteção da dignidade do consumidor, que não se vincula ao aspecto material, mas refere-se aos interesses e direitos imateriais, extrapatrimoniais ou morais" (Dano moral no direito do consumidor, RT, 2014, 2ª ed., p. 37/38).

           02. Está inscrito na petição inicial:

      "Em sua residência, preparou a mesa para o lanche da tarde e depois de comer um dos pães, ao tomar em suas mãos percebeu que havia um inseto impregnado na massa, visivelmente uma mosca foi assada junto à massa do pão, conforme fotos anexas e o próprio produto também anexado nos autos na mesma embalagem onde foi comprado" (fl. 02).

           Vale dizer: admite o autor que não ocorreu a ingestão do "corpo estranho", mais precisamente, da "mosca".

           Assim sendo, não há que se falar em dano moral que deva ser pecuniariamente compensado.

           Transcrevo ementas de acórdãos do Superior Tribunal de Justiça relacionadas a casos similares e que respaldam esse entendimento:

    "[...]

    2. No âmbito da jurisprudência do STJ, não se configura o dano moral quando ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de objeto estranho no seu interior, por não extrapolar o âmbito individual que justifique a litigiosidade, porquanto atendida a expectativa do consumidor em sua dimensão plural.

    3. A tecnologia utilizada nas embalagens dos refrigerantes é padronizada e guarda, na essência, os mesmos atributos e as mesmas qualidades no mundo inteiro.

    4. Inexiste um sistemático defeito de segurança capaz de colocar em risco a incolumidade da sociedade de consumo, a culminar no desrespeito à dignidade da pessoa humana, no desprezo à saúde pública e no descaso com a segurança alimentar.

    [...]" (T-3, REsp n. 1.395.647, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julg. em 18.11.2014).

    "A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que, ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo em virtude da presença de corpo estranho, não se configura o dano moral indenizável" (T-3, AgIntREsp n. 1.597.890, Min. Moura Ribeiro, julg. em 27.09.2016).

    "A indenização por dano moral objetiva atenuar o sofrimento, físico ou psicológico, decorrente do ato danoso, que atinge aspectos íntimos e sociais da personalidade humana. Na presente hipótese, a simples aquisição do produto danificado, uma garrafa de refrigerante contendo um objeto estranho no seu interior, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não revela, a meu ver, o sofrimento descrito pelos recorrentes como capaz de ensejar indenização por danos morais" (T-3, AgRgAg n. 276.671, Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

    "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que a ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura, em regra, hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória decorrente de alegado dano moral' (cf. AgRg no AREsp 489.030/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 27/04/2015" (T-4, AgIntREsp n. 1.179.964, Min. Marco Buzzi, julg. em 04.10.2016).

    "Consoante a jurisprudência desta Corte, ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de corpo estranho, não se configura o dano moral indenizável" (T-4, AgRgAgREsp n. 445.386, Min. Antônio Carlos Ferreira, julg. em 19.08.2014).

    "A simples aquisição de refrigerante contendo inseto em seu interior, sem que seu conteúdo tenha sido ingerido ou, ao menos, que a embalagem tenha sido aberta, não é fato capaz de, por si só, de provocar dano moral" (T-4, REsp n. 747.396, Min. Fernando Gonçalves, julg. em 09.03.2010).

           Na mesma linha tem decidido o Grupo de Câmaras de Direito Civil desta Corte (EI n. 2012.081169-9, Des. Denise Volpato; EI n. 2013.001067-8, Des. Fernando Carioni; EI n. 2014.029252-7, Des. Alexandre d'Ivanenko).

           Por dever de lealdade, registro que há julgados do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte afirmando que "a aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana" (REsp n. 1.424.304, Min. Nancy Andrighi, julg. em 12.08.2014; AC n. 2009.052603-7, Des. Henry Petry Junior, julg. em 27.10.2009).

           03. Provido o recurso e julgada improcedente a pretensão do autor, responde ele pelas despesas do processo.

           Considerando que a causa não se reveste de maior complexidade e não é trabalhosa, arbitro os honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (mil reais).

           04. À vista do exposto, dou provimento ao recurso do réu. Julgo improcedente a pretensão do autor e, consequentemente, prejudicado o recurso adesivo. Com a ressalva do § 3º do art. 98 no Código de Processo Civil, condeno o autor a pagar as custas judiciais e os honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais).


Gabinete Newton Trisotto