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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0010785-39.2015.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Moacyr de Moraes Lima Filho
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Terceira Câmara Criminal
Julgado em: Tue Jul 05 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: João Marcos Buch
Classe: Agravo de Execução Penal

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 491, 84
Repercussão Geral: 641320
Súmulas Vinculantes STF: 57

 


Agravo de Execução Penal n. 0010785-39.2015.8.24.0038

Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho

   AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. TRABALHO EXTERNO. EMPRESA PRÓPRIA E FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO LEGAL. DIFICULDADES DE ACESSO AO MERCADO DE TRABALHO. EXISTÊNCIA DE MECANISMOS FORMAIS DE CONTROLE. DEVER DE FISCALIZAÇÃO QUE CABE AO ESTADO..

   1 "Não se mostra razoável exigir do reeducando outro requisito além dos critérios objetivos e subjetivos previstos na Lei de Execução Penal, especialmente se este já comprovou sua condição de microempresário regularmente estabelecido" (STF, HC n. 110.605/RS, Min. Ricardo Lewandowski, j. em 6/12/2011).

   2 "A execução criminal visa o retorno do condenado ao convívio social, com o escopo de reeducá-lo e ressocializá-lo, sendo o trabalho essencial para esse processo" (STJ, HC n. 310.515/RS, Min. Felix Fischer, j. em 17/9/2015).

   3 Demonstrada a existência de proposta de trabalho em empresa familiar, ainda que o reeducando componha o quadro societário, aprovada pela comissão técnica de classificação, pode ser deferido o trabalho externo, especialmente diante da existência de mecanismos formais de controle (cartão-ponto e sistema de monitoramento), flagrante dificuldade de inserção no mercado de trabalho, contribuição para que sejam alcançados os objetivos da pena e inexistência de vedação legal.

   PRISÃO DOMICILIAR. HIPÓTESES DO ART. 117 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL AUSENTES. CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME SEMIABERTO NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE JOINVILLE. ESTABELECIMENTO SIMILAR. MAIOR LIBERDADE E MENOR VIGILÂNCIA. GOZO DOS BENEFÍCIOS PRÓPRIOS DO REGIME INTERMEDIÁRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. ATENÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 56. DECISÃO CASSADA NO PONTO.

   1 A concessão de prisão domiciliar a apenados que cumprem pena em regime semiaberto é cabível em situações excepcionalíssimas, não vislumbradas no caso dos autos.

   2 A Corte Constitucional manifestou a preocupação de, por um lado, não chancelar o excesso na execução penal e, de outro, adotar posturas de contorno que não representem insuficiente reprovação e prevenção do crime ou desigualdade entre os presos em situação semelhante (Súmula Vinculante 56 e Recurso Extraordinário n. 641.320/RS).

   3 Conquanto o paciente não estivesse propriamente em colônia agrícola ou industrial, nos termos dos arts. 91 da Lei de Execução Penal e 35, § 1º, do Código Penal, mas sim em penitenciária, estava recolhido em local diferenciado, não se encontrava sujeito a regime mais rigoroso e, ainda que de maneira não ideal, usufruía das características (maior liberdade e menor vigilância) e dos benefícios inerentes ao semiaberto.

   RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0010785-39.2015.8.24.0038, da comarca de Joinville (3ª Vara Criminal) em que é Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Edison de Souza.

           A Terceira Câmara Criminal decidiu, por maioria de votos, dar provimento parcial ao recurso, a fim cassar o benefício da prisão domiciliar, determinando o imediato retorno do reeducando à Penitenciária Industrial de Joinville, sem prejuízo da realização do trabalho externo, ou a outro estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena na modalidade semiaberta, no prazo de 60 (sessenta) dias. Vencido parcialmente o Exmo. Des. Leopoldo Augusto Bruggemann tão somente quanto à possibilidade de trabalho externo em virtude da impossibilidade de fiscalização. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Srs. Desembargadores Ernani Guetten de Almeida e Leopoldo Augusto Brüggemann. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes.

           Florianópolis, 5 de julho de 2016.

Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho

Presidente e Relator

           RELATÓRIO

           Cuida-se de agravo em execução interposto pelo Ministério Público contra decisão do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da comarca de Joinville, que deferiu os pedidos de trabalho externo e prisão domiciliar a Edison de Souza (fls. 47/50v).

           Em seu inconformismo, o órgão Ministerial argumenta, inicialmente, ser descabida a concessão do trabalho externo, porquanto a empresa indicada para o exercício das atividades laborativas pertence ao próprio reeducando, de modo a frustrar a necessária disciplina e a possibilidade de fiscalização. No que concerne à prisão domiciliar, aduz inexistir irregularidade no cumprimento da pena em regime semiaberto na Penitenciária Industrial de Joinville, que atende ao disposto no art. 91 da Lei de Execução Penal. Acrescenta que não está presente nenhuma das hipóteses legais que autorizam o cumprimento da sanção na modalidade domiciliar. Assim, postula a reforma da decisão, com a expedição de mandado de prisão (fls. 2/12).

           Contrarrazões ofertadas (fls. 69/81), e exarado o despacho de manutenção (fl. 82), os autos ascenderam a esta Corte, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, manifesta-se pelo conhecimento e provimento do reclamo (fls. 87/91).

           VOTO

           O recurso reúne os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

           1 Extrai-se dos autos que o recorrido foi condenado à pena de 15 (quinze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, em razão da prática do crime de estupro de vulnerável. No dia 19 de março de 2015, progrediu ao regime semiaberto e passou a gozar de saídas temporárias (fls. 33/35v).

           Em 10 de junho de 2015, o Magistrado a quo autorizou o trabalho externo, destacando "[...] ser dessarrazoado indeferir o pedido do reeducando tão somente porque se trata de empresa familiar, em que o reeducando é sócio" (fls. 47/50v).

           O trabalho extramuros é importante para a reintegração do indivíduo apenado ao convívio social, dando-lhe condições para melhor se adaptar quando do término do cumprimento de sua reprimenda.

           De acordo com o § 2º do art. 35 do Código Penal, que trata das regras do regime semiaberto, "o trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior". A matéria vem regulada nos arts. 36 e 37, ambos da Lei de Execução Penal, que dispõem:

    Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

    § 1º. O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.

    § 2º. Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.

    § 3º. A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.

    Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.

    Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo.

           Em uma interpretação sistemática do ordenamento penal vigente, notadamente dos dispositivos elencados, pode-se concluir que o trabalho externo é permitido, inclusive, aos condenados que cumprem pena no regime prisional semiaberto, como é o caso do recorrente.

           A legislação estabelece como condições para a concessão da benesse, além da obediência a requisitos objetivos, a aptidão, a disciplina e a responsabilidade do apenado, sob pena de comprometimento à ordem pública. Todavia, com relação aos condenados em regime semiaberto, é desnecessário o cumprimento do requisito temporal, qual seja, o resgate de, no mínimo, 1/6 (um sexto) da pena. A propósito, extrai-se precedente do Superior Tribunal de Justiça: "admite-se a concessão do trabalho externo ao condenado em regime semiaberto, independentemente do cumprimento de, no mínimo, 1/6 da pena, desde que verificadas condições pessoais favoráveis pelo Juízo das Execuções Penais" (HC n. 251.107/RS, rela. Mina. Laurita Vaz, j. em 12/3/2013, DJUe 19/3/2013).

           Esta Corte não destoa: Recurso de Agravo n. 2012.076887-9, rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. em 22/1/2013; Habeas Corpus n. 2013.014062-7, rel. Des. Torres Marques, j. em 26/3/2013; Recurso de Agravo n. 2012.023976-3, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 24/5/2012.

           No tocante à possibilidade de trabalho externo em empresa privada, Julio Fabbrini Mirabete leciona:

    O condenado que estiver cumprindo a pena em regime semiaberto, está sujeito a trabalho em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (art. 35, § 1º, do CP), sendo admissível a atribuição do trabalho externo, bem como a frequência a cursos profissionalizantes (art. 35, § 2, do CP). Nada impede que esse trabalho seja prestado a empresas privadas ou mesmo que tenha caráter autônomo. Segundo o art. 36, caput, da Lei de Execução Penal, e art. 34, § 3º, do CP, ao preso que estiver cumprindo a pena em regime fechado somente poderá ser atribuído trabalho externo em serviços ou obras públicas realizados por órgãos da administração direta ou indireta ou entidades privadas, tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina [...] A única distinção entre os dois regimes, no que tange ao trabalho externo, é a desnecessidade de vigilância direta no caso do semiaberto. (Execução Penal. São Paulo: Atlas, 2007. p. 102/103).

           Nesse viés, extrai-se excerto de julgado relatado pelo Exmo. Des. Alexandre d'Ivanenko:

    Para os condenados sujeitos ao regime semiaberto, a Lei de Execução Penal não impôs a mesma limitação, sobretudo considerada a interpretação dada acima ao inc. I do art. 114 da LEP, segundo a qual o legislador exige que o apenado em regime semiaberto esteja trabalhando (ou comprove a possibilidade de fazê-lo imediatamente) para progredir ao regime aberto e, sendo o trabalho em regime aberto necessariamente externo e normalmente privado, entende-se que o trabalho externo a empresas privadas é perfeitamente cabível no regime intermediário. (Recurso de Agravo n. 2012.055102-3, de São José, j. em 28/8/2012)

           Percebe-se que a lei não exige para a concessão do trabalho extramuros uma vigilância direta, para casos em que se cumpre pena em regime semiaberto. Na verdade, o legislador procurou adequar o cumprimento da pena por parte do sentenciado aos objetivos que a Lei de Execução Penal apregoa.

           Dessa forma, no que diz respeito aos requisitos subjetivos, o benefício deve ser analisado criteriosamente pelo Togado de modo que o Poder Judiciário não chancele a liberdade de cidadão que possua considerável periculosidade. Ou seja, o trabalho fora da unidade prisional deve ficar restrito àqueles apenados que não ofereçam perigo à sociedade e que apresentem um prognóstico favorável no sentido de que não venham a furtar-se das obrigações da pena privativa de liberdade e que não voltem a delinquir.

           Nesse contexto, impõe-se que sejam asseguradas as cautelas mínimas para que o objetivo da medida não seja frustrado e a benesse não venha a servir como estímulo à delinquência ou ainda como meio de burlar a efetiva execução da pena.

           É aí, exatamente, que reside a irresignação do órgão do Ministério contra o deferimento da trabalho externo, porquanto o fato de a empresa indicada ser de propriedade do agravado pode frustrar a necessária fiscalização.

           Vale dizer, de início, que a lei não veda o desenvolvimento de trabalho externo em empresa própria ou familiar. Não se exige, conforme ressaltado alhures, vigilância direta, bem como cabe ao Estado empreender mecanismos para exercê-la e, por consequência, não se pode simplesmente indeferi-lo em razão do risco hipotético de ineficácia.

           Afora isso, é forçoso ponderar que o estabelecimento prisional não cumpre o dever de ofertar a todos o desenvolvimento de atividades laborativas oficiais e que o mercado formal sofre com grave crise na oferta de postos de trabalho. Soma-se a isso, a infeliz estigmatização daqueles que deixam o cárcere e tentam a reinserção na sociedade.

           Sobre o tema, colhe-se do Supremo Tribunal Federal:

    HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO EXTERNO AUTÔNOMO. REQUISITOS DO ART. 37 DA LEP. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO PRECISA DO LOCAL E HORÁRIO DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA.

    I - Não se mostra razoável exigir do reeducando outro requisito além dos critérios objetivos e subjetivos previstos na Lei de Execução Penal, especialmente se este já comprovou sua condição de microempresário regularmente estabelecido.

    II - O trabalho externo do paciente é de suma relevância no processo de sua reeducação e ressocialização, elevando-se à condição de instrumento de afirmação de sua dignidade.

    III - No caso sob análise, a apresentação pelo paciente de registro como microempresário, indicando o número do CNPJ e o seu endereço comercial, em documento no qual a sua atividade está descrita como "instalação e manutenção elétrica", é circunstância suficiente para a concessão do benefício pleiteado.

    IV - Na hipótese, a comprovação das atividades exercidas poderá ser feita por meio de notas fiscais de prestação de serviço, recibos, orçamentos e outros documentos semelhantes.

    V - Ordem concedida para permitir ao paciente exercer trabalho externo, nas condições a serem estabelecidas pelo Juízo da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Bagé/RS. (HC n. 110.605/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 6/12/2011)

           O Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

    EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. TRABALHO EXTERNO EM EMPRESA FAMILIAR. POSSIBILIDADE. FISCALIZAÇÃO. RISCO DE INEFICÁCIA DA MEDIDA NÃO PODE SER ÓBICE AO BENEFÍCIO DO TRABALHO EXTERNO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

    [...]

    III - A execução criminal visa o retorno do condenado ao convívio social, com o escopo de reeducá-lo e ressocializá-lo, sendo o trabalho essencial para esse processo.

    IV - In casu, o fato do irmão do apenado ser um dos sócios da empresa empregadora não constitui óbice à concessão do trabalho externo, sob o argumento de fragilidade na fiscalização, até porque inexiste vedação na Lei de Execução Penal. (Precedente do STF).

    Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução que deferiu o trabalho externo ao paciente. (STJ, HC n. 310.515/RS, rel. Min. Felix Fischer, j. em 17/9/2015)

           Pela relevância, pinça-se do corpo do voto prolatado pelo ministro Felix Fischer:

    Acerca da quaestio, é importante considerar que os riscos de ineficácia da medida não podem ser óbice ao benefício do trabalho externo. Em primeiro lugar, porque é muito difícil para o apenado conseguir emprego. Impedir que o preso seja contratado por parente é medida que reduz ainda mais a possibilidade de vir a conseguir uma ocupação lícita e, em conseqüência, sua perspectiva de reinserção na sociedade. Em segundo lugar, porque o Estado deve envidar todos os esforços possíveis no sentido de ressocializar os transgressores do Direito Penal, a fim de evitar novas agressões aos bens jurídicos da coletividade.

           O Tribunal de Justiça de Santa Catarina também já se manifestou nesse sentido:

    EXECUÇÃO PENAL. PEDIDO DE TRABALHO EXTERNO INDEFERIDO POR SE TRATAR DE EMPRESA FAMILIAR E NÃO CONVENIADA AO DEAP. DEVER DE FISCALIZAÇÃO QUE COMPETE AO ESTADO E SUA INEFICIÊNCIA NÃO DEVE MOTIVAR A NÃO EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DO APENADO. RECURSO PROVIDO. (Recurso de Agravo n. 2012.074841-3, de Videira, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. Em 29/11/2012)

           Na espécie, ademais, a empresa conta com mecanismos de controle (cartão-ponto e sistema de monitoramente), além de possuir vários funcionários, e foi bem avaliada pela Comissão Técnica de Classificação, que se manifestou favoravelmente à concessão da benesse (fls. 42/43v).

           Sendo assim, deixa-se de acolher o pleito de revogação do trabalho externo.

           2 Insurge-se, também, o órgão do Ministério Público contra a concessão da prisão domiciliar.

           Para tanto, ponderou o Julgador a precariedade do sistema prisional no Estado e a anterior inércia do poder público em solucionar o problema. Aduziu que, "o reeducando cumpre a pena no Presídio de Joinville e desta forma se encontra encarcerado(a). E por ineficiência do aparelho estatal não lhe foi até o momento permitido sua colocação em local adequado, nas condições que a lei prevê". Acrescentou que, no estabelecimento prisional, não há oferta oficial de trabalho para todos e que "[...] a concessão de prisão domiciliar para reeducando segregado na Penitenciária abrirá vaga para um reeducando do regime semiaberto que atualmente cumpre sua pena em regime fechado no Presídio Regional de Joinville" (fls. 47/50v).

           O art. 117 da Lei de Execução Penal permite que se conceda, em rol estanque, a possibilidade de ser a pena privativa de liberdade cumprida em residência particular.

    Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

    I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

    II - condenado acometido de doença grave;

    III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

    IV - condenada gestante.

           Nota-se, portanto, que as situações elencadas no mencionado dispositivo legal são taxativas, haja vista se tratar de medida excepcional, adotada a condenados que se encontram em situações peculiares.

           Segundo Julio Fabbrini Mirabete:

    A enumeração legal é taxativa e não exemplificativa, não podendo o julgador estender o alcance da prisão domiciliar a hipóteses não previstas na lei, admitindo-se apenas, na jurisprudência, como já mencionado, que se coloque nessa situação, excepcionalmente, o condenado que deva cumprir a pena em regime aberto quando inexiste casa do albergado ou estabelecimento similar. (Ob. cit. p. 480)

           Quanto à exigência do caput da norma de regência, entretanto, "a jurisprudência tem admitido a concessão da prisão domiciliar aos condenados que se encontram em regime semiaberto e fechado, em situações excepcionalíssimas, como no caso de portadores de doença grave, desde que comprovada a impossibilidade da assistência médica no estabelecimento prisional em que cumprem sua pena" (STJ, Habeas Corpus n. 228.408/PR, rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 26/6/2012), o que, notadamente, não é o caso dos autos.

           Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, deu parcial provimento a Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra decisão que deferiu a prisão domiciliar (RE n. 641.320/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 11/5/2016). O reclamo, submetido à sistemática da Repercussão Geral, fixou as seguintes teses:

    a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como "colônia agrícola, industrial" (regime semiaberto) ou "casa de albergado ou estabelecimento adequado" (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas "b" e "c"); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. (in: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4076171> Acesso em 2/6/2016)

           O acórdão dessa decisão pende de publicação. No entanto, o material veiculado nos Informativos de Jurisprudência n. 810 e 825 do Pretório Excelso permite concluir que a prisão domiciliar não é, automaticamente, a primeira providência a ser tomada, uma vez que "seria uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Todavia, não deveria ser descartada sua utilização, até que fossem estruturadas outras medidas", sendo necessário avançar em propostas que, "muito embora não fossem tão gravosas como o encarceramento, não estivessem tão aquém do 'necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime' (CP, art. 59)". As medidas, dentre outras, são aquelas a serem especificadas pelo Conselho Nacional de Justiça, como o Cadastro Nacional de Presos, "devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os [apenados] mais próximos da progressão ou extinção da pena", sem prejuízo de "confiar às instâncias ordinárias margem para complementação e execução das medidas" (in: <http://www.stf.jus.br//arquivo/ informativo/documento/informativo810.htm> e <http://www.stf.jus.br//arquivo/ informativo/documento/informativo825.htm> Acesso em 2/6/2016).

           Consolidando o novo tratamento dispensado à matéria, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Proposta de Súmula Vinculante 57, apresentada pelo Defensor Público-Geral Federal, e editou a Súmula Vinculante 56, com a seguinte redação: "A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320".

           Como se vê, a Corte Constitucional manifestou a preocupação de, por um lado, não chancelar o excesso na execução penal e, de outro, adotar posturas de contorno que não representem insuficiente reprovação e prevenção do crime ou desigualdade entre os presos em situação semelhante, devendo-se privilegiar a progressão ou liberação daqueles que estiverem mais próximos de atingir benefícios, conforme evidenciam as teses firmadas e acima reproduzidas.

           Assim, em que pese a precariedade da situação carcerária no Estado de Santa Catarina, em que faltam vagas e estabelecimentos adequados para o cumprimento das penas em todas as suas modalidades, exonerar o agravado do seu cumprimento no regime semiaberto e passá-lo ao domiciliar, sem o preenchimento dos requisitos legais ou dos pressupostos firmados pelo Supremo Tribunal Federal, é desarrazoado e desproporcional, além de acarretar violação ao princípio da isonomia.

           É induvidosa a ilegalidade do cumprimento de pena em regime mais gravoso do que estabelecido no decreto condenatório ou alcançado ao longo da execução, ainda que em razão da falta de vagas. A propósito: STJ, Habeas Corpus n. 51.784/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, j. em 10/12/2015.

           De outro lado, é igualmente assente o entendimento de que é vedada a progressão de regime per saltum, conforme estabelecido na Súmula 491 do Superior Tribunal de Justiça, como também de que a progressão de regime prisional e o recolhimento domiciliar (arts. 112 e 117, ambos da Lei n. 7.210/84) pressupõem o preenchimento dos seus requisitos legais específicos (STJ, AgRg no HC n. 313.022/PR, rel. Min. Rodrigo Schietti Cruz, j. em 18/6/2015).

           Na espécie, conquanto o agravado não estivesse inserido propriamente em colônia agrícola ou industrial, nos termos dos arts. 91 da Lei n. 7.210/84 e 35, § 1º, do Código Penal, mas sim em Penitenciária, não havia manifesto excesso de execução, pois era possível o enquadramento no conceito legal de estabelecimento prisional similar.

           Conforme destacou o Magistrado de Primeiro Grau, na Penitenciária Industrial de Joinville há local de cumprimento da pena no regime semiaberto, embora a oferta de trabalho interno seja insuficiente.

           Alberto Silva Franco leciona que "a ideia da reeducação do condenado no ambiente de trabalho deverá orientar a interpretação do que seja estabelecimento similar". Complementa que "a expressão é utilizada pelo legislador como fórmula genérica que se presta a designar qualquer ambiente de trabalho no qual o condenado possa exercer atividade socialmente construtiva" (Código penal e sua Interpretação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 254).

           Logo, a ser reformado o decisum, o agravado não estará submetido a um sistema de segurança máxima, peculiaridade do regime prisional mais gravoso, senão gozará dos benefícios próprios da modalidade intermediária e contemplará maior liberdade e menor vigilância, com possibilidade, inclusive, de trabalho externo.

           Nesses casos, decide o Superior Tribunal de Justiça:

    EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. (1) PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. CUMPRIMENTO EM ESTABELECIMENTO PENAL ADEQUADO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. (2) AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

    1. No caso, o paciente apenas pernoita na unidade URS-02 e durante o dia trabalha em estabelecimento similar à colônia agrícola ou industrial, em um regime de maior liberdade e menor vigilância, compatível com o regime intermediário.

    2. Agravo a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 321.238/AC, rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 27/10/2015)

           Na mesma toada:

    HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME SEMIABERTO. INEXISTÊNCIA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME SEMIABERTO NA COMARCA. CUMPRIMENTO EM ALA ESPECIAL DO PRESÍDIO. AUTORIZAÇÃO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS E PRESTAÇÃO DE TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.

    1. Configura constrangimento ilegal ao jus libertatis, sanável pela via do habeas corpus, o cumprimento da pena em condições mais rigorosas que as estabelecidas pelo juízo sentenciante ou pelo juízo das execuções penais.

    2. Na hipótese dos autos, contudo, constata-se que o Paciente, embora esteja em estabelecimento destinado ao regime fechado, está alojado em pavilhão independente e autônomo, sem ligação física ao restante do Presídio, prestando trabalho externo e usufruindo de saídas temporárias, segundo as regras do regime semiaberto. Assim, não há constrangimento ilegal a ser sanado, uma vez que o apenado não se encontra cumprindo pena em regime mais rigoroso do que o devido. Precedentes.

    3. Habeas Corpus denegado. (STJ, HC n. 273.653/RS, rel. Mina. Laurita Vaz, j. em 1º/10/2013)

           No que concerne à transferência do reeducando para comarca distante, combatida nas contrarrazões, lembra-se que a Lei de Execução Penal, em seu art. 103, consagra que a execução da pena deve ocorrer, sempre que possível, em local próximo ao meio social e familiar do preso.

           Esclarece o Superior Tribunal de Justiça, no entanto, que "o direito do preso de ter suas reprimendas executadas onde reside sua família não é absoluto, devendo o magistrado fundamentar devidamente a sua decisão, analisando a conveniência e real possibilidade e necessidade da transferência, decidindo sobre o cumprimento da pena em local longe do convívio familiar" (HC n. 166.837/MS, rel. Og Fernandes, j. em 1º/9/2011).

           Além disso, deve-se ponderar que, se em todos os casos de descumprimento por parte do Estado no fornecimento de instalações totalmente adequadas e de acordo com a legislação fosse determinada a liberação dos condenados, haveria uma total insegurança jurídica, ao passo que potenciais delinquentes teriam certeza da não execução da pena, justamente em razão da superlotação dos presídios ou da falta de estabelecimentos apropriados próximos do local em que estabeleceu residência, o que serviria como uma mola propulsora ao cometimento de novas infrações penais.

           Colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

    PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA. TRANSFERÊNCIA PARA ESTABELECIMENTO EM COMARCA DIVERSA DO DISTRITO DA CULPA PRÓXIMO DA FAMÍLIA. LOCAL INADEQUADO. CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PRETENSÃO DE SIMPLES REFORMA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO DESPROVIDO.

    1. Em que pese a orientação, constante da Lei de Execução Penal, no sentido de que a execução deve proporcionar a reintegração do sentenciado, sendo possível o cumprimento da reprimenda próximo à família, o juízo competente, ao avaliar um pedido de transferência, deverá sopesar não apenas as conveniências pessoais e familiares do preso, mas as da Administração Pública, a fim de garantir o efetivo cumprimento da pena.

    2. No caso em apreço, o Juízo das Execuções decidiu fundamentadamente que, além de não haver vaga em estabelecimento adequado para que o sentenciado permaneça em comarca distinta da do distrito da culpa, a pretensão tem caráter interesse pessoal, sem correspondência com os princípios da finalidade, impessoalidade e segurança pública.

    3. Mantidos os fundamentos da decisão agravada, porquanto não infirmados por razões eficientes, é de ser negada simples pretensão de reforma. (Súmula n.º 182 desta Corte).

    4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RHC n. 58.706/RJ, rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 9/6/2015, DJUe de 18/6/2015)

           Nesse passo, consoante já decidiu esta Câmara, "ainda que alarmante a política carcerária nacional, a falta de vaga para abrigar o reeducando em uma das Penitenciárias do Estado não é motivo para o deferimento de prisão domiciliar" (Recurso de Agravo n. 2015.001942-1, de Rio do Sul, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, j. em 24/2/2015).

           Com o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, leia-se que a prisão domiciliar, no mínimo, não deve ser concedida sem antes oportunizar uma solução intermediária, que considere a situação peculiar de todos os presos de determinado estabelecimento prisional.

           Dessa forma, e considerando, ainda, a possibilidade de adequar o resgate da reprimenda às condições do regime semiaberto, cassa-se o benefício da prisão domiciliar e determina-se o seu retorno à Penitenciária Industrial de Joinville ou a outro estabelecimento apto ao cumprimento da reprimenda nesta modalidade, no prazo de 60 (sessenta) dias. Se for o caso, oficie-se ao titular da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, a fim de que promova a transferência de recorrido.

           Por derradeiro, acerca da louvável tentativa de equalização das vagas disponíveis para o cumprimento de pena em regime semiaberto, cabe ao Juízo da Execução, preferencialmente em parceria com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Administração Prisional, avaliar a situação de todos os estabelecimentos prisionais da localidade e adotar as medidas necessárias ao cumprimento da Súmula Vinculante 56, seguindo os parâmetros estabelecidos no RE n. 641.320/RS, de modo a evitar a permanência em regime mais gravoso e o tratamento não isonômico dos presos.

           Ante o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso, a fim cassar o benefício da prisão domiciliar, determinando o imediato retorno do reeducando à Penitenciária Industrial de Joinville, sem prejuízo da realização do trabalho externo, ou a outro estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena na modalidade semiaberta, no prazo de 60 (sessenta) dias.


Gabinete Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho