Apelação Cível n. 2014.081432-3, de Barra Velha
Relator: Des. Raulino Jacó Brüning
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS EM RAZÃO DE SUPOSTO ABALO ANÍMICO DECORRENTE DA ENTREGA DE LAUDO LABORATORIAL CONTENDO ERRO DE DIGITAÇÃO LEVANDO O AUTOR A CRER QUE ERA PORTADOR DO VÍRUS HIV. POSTERIOR EXAME REALIZADO EM OUTRO LABORATÓRIO COM RESULTADO NEGATIVO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO RÉU. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DA DEFESA. ALMEJADA OITIVA DE TESTEMUNHA PARA O ESCLARECIMENTO FÁTICO DAS QUESTÕES VENTILADAS. DESNECESSIDADE. SUPOSTO DANO MORAL FUNDAMENTADO NO ERRO DE DIGITAÇÃO E NA ENTREGA PRECIPITADA DO LAUDO LABORATORIAL. FATOS QUE FORAM INCLUSIVE AFIRMADOS PELO DEMANDADO. DESNECESSIDADE DE MAIOR INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. PREFACIAIS AFASTADAS. 2. MÉRITO. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL. LABORATÓRIO QUE SUSTENTA TER O MÉDICO INFORMADO O AUTOR SOBRE O ERRO DE DIGITAÇÃO NO EXAME. EQUÍVOCO QUE MESMO NOTICIADO É CAPAZ DE ABALAR EMOCIONALMENTE O AUTOR. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. 3. PLEITO DE MINORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$30.000,00 (TRINTA MIL REAIS) DESPROVIDO. 4. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10% (DEZ POR CENTO) DO ARTIGO 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS QUE DEVE INICIAR SOMENTE APÓS A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR, POR INTERMÉDIO DE SEU ADVOGADO, PARA O PAGAMENTO DA DÍVIDA. MATÉRIA APRECIADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA N. 262.933/RJ (CPC/1973, ART. 543-C). SENTENÇA REFORMADA NESTE PONTO. 5. PLEITO DE MINORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DESPROVIDO. 6. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.081432-3, da Comarca de Barra Velha (1ª Vara), em que é apelante Mob Laboratório de Análises Clínicas S.S. e apelado Maicon Ricardo Matias:
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, reformando a sentença, a fim de modificar o termo inicial da incidência da multa de 10% (dez por cento) do artigo 475-J do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 523, §1º, CPC/2015), que deverá contar da intimação do devedor para adimplir a condenação, por intermédio do seu advogado. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido por este Relator e dele participaram os Desembargadores Domingos Paludo e Saul Steil.
Florianópolis, 02 de junho de 2016.
Raulino Jacó Brüning
PRESIDENTE E Relator
RELATÓRIO
Adoto o relatório da r. sentença de fls. 95/100, da lavra da Doutora Nayana Scherer, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:
MAICON RICARDO MATIAS ajuizou AÇÃO DE DANO MORAL E MATERIAL contra LABORATÓRIO GHANEM, alegando, em síntese, ter recebido no mês de março de 2010 um resultado equivocadamente positivo de vírus HIV e em razão deste fato suportou danos materiais para realização de novo exame na cidade de Joinville e dano moral em decorrência da dor e sofrimento advindos do equívoco.
Acostou documentos e valorou a causa.
Deferida a gratuidade e determinada a citação.
A parte demandada apresentou resposta na forma de contestação. Aduziu em apertada síntese tratar-se, o resultado, de mero erro de digitação, quando preenchido o campo reagente, pois a quantidade contava corretamente, qual seja inferior a 0,05, quando o índice correto para que o exame fosse positivo seria de 0,9, o que demonstra a negatividade da carga viral.
Disse ainda, que o exame somente restou liberado pois tratava-se de resultado negativo, assim, em conformidade com a regulamentação legal e que inexiste resultado laboratorial com garantia absoluta de resultado.
Aduziu, ter o equívoco, sido desfeito logo após o exame ter sido entregue ao médico, pois esse teria entrado em contato com o laboratório, devido a ambigüidade constatada entre a quantificação da carga viral e a expressão reagente e em seguida o fato esclarecido pelo requerido, o qual afirmou categoricamente a negatividade do resultado do exame.
Impugnou todos os termos da exordial e acostou documentos às fls. 86/94.
Acresço que a Magistrada a quo, por entender que o alegado equívoco, consubstanciado pelo erro de digitação, configura sim uma falha no serviço prestado pelo laboratório demandado, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Ante o exposto, e em atenção aos princípios de direito aplicáveis à espécie, JULGO PROCEDENTE os pedidos da inicial, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil e em consequência:
a) CONDENO a ré a pagar ao autor o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de dano moral, corrigido pelo índice INPC/IBGE a partir desta data e acrescido de juros moratórios de 1%, nos termos do artigo 398 do CC/02.
b) CONDENO a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, os quais fixo em 15% do valor da condenação, nos termos do artigo 20, § 3.º, do Código de Processo Civil.
Fica ciente a ré do prazo de quinze dias para o pagamento voluntário, sob pena de multa de 10% sobre o valor da condenação (art. 475-J do CPC).
Inconformado, Mob Laboratório de Análises Clínicas S.A. (que atende com o nome empresarial Laboratório Ghanem) interpõe recurso de apelação (fls. 103/112).
Alega, em suas razões de recurso, preliminarmente, que houve cerceamento de sua defesa, haja vista que não houve a oitiva do Dr. Marcelo Uchoa que prestaria esclarecimentos necessários para o deslinde do feito.
No mérito, sustenta, em síntese, que inexiste o dever de indenizar, tendo em vista que o médico, após ter constatado o erro de digitação, determinou a realização de um novo exame, conforme as exigências técnicas do Ministério da Saúde. Subsidiariamente, requer a minoração do valor arbitrado a título de danos morais e honorários advocatícios. Por fim, sustenta a inaplicabilidade do artigo 475-J do Código de Processo Civil de 1973.
Contrarrazões apresentadas às fls. 121/132, com as quais os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
VOTO
O julgamento do presente recurso - em inobservância à ordem preferencial disposta no artigo 12, caput, do Código de Processo Civil de 2015 - justifica-se em razão de "[...] simples arranjo de trabalho visando à maior eficiência jurisdicional [...]" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112).
Relevante ponderar que as particularidades que permeiam o recurso em análise impedem o atendimento da ordem prevista na lista citada, sob pena de inegável afronta ao princípio da eficiência, disposto no artigo 8º do Diploma Processual Civil atual.
O recurso é tempestivo (fls. 102/103) e munido de preparo (fl. 113).
Inicialmente, cumpre ressaltar que se está diante de caso de responsabilidade objetiva, haja vista que o laboratório requerido atuou como prestador de serviços, respondendo, portanto, independentemente de culpa, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, salvo se presentes algumas das excludentes da responsabilidade civil arroladas no parágrafo terceiro do referido artigo, in verbis:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, dentre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º. O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Sobre o tema, destaca-se decisão do Superior Tribunal de Justiça:
Como cediço, a obrigação negocial ou é de meio ou é de resultado. Naquela, o compromisso na prestação avençada cinge-se às técnicas na confecção da empreitada e os regulares cuidados ao atendimento e respeito às diligências exigidas na atividade desenvolvida, não ficando a contraprestação vinculada ao término, como o êxito ou fracasso de serviços. Na outra, o resultado é a mola central do pacto, pois a obrigação visa a prestação almejada pelos contratantes e, para efeitos do negócio jurídico, a tutela somente apreciará o adimplemento, ou não, da obrigação, que determinará a sua extinção ou sua indenização, conforme for o caso.
É considerado inadmissível que um laboratório se proponha à realizar serviços de exames e análises dos mesmos e de materiais de pacientes e que, muitas vezes, em função do despreparo de seus prepostos, forneçam resultados de exames com erro, causando gravames até mesmo emocionais aos seus clientes, inclusive, em afronta ao Código de Defesa do Consumidor (art. 14).
Encontram arrimo, quase à unanimidade, nos julgamentos pretorianos a tese de que a obrigação no caso vertente é obrigação de resultado, como podemos extrair dos diversos arestos dos Tribunais (STJ, Recurso Especial n. 594.962-RJ, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 19/10/2004).
Trata-se, portanto, de fato de serviço, haja vista que o pleito do autor fundamenta-se em suposto defeito que atingiu a sua incolumidade psíquica.
1. Preliminar: nulidade da sentença por cerceamento de defesa
Alega o apelante ter sido cerceado o seu direito à defesa, ante a necessidade de realização de instrução processual, principalmente a oitiva de testemunhas, nos moldes da legislação processual, o que não se deu nos presentes autos, por ter a Magistrada julgado antecipadamente a ação.
Para tanto, sustenta que o testemunho do Dr. Marcelo Uchoa seria indispensável para o esclarecimento fático das questões ventiladas, bem como seria necessário para medir a extensão do suposto dano narrado (fl. 105).
Não é exagero ressaltar que à Magistrada, na condição de destinatária da prova, é dado o poder de indeferir a produção probatória inútil à solução do litígio, por força dos artigos 130 e 131 do Código de Processo Civil de 1973 (correspondentes aos arts. 370, parágrafo único, e 371, do CPC/2015), quando verificar que as informações contidas no processo bastam à formação de seu convencimento.
É da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA SECURITÁRIA. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL NÃO OPORTUNIZADA. IRRELEVÂNCIA. LAUDO DO IML JUNTADO COM A INICIAL. ELEMENTO PROBATÓRIO SUFICIENTE À FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO JUIZ. PRELIMINAR AFASTADA. PRESCRIÇÃO TRIENAL RECONHECIDA DE OFÍCIO. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. FATO QUE POR SI SÓ NÃO INTERROMPE A PRESCRIÇÃO. INÍCIO DO PRAZO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INVALIDEZ. DATA DO SINISTRO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. O juiz é o destinatário do acervo probatório e lhe incumbe apreciá-lo livre e motivadamente. A produção de prova pericial revela-se inútil quando requerida após mais de dez anos transcorridos da época do acidente, principalmente se já consta laudo do IML nos autos. Nessa circunstância, o cerceamento de defesa não se configura se as provas acostadas são suficientes à formação do convencimento judicial e à solução da causa. O prazo prescricional nas ações de cobrança de seguro obrigatório não se conta a partir da data da elaboração do laudo médico quando o segurado, após o sinistro, tem plena ciência de sua invalidez. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.020497-0, de São José, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. 12-05-2011).
Os pleitos do autor estão fundamentados na suposta falha do serviço prestado pelo Laboratório, tanto em razão de o laudo liberado (fl. 21) conter erro de digitação, quanto pelo fato de o réu não ter observado as regras técnicas exigidas pelo Ministério da Saúde.
Sobre o primeiro motivo, o demandante sustenta que o exame continha uma divergência de informações, haja vista que, enquanto que o índice apontava um valor inferior a 0,5 (o que implica na "não reagência"), o resultado do teste estava constando como "reagente".
Não há discussões sobre a ocorrência ou não do erro no laudo, pois o documento juntado à fl. 21 demonstra cabalmente a divergência apontada pelo autor, bem como o próprio Laboratório não nega o equívoco ocorrido.
Ademais, quanto ao segundo motivo, alega que, tendo em vista que os exames iniciais entregues atestavam resultado "reagente" (presença do vírus HIV), como a Portaria n. 151, de 14 de outubro de 2009, no Anexo I, itens 1.1.2 e 1.1.4, é clara ao afirmar que a amostra com o referido resultado deve ser posteriormente submetida à Etapa II, o laudo não poderia ter sido liberado.
O demandado confirmou que efetivamente houve a entrega destes laudos com erro, conforme se depreende do relato de fl. 51: "o laudo entregue ao Requerente".
Assim, não há razão para se determinar a oitiva do médico que atendeu o requerente ou falar em cerceamento de defesa. Os fatos estão devidamente comprovados e não necessitam de uma extensão probatória, até mesmo em respeito aos princípios celeridade e economicidade processual.
Em vista dos argumentos expendidos, afasta-se a preliminar ventilada.
2. Mérito
Sustenta o apelante que inexiste o dever de indenizar, haja vista que o Dr. Marcelo Uchoa constatou e informou ao apelado sobre a existência de divergência de informações no exame clínico fornecido, determinando que este entrasse em contato com outro laboratório, a fim de obter um novo resultado.
Deste modo, alega que teria cumprido com as normas próprias de controle e liberação dos testes de HIV, sendo que, deveria o recorrido, diante da incerteza e possível ocorrência de "falsos positivos", ter aguardado o segundo resultado, conforme recomendação médica.
Muito embora não tenha sido comentado pelo apelante, a sua defesa está baseada na exclusão do nexo causal, por serviço prestado sem defeito e por fato exclusivo da vítima (CDC, art. 14, §3º, I e II).
Deve-se relembrar que a presente ação está baseada no defeito da prestação de serviço pelo Laboratório demandado e, portanto, não será possível analisar a conduta do médico, Dr. Marcelo (se teria ele agido com ou sem culpa).
Isso porque há uma peculiaridade neste caso, pois, em se tratando de Laboratório de análises clínicas, há de se analisar os atos relativos: a) à coleta, observando-se se a técnica e os meios empregados foram os mais adequados e eficazes os possíveis; b) em um segundo momento, à perfeita transcrição de todos estes dados para um documento a ser entregue ao cliente e; c) por fim, o posterior procedimento adotado pelo profissional habilitado, para análise e diagnóstico do paciente.
Desta forma, este não é um caso comum de erro médico em que os Hospitais, por exemplo, respondem pelos ilícitos cometidos por aqueles. Médico e Laboratório não tem nenhuma espécie de relação, a escolha do Laboratório coube unicamente ao autor Maicon que, após, levou os exames realizados ao Dr. Marcelo para análise. Diante disso, feita esta distinção, o Laboratório demandado somente responderá por aqueles em que efetivamente teve alguma espécie de participação, ou seja, o primeiro e segundo momentos (itens "a" e "b").
Assim, afastando as alegações fundadas na postura adotada pelo médico, tem-se que o fato ocorrido (erro de digitação) relaciona-se com a prestação do serviço realizado exclusivamente pelo Laboratório (feitura do exame clínico e posterior transcrição destes dados para análise do diagnóstico), não havendo que se falar em responsabilidade objetiva da Mob Laboratório de Análises Clínicas S.S. pelo suposto erro do Dr. Marcelo Uchoa.
2.1 Do ilícito
No caso dos autos, em consulta ao caderno processual, verifica-se que as reivindicações do autor dizem respeito ao segundo (transcrição dos dados realizados nos exames laboratoriais) e terceiro momento (posterior procedimento adotado pelo médico), antes relacionados.
Entretanto, como visto, não há razão para se discutir a conduta do médico, seja porque não há relação entre o Doutor e o Laboratório, que torne este responsável pelos atos daquele, ou seja porquanto o ilícito já restou configurado com o erro de digitação, não havendo discussões sobre isso.
É incontestável que houve sim a falha na prestação do serviço realizado.
Portanto, analisar-se-á somente aquilo que diz respeito ao laudo inicial emitido pelo apelante.
A Portaria n. 151 do Ministério da Saúde, de 14 de Outubro de 2009, em seu item 6.1, é clara ao falar sobre o laudo a ser liberado: "deverá ser legível, sem rasuras na sua transcrição, escrito em língua portuguesa, datado e assinado por profissional de nível superior legalmente habilitado".
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor determina que o serviço deve ser prestado de forma adequada, ou seja, deve atingir os fins que dele razoavelmente se espera.
A doutrina esclarece:
Vícios de qualidade. Enquanto que o direito tradicional se concentra na ação do fornecedor do serviço, do seu fazer, exigindo somente diligência e cuidados ordinários, o sistema do CDC, baseado na teoria da função social do contrato, concentra-se no efeito do contrato. O efeito do contrato é a prestação de uma obrigação de fazer, de meio ou de resultado. Este efeito, este serviço prestado, é que deve ser adequado para os fins que "razoavelmente deles se esperam"; é o serviço prestado, por exemplo, o transporte de passageiros, a pintura da parede da casa, a intervenção cirúrgica ou a guarda do automóvel na garagem, que deve possuir adequação e prestabilidade normal. Está claro que o fazer e o resultado são inseparáveis, conexos de qualquer maneira, mas o CDC como que presume que o fazer foi falho, viciado, se o serviço dele resultante não é adequado ou não possui prestabilidade regular (MARQUES. Claudia Lima, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Artigo por artigo, Doutrina e Jurisprudência, Conexões rápidas para citação ou reflexão, Diálogos entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. Revista dos Tribunais: 2014, p. 615).
Ora, se o único serviço buscado pelo autor com a empresa ré era exatamente a exatidão dos resultados advindos dos dados coletados, para que assim pudesse entregá-los a um profissional habilitado para análise, como dizer que o serviço foi adequado ou que atingiu as legítimas expectativas deste consumidor?
Diante disso, forçoso reconhecer que os equívocos cometidos pelo demandado não podem ser desconsiderados, haja vista que, o esperado por aqueles que buscam este tipo de serviço é justamente a exatidão, clareza, certeza, etc. de todos os dados transcritos no laudo laboratorial.
Tamanha importância do zelo e presteza com que os serviços devem ser prestados, pode ser demonstrada partindo do fato que o documento emitido pelo Laboratório muitas vezes é a única ferramenta que o consumidor terá em mãos para, por exemplo, entregar ao chefe do seu trabalho, nos casos em que tais exames são indispensáveis para a realização de determinadas funções; ou para um médico, no caso dos exames no período do pré-natal; ou para um(a) companheira(o), no caso em que esta(e) requisita estes exames, por medida de prevenção; ou simplesmente para o caso em questão em que Maicon estava fazendo exames rotineiros.
Assim, tem-se que o erro de digitação é sim um ilícito, pois se consubstancia em uma falha do serviço prestado por Mob Laboratório de Análises Clínicas S.S.
2.2 Nexo causal: erro de digitação
Não há discussões se houve ou não o erro de digitação, é incontestável que houve sim um erro. Todavia, deve-se analisar se o mencionado erro de digitação foi a causa dos danos morais suportados pelo apelado.
À fl. 68 o demandante discorre que "saiu do laboratório com uma enorme dúvida em sua cabeça: seria ele um portador do HIV estava descrito no exame ou seria um engano causado pelo péssimo serviço prestado pelo laboratório ora contestante?".
Como esta dúvida é decorrente do erro de digitação existente no laudo emitido pelo apelado, há de ser reconhecido o nexo causal.
2.3 Dano
Será que esta dúvida é capaz, foi suficiente para gerar um abalo passível de indenização?
Pois bem, o dano moral representa um sofrimento íntimo, uma dor interior, de forma que apenas aquele que o vivencia tem a certeza da sua existência. Nem todos reagem da mesma maneira aos infortúnios da vida, alguns refletem esta tristeza no semblante, olhar etc., outros deixam passarem por despercebido até mesmo dos mais próximos.
Assim, tem-se examinado a prova do dano com tolerância, extraindo-a, muitas vezes, das próprias circunstâncias em que se operou o evento. É a situação dos autos.
Isso porque a prova não pode servir de obstáculo para uma entrega efetiva da tutela jurisdicional pleiteada. Sobre o tema, são os comentários de Sérgio Cavalieri Filho:
Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser satisfeita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação de dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos, ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais (fl. 97).
Nesse contexto, a tarefa do operador jurídico é a de perguntar-se se razoavelmente estaria diante de determinada conduta potencialmente ofensiva, presumindo-se ou não o dano moral, sem olvidar o paradigma do homem-médio. Essa permissiva encontra-se disposta no artigo 335 do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 375 do CPC/2015), in verbis: "Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial".
Deve-se analisar, portanto, as circunstâncias que envolveram o possível dano, bem como a intensidade do seu fato gerador, as quais permitem que o julgador edifique sua presunção, sempre utilizando como norte os critérios da razoabilidade e bom senso.
Não é difícil imaginar as sensações experimentadas por Maicon Ricardo Matias. Não há quem se sinta confortável em realizar o teste do HIV. A angústia já se inicia antes mesmo de o material ser coletado para análise.
A título de informação, Santa Catarina, segundo dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde (30/6/2014), é o 6º (sexto) Estado do país com maior taxa de detecção de AIDS.
Embora a grande preocupação do governo com o mencionado dado e as consequentes medidas por ele adotadas, com auxílio também das instituições privadas (escolas, clínicas, etc. etc.), no sentido de mobilizar a população sobre o uso consciente da camisinha, não há como se furtar à realidade: a grande maioria da população, especialmente os jovens, não usam preservativos na hora do contato sexual.
Aliado a este fator, uma das grandes causas do aumento do número de soropositivos se dá em razão de muitas pessoas viverem anos sem apresentar os sintomas, ou desenvolver a doença, continuando, assim, a terem relações desprotegidas, transmitindo o vírus às pessoas saudáveis, sem nem ao menos saber.
Muitos, mesmo sabendo da possibilidade de terem se contaminado, preferem não realizar o teste, optando por viverem em uma ilusão, enganando a si mesmos, pois o medo de encarar a realidade é maior do que seguir em frente com um tratamento adequado.
Maicon durante 40 (quarenta) dias conviveu com esta incerteza. O Laboratório afirma que o médico teria lhe avisado sobre o erro de digitação e que, portanto, não haveria o que se falar em abalo moral. Mas não seria possível que este erro tivesse sido quanto ao índice apresentado? Se o Laboratório errou o resultado, como descartar a possibilidade de que tenha errado o índice? Ademais, como sustentar que o demandante saiu da consulta médica com a certeza de que não seria soropositivo, se logo após ele realizou um novo exame?
Certamente em um caso como este o pior é sempre esperado, o medo domina a razão e todos os temores passam a conviver diariamente com aquele que acredita ser portador do vírus do HIV.
Também não é difícil imaginar as noites mal dormidas.
A falta de informações sobre a vida, o cotidiano de um soropositivo, certamente o levou a crer que estava "com os seus dias de vida contados, [pois] carregava o vírus da morte" (fl. 3).
Por fim, a título de argumentação, imagine a hipótese de o referido laudo ter sido visto, por exemplo, acidentalmente por terceiros, que, de forma imperita, analisando-o, acreditassem que Maicon Ricardo fosse aidético. Após, espalhassem esta informação injuriosa para todos do bairro, escola, faculdade, trabalho, etc. Esta é uma situação mais fácil de perceber a gravidade da falha cometida pela empresa demandada e, por conseguinte, do nexo de causalidade.
Não há como condescender com o ocorrido. Não se trata, dada a tamanha importância dos serviços prestados pelo Laboratório, de "mero aborrecimento", "mero dissabor", transtorno ou descontentamento proveniente do inadimplemento de uma obrigação contratual, mas, sim, de episódio dotado de magnitude suficiente para caracterizar o abalo moral.
Diante disso, filio-me ao entendimento do Magistrado de primeiro grau, cujo argumento adota-se como razão de decidir, a teor do artigo 150 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de santa Catarina:
Entendo que o ato ilícito praticado pelo Laboratório Demandado resta amplamente e lastimavelmente configurado.
Inicialmente pela falha na prestação do serviço configurada principalmente pelo erro de digitação confessado na própria contestação (fl. 50). Um laboratório do padrão do demandado que se presta a realizar serviços da seriedade do exame de HIV e cobrar por tais serviços, não pode cometer o erro grosseiro de digitação que acarreta na entrega ao consumidor de uma sentença de morte. Deveria ele, minimamente treinar seus funcionários para agirem com mais cuidado, proceder com maior cautela na conferência da confecção dos laudos e a profissional responsável pela assinatura do exame, com conhecimento técnico maior minúcia ao assinar laudo de tamanha gravidade com informações conflitantes, conforme confessado na contestação.
[...]
O fato de ter sido esclarecido ao médico que tratava-se de equívoco/erro de digitação, não afasta a ilicitude da conduta do denunciado, pois não configura-se caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro.
Desta forma, entendo que a conduta resta plenamente comprovada.
Ressai dos autos como incontestável a existência do nexo de causalidade entre a conduta da ré e o dano suportado pelo autor. Nada que foi produzido nos autos diverge desta concepção (fls. 97/98).
Por todas essas razões, mantenho o reconhecimento da responsabilidade do apelante e o consequente dever de indenizar o apelado pelos danos morais sofridos.
3. Valor da indenização
Reconhecida a responsabilidade da empresa ré pelo ilícito praticado, resta analisar qual o justo valor compensatório a elidir o dano causado.
Imperioso que o arbitramento do valor indenizatório deva ser composto levando-se em consideração a pretensão de compensação pelos danos morais sofridos pela vítima sem importar em enriquecimento e, simultaneamente, penalizar civilmente o causador do ilícito sem lhe ocasionar empobrecimento.
Em relação ao quantum indenizatório, Sérgio Cavalieri Filho pontua:
A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia, que de acordo com seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 116) (Grifo acrescido)
Assim, entre outros critérios, ao fixar o quantum indenizatório, o Julgador deve considerar a extensão do dano, a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento vivenciado e a capacidade econômica das partes.
Ademais, deve-se atentar à dupla finalidade da condenação: ressarcir o lesado e evitar que o causador do dano reincida na prática do ato danoso. Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa leciona: "Há um duplo sentido na indenização por dano moral: ressarcimento e prevenção. Acrescente-se ainda o cunho educativo, didático ou pedagógico que essas indenizações apresentam para a sociedade" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 285).
O cotidiano no Judiciário nos apresenta a quantidade elevada de abusos a direitos da personalidade. A essa realidade não devemos nos esquivar. Pelo contrário, temos que reprimir. As partes devem entender e aprender a respeitar direito alheio. O cuidado nas relações sociais deve existir, por respeito ao próximo. Simplesmente assim.
Especificamente a respeito do quantum debeatur, sobreleva pedagógico, punitivo, sancionador. Cabe ao Judiciário reprimir eficazmente a violação aos direitos da personalidade. Nesse campo, uma indenização em valor baixo beneficiará o ofensor, que não se preocupará em "corrigir" o erro, porquanto a mudança de comportamento será mais cara, do que a certeza da pequena condenação nas decisões judiciais.
Nesse panorama, "A indenização punitiva do dano moral surge como reflexo da mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos bem definidos: a prevenção (através da dissuação) e a punição (no sentido da redistribuição)" (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. Editora Atlas S.A.: São Paulo, 2012, p. 106).
Não é demais lembrar que a verdadeira dor, em toda a sua intensidade dificilmente chega ao conhecimento dos julgadores. O Maior sofrimento não cabe em palavras. Por certo é maior do que relatam os papéis contidos no caderno processual... Tal realidade devemos ter em mente para o arbitramento da "justa" indenização.
Para findar o assunto, o precedente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
"Demora irrrazoável para cancelar serviços não solicitados ou que se tornaram desnecessários, cobranças indevidas, ameaça de negativação do nome etc., constituem práticas abusivas que devem ser repelidas. Vão além dos meros aborrecimentos, gerando efetiva angústia e mal-estar capaz de caracterizar o dano moral em sentido amplo, cuja indenização pode ter caráter punitivo. Entretanto, exige critério apropriado no seu arbitramento, que deve ser feito atentando-se para a gravidade do ilícito, o princípio da exemplariedade e o seu caráter pedagógico (...)" (13ª Câmara Cível, Ap. Civ. 36.495/2007, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho) (in CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ed. Editora Atlas S.A.: São Paulo, 2012, p. 107).
No caso, para a fixação do montante indenizatório, primordial sopesar também os seguintes aspectos:
a) Econômicos: a empresa ré é uma sociedade simples, que tem como objetivo a prestação de serviços especializados em análises clínicas, atendendo a determinações do Conselho Regional de Farmácia e demais órgãos disciplinadores do exercício da atividade. Conta com 18 (dezoito) filiais e com um capital social de R$100.000,00 (cem mil reais) (fls. 88/93).
O autor, por sua vez, qualificou-se como professor de futebol, informando que recebe mensalmente a quantia de R$800,00 (oitocentos reais) (fl. 17), de forma que foi agraciado com os benefícios da justiça gratuita (fl. 45).
b) Sociais: não há outras ações em face da empresa com idêntica causa de pedir, situação esta que leva a crer que este é um caso isolado.
c) Responsabilidade: a conduta ora reprovada é atribuível a imprudência e negligência do requerido, que prestou o serviço sem a qualidade que dele se esperava.
O erro de digitação evidentemente gerou um sentimento de angústia e aflição no autor, apto, pela gravidade da moléstia que suspeito tê-lo acometido, a romper com seu equilíbrio psicológico e emocional, afetando seu bem-estar.
d) Temporais: durante aproximadamente 40 (quarenta) dias Maicon Ricardo sofreu em virtude do falso diagnóstico, que levou-o a crer ser portador do vírus HIV.
Assim, tendo em vista as particularidades da situação litigiosa, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o caráter indenizatório e pedagógico do dano moral, entende-se correto manter o quantum indenizatório em R$30.000,00 (trinta mil reais). Tal valor não se apresenta inexpressivo diante do porte financeiro do requerido, nem exacerbado a ponto de causar o enriquecimento sem causa do requerente.
4. Sucumbência
O recorrente requer, ainda, a minoração dos honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
Nos termos do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 85, §2º, CPC/2015), os honorários advocatícios, em demandas condenatórias, "serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço".
Na espécie, leva-se em consideração: (a) a complexidade da causa; (b) a atuação dos causídicos, que desenvolveram a petição inicial, réplica e contrarrazões de apelação; (c) o fato de os procuradores terem atuado dentro dos seus domicílios; e (d) o tempo de duração do processo - aproximadamente quatro anos
Diante da análise dos critérios acima transcritos, mantêm-se os honorários advocatícios fixados pelo Juízo a quo.
5. Multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil
Por fim, o apelante requer o afastamento da incidência da multa de 10% (dez por cento), prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil de 1973, aplicada pelo Magistrado a quo, haja vista que este consignou seu termo inicial a contar do trânsito em julgado da sentença.
A reforma processual promovida pela Lei n. 11.232/2005 instituiu tratamento diferenciado para a execução de sentença condenatória ao pagamento de quantia certa, ao determinar o pagamento voluntário da obrigação no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa de 10% (dez por cento), nos termos do mencionado artigo 475-J (correspondente ao art. 523, §1º, CPC/2015), o qual transcrevo a seguir:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
Em vigor referenciado dispositivo, muito se discutiu a respeito do termo inicial do prazo para pagamento espontâneo da condenação, emergindo duas correntes antagônicas: uma que defende o escoamento dos quinze dias automaticamente após o trânsito em julgado da sentença ou decisão condenatória; e outra que entende pela necessidade de intimação da parte devedora para pagar a dívida, no prazo assinalado na lei.
Acerca do tema, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart acrescentam:
O art. 475-J não diz a partir de quando deve ser contado o prazo para o pagamento voluntário da quantia fixada na condenação. Limita-se a dizer que, não efetuado o pagamento no prazo de quinze dias, o valor da condenação deve ser acrescido da multa de dez por cento. Na verdade, como a regra não esclarece quando tem início o cômputo do prazo de quinze dias, também não se tem por certo o instante em que a multa deverá incidir.
(...)
De qualquer forma, a regra é a de que o prazo de quinze dias corre a partir do momento em que o efeito condenatório da sentença se torna eficaz. A partir deste momento, tem o devedor o prazo de quinze dias para pagar o valor fixado na condenação. Mas falta esclarecer, ainda, se tal eficácia depende da intimação pessoal do devedor.
Como é evidente, a sentença, para produzir efeito, exige a prévia ciência da parte. Todavia, a ciência não ocorre apenas quando a parte é pessoalmente intimada. Qualquer forma que se preste a dar inequívoca ciência ao réu (ou a quem o represente no processo) da condenação é suficiente para dar início ao prazo de quinze dias. Portanto, eventualmente a ciência pode ocorrer por intimação pessoal, dirigida ao devedor, mas também pode assumir a forma de intimação - dirigida ao advogado - da sentença ou da decisão que definiu a liquidação (liquidação por artigos ou por arbitramento). Ou melhor, qualquer ato que torne certa a ciência da existência de condenação é bastante para dar início ao fluxo do prazo, sequer se exigindo que se trate de comunicação judicial ou de ato formal de comunicação (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 3, p. 236).
Após acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais sobre a interpretação do mencionado dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a repercussão geral da matéria, pronunciou-se no sentido de que a aplicação da multa prevista no artigo 475-J da Lei Adjetiva Civil de 1973 (correspondente ao art. 523, §1º, CPC/2015) depende da intimação do devedor, por seu advogado, para satisfação da obrigação em quinze dias, e do descumprimento deliberado desta ordem de pagamento, não sendo, referenciada penalidade, mera decorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória no processo de conhecimento.
O recurso representativo da controvérsia está assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. TÍTULO JUDICIAL. MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO APENAS NA PESSOA DO ADVOGADO DO DEVEDOR, MEDIANTE PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL.
1. Para fins do art. 543-C do CPC: Na fase de cumprimento de sentença, o devedor deverá ser intimado, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir a multa de 10% (dez por cento) sobre montante da condenação (art. 475-J do CPC).
2. No caso concreto, recurso especial parcialmente provido, apenas para sanar o erro material detectado no acórdão que julgou os embargos de declaração, de modo que não há falar em aplicação da multa do artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil. (Recurso Especial n. 1262933/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. 19/6/2013)
Esse posicionamento é compartilhado por este Tribunal: TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.030396-8, da Capital. Relator: Des. Trindade dos Santos, j. 15/08/2013; TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.089322-0, de São José. Relator: Des. Eládio Torret Rocha, j. 27/06/2013.
Deste modo, acolho o recurso neste ponto, a fim de modificar o termo inicial da contagem do prazo da multa citada para após a intimação do devedor, por intermédio do seu advogado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, reformando a sentença, a fim de modificar o termo inicial da incidência da multa de 10% (dez por cento) do artigo 475-J do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 523, §1º, CPC/2015), que deverá contar da intimação do devedor para adimplir a condenação, por intermédio do seu advogado.
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning