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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0002227-70.2014.8.24.0052 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Moacyr de Moraes Lima Filho
Origem: Porto Uniao
Orgão Julgador: Terceira Câmara Criminal
Julgado em: Tue Jun 14 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Apelação

 


 


Apelação n. 0002227-70.2014.8.24.0052

Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho

   APELAÇÃO CRIMINAL. DANO À VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA, EM ESTÁGIO MÉDIO DE RECUPERAÇÃO, DO BIOMA MATA ATLÂNTICA (ART. 38-A, CAPUT, DA LEI N. 9.605/98). PLEITO ABSOLUTÓRIO POR FALTA DE PROVAS OU EM RAZÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. LAUDO PERICIAL PRESCINDÍVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS POR OUTROS ELEMENTOS. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. ADMINISTRADOR QUE ORDENOU A SUPRESSÃO DA VEGETAÇÃO EM BENEFÍCIO DA EMPRESA. DOLO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. REPRIMENDA QUE NÃO MERECE REPAROS. RECURSO NÃO PROVIDO.

   1 "Impossível a absolvição quando os elementos contidos nos autos, corroborados pelas declarações firmes e coerentes das testemunhas policiais ambientais, formam um conjunto sólido, dando segurança ao juízo para a condenação pela prática do delito previsto no art. 38-A da Lei n. 9.605/98" (TJSC, Apelação Criminal n. 2012.055851-5, de Joaçaba, j. em 2/7/2013).

   2 "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente [...] nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade" (Art. 3º, caput, da Lei n. 9.605/98).

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0002227-70.2014.8.24.0052, da comarca de Porto União (Vara Criminal) em que são Apelantes Patrimônia Administração e Participação Ltda. e outro e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Terceira Câmara Criminal decidiu, por maioria de votos, negar provimento ao recurso e determinar ao Juízo de Origem que intime os acusados para iniciarem o cumprimento da pena. Vencido o Exmo. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann que absolvia por ausência de materialidade. Custas de lei.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Sr. Desembargador Rui Fortes, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Sr. Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Pedro Sérgio Steil.

           Florianópolis, 14 de junho de 2016.

Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho

Relator

 

           RELATÓRIO

           Na comarca de Porto União, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Patrimônia Administração e Participação Ltda. e Rudi Braz de Oliveira, imputando-lhes a prática do delito capitulado no art. 38-A, caput, da Lei n. 9.605/98, pois, segundo consta na inicial:

    No dia 31 de outubro de 2013, uma guarnição da Policia Militar Ambiental se dirigiu até a propriedade da denunciada Patrimônia Administração e Participação Ltda., localizada na Localidade de Serro do Galo, Zona Rural de Matos Costa/SC, nesta Comarca de Porto União, onde constataram que o denunciado Rudi Braz de Oliveira, administrador e responsável técnico da Fazenda, realizou (por meio do uso de motosserra) a destruição de vegetação nativa secundária em estágio médio de regeneração natural do Bioma da Mata Atlântica, atingindo espécies diversas, dentre as quais, Vassourão Preto (Vernonia discolor), Carne de vaca (Clethra uleana), Aroeira-Vermelha (Schinus terebenthifolius), Mamica-de-cadela (Zanthoxylum rhoifolium), Leiteiro (Sapium glandulatum) e Vassoura-lageana (Baccharis sp.), sem possuir autorização do órgão ambiental.

    O dano ambiental produzido totalizou 2,72 hectares, atingindo também área de preservação permanente (0,65 hectares), posto que existentes nascentes d'água dentro da área afetada. (fl. 76 do processo eletrônico - SAJ5/PG)

           Finda a instrução, o Magistrado a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar (a) Patrimônia Administração e Participação Ltda. ao pagamento de 100 (cem) dias-multa, fixados em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e (b) Rudi Braz de Oliveira ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma medida restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária, na importância de 2 (dois) salários mínimos vigentes na data da sentença, ambos os acusados por infração ao art. 38-A, caput, da Lei n. 9.605/98 (fls. 189/201 - SAJ5/PG).

           Inconformados com o decisum, os réus interpõem apelação criminal por intermédio de procurador comum. Sustentam, em síntese, a falta de provas suficientes para o édito condenatório e buscam a absolvição por força do princípio do in dubio pro reo. Arguem, ainda, a ausência do dolo e a impossibilidade de condenação da pessoa jurídica, uma vez que esta não realiza atos de vontade. Por fim, postulam "a concessão de todos os benefícios legais existentes" (fls. 212/227 - SAJ5/PG).

           Contrarrazões ofertadas (fls. 234/242 - SAJ5/PG), os autos ascenderam a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Pedro Sérgio Steil, manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (fls. 7/9).

           VOTO

           O apelo reúne os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

           1 Os acusados arguem que "há divergência nos autos quanto ao estágio de regeneração em que a área supostamente degradada estava" (fl. 216 - SAJ5/PG) e que era indispensável a realização de laudo pericial, nos termos dos arts. 158 e 159 do Código Penal.

           Tal entendimento, todavia, apresenta resquícios do antigo sistema da prova legal ou tarifada, no qual "a lei impõe ao juiz o rigoroso acatamento a regras preestabelecidas, as quais atribuem, de antemão, o valor de cada prova, não deixando para o julgador qualquer margem de discricionaridade para emprestar-lhe maior ou menor importância" (CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 407).

           Esse método não se coaduna com o vigente, da livre convicção motivada ou persuasão racional, por isso deve ser admitido com ponderação, mormente quando existirem outros elementos que refutem ou demonstrem, de maneira insofismável, a materialidade do crime.

           Sobre o assunto, Paulo Rangel leciona:

    O sistema da prova tarifada que estamos analisando tem resquícios no atual Código de Processo Penal, pois, em seu art. 158 c/c art. 564, III, b, a lei exige exame de corpo de delito nas infrações penais que deixam vestígios, sob pena de nulidade. [...] Só o exame de corpo de delito pode não ser necessário para condenação, bem como sua ausência não impedirá a condenação se outros elementos de prova existirem. (Direito processual penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 519)

           Ademais, esse é o teor do item VII da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal:

    Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência.

           Conforme se verá, embora não exista laudo pericial, confeccionado nos termos do art. 159 do Código de Processo Penal, há provas suficientes que demonstram a degradação do bem jurídico tutelado.

           Sobre o tema, já decidiu este Tribunal de Justiça:

    APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO DO BIOMA MATA ATLÂNTICA (ART. 38-A DA LEI N. 9.605/98). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. RÉU QUE REALIZA A SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO DO BIOMA MATA ATLÂNTICA, EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO, UTILIZANDO-SE, PARA TANTO, DE UMA MOTOSSERRA. CONFISSÃO JUDICIAL E DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS POLICIAIS QUE DEMONSTRAM A PRÁTICA DO CRIME. DOLO EVIDENCIADO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL QUE NÃO DESCARATERIZA O CRIME EM QUESTÃO. DELITO COMPROVADO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

    1. Impossível a absolvição quando os elementos contidos nos autos, corroborados pelas declarações firmes e coerentes das testemunhas policiais ambientais, formam um conjunto sólido, dando segurança ao juízo para a condenação pela prática do delito previsto no art. 38-A da Lei n. 9.605/98.

    2. "A ausência de laudo técnico não induz sumariamente o juízo absolutório quando, pelos demais elementos de prova, apurados pelos agentes que constatam o ilícito ambiental, apontam para a ocorrência do ilícito, corroborados sobretudo pela confissão". (Apelação Criminal n. 2012.045936-5, de Itapiranga, Rel. Des. Ricardo Roesler, j. em 04/12/2012).

    3. Constatada a devastação de 0,7 ha (zero vírgula sete hectares) de área contendo espécimes do Bioma Mata Atlântica, bem que recebe especial proteção pelo art. 225 da Constituição Federal, mostra-se inaplicável o princípio da insignificância. (Apelação Criminal n. 2012.055851-5, de Joaçaba, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. em 2/7/2013)

           O art. 38-A da Lei dos Crimes Ambientais assim estabelece: "destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção".

           Por sua vez, a Lei n. 11.428/06, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências, considera como integrantes "as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste" (grifou-se).

           Já o seu art. 4º estabelece: "a definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente".

           Nesse rumo, o Conama, por meio da Resolução n. 388/07, convalidou resoluções anteriores à Lei n. 11.428/06 que definiam, individualmente, Estado por Estado, os conceitos de vegetação primária, secundária e seus estágios de regeneração. Dentre elas, a Resolução n. 4/94 que delimitava os termos para Santa Catarina, o que, portanto, torna esta resolução vigente para a análise do tipo previsto no art. 38-A da Lei n. 9.605/98.

           Dispõe referida normativa:

    Art. 1º Vegetação primária é aquela de máxima expressão local, com grande diversidade biológica, sendo os efeitos das ações antrópicas mínimos, a ponto de não afetar significativamente suas características originais de estrutura e de espécies, onde são observadas área basal média superior a 20,00 m2/ha, DAP médio superior a 25 cm e altura total média superior a 20 m.

    Art. 2º Vegetação secundária ou em regeneração e aquela resultante dos processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer árvores remanescentes da vegetação Primária.

    Art. 3º Os estágios em regeneração da vegetação secundária a que se refere o artigo 6º do Decreto no 750/93, passam a ser assim definidos:

    I - Estágio inicial de regeneração:

    a) Nesse estágio a área basal média é de até 8 m²/ha;

    b) Fisionomia herbáceo/arbustiva de porte baixo; altura total média até 4m, com cobertura vegetal variando de fechada a aberta;

    c) Espécies lenhosas com distribuição diamétrica de pequena amplitude: DAP médio até 8 cm;

    d) Epífitas, se existentes, são representadas principalmente por liquens, briófitas e pteridófitas, com baixa diversidade;

    e) Trepadeiras, se presentes, são geralmente herbáceas;

    f) Serapilheira, quando existente, forma uma camada fina pouco decomposta, continua ou não;

    g) Diversidade biológica variável com poucas espécies arbóreas ou arborescentes, podendo apresentar plântulas de espécies características de outros estágios

    h) Espécies pioneiras abundantes;

    i) Ausência de sub-bosque;

    j) Espécies indicadoras:

    [...]

    II - Estágio médio de regeneração:

    a) Nesse estágio a área basal média é de até 15,00 m²/ha;

    b) Fisionomia arbórea e arbustiva predominando sobre a herbácea podendo constituir estratos diferenciados; altura total média de até 12 m;

    c) Cobertura arbórea variando de aberta a fechada, com ocorrência eventual de indivíduos emergentes;

    d) Distribuição diamétrica apresentando amplitude moderada, com predomínio dos pequenos diâmetros: DAP médio de até 15 cm;

    e) Epífitas aparecendo com maior número de indivíduos e espécies em relação ao estágio inicial, sendo mais abundantes na floresta ombrófila;

    f ) Trepadeiras, quando presentes, são predominantemente lenhosas;

    g) Serapilheira presente, variando de espessura, de acordo com as estações do ano e a localização;

    h) Diversidade biológica significativa;

    i) Sub-bosque presente;

    j) Espécies indicadoras:

    [...]

    j.2) Floresta Ombrófila Mista: Cupanea vernalis (Cambota-vermelho), Schinus therebenthifolius (Aroeira-vermelha), Casearia silvestris (Cafezinho-do-mato).

    [...]

    III - Estágio avançado de regeneração:

    a) Nesse estágio a área basal média é de até 20,00 m²/ha;

    b) Fisionomia arbórea dominante sobre as demais, formando um dossel fechado e relativamente uniforme no porte, podendo apresentar árvores emergentes; altura total média de até 20 m;

    c) Espécies emergentes ocorrendo com diferentes graus de intensidade;

    d) Copas superiores horizontalmente amplas;

    e) Epífitas presentes em grande número de espécies e com grande abundância, principalmente na floresta ombrófila;

    f ) Distribuição diamétrica de grande amplitude: DAP médio de até 25 cm;

    g) Trepadeiras geralmente lenhosas, sendo mais abundantes e ricas em espécies na floresta estacional;

    h) Serapilheira abundante;

    i) Diversidade biológica muito grande devido à complexidade estrutural;

    j) Estratos herbáceo, arbustivo e um notadamente arbóreo;

    k) Florestas nesse estágio podem apresentar fisionomia semelhante à vegetação primária;

    l) Sub-bosque normalmente menos expressivo do que no estágio médio;

    m) Dependendo da formação florestal pode haver espécies dominantes;

    n) Espécies indicadoras:

    [...]

    n.2) Floresta Ombrófila Mista: Ocotea puberula (Canela-guaicá), Piptocarpa angustifolia (Vassourão-branco), Vernonia discolor (Vassourão-preto), Mimosa scabrella (Bracatinga). [...] (grifou-se)

           Pois bem.

           Na hipótese, a materialidade delitiva está demonstrada por meio da notícia de infração ambiental (fls. 2/3), dos relatórios de fiscalização (fls. 4/12 e 13/22), autos de infração ambiental (fls. 23 e 24) e termos de embargo da área (fls. 25 e 26 - todas do SAJ5/PG), bem como da prova oral coligida ao longo da persecução.

           Some-se a isso o auto de constatação (fls. 32/37 - SAJ5/PG), subscrito por três soldados do batalhão da Polícia Militar Ambiental, registrando que a região pode ser "caracterizada como remanescente da Floresta Ombrófila Mista", o que está em consonância com as delimitações do Mapa da Área de Aplicação da Lei n. 11.428/06, elaborado pelo IBGE conforme previsto pelo Decreto n. 6.660/08 (in: <http://www.mma.gov.br/biomas/mata-atlantica/mapa-da-area-de-aplicação> Acesso em 3/6/2016).

           Ademais, o mencionado documento consignou:

    [...] No local, após análise de uma parcela de 200 m², em uma área contígua ao dano ambiental, constatou-se que a fisionomia apresenta características com predomínio arbóreo/arbustivo com possíveis indivíduos emergentes, com presença de sub-bosque, com DAP (diâmetro à altura do peito) médio de 11,15 cm, e altura média de 4,74m e área basal média de 14,84 (m²/ha). Foi constatada a presença de epífitas, como liquens, briófitas, pteridófitas. Durante a vistoria, foi verificada a presença de serrapilheira com espessuras variadas e diversidade biológica significativa, e ainda a presença de espécie indicadora de estágio, a Schinus therebenthifolius (Aroeira-vermelha), bem como o resultado dos dados dendométricos são compatíveis com o estágio sucessional médio de regeneração, conforme resolução do Conama n. 4/94. (fl. 34 - SAJ5/PG, grifou-se)

           Como se vê, tais características são, de fato, compatíveis com o estágio intermediário de recuperação da vegetação secundária do Bioma Mata Atlântica, segundo o art. 3º, III, da Resolução n. 4/94 do Conama, já reproduzido linhas acima.

           A corroborar, têm-se fotografias (fls. 9/10 e 19/20 - SAJ5/PG), que demonstram não só a quantidade de vegetação removida, como o diâmetro de algumas das espécies, derruindo a alegação de foi feita apenas uma "roçada".

           Há o registro, inclusive, de que a ação atingiu a planta Vernonia discolor (Vassourão-Preto) (fl. 5 - SAJ5/PG), elencada como espécie indicadora da fase avançada, o que aponta os rumos que a natureza seguiria se não houvesse a intervenção indevida.

           As imagens da área contígua (fls. 35/36 - SAJ5/PG) não deixam dúvidas do estágio de regeneração alcançado por aquele remanescente de Floresta Ombrófila Mista, destacando-se a presença de vegetação mais densa e de serrapilheira no chão.

           Além disso, a autoria é certa e está estampada no documento referente à alteração contratual da empresa (fls. 38/47) e na procuração conferindo poderes de "administrador e responsável técnico da Fazenda São Carlos" ao acusado Rudi Braz de Oliveira (fl. 48).

           Sob o crivo do contraditório, o policial militar ambiental Reginaldo Nizer Frankoski contou:

    [...] que verificaram a realização de roçada e adentraram na propriedade para averiguação [1'40"]; que constataram a ocorrência dos danos ambientais descritos na denúncia [1'47"]; que participou da operação para inspeção e medição demonstradas nas fotos de fls. 9/10 [2'45"]; que as conclusões obtidas no auto de constatação são fruto de procedimento padrão adotado pela Polícia Militar Ambiental [2'08"]; que o acusado Rudi Braz de Oliveira afirmou que é o engenheiro florestal responsável pela propriedade rural e que o dano à vegetação foi feito por funcionários, que não foram nominados [3'00"]; que foi também atingida área de preservação permanente, eis que o dano se estendeu além do limite (50 metros) de proximidade de duas nascentes [de água - 3'27"] (depoimento audiovisual - fl. 143). (transcrição extraída da sentença, fl. 193 - SAJ5/PG, com inserção do tempo em que o trecho ocorreu, conforme § 7º do art. 297 do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina - CNCGJSC)

           Nos mesmos moldes, foram as declarações judiciais do seu colega de farda, Élcio Luiz Lombadi, o qual asseverou:

    [...] que havia duas nascentes na área degradada [1'18"]; que apuraram que a vegetação suprimida era secundária [1'27"]; que as fotos de fl. 10 foram tiradas no local da infração ambiental [1'40"]; que não foi apresentada autorização para a supressão das espécies vegetais [1'55"]; que, salvo engano, o acusado Rudi é o engenheiro responsável pela parte florestal [2'09"]. (depoimento audiovisual - fl. 143). (transcrição extraída da sentença, fls. 193/194 - SAJ5/PG, com inserção do tempo em que o trecho ocorreu, conforme § 7º do art. 297 do CNCGJSC)

           Os testigos acrescentaram, contudo, que não viram Rudi no local (3'52" e 2'04", respectivamente, gravações audiovisuais à fl. 143 - SAJ5/PG).

           A testemunha defensiva, Anildo Bedlin, relatou que os funcionários estavam fazendo o corte quando a polícia ambiental chegou (0'36"). Sublinhou que Rudi não estava presente, pois havia feito uma cirurgia (1'25" e 2'13"), porém confirmou que a função de Rudi era cuidar do corte de madeiras e fiscalizar (3'04"). Perquirido pelo Magistrado, respondeu que não estava no local no dia (4'34"), mas que conhecia a área e havia uma nascente pequena a uns 25 (vinte e cinco) metros dali (4'50", gravação audiovisual à fl. 143 - SAJ5/PG).

           Antônio Silveste Carneiro afirmou que soube que Orson e Rudi autorizaram a roçada (1'07"). Detalhou que o depoente e Rudi não estavam presentes (1'20") e que, ao passar pelo local, é possível ver uma "tira" de 10 (dez) a 15 (quinze) metros que ficou até hoje (1'54", gravação audiovisual à fl. 143 - SAJ5/PG).

           Por sua vez, o acusado Rudi Braz de Oliveira reprisou o que afirmara na etapa administrativa (fls. 27/28 - SAJ5/PG) e, em Juízo, disse:

    [...] que é responsável técnico da empresa e confecciona os projetos de corte [0'24"]; que é o responsável pelo corte de pínus [0'32"]; que houve supressão de vegetação em outras áreas com autorização ambiental [0'36"]; que, no presente caso, houve um mal-entendido na transmissão da ordem ao pessoal que executou o serviço [0'49"]; que, então, houve excesso na execução da roçada [1'26"]; que deveria ter sido roçada uma área ao lado de onde foi constatado o dano ambiental [1'08"]; que não acompanhou as atividades de roçada porque se encontrava sob licença médica [1'40" e 1'56"]; que foi perguntado pelo proprietário da área rural se poderia ser feita a roçada no local e então respondeu que sim [2'12"]; que se referia a outra área; que a roçada realizada se aproximou de uma nascente existente no local [3'28"]; que visitou a área degradada posteriormente e constatou que houve a supressão [4'13"], mas não pode afirmar qual o estágio de regeneração da área atingida [5'52"]; que se tratou de um caso isolado [7'06"]; que esteve afastado de suas atividades aproximadamente por 30 dias, a partir do final do mês de julho de 2013 [7'54" e 8'50"]; que a determinação para roçada foi anterior ao período de licença [9'18"]. (interrogatório audiovisual - fl. 143). (transcrição extraída da sentença, fl. 194 - SAJ5/PG, com inserção do tempo em que o trecho ocorreu, conforme § 7º do art. 297 do CNCGJSC)

           De se notar que o acusado confessou ter dado a ordem para a realização do corte, no entanto arguiu que não estava presente e que os funcionários agiram com excesso.

           A ausência de Rudi no local dos fatos encontra eco na prova dos autos, sobretudo nas declarações dos policiais militares ambientais.

           No entanto, considerando que Rudi é engenheiro florestal e que, à distância, deu a ordem para o corte não urgente de vegetação, no mínimo sua conduta foi revestida de dolo eventual e o resultado lhe é imputável por estar dentro do desencadeamento normal do nexo de causalidade (arts. 13 e 18, I, segunda parte, ambos do Código Penal).

           Inegável, portanto, sua responsabilidade penal pelo ocorrido.

           De outro lado, a empresa Patrimônia Administração e Participação Ltda. sustenta a impossibilidade de ser condenada, porquanto "não haveria a possibilidade de uma pessoa jurídica praticar qualquer conduta, já que o ato de vontade é algo indispensável e de vinculação direta com a pessoa física" (fl. 215 - SAJ5/PG).

           A questão - que já foi bastante tormentosa, em razão de exigir o "alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal, a exemplo da culpabilidade" (STF, Habeas Corpus n. 92.921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 19/8/2008, DJUe de 25/9/2008) - está relativamente pacificada na jurisprudência nacional, que admite a condenação de pessoas jurídicas por crimes ambientais.

           A própria Constituição Federal prevê expressamente que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (art. 225, § 3º).

           Seguindo esse rumo, o art. 3º, caput, a Lei n. 9.605/98 estatuiu que "as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade".

           Recentemente, os Tribunais Superiores convergiram no sentido não ser necessária nem sequer a dupla imputação, significando que as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas independentemente do sancionamento de pessoas naturais, cuja ação tomada no interesse ou benefício do ente abstrato justifica a punição deste. A propósito, vide: STF, RE n. 548.181/PR, rela. Mina. Rosa Weber, j. em 6/8/2013, DJUe de 29/10/2014; e STJ, RHC n. 50.470/ES, rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 17/9/2015, DJUe de 6/10/2015.

           A Corte da Cidadania, inclusive, ressaltou que "a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução" (STJ, RMS n. 39.173/BA, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 6/8/2015, DJUe de 13/8/2015).

           Na espécie, impossível afastar a condenação da empresa, pois ficou demonstrado que o seu representante (fl. 48 - SAJ5/PG) foi quem deu a ordem para o corte da vegetação.

           Ressalte-se que a responsabilidade da entidade não se restringe às hipóteses em que se almeja o lucro, mas sempre que a infração ambiental é praticada no seu interesse ou benefício.

           Nesse viés, a testemunha defensiva Anildo Bedlin ponderou que a vegetação era predominantemente de arbustos, com o solo gramado, sendo o local utilizado para soltar os animais (0'58" e 1'58"). De seu turno, Antônio Silveste Carneiro contou que, 40 (quarenta) anos antes, aquela área era um potreiro (0'34", das gravações audiovisuais à fl. 143 - SAJ5/PG).

           Isso apenas demonstra que o processo de regeneração daquele remanescente do Bioma Mata Atlântica, já em estágio médio, foi interrompido dolosamente pela conduta dos funcionários de Patrimônia Administração e Participação Ltda. e não teve outra finalidade que não ampliar o uso do terreno, mesmo que com infringência das normas ambientais, das quais Rudi Braz de Oliveira estava plenamente ciente, uma vez que é engenheiro ambiental.

           Diga-se, ainda, que o caso não constituiu uma banalidade sem maiores repercussões como querem os apelantes. A área atingida foi de 2,72ha (dois vírgula setenta e dois hectares) (fl. 32 - SAJ5/PG), de um total de 12ha (doze hectares), conforme declarou Rudi na etapa inquisitória (fl. 27 - SAJ5/PG), além de abarcar o terreno circundante de duas nascentes de água, definidas como área de preservação permanente (art. 4º, IV, da Lei n. 12.651/12), o que, em tese, configuraria cumulativamente outro crime, sobre o qual não cabe discorrer, em face da ausência de recurso do Ministério Público.

           Por tudo isso, não há que se falar em absolvição dos acusados quanto ao delito descrito no art. 38-A, caput, da Lei n. 9.605/98.

           2 Em que pese a alegação de que as penas foram exorbitantes e o pedido genérico de "concessão de todos os benefícios legais existentes em favor dos recorrentes", constata-se que a reprimenda não merece reparos, haja vista que fixada com atenção às operadoras alinhadas no art. 59 do Código Penal e aos demais parâmetros legais, que garantem a sua individualização e contribuem para a efetivação dos seus objetivos, quais sejam: retribuição, prevenção e ressocialização do apenado.

           O Sentenciante justificou que, embora o preceito secundário do tipo permitisse, a aplicação isolada da pena de multa não seria suficiente para estabelecer a reprovação do delito em relação a Rudi Braz de Oliveira, o que se sustenta em razão da sua qualidade pessoal de engenheiro do meio ambiente.

           De todo modo, a pena privativa de liberdade foi substituída por uma medida restritiva de direitos consistente em pagamento de 2 (dois) salários mínimos vigentes à data do decisum, montante que, apesar de um pouco acima do patamar inferior, não se mostra exagerado ou desproporcional, uma vez que o recorrente é pós-graduado e contratado por empresa para prestar serviços especializados (fl. 48 e 144 - SAJ5/PG), o que, por certo, garante-lhe salário condizente.

           Em outra banda, a pessoa jurídica foi condenada ao pagamento de 100 (cem) dias-multa, cada qual arbitrado em 1/3 (um terço) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos - R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais), conforme Decreto n. 78.72/2012 - o que totaliza R$ 22.600,00 (vinte e dois mil e seiscentos reais), valor consentâneo com o capital social da empresa, que perfaz R$ 40.850.395,00 (quarenta milhões, oitocentos e cinquenta mil, trezentos e noventa e cinco reais) (fl. 42 - SAJ5/PG).

           Ressalvado o meu entendimento acerca da questão, que perpassa a incompatibilidade da execução provisória da pena com o princípio da presunção de inocência (arts. 5º, LVII, da Constituição da República e 283 do Código de Processo Penal), conforme as razões lançadas no voto vencido nos autos da Apelação Criminal n. 0003775-90.2015.8.24.0054, determina-se, em homenagem à segurança jurídica e colegialidade, que o Juiz de origem intime os acusados para iniciarem o cumprimento da pena, nos termos do novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (HC n. 126.292/SP).

           Ante o exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso e determinar ao Juízo de Origem que intime os acusados para iniciarem o cumprimento da pena.


Gabinete Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho