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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0158548-61.2015.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Gilberto Gomes de Oliveira
Origem: Capital
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Jun 14 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Daniela Vieira Soares
Classe: Agravo de Instrumento

 


 


Agravo de Instrumento nº 0158548-61.2015.8.24.0000

Relator: Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

   COMPRA E VENDA. DAÇÃO EM PAGAMENTO. ENTREGA DE APARTAMENTO EM CONSTRUÇÃO. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE DAVA O TERRENO SOB O QUAL SE CONSTRUÍA O APARTAMENTO COMO GARANTIA DA ENTREGA DO BEM. PLEITO DE AVERBAÇÃO DE ÔNUS REAL EM GARANTIA NA MATRÍCULA DO TERRENO. REQUISITO DA PUBLICIDADE NÃO PREENCHIDO. INSTRUMENTO PARTICULAR NÃO REGISTRADO NO CARTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO ERGA OMNES. MERA AVERBAÇÃO QUE NÃO SUPRE A AUSÊNCIA DO REGISTRO.

   Tanto a especialização como a publicidade são requisitos imprescindíveis para que o ônus real possa valer contra terceiros, caracterizando-se juridicamente como um direito real pela sua oponibilidade erga omnes. Se a garantia não contiver tais requisitos, o contrato que a constitui, embora não seja nulo, não dará origem a um direito real. Ademais, impossível o registro de hipoteca por intermédio de instrumento particular, de acordo com o art. 108 do Código Civil.

   AGRAVO NÃO PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 0158548-61.2015.8.24.0000, da comarca da Capital 5ª Vara Cível em que é Agravante Umberto Sfoggia Zago ME e Agravado Dui Godin Construtora e Incorporadora EIRELE.

           A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento recurso. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Exma. Srª. Desª. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

           Florianópolis, 14 de junho de 2016.

Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

Relator

           RELATÓRIO

           Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Umberto Sfoggia Zago ME da decisão que, em sede de ação de rescisão contratual, indeferiu o pedido de antecipação de tutela e determinou a averbação da existência de ação que envolve o imóvel de matrícula nº 20.194 do Registro de Imóveis da Capital.

           O agravante sustenta que parte da avença de compra e venda firmada entre as partes seria adimplida mediante dação em pagamento, com a entrega de um apartamento e, conforme consta no contrato, o terreno sobre o qual o bem era construído serviria como garantia real do pacto, motivo por que a informação deve ser averbada na matrícula do terreno (fls. 02/10).

           O efeito ativo foi indeferido (fls. 85/91).

           Os autos vieram conclusos para julgamento.

           Este é o relatório.

 

           VOTO

           Presentes os pressupostos que regem a admissibilidade, conhece-se do recurso.

           Infere-se dos autos que as partes efetuaram contrato de compra e venda, mediante o qual o vendedor, ora agravante, aliena estoque total de produtos e mobiliário da loja Coqueiro Materiais de Construção e, em troca, receberia um apartamento, por dação em pagamento - que à época da avença se encontrava em construção -, bem como R$ 20.000,00, além de outros R$ 5.754,74 a serem quitados títulos do passivo do agravante.

           No entanto, verificou-se que o comprador, ora agravado, deixou de cumprir com diversas cláusulas contratuais, razão por que foi ajuizada demanda visando a rescisão do contrato e a concessão de antecipação de tutela, que tinha como escopo a averbação de garantia real na matrícula do terreno em que se construía o imóvel objeto da dação em pagamento; todavia, a medida foi indeferida pela magistrada singular.

           Escorreito o interlocutório.

           Inicialmente, oportuno consignar que, em agravo de instrumento, cabe ao Relator tão somente a análise da questão no que diz respeito ao acerto ou desacerto da decisão recorrida sem, contudo, esgotar a discussão da matéria, sob pena de supressão de instância.

           Ultrapassado esse ponto, esclarece-se que o sistema jurídico vigente prevê as modalidades de garantias reais no art. 1.419 do Código Civil (art. 755 do CC/16), in verbis:

    Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.

           Ainda, considera-se a propriedade fiduciária, conceituada pelo art. 1.361 do do mesmo Diploma (arts. 647 e 648 do CC/16), a qual, no que tange aos bens imóveis, é regulamentada pela Lei nº 9.514/97.

           Nessa esteira, as aludidas garantias revelam-se direitos reais "porque adere imediatamente à coisa, sendo oponível erga omnes e provida de sequela, aperfeiçoando-se após a tradição ou registro" (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 416).

           Outrossim, uma vez que há a criação de vínculo real com relação ao bem garantido, há dois requisitos formais que devem ser observados a fim de que o ônus real seja oponível a terceiros, quais sejam: a publicidade e a especialização.

           Sobre o tema, Maria Helena Diniz elucida:

    A especialização do penhor, da hipoteca, da anticrese vem a ser a pormenorizada enumeração dos elementos que caracterizam a obrigação e o bem dado em garantia. De modo que, além dos requisitos do art. 104 do Código Civil, exige o art. 1.424 deste que no instrumento figurem:

    a) O valor do crédito, sua estimação ou valor máximo [...]

    b) O prazo fixado para o pagamento do débito [...]

    c) A taxa de juros [...]

    d) A especificação da coisa dada em garantia [...]. Se se tratar de hipoteca ou de anticrese, deverá mencionar a situação, denominação, superfície, caracteres do imóvel dado em garantia, individuando-o. A falta de individuação do objeto descaracteriza a garantia.

    A publicidade do contrato é dada pelo registro e pela tradição se se tratar de bem móvel. Todos os requisitos acima mencionados deverão figurar na inscrição do ônus real na circunscrição imobiliária competente (Lei n. 6.015/73, arts. 238 e 241). De modo que a hipoteca e a anticrese só se constituem por meio desse registro imobiliário (CC, art. 1.227). [...] (op. cit. p. 421/422).

           No caso vertente, o agravante sustenta a necessidade de averbação de garantia real na matrícula do imóvel em discussão por força de cláusula constante no contrato de compra e venda firmado entre as partes.

           Retira-se da avença a aludida disposição (fl. 36):

    CLÁUSULA SEXTA: [...]

    PARÁGRAFO ÚNICO: Fica, desde já, sob forma de garantia do cumprimento da entrega do Apartamento listado acima, no PREÇO E FORMA DE PAGAMENTO, o terreno matriculado sob o nº 20.194, no Livro nº 2 - Registro Geral, do Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis, de Florianópolis e, onde está sendo erguida a obra. Na impossibilidade de conclusão das obras e a entrega efetiva do imóvel, o terreno deverá ser inabilitado e imediatamente disponibilizado para reparação dos prejuízos do VENDEDOR. Por meio desse Contrato, o COMPRADOR fará a transferência do terreno a quem o Promitente Vendedor designar, e receberá por isso somente a diferença, subtraído o valor do bem, corrigido desde a assinatura desse Contrato até a data do recebimento dessa venda, pelo CUB (Custo Unitário Básico da Construção) e mais de 1% (um por cento) de juros por mês.

           Extrai-se da cláusula transcrita que a figura estampada assemelha-se à hipoteca; porém, não se constatou o preenchimento do requisito da publicidade. Isso, porque o pacto foi firmado por meio de instrumento particular, com a assinatura de duas testemunhas e ausente o registro no cartório (fls. 34-36).

           Nesse sentir, válida a célebre frase de Lacerda de Almeida: "hipoteca não registrada é hipoteca não existente" (apud DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 483).

           Ademais, considerando-se que a hipoteca passa a existir no mundo jurídico com o seu registro, igualmente passará a ser oponível erga omnes, revelando sua validade com força de garantia real; caso contrário, tratar-se-ia de direito pessoal com mera eficácia inter partes sem capacidade de averbação.

           Por oportuno:

    Tanto a especialização como a publicidade são requisitos imprescindíveis para que o ônus real possa valer contra terceiros, caracterizando-se juridicamente como um direito real pela sua oponibilidade erga omnes. Todavia, se a garantia não contiver tais requisitos, o contrato que a constitui não será nulo, só que não dará origem a um direito real, passando a valer apenas inter partes, ou seja, como direito pessoal, sem referência a terceiros [...] (op. Cit. p. 422).

           Feitos tais esclarecimentos, importa frisar que, no caso dos autos, o agravante busca suprir a ausência do requisito da publicidade - o qual ver-se-ia preenchido com o registro da hipoteca - por intermédio da mera averbação de garantia real na matrícula do imóvel.

           Todavia, diferem-se os atos de registro dos atos de averbação.

           No que tange aos atos relativos a imóveis, é por meio do registro que se dá o domínio, bem como se constituem os demais direitos reais.

           Nicolau Balbino Filho leciona:

    Do exposto se conclui que os atos do registro de imóveis, executados de conformidade com a legislação pátria, produzem os seguintes efeitos:

    a) são modo de adquirir imóveis com o registro do título de transferência, operando sempre a validade contra terceiros;

    b) são modo de constituir e transferir direitos reais sobre imóveis alheios, tanto os de gozo como os de garantia;

    c) determinam, pela averbação na folha da matrícula ou à margem do competente registro, a extinção do respectivo direito real;

    d) o registro oferece a prova da existência do domínio e dos direitos reais sobre imóveis, ressalvados os direitos de terceiros. (Registro de Imóveis: doutrina, prática e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 33)

           Por outro lado, nas palavras do referido doutrinador: "averbar é fazer constar na folha de um registro todas as ocorrências que, por qualquer modo, o alterem" (op. Cit., p. 529).

           Tratando-se, pois, de atos com características e funções distintas, não há como por meio de um - averbação - obter-se o mesmo efeito que outro - registro -, conforme postula o agravante.

           Ademais, impossível o registro de hipoteca por intermédio de instrumento particular, porquanto dispõe o art. 108 do Código Civil: "Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País".

           Logo, diante da inexistência de publicidade que cinge a suposta hipoteca, não há falar na existência de ônus real em garantia, na hipótese.

           O VOTO é no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso.


Gabinete Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira 13