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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 9155259-64.2015.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jânio Machado
Origem: Rio do Sul
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Jun 01 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Direta de Inconstitucionalidade

 

Ação direta de inconstitucionalidade n. 9155259-64.2015.8.24.0000, de Rio do Sul

Relator: Des. Jânio Machado

   AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 5.450, DE 20.1.2014, DO MUNICÍPIO DE RIO DO SUL, QUE INCLUI A QUIROPRAXIA DENTRE OS TRATAMENTOS FORNECIDOS PELA REDE PÚBLICA DE SAÚDE DO MUNICÍPIO, ALÉM DE AUTORIZAR O PODER EXECUTIVO A CELEBRAR CONVÊNIOS PARA A SUA IMPLANTAÇÃO. PROJETO DE LEI QUE FOI DE INICIATIVA DA CÂMARA DE VEREADORES. INTERFERÊNCIA DIRETA EM ATIVIDADE DE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE RESULTA EM AUMENTO DE DESPESA, SEM PREVISÃO NA LEI ORÇAMENTÁRIA. VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. ARTIGOS 32, 50, § 2º, INCISO VI, 71, INCISO IV, ALÍNEA "A", 120, § 2º, E 123, INCISOS I E III, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL, COM EFEITOS A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de ação direta de inconstitucionalidade n. 9155259-64.2015.8.24.0000, da comarca de Rio do Sul (Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos), em que são requerentes Ministério Público do Estado de Santa Catarina, Coordenador Geral do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade CECCON e 5º promotor de justiça da comarca de Rio do Sul, e requeridos Prefeito Municipal de Rio do Sul e Câmara de Vereadores do Município de Rio do Sul:

           O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, julgar procedente o pedido inicial para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 5.450, de 20.1.2014, do Município de Rio do Sul. Custas na forma da lei.

           O julgamento, realizado no dia 1º de junho de 2016, foi presidido pelo desembargador Torres Marques, com voto, e dele participaram os desembargadores Raulino Jacó Brüning, Rodrigo Collaço, Sérgio Rizelo, Pedro Manoel Abreu, Newton Trisotto, Sérgio Roberto Baasch Luz, Fernando Carioni, Rui Fortes, Marcus Tulio Sartorato, Salete Silva Sommariva, Ricardo Fontes, Alexandre d'Ivanenko, Lédio Rosa de Andrade, Marli Mosimann Vargas e José Carlos Carstens Köhler.

           Funcionou como representante do Ministério Público o procurador de justiça Jacson Corrêa.

           Florianópolis, 6 de junho de 2016.

Jânio Machado

relator

 

RELATÓRIO

           O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, representado pela subprocuradora-geral de justiça para assuntos jurídicos e institucionais, pelo coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade CECCON e pela 5ª Promotoria de Justiça da comarca de Rio do Sul, propôs ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 5.450, de 20.1.2014, do Município de Rio do Sul, que "inclui a quiropraxia como tratamento natural na saúde pública do município". Sustentou, em síntese, que: a) a norma impugnada, porque tem iniciativa parlamentar, padece de vício formal, "pois cria novo serviço público a ser prestado pelo Poder Executivo" e "novo cargo público", invadindo a competência do prefeito, a quem é reservada a iniciativa privativa para legislar a respeito dos serviços públicos e do seu funcionamento e organização (artigo 50, § 2º, incisos II e IV, e artigo 71, incisos II e IV, alínea "a", ambos da Constituição Estadual); b) a sanção do prefeito não supre o vício de iniciativa e c) o artigo 3º da lei impugnada, ao pressupor a celebração de convênios pelo Poder Executivo, interfere na autonomia, independência e harmonia entre os poderes (artigo 32 da Constituição Estadual), pois os convênios "constituem atos ordinários da gestão administrativa, não dependendo o administrador de autorização ou subordinação legislativa para a sua prática".

           O prefeito municipal e o presidente da Câmara de Vereadores de Rio do Sul foram notificados (fls. 16/17), sendo que apenas este último prestou informações (fl. 18) sustentando a regularidade do processo legislativo adotado pela Câmara em relação à lei impugnada.

           O procurador-geral do Município manifestou-se pela procedência do pedido inicial (fls. 19/30).

           A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela procedência do pedido inicial (fls. 33/41) e os autos vieram para julgamento.

VOTO

           A presente ação foi proposta com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 5.450, de 20.1.2014, do Município de Rio do Sul, que "inclui a quiropraxia como tratamento natural na saúde pública do município", por ter a Câmara Municipal deixado de observar a iniciativa privativa do prefeito para legislar sobre a organização e o funcionamento de órgão da Administração Pública Municipal e porque a previsão da celebração de convênios pelo Poder Executivo interfere na autonomia, independência e harmonia entre os poderes, o que estaria violando os artigos 32, 50, § 2º, incisos II e IV, e 71, incisos II e IV, alínea "a", todos da Constituição Estadual.

           A Câmara de Vereadores do Município de Rio do Sul aprovou a Lei n. 5.450, de 20.1.2014, que, além de incluir novo tratamento dentre aqueles que estão disponíveis na rede pública de saúde, autorizou o Poder Executivo a firmar convênios com "órgãos federais e municipais", "clínicas particulares habilitadas" e "profissionais autônomos atuantes na área, contanto que estejam devidamente habilitados e inscritos junto às entidades representativas da atividade" (fl. 11).

           O ato normativo impugnado, logo se vê, padece de vício formal, consistente na inobservância da iniciativa privativa do prefeito para legislar sobre a organização e o funcionamento de órgão da Administração Pública Municipal.

           A Constituição do Estado de Santa Catarina, a respeito do processo legislativo, assim dispõe:

    "Art. 50. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

    (...).

     § 2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:

    (...).

    VI - a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 71, IV. (NR)".

           Embora a redação do inciso VI do § 2º do artigo 50 da Constituição Estadual tenha sido alterada pela Emenda Constitucional n. 38, de 20.12.2004, suprimindo-se os termos "estruturação" e "atribuições" e acrescentando-se o termo "extinção", não se pode concluir que o chefe do Poder Executivo deixou de ter a iniciativa privativa para legislar sobre matérias relacionadas à estrutura e às atribuições de órgãos da Administração Pública, até porque ainda persiste, dentre as suas atribuições privativas, o dever de dispor, mediante decreto, sobre a "Organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos" (artigo 71, inciso IV, alínea "a", da Constituição Estadual, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 38, de 20.12.2004).

           No caso, o acréscimo de novo tratamento a ser fornecido pela rede pública de saúde do Município e o estabelecimento de procedimento para a sua implantação (a celebração de convênios com outros órgãos de saúde, clínicas e profissionais autônomos) interfere na organização e no funcionamento de órgão da Administração Pública municipal, que deverá se adaptar à demanda popular por este tratamento (disponibilização de espaço físico, agendamento de sessões e remanejamento de servidores públicos), além do que resulta no aumento de despesa pública sem a correspondente previsão na lei orçamentária anual, especialmente em face da necessidade da admissão por concurso público ou a contratação de profissionais de quiropraxia.

           Não bastasse, a ampliação de serviço público deve ser prevista na lei orçamentária anual, a teor do disposto nos artigos 120, § 2º e 123, incisos I e III, da Constituição Estadual:

    "Art. 120. O plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, estruturados em Programas Governamentais, serão estabelecidos em leis de iniciativa do Poder Executivo, precedidas da realização do Congresso Estadual do Planejamento Participativo, de acordo com o disposto em Lei Complementar.

    (...)

    § 2º Os planos e programas estaduais, regionais e setoriais serão elaborados em consonância com o plano plurianual.

    (...)

    Art. 123. É vedado:

    I - iniciar programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

    (...)

    III - realizar despesas ou assumir obrigações diretas que excedam créditos orçamentários ou adicionais;".

           O Estado, por meio dos órgãos públicos, realiza as suas atividades governamentais e administrativas.

           A propósito:

    "Os órgãos públicos são centros de competência do Estado. Se reunidos sob o critério da hierarquia, que é relação de subordinação existente entre os órgãos públicos com competência administrativa e, por conseguinte, entre seus titulares, compõem a estrutura da Administração Pública e, se somadas suas atribuições, constituem a totalidade das competências do Estado.". (GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48).

           E:

    "Como as atividades governamentais e administrativas são múltiplas e variadas, os órgãos que irão realizá-las se apresentam diferençados na escala estatal, multiformes na sua estrutura e diversificados nas suas atribuições e funcionamento, procurando adaptar-se às especializadas funções que lhes são atribuídas. Daí a presença de órgãos legislativos, executivos e judiciários; de órgãos de direção, deliberação, planejamento, assessoramento e execução; de órgãos superiores e inferiores; de órgãos centrais, regionais e locais; de órgãos administrativos, jurídicos e técnicos; de órgãos normativos e fiscalizadores; de órgãos simples e compostos; de órgãos singulares e colegiados, e tantos outros.". (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 71).

           A separação das funções do Estado, contudo, é imprescindível para o fiel desempenho da tarefa de cada Poder:

    "? A independência a que se refere este art. 2º delineia-se: pela investidura e permanência das pessoas num dos órgãos do governo, as quais, ao exercerem as atribuições que lhes foram conferidas, atuam num raio de competência próprio, sem a ingerência de outros órgãos, com total liberdade, organizando serviços e tomando decisões livremente, sem qualquer interferência alheia, mas permitindo colaboração quando a necessidade o exigir. Em última análise, a independência das funções do poder político, uno e indivisível, exterioriza-se pelo impedimento de uma função se sobrepor em relação à outra, admitidas as exceções participantes dos mecanismos de freios e contrapesos.". (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 90).

           O Supremo Tribunal Federal já decidiu que é do chefe do Executivo a competência privativa para criar nova atribuição para órgãos da Administração Pública: ação direta de inconstitucionalidade n. 2857/ES, Tribunal Pleno, relator o ministro Joaquim Barbosa, j. em 30.8.2007.

           A inconstitucionalidade é formal "quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição" e material "quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição" (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 47).

           A Lei n. 5.450, de 20.1.2014, do Município de Rio do Sul, portanto, está acometida de vício formal, consistente na ampliação do serviço municipal de saúde, o que, por se tratar de providência afeta à estrutura e à organização de órgão da Administração Pública, somente poderia ser implementada mediante lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo (artigos 50, § 2º, inciso VI, e 71, inciso IV, alínea "a", ambos da Constituição Estadual, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 38, de 20.12.2004), e também de vício material, diante da interferência direta do Poder Legislativo na gestão de órgão da Administração Pública, o que viola o princípio da separação dos poderes (artigo 32 da Constituição Estadual), além de estabelecer providência que gera aumento na despesa pública, sem previsão orçamentária.

           A respeito do que foi tratado, são encontrados precedentes no Órgão Especial, o que mais conforta o que se está a afirmar: ação direta de inconstitucionalidade n. 2015.020427-1, do Tribunal de Justiça, relator o desembargador Eládio Torret Rocha, e ação direta de inconstitucionalidade n. 2014.092015-2, da Capital, relator o desembargador Salim Schead dos Santos, ambas j. em 7.10.2015; ação direta de inconstitucionalidade n. 2011.057730-9, de São Miguel do Oeste, relator o desembargador Rui Fortes, j. em 6.5.2015.

           Com essas considerações, a Lei n. 5.450, de 20.1.2014, do Município de Rio do Sul, é declarada inconstitucional, com efeitos a partir da publicação do acórdão.


Gabinete desembargador Jânio Machado