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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0001391-85.2014.8.24.0056 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Salete Silva Sommariva
Origem: Santa Cecília
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue May 17 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Aline Mendes de Godoy
Classe: Apelação

 


 

ESTADO DE SANTA CATARINA

       TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação n. 0001391-85.2014.8.24.0056, de Santa Cecília

Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva

   APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, § 2º, II, C/C ART. 14, II) E LESÕES CORPORAIS (CP, ART. 129, CAPUT) - RECURSO DEFENSIVO - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (CPP, ART. 593, III, "D") - INOCORRÊNCIA - EXISTÊNCIA DE VERSÃO APTA A AMPARAR O VEREDITO - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0001391-85.2014.8.24.0056, da comarca de Santa Cecília (Vara Única) em que é Apelante Vanusa de Melo Martins e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

           A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado em 17 de maio de 2016, os Exmos. Srs. Des. Getúlio Corrêa e Volnei Celso Tomazini.

           Florianópolis, 19 de maio de 2016.

Salete Silva Sommariva

PRESIDENTE E RELATORA

 

           RELATÓRIO

           O magistrado Luciano Fernandes da Silva, em atenção ao disposto no art. 423, II, do Código de Processo Penal, elaborou o seguinte relatório:

    O órgão do Ministério Público Estadual em exercício nesta Comarca, no uso de msuas atribuições legais, baseado no Auto de Prisão em Flagrante registrado sob n.º 0001391-85.2014.8.24.0056, ofereceu denúncia contra Vanusa de Melo Martins, já qualificada nos autos, dando-a como incursa nas sanções do art. 121, § 2º, inciso II c/c art. 14, II, ambos do Código Penal (contra Marlene Aparecida Machado), no art. 129, caput, c/c art. 61, II, "a", ambos do Código Penal (contra Carla Priscila Machado) e art. 244-B da Lei n. 8.069/90, porquanto:

  No dia 1º de novembro de 2014, por volta das 18:00 horas, no terreno situado nas imediações das residências da denunciada e das vítimas, localizado na Rua Professor Carlos Belli, Bairro Marciliano Fernandes, nesta cidade de Santa Cecília, a Denunciada VANUSA DE MELO MARTINS, juntamente com a adolescente Letícia Vitória Martins de Souza, sua sobrinha, se dirigiram até sua residência, que fica aos fundos da casa das vítimas, oportunidade em que a denunciada Vanusa e a adolescente Letícia passaram a provocar as vítimas Carla e Marlene, iniciando-se, então, uma discussão entre elas.

  Após entrarem em vias de fato, a denunciada VANUSA DE MELO MARTINS, em comunhão de esforços com a adolescente Letícia Vitória Martins de Souza, ambas de posse de armas brancas, (facão e faca, respectivamente), ofendeu a integridade corporal da vítima Carla Priscila Machado, no momento em que, imbuída de animus laedendi, investiu contra a ofendida e desferiu golpes de facão, ocasionando as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito.

  Na mesma ocasião, a Denunciada VANUSA DE MELO MARTINS, em comunhão de esforços com a adolescente Letícia Vitória Martins de Souza, ambas de posse de armas brancas (facão e faca, respectivamente, movida por manifestada vontade de matar, investiu contra Marlene Aparecida Machado, desferindo contra a cabeça da vítima golpes de facão, ocasionando as lesões corporais descritas no

  Auto de Exame de Corpo de Delito (ferimento cortante na cabeça 10cm e 4cm com sangramento abundante), não alcançando o resultado morte devido circunstâncias alheias a sua vontade, já que a vítima foi socorrida e encaminhada a atendimento médico.

  Consta, ainda, no caderno investigatório, que os delitos foram cometidos por motivo fútil, pois a agente agrediu Carla Priscila Machado e pretendia ceifar a vida da vítima Marlene Aparecida Machado em razão de brigas e desentendimentos existentes em relação à passagem da denunciada e de seus familiares pelo terreno das vítimas.

  Por fim, VANUSA DE MELO MARTINS, ao praticar a infração penal narrada na presença, em companhia e contando com a colaboração da adolescente Letícia Vitória Martins de Souza, corrompeu a menor de idade, ou, no mínimo facilitou a sua corrupção (fls. 1 e 2).

    A denúncia foi recebida às fls. 107-109, ante a presença dos requisitos legais.

    Determinou-se a citação da acusada para apresentar resposta no prazo legal, bem como a prisão preventiva foi decretada.

    Devidamente citada a acusada apresentou defesa prévia às fls. 112-113.

    Arrolou testemunhas.

    A denunciada não foi absolvida sumariamente, ante a inexistência das hipóteses elencadas no art. 397 do CPP. Foi designada audiência de instrução e julgamento para oitiva das testemunhas arroladas e interrogatório da ré (fl. 118).

    Aberta audiência, foram inquiridas as duas vítimas, um informante, quatro testemunhas arroladas pela acusação, havendo dispensa em relação ás demais; bem como um informante e duas testemunhas arroladas pela defesa. Em seguida, passou-se ao interrogatório da ré. Ato contínuo a defesa requereu a revogação da prisão preventiva da denunciada, o que foi indeferido. Após, determinou-se vista às partes para alegações finais, no prazo de 5 dias (fls. 134-135).

    As Alegações Finais do Ministério Público encontram-se acostadas às fls. 166-180, as quais pugnaram pela procedência da denúncia, com a consequente pronúncia da acusada Vanusa de Melo Martins para submetê-la a julgamento perante o Tribunal do Júri.

    A defesa, por ocasião das alegações finais, sustentou a tese de legítima defesa própria e de terceiros, ou, ainda, no caso de não ser este o entendimento, pugnou pela desclassificação para o crime de lesão corporal, diante da inexistência de animus necandi.

    Requereu, ainda, fosse absolvida do crime de lesão corporal contra a vítima Carla Priscila, ante a inexistência do concurso de agentes. Pugnou, também, a absolvição pelo crime do art. 244-B do ECA, ante a ausência de liame subjetivo nas ações. Por fim, em caso de pronúncia, fosse desqualificado o delito para o caput do art. 121, do CP, uma vez que o motivo fútil não se faz presente. A procuradora, por fim, salientou que, em caso de pronúncia, renuncia o mandato, uma vez que não atua perante o Tribunal do Júri (fls. 187-210).

    Em despacho de fl. 261, foi nomeado Dr. Marco Túlio Granenann de Souza para atuar como defensor, o qual apresentou o rol de testemunhas para serem ouvidos em Plenário à fl. 270. (p. 272/274).

           Acrescente-se que o Conselho de Sentença acolheu parcialmente a denúncia para condenar Vanusa de Melo Martins nas sanções do art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II, e art. 129, caput, na forma do art. 69, todos do Código Penal, sendo a pena fixada em 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado.

           A acusada interpôs recurso de apelação (p. 399). Em suas razões (p. 415/424), requereu a anulação do julgamento, sob o argumento de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Subsidiariamente, pleiteou a desclassificação da conduta para os crimes de lesões corporais ou, em último caso, tentativa de homicídio simples.

           Contrarrazões às p. 429/437.

           A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr. Odil José Cota (p. 446/451), manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

           VOTO

           O recurso, em que pese a argumentação defensiva, não merece prosperar.

           De início, compete acentuar que, para que uma decisão seja considerada manifestamente contrária à prova dos autos, nos termos do art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal, é imprescindível a ausência de quaisquer dados no processo aptos a amparar a decisão dos jurados, caso contrário estar-se-ia incorrendo em manifesta violação ao princípio constitucional de soberania da decisão do Tribunal do Júri.

           Acerca do artigo em comento, discorre Guilherme de Souza Nucci:

    Não cabe a anulação, quando os jurados optam por uma das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir. Exemplo disso seria a anulação do julgamento porque o Conselho de Sentença considerou fútil o crime, motivo do crime. Ora, se existe prova de que o delito foi, realmente, praticado por tal motivo, escolheram os jurados essa qualificadora, por entenderem adequada ao caso concreto. Não é decisão manifestamente contrária à prova, mas situa-se no campo da interpretação da prova, o que é bem diferente. Consideramos que a cautela, na anulação das decisões do júri, deve ser redobrada, para não transformar o tribunal togado na real instância de julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (Código de Processo Penal Comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1137).

           O Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu:

    Somente nas hipóteses em que a tese acolhida pelo Conselho de Sentença não encontra mínimo lastro probatório nos autos é que se permite a anulação do julgamento, nos termos do disposto no art. 593, inciso III, do Código de Processo Penal, situação em que os jurados decidem arbitrariamente, divergindo de toda e qualquer evidência probatória, o que, definitivamente, não corresponde ao caso vertente. (HC 116924/SC, rela. Mina. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 4-8-2011).

           Por conseguinte, é lícito ao Conselho de Sentença optar pela versão probatória que lhe melhor aprouver, ainda que eventualmente não detenha a melhor carga probatória.

           E, da análise dos autos, verifica-se a existência de duas versões para os fatos, senão vejamos.

           Inicialmente, ao ser interrogada pela autoridade policial, a acusada reconheceu a prática dos fatos, alegando ter agido sob o manto da legítima defesa, veja-se:

    Que a interrogada reside ao lado da casa das vítimas CARLA e MARLENE; Que por diversas vezes foi provocada por ambas; QUE também já entraram em vias de fato anteriormente; Que o motivo dos desentendimentos se dá devido a divisa do terreno, sendo que a unica saída do terreno da declaiante para a rua é passar por um portão no terreno de Marlene, pelo menos até a Prefeitura lazer um acesso, Que a Polícia Militar já foi no local diversas vezes, bem como a Policia Civil; Que houve a vizita da Prefeitura os quais informaram que MARLENE estaria errado no terreno; Que na data de hoje, não sahendo precisar o horário, a interrogada chegou do mercado em sua casa, aonde estariam seus familiares, quando viu MARLENE em frente a casa com um facão nas costas, Que a interrogada então saiu da moto e empurrou MARLENE, para que essa largasse o tacão; Que MARLENE acabou se batendo em um pedaço de madeira, fazendo com que largasse o facão no chão; Que a interrogada então pegou o facão; Que afirma que MARLENE se levantou e veio contra a interrogada, além de uns homens que estavam na casa de MARLENE; Que a interrogada passou a andar de costas com medo de ser agredida, quando uma vizinha, lhe atingiu com um tijolo e todos que ali estavam fizeram menção em agredir a interrogada; Que para se defender a interrogada passou a usar o facão, porém não mirou em ninguém; Que não tinha a intensão em atingir MARLENE ou qualquer outro, apenas para se defender; Que não sabia que havia acertado MARLENE; QUE LETICIA, entrou na briga, porém não viu nada acerca das agressões efetuadas por ela; Que afirma, mais uma vez, que quando chegou no local todos já estavam discutindo, incluindo LETICIA, CARLA e MARLENE; Que a briga só cessou quando mais vizinhos separaram os envolvidos e foi chamado a Polícia Militar; QUE alega que não fugiu da Polícia quando esses chegaram no local; Que alega que foi até a casa de sua mãe e lá ficou; Que alega não ter ficado escondida; Que foi encontrada e conduzida a esta delegacia de polícia para a Iavratura do procedimento cabível ao caso (p. 32/33).

           Na fase judicial, a recorrente afirmou que, no dia dos fatos, estava fazendo um churrasco em sua casa e resolveu sair para comprar carne. Narrou que, ao retornar à sua residência, presenciou uma confusão entre Letícia e Carla Priscila, estando as duas em vias de fato. Disse ter intervido na briga para conter ambas as agressoras, quando viu a ofendida Marlene desferir um golpe de facão contra Vanessa (irmã da acusada) que conseguiu se esquivar do ataque. Informou que, após a investida de Marlene, o facão permaneceu fincado no chão, oportunidade em que pegou o instrumento cortante e passou a utilizá-lo para se defender. Afirmou que Jean, Jaison e o esposo de Marlene começaram a desferir pauladas e tijoladas contra sua pessoa, razão pela qual usou o facão para se defender, pedindo que as pessoas se afastassem. Reconheceu ter atingido Marlene, mas não sabe dizer em qual momento e de que modo, pois apenas tinha a intenção de se defender, sendo que, na sequência, após golpear a vítima, largou o facão, oportunidade em que o marido da ofendida deu uma paulada na boca da interrogada (p. 146 - mídia).

           Posteriormente, durante a sessão de julgamento, disse que em momento algum avistou a vítima Marlene golpear sua irmã Vanessa, alegando que, ao chegar no local, presenciou a confusão e visualizou a ofendida Marlene com um facão na mão, tendo se aproximado pelas costas e empurrado a vítima ao chão, oportunidade em que pegou o facão da ofendida. Afirmou, também, que o marido de Priscila e outros homens presentes no local começaram a lhe jogar tijolos e pedaços paus, passando a fazer uso do facão para se defender, não deixando ninguém se aproximar. Informou não ter visto o momento em que atingiu a vítima, porém se recorda de tê-la atingido na ocasião que buscava defender sua integridade corporal das agressões de terceiros (p. 378 - mídia).

           Registre-se que as testemunhas da defesa Claudecir Novais dos Santos, Margarida Novaes dos Santos Prado e Vanessa Correa de Melo Martins corroboraram a versão apresentada pela recorrente, no sentido de que a vítima Marlene era quem portava inicialmente o facão, ao passo que a acusada apenas fez uso da arma branca em defesa de sua integridade corporal (p. 139, 141 e 142 - mídia).

           A ofendida, por sua vez, apresentou versão diversa quando ouvida perante a autoridade policial:

    Que a declarante possui um terreno com uma casa construída que faz divisa com VANUSA e LETICIA; Que no inicio o relacionamento entre vizinhos era harmonioso; Que na divisa do terreno da declarante e da vizinha passa uma valeta, aonde escorre o esgoto; Que VANUSA e demais familiares precisam passar dentro do terreno da declarante para irem para a rua; Que a mais ou menos 4 meses, a prefeitura informou a todos os moradores que iria ser feito uma ponte para evitar o contato com o esgoto; Que assim sendo a declarante então cercou todo o seu terreno, devido ao fato da Prefeitura ter feito a ponte facilitando a entrada e saída dos moradores da casa ao lado, aonde reside VANUSA; Que apartir daí, mesmo a declarante ter conversado com eles antes de cercar, gerou-se uma briga entre as vizinhas a declarante e sua filha; Que já discutiram diversas vezes; Que a declarante mudou-se de residência, já para evitar atrito, porém sua filha ficou morando na casa dos fundos do terreno da declarante; Que em uma data não lembrada as Vizinhas chamaram a Polícia Militar no local e que segundo informações de terceiros os Policiais mediram a frente do terreno e disseram que era para VANUSA pegar um facão e arracar a cerca se estivesse atrapalhando; Que VANUSA derrubou a cerca; Que na data de hoje, não sabendo ao certo a hora dos fatos, a declarante avistou LETICIA, filha de VANUSA, dirigindo da família, mesmo sendo menor de idade; Que então pensou em ligar para a polícia e avisar, porém ligou primeiro para sua filha; Que neste momento CARLA, filha da declarante, avisou que poderia dar briga, pois suas vizinhas estariam xingando Caria e dizendo que iriam pegá-la com facão; QUE a declarante então foi até a residência de CARLA, quando então VANUSA e LETICIA, começaram a discutir e VANUSA munida de um facão acertou um dos braços de CARLA, em seguida acertou por duas vezes a cabeça da declarante; Que tentando se defender segurou o facão evitando assim mais agressões; Que LETICIA, pulou em CARLA e deu uma facada nas costas de CARLA; Que apartir desse momento todos os familiares de VANUSA entraram na briga, ocorrendo assim vias de fato; Que se não fosse os outros vizinhos segurar VANUSA, provavelmente seria morta; Que foi chamado a Polícia Militar; Que dois dos vizinhos levaram a declarante para dentro da residência, pois estava bastante machucada e ensanguentada: Que em seguida chegou a Policia Militar, ocasionando a fuga de VANUSA, porém foi localizada posteriormente próximo ao local; Que a declarante foi atendida pelo Corpo de Bombeiros e encaminhada ao Hospital [...] (p. 26/27).

           Sob o crivo do contraditório, a vítima manteve-se uníssona, acrescentando que Vanusa e Letícia chegaram ao local juntas, estando a primeira de posse de um facão e a segunda com uma faquinha de serra. Disse que, ao se aproximar para conversar e apartar a briga, a acusada Vanusa repentinamente passou a desferir golpes de facão contra a sua pessoa, sem possibilitar qualquer conversa. Informou, também, que a adolescente Letícia desferiu golpes de faca em suas costas e também nas de sua filha Carla Priscila. Esclareceu que, quando chegou ao local dos fatos, a acusada Vanusa, a adolescente Letícia e sua filha Carla Priscila estavam apenas discutindo, mas já viu que Vanusa portava um facão escondido nas costas. Por fim, informou que, após os fatos, continuou a receber ameaças da família da ré, sendo que o testigo Claudecir, inclusive, adquiriu uma arma de fogo e efetuou disparos em frente à sua residência, o que motivou a mudança da família para a cidade de Jaraguá do Sul (p. 136 - mídia).

           Em plenário, confirmou a versão apresentada anteriormente, narrando que a acusada e seus familiares chegaram ao local embriagados e começaram a mexer com sua filha Carla Priscila. Informou que, na ocasião, a adolescente Letícia, ao chegar perto de seu genro, tirava a roupa e batia na bunda, enquanto a ré Vanusa dizia "morra de ciúme", ao mesmo tempo em que proferia várias palavras de baixo calão a ela. Afirmou que, antes dos fatos, o testigo Jean saiu à sua procura para avisá-la de que a ré Vanusa e sua sobrinha Letícia iriam matar sua filha porque estavam com um facão. Ato contínuo, ao chegar no recinto e tentar acabar com a briga, narrou que a acusada simplesmente passou a desferir golpes de facão contra sua pessoa, tudo acontecendo de modo muito rápido. Contou que recebeu os golpes de facão e não sabe se caiu, mas recorda ter sido levada para o interior da residência, tendo a polícia e os bombeiros chegado no local posteriormente, oportunidade em que a ofendida foi levada ao hospital (p. 378 - mídia).

           A outra vítima, Carla Priscila Machado, à época de seu depoimento na delegacia, assim narrou o evento:

    [...] Que, hoje, 01 de novembro de 2014, por volta das 17h30min, LETÍCIA e VANUSA chegaram em um carro com outros amigos, estacionaram em frente a casa da depoente e ergueram o som do veículo; Que, saíram do carro dizendo: "hoje vai dá pau"; Que, a depoente estava na porta de sua casa, quando LETÍCIA lhe ofendeu com palavra como "vagabunda, puta"; Que, LETÍCIA chamou a depoente para brigar na rua; Que, relata a depoente que se negou; Que, então VANUSA foi até a porta da cada da depoente, munida de um facão, porém o mesmo estava escondido nas costas da agressora; Que, ato contínuo a mãe da depoente, Marlene chegou e VANUSA de imediato investiu contra ela, acertando a cabeça de Marlene com o facão; Que, quando percebeu LETÍCIA estava em sua frente com uma faca; Que, durante o tumulto a depoente foi ferida no braço esquerdo e na cabeça por VANUSA e LETÍCIA; Que, LETÍCIA também lhe acertou uma facada nas costas; Que, os homens que ali estavam separaram a briga, inclusive seu marido LUIS (p. 23/24).

           Na instrução processual, manteve o teor da declaração supra, relatando que Letícia iniciou as provocações e que, posteriormente, a acusada Vanusa e sua sobrinha Letícia foram até o local em que a depoente se encontrava, oportunidade em que iniciaram uma discussão. Disse que, então, sua mãe Marlene chegou ao local para apartar a briga, sendo logo atingida por golpes de facão desferidos por Vanusa. Afirmou, ainda, que tanto Vanusa quanto Letícia estavam armadas e que ambas desferiram golpes contra sua genitora. Esclareceu que, embora não tenha sido atacada pela ré Vanusa, restou ferida por Letícia com uma faca de serra. Por fim, confirmou a razão dos desentendimentos, qual seja, a passagem de Vanusa e de sua família pelo terreno das vítimas, além do possível furto de um cachorro pertencente à Letícia (p. 145 - mídia).

           A testemunha Jean de Vargas Pessoa contou em juízo que Carla Priscila estava na sua casa tomando chimarrão com sua mãe quando Letícia passou pelo local fazendo provocações. Então, a ofendida Carla Priscila foi para sua casa e ligou para sua mãe Marlene, a fim de que esta fosse prestar socorro. Narrou que, antes de a ofendida Marlene aparecer no local, a ré Vanusa chegou na casa de Carla Priscila munida de um facão, e com a chegada de Marlene a acusada Vanusa já partiu para cima, desferindo golpes, momento em que Carla Priscila interveio para defender sua genitora. Afirmou que, neste momento, Letícia desferiu golpes de faca nas costas de Carla Priscila. Informou, ainda, que Marlene e Carla não portavam nenhum tipo de arma, estando Vanusa de posse de um facão de propriedade de seu namorado e Letícia com uma faca de serra obtida na casa de Vanessa. Por fim, relatou que a recorrente Vanusa desferiu os golpes de facão não para sua defesa, mas para atacá-la, agarrando-a pelos cabelos e desferindo golpes propositadamente (p. 144 - mídia).

           Registre-se que o testigo, ao ser ouvido em plenário, confirmou os relatos prestados anteriormente, alegando que no dia dos fatos a ofendida Carla Priscila estava sentada na porta da casa da mãe do depoente tomando chimarrão quando Letícia chegou provocando a vítima Priscila e mexendo com o marido dela. Narrou que Priscila foi para casa e Cleomar deu o facão para a Vanusa. Disse que, em dado momento, a vítima Marlene chegou no local e a acusada Vanusa foi para cima dela, assim como Letícia deu uma facada nas costas de Carla Priscila. Afirmou ser o depoente a pessoa que avisou a ofendida Marlene sobre os acontecimentos com Priscila. Disse que Marlene chegou conversando com Vanusa e, repentinamente, passou a desferir golpes de facão contra a ofendida. Por fim, informou que sua mãe era testemunha nesse processo e que o depoente tem certeza de que a família de Vanusa matou ela por causa disso (p. 378 - mídia).

           A falecida testemunha Noely de Vargas, em seu depoimento judicial, disse que Carla Priscila chegou na casa da depoente e a adolescente Letícia passou pelo local provocando a ofendida. Contou que, para evitar confusão, o marido de Carla Priscila optou por levá-la para casa, sendo que, quando estava chegando em sua residência, a vítima Carla Priscila ligou para sua mãe. Informou que, na sequência, a ré Vanusa chegou ao local com um facão escondido nas costas e começou a discutir com a vítima. Esclareceu que, logo após, Marlene chegou e perguntou o que estava acontecendo, oportunidade em que a ré Vanusa pegou Marlene pelos cabelos e desferiu golpes de facão, iniciando uma confusão generalizada. Afirmou que, durante o entrevero, a menor Letícia deslocou-se até a casa de Vanessa e pegou uma faquinha de serra na casa de Vanessa e começou a desferir golpes de faca nas costas de Carla Priscila. Por fim, asseverou ser Vanusa quem portava o facão era Vanusa, sendo que Marlene e Carla Priscila não estavam armadas (p. 143 - mídia).

           Como se vê, há uma corrente probatória que suporta a versão acolhida pelo Conselho de Sentença, haja vista a existência de relatos testemunhais que descrevem situação fática incompatível com as teses de legítima defesa ou ausência de dolo, pois teria sido a acusada quem, imbuída de animus necandi, iniciou repentinamente os atos de agressão com golpes de facão que atingiram a cabeça da vítima Marlene.

           De igual modo, inviável a exclusão da qualificadora do motivo fútil, pois não verificada a sua total improcedência diante do contexto probatório angariado aos autos. É que, segundo a versão acolhida pelos jurados, a prática criminosa teria sido motivada por uma simples discussão de vizinhança decorrente de uma passagem situada no terreno das vítimas.

           Importante destacar que não cabe a esta instância revisora efetuar juízo de valor a respeito da decisão dos jurados, bastando a demonstração de que o julgamento se deu com base em uma das correntes probatórias coligidas aos autos.

           A propósito, este Tribunal de Justiça assim já decidiu:

     APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO SIMPLES [...] MÉRITO - ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - PEDIDO DE NOVO JULGAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDITOS - ACOLHIMENTO DE UMA DAS VERSÕES APRESENTADAS. 

    "Existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na escolha de uma delas pelo Tribunal do Júri, não pode a Corte Estadual cassar a decisão do Conselho de Sentença para dizer que esta ou aquela é a melhor solução, sob pena de ofensa ao art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal" (STJ, HC n. 254.730, Min. Og Fernandes, j. 24.09.2013) 

    [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Ap. Crim. n. 2015.045505-0, de Palhoça, rel. Des. Getúlio Corrêa, j. em 27-10-2015).

           E também:

    APELAÇÃO CRIMINAL [...] TRIBUNAL DO JÚRI. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ALEGADA DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE NÃO DIVERGEM DO DECISIUM OBJURGADO. JURADOS QUE, DIANTE DA EXISTÊNCIA DE DUAS VERSÕES PARA O FATO, REJEITARAM A TESE DE LEGÍTIMA DEFESA. SOBERANIA DO JÚRI. CONDENAÇÃO MANTIDA. [...] (ApCrim. n. 2013.087898-4, da Capital, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 07-07-2015).

           Diante desse quadro, o atendimento da pretensão defensiva de anulação da decisão do Conselho de Sentença em virtude de decisão manifestamente contrária à prova dos autos mostra-se inviável devido ao princípio constitucional da soberania dos veredictos proferidos pelo Tribunal do Júri (CF,art. 5º, XXXVIII, "c").

           Quanto à dosimetria da pena, embora inexista irresignação específica no ponto, observa-se que a magistrada agiu com acerto ao fixar a pena definitivamente em 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, ante a reincidência da acusada, não havendo alterações a serem levadas a efeito de ofício.

           À vista do exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso.


Gabinete Desa. Salete Silva Sommariva