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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0052323-15.2006.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Stanley da Silva Braga
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu May 12 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Eliane Alfredo Cardoso Luiz
Classe: Apelação

 

Apelação Cível n. 2012.060477-1, de Joinville

Relator: Des. Stanley Braga

   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO EMPRESARIAL. REDE DE LOJAS DE ELETRODOMÉSTICOS E ELETRÔNICOS. IMPROCEDÊNCIA. PROTEÇÃO CONTRA ROUBO DE MERCADORIAS. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE TELEFONES CELULARES. COBERTURA NEGADA PELA SEGURADORA. INVALIDADE DA RESTRIÇÃO POR CONTRADIÇÃO AO OBJETO DO CONTRATO, VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ E EXCESSIVO DESEQUILÍBRIO DA RELAÇÃO NEGOCIAL. DEVER DE RESSARCIMENTO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. VALOR DOS PREJUÍZOS. NECESSIDADE DE ESPECIFICAÇÃO DOS ITENS ROUBADOS EM CADA SINISTRO. POSSIBILIDADE DE APURAÇÃO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO, COM DESCONTO DA FRANQUIA. SENTENÇA REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS COM ACRÉSCIMO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.060477-1, da comarca de Joinville (4ª Vara Cível), em que é apelante Comercial Salfer Ltda, e apelada Real Seguros S/A:

           A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Joel Figueira Júnior, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo.

           Florianópolis, 12 de maio de 2016.

Stanley Braga

Relator

 

RELATÓRIO

           Nos termos da decisão de Primeiro Grau (fls. 1532-1534):

           "Comercial Salfer Ltda, qualificada à fl. 02, ajuizou a presente ação em face de Real Previdencia e Seguros S/A, também qualificada nos autos, alegando haver celebrado contrato de seguro pelo qual se estabeleceu a proteção das lojas da autora contra roubo e furto de bens do segurado.

           Informou ter ocorrido roubos em cinco lojas, quando várias mercadorias foram levadas, tais como aparelhos de som e telefones celulares. Solicitada a cobertura, a seguradora negou o pagamento afirmando que o seguro não cobria os aparelhos celulares.

           Requereu a condenação da ré ao pagamento de R$ 52.168,27 relativos aos celulares subtraídos, além das custas processuais e honorários advocatícios.

           Citada, a ré apresentou contestação alegando que o contrato de seguro firmado com a autora excluía da cobertura os bens furtados, telefones celulares, quando de furtos ou roubos. Não havendo cobertura como expressamente consta no contrato, não há que se falar em indenização. Disse que a autora não comprovou o valor do alegado prejuízo, sendo que os boletins de ocorrências não indicam marcas e modelos. Também destacou a necessidade de pagamento de franquia, acaso procedente o pedido. Requereu a improcedência do pedido.

           Houve réplica."

           Restando o litígio assim decidido na Instância a quo:

           "Em face do que foi dito, julgo improcedente o pedido formulado por Comercial Salfer Ltda em face de Real Previdencia e Seguros S/A.

           Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários do advogado, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, com base no art. 20, §4º, do CPC."

           Foi interposto Recurso de Apelação Cível (fls. 1542-1566) por Comercial Salfer Ltda. que teceu argumentação no sentido de que o contrato firmado com a ré é regido pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser interpretado favoravelmente em seu favor para incluir na cobertura do seguro os aparelhos de telefones celular furtados ou roubados de seus estabelecimentos, pois não abrangidos pela cláusula de exclusão. Concluiu, dessarte, que a ré deve ser condenada ao pagamento da respectiva indenização.

           As contrarrazões foram oferecidas às fls. 1572-1588, nas quais a ré arguiu ofensa à dialeticidade recursal por repetição de argumentos contra matéria já decidida na instância a quo. No mérito, sustentou que não obstante a previsão de cobertura para furto qualificado de bens, o contrato tem interpretação restrita e disposição expressa que exclui a cobertura de telefones celulares colocados à venda pela autora. Por fim, subsidiariamente, alegou que o prejuízo material não foi demonstrado, pois os documentos de fls. 67 a 1484 são apenas notas fiscais de telefones celulares, sem a correspondente individualização, e os boletins de ocorrência de fls. 54 e 58 descrevem, respectivamente, que foram furtados apenas 37 e 54 aparelhos de várias marcas, mas sem a correspondente especificação técnica. Caso houver condenação, o valor a ser deduzido a título de franquia é de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos seis eventos e não o de R$ 3.000,00 (três mil reais) mencionado pela autora. Logo, se devida a indenização pleiteada, esta não poderá ultrapassar R$ 40.168,27 (quarenta mil cento e sessenta e oito reais e vinte e sete centavos).

           Regularmente preparado (fl. 1566), a tempo e modo, o recurso ascendeu a esta Instância.

           Este é o relatório.

 

VOTO

           Da admissibilidade:

           Presentes os pressupostos legais, o recurso é conhecido.

           Do julgamento:

           Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Comercial Salfer Ltda. contra sentença de improcedência de pedido de cobrança de seguro contra furto e roubo de mercadorias, formulado na Ação de Reparação de Perdas e Danos que a apelante ajuizou contra a Real Seguros S/A.

           Preliminares:

           A apelada alegou em contrarrazões ofensa ao princípio da dialeticidade recursal, ao fundamento de que a apelante reeditou argumentos já expendidos na petição inicial.

           Razão não lhe assiste, pois os motivos de fato e de direito do apelo, mesmo já deduzidos na origem, dão sustento a pedido de novo julgamento perante esta Corte. Além disso, no caso, permitem ainda o plento contraditório pela parte apelada.

           A respeito, mutatis mutandis, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

    A repetição dos argumentos [...] não implica em inobservância ao princípio da dialeticidade, nas hipóteses em que, como a dos presentes autos, as razões apresentadas deixem configuradas a compatibilidade com os temas decididos na sentença e o interesse pela sua reforma. [...]. (AgRg no AREsp 335.051/PR, rel. Min. Sérgio Kukina, j. 17-12-2013)

           Por tais razões, não há que se falar em ofensa à dialeticidade no caso concreto.

           Em decorrência, afasta-se a preliminar.

           Mérito:

           Do dever de cobertura securitária

           A recorrente, como visto, sustenta a possibilidade de indenização dos telefones móveis que foram roubados dos seus estabelecimentos, fundamentando a sua pretensão na invalidade da cláusula 5, item "d" (fl. 41), da apólice de seguro empresarial n. 18100780024, firmada com a ré.

           Colhe-se do relato inicial da demandante:

    A Autora teve a loja 05, localizada na cidade de Joinville, roubada em 11/08/2005, sendo levados 18 (dezoito aparelhos celulares). Esta loja 05 foi novamente roubada em 26/09/2005, sendo levados 33 (trinta e três) aparelhos celulares. A sua loja 06, localizada na cidade de Joinville, foi roubada em 24/11/2005, sendo levados 54 (cinqüenta e quatro) aparelhos celulares. A sua loja 11, localizada na cidade de Joinville, foi roubada em 08/10/2005, sendo levados 15 (quinze) aparelhos celulares. A sua loja 21, localizada na cidade de Criciúma, foi roubada em 09/04/2005, sendo levados 37 (trinta e sete) aparelhos celulares. A loja 75, localizada na cidade de Taió, foi roubada em 14/09/2005, sendo levados 23 (vinte e três) aparelhos celulares, conforme os boletins de ocorrências anexos. (fl. 4)

           Assim, a autora requereu a respectiva indenização invocando cláusula de proteção geral contra roubo e furto qualificado de bens (2.2.7, fl. 37), afastando, por conseguinte, a excludente de equipamentos portáteis.

           A ré defendeu que tais cláusulas devem ser interpretadas restritivamente, em razão da natureza do pacto, de modo a se admitir a validade da disposição que exclui a cobertura de bens específicos, no caso, aparelhos celulares, nos termos da Cláusula 5, item "d", do contrato.

           Não há controvérsia acerca da incidência ou não das disposições do Código de Defesa do Consumidor, o qual, a propósito, é plenamente aplicável ao caso em tela, uma vez que a autora se enquadra como destinatária final e a seguradora como prestadora do serviço de seguro em discussão. Nesse sentido: STJ, Resp 814.060/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 6-4-2010. Mesmo que não fossem aplicáveis, a lide pode ser encaminhada para idêntica solução, com base somente nas regras gerais de contratos e de seguros previstas no Código Civil.

           A apólice em exame prevê coberturas securitárias básicas contra incêndio, queda de raio e explosão, bem como coberturas acessórias para danos elétricos, despesas fixas, equipamentos eletrônicos, equipamentos estacionários, quebra de vidros, espelhos e mármore, roubo de bens, tumultos, greve e paralisações, ventos de forte intensidade, granizo, queda de aeronaves e impactos de veículos.

           Apresenta-se às fls. 30-49 como verdadeiro pacto de adesão, de modo que, por foça de lei, eventual ambigüidade ou contradição de suas cláusulas acarreta interpretação mais favorável ao aderente, independentemente da peculiaridade do contrato (art. 423 do Código Civil).

           O seguro em discussão, destinado a empresas industriais, comerciais, prestadores de serviço e profissionais liberais, tem por objetivo garantir o pagamento de indenização ao segurado por prejuízos patrimoniais resultantes da realização de um dos eventos previstos nas coberturas mencionadas (fl. 33).

           Para a hipótese de roubo, como a que se verifica neste caso, a cláusula 2.2.7 da apólice dispõe que a cobertura se aplica a riscos de roubo ou furto qualificado de matérias-primas, mercadorias, instalações, máquinas e equipamentos inerentes ao ramo de negócio do segurado, no âmbito do estabelecimento deste, abrangendo os danos causados ao prédio ou seu conteúdo durante a prática dos eventos previstos nesta cobertura (fl. 37).

           Portanto, evidente que, ao realizar a contratação de seguro dessa natureza, com cobertura específica de mercadorias, a sociedade empresária, rede de lojas de eletrodomésticos e eletrônicos que é, teve justa e legítima expectativa de garantia de indenização da totalidade dos itens colocados à venda no varejo. Considerado o escopo da contratação - a proteção mais ampla possível -, não é coerente inferir que tenha manifestado anuência, ainda que em sede de renovação de apólice, com cláusula que exclui indenização de telefones celulares, mercadoria essencial ao seu negócio.

           Nessa perspectiva, a jurisprudência, destacando a boa-fé contratual inserta especialmente no CDC e também no art. 765 do Código Civil, vem reconhecendo a invalidade da exclusão de determinado risco sem o prévio e satisfatório esclarecimento do segurado. Esclarecimento que só se faz evidente a partir da concordância específica, cuja eficácia, por ser limitativa de direitos, exige mais que a verificação da mera experiência negocial ou da aceitação tácita pelo pagamento da apólice.

           É cediço:

    Os arts. 6º, inciso III, e 54, § 4º, do CDC, estabelecem que é direito do consumidor a informação plena do objeto do contrato, garantindo-lhe, ademais, não somente uma clareza física das cláusulas limitativas - o que é atingido pelo simples destaque destas -, mas, sobretudo, clareza semântica, um significado unívoco dessas cláusulas, que deverão estar infensas a duplo sentido. [...] (STJ, REsp 814.060/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 6-4-2010).

           No caso, a ré não deixou isso claro à parte autora. Prova deste fato é a contradição da própria cláusula em relação ao objeto da apólice, como também, além do plano semântico, o modo como mal apresentada e situada no texto do contrato.

           Saliente-se que o objeto do seguro é patrimonial, o que o faz prever cobertura específica para danos súbitos a equipamentos eletrônicos. Dentre estes, principalmente, microcomputadores e demais componentes de hardware, tais como modens, plotters, scanners, fotocopiadoras e centrais telefônicas do estabelecimento do segurado (Cláusula 2.2.3).

           No que diz respeito à cobertura contra roubo (cláusula 2.2.7), objeto deste litígio, reitere-se que a apólice protege matérias-primas, mercadorias, instalações, máquinas e equipamentos inerentes ao ramo de negócio do segurado e situados dentro de seu estabelecimento.

           Logo, é manifestamente contraditório excluir telefones celulares da cobertura securitária.

           Aliado a esse contexto está a incontroversa afirmação de que a ré já havia indenizado aparelhos celulares à autora por conta de incêndio em uma das lojas, ocorrido em 22-12-2004 (fl. 4). Desleal, portanto, seu comportamento inesperado em sentido contrário.

           A exclusão também se mostra abusiva, na medida em que realizada por cláusula remissiva, notadamente sem destaque no resumo da apólice a que aderiu o segurado, circunstância que não proporciona boa compreensão do alcance das coberturas.

           No âmbito da proteção de bens roubados (cláusula 2.2.7), a seguradora se remete a cláusula de "riscos excluídos e "bens não compreendidos no seguro". Dessa forma, é somente ao final da descrição das coberturas contratadas que faz menção específica ao que não está albergado na indenização. No item "d" da cláusula 5, exclui telefones celulares, notebooks, palm-top, lap-top, e, vagamente, "assemelhados e equipamentos portáteis da cobertura indenizatória".

           Frise-se, novamente: faz isso à revelia de previsão de cobertura de danos a equipamentos eletrônicos, conforme descritos na Cláusula 2.2.3; do fato de já ter indenizado telefones celulares em oportunidade anterior; e também à revelia de outros eletroportáteis inerentes à atividade empresarial da segurada (máquinas fotográficas, rádios, carregadores de pilhas e videogame), estes mencionados nos boletins de ocorrência de fls. 51-60 e acerca dos quais não se tem notícia de negativa de cobertura.

           Diante disso, é certo que a restrição constante da cláusula 5, "d", frustra a finalidade do seguro contratado. Do modo como imposta pela ré, cria verdadeiro desequilíbrio e exagerada desvantagem ao segurado.

           A esse respeito, aliás, em demanda de natureza securitária, este subscritor já manifestou idêntica posição:

    A cláusula do contrato de seguro que excluiu a cobertura de certos eventos de forma excessiva, causando desequilíbrio contratual entre a seguradora e a parte que paga o prêmio é abusiva e, portanto, deve ser considerada nula. [...] (Apelação Cível n. 2010.066456-8, de Joinville, j. 20-9-2012).

           Nessa mesma esteira, colhe-se julgado desta Quarta Câmara de Direito Civil, com peculiaridades análogas às deste caso:

    DIREITO OBRIGACIONAL. COBRANÇA. SEGURO EMPRESARIAL PARA COBRIR FURTO E ROUBO. LAVANDERIA. SUBTRAÇÃO PERPETRADA CONTRA AS SUAS INSTALAÇÕES COMERCIAIS. SEGURADORA QUE NEGA O PAGAMENTO SOB O ARGUMENTO DE EXISTIR CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DA COBERTURA NO TOCANTE A BENS DE TERCEIROS. INSUBSISTÊNCIA. ATIVIDADE COMERCIAL DA SEGURADA QUE TEM RELAÇÃO DIRETA E LÓGICA COM A GUARDA DE ROUPAS E COMPONENTES DE CAMA, MESA E BANHO DE CLIENTES. DISPOSITIVO CONTRATUAL QUE, DE MODO CONTRADITÓRIO, SUBTRAI A FINALIDADE PRECÍPUA DA AVENÇA SECURITÁRIA. APLICAÇÃO DO CDC (ART. 47). OFENSA AO DEVER DE INFORMAÇÃO E AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA DOS CONTRATOS. RECURSO DESPROVIDO. Em sede de contrato de seguro empresarial, se há, na avença, a estipulação de cláusulas dúbias ou contraditórias, o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor determina que o juiz as interprete favoravelmente ao segurado. (Apelação Cível n. 2013.069438-8, de Blumenau, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 11-9-2014).

           Ainda, desta Corte:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DE CARGAS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. IRRESIGNAÇÃO DE AMBOS OS LITIGANTES. ALEGAÇÃO DE RISCOS NÃO COBERTOS. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA LIMITATIVA QUE RESTRINGE O PAGAMENTO DE DANOS À MERCADORIAS NOVAS OU SEM USO, INSERIDA EM CONTEXTO DESFAVORÁVEL PARA A FÁCIL COMPREENSÃO DO CONSUMIDOR, E SEM O DESTAQUE NECESSÁRIO À IMPORTÂNCIA QUE CARREGA. EXEGESE DOS §§ 3º E 4º DO ARTIGO 54 DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. DISPOSIÇÃO NULA. PAGAMENTO DE FRANQUIA PREVISTA NA APÓLICE PACTUADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DO VALOR OU DA POSSIBILIDADE DO NÃO ADIMPLEMENTO. MANUTENÇÃO DO DESCONTO DA VERBA QUE SE IMPÕE. DANO MORAL. NEGATIVA DA SEGURADORA QUE, POR SI SÓ, NÃO CARACTERIZA ABALO MORAL SUSCETÍVEL DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível n. 2013.039033-2, de São Bento do Sul, rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, j. 24-3-2015).

           Por tais razões, ao contrário do que entendeu a Magistrada a quo, reputa-se inválida a exclusão de cobertura dos equipamentos descritos na Cláusula 5, item "d", da apólice. Especificamente, de telefones celulares.

           Em decorrência, dá-se provimento ao apelo no ponto, obrigando-se a ré à cobrir os prejuízos suportados pela autora.

           Dos prejuízos em razão dos sinistros

           A seguradora alegou que o prejuízo material não ficou suficientemente demonstrado, porque os documentos de fls. 67 a 1484 são apenas notas fiscais de telefones celulares diversos, sem correspondência com os aparelhos objeto do sinistro. Argumentou, também, que os boletins de ocorrência de fls. 54 e 58 mencionaram apenas o furto de equipamentos de diversas marcas sem a necessária especificação técnica.

           O prejuízo, de um modo geral, pode ser admitido como verdadeiro porque incontroversa a ocorrência de seis roubos, nos quais levados aparelhos celulares de diferentes estabelecimentos comerciais da autora. O estoque, por sua vez, está bem demonstrado pelas notas fiscais de fls. 67-1484, relativas a produtos adquiridos entre 2004 e 2005, época em que ocorreram os sinistros.

           Não obstante, na notificação extrajudicial de fls. 61-64 encaminhada à ré, a autora descreveu apenas cinco sinistros: na loja 21, em Criciúma, no dia 9-4-2005; na loja 75, em Taió, em 14-9-2005; na loja 5, em Joinville, no dia 26-9-2005; na loja 11, em Joinville, em 8-10-2005; na loja 6, em Joinville, no dia 24-11-2005. Por sua vez, no pedido inicial, foi incluído mais um, o da loja 5, ocorrido em Joinville, no dia 11-8-2005.

           Desse modo, considerada a resistência da ré, o pleito está a englobar os prejuízos decorrentes de seis eventos, quais sejam, os ocorridos nos dias 9-4-2005 (loja 21, em Criciúma); 11-8-2005 e 26-9-2005 (loja 5, em Joinville); 14-9-2005 (loja 75, em Taió); em 8-10-2011 (loja 11, em Joinville), e em 24-11-2005 (loja 6, em Joinville).

           De acordo com o pedido, em cada sinistro foram levados, respectivamente, 37, 18, 33, 23, 15 e 54 telefones móveis.

           Não obstante, na petição e na notificação extrajudicial a autora faz menção apenas ao valor total líquido destes, sem discriminar o que foi roubado, inviabilizando, desse modo, a conferência e o arbitramento exato da indenização.

           Os boletins de ocorrência de fls. 50-51, 52, 53, 56-57 e 59-60 contêm a discriminação dos equipamentos, mas somente dos relativos aos sinistros ocorridos nos dias 11-8-2005, 26-9-2005, 14-9-2005 e 8-10-2005. Não se tem, portanto, a individualização dos 37 dispositivos roubados no dia 9-4-2005, em Criciúma, nem dos 54 roubados no dia 24-11-2005, em Joinville.

           A notificação extrajudicial, ademais, reitere-se, não apresenta informações detalhadas, apenas a soma do prejuízo de cinco sinistros.

           Portanto, em que pese a certeza do dano, é certo que a autora inviabilizou sua apuração na via administrativa e na fase de conhecimento deste processo na medida em que não discriminou os aparelhos roubados, nem indicou o correspondente valor individual de cada um.

           De acordo com o art. 491, I e §§ 1º e 2º, do Novo Código de Processo Civil, quando não for possível determinar de modo definitivo o montante indenizatório, e quando a apuração do valor devido depender de produção de prova de realização demorada seguir-se-á à apuração do valor por liquidação, também nas hipóteses em que o acórdão alterar a sentença, qual a deste caso.

           Na mesma toada, esta Corte já vinha admitindo a possibilidade de se apurar o quantum indenizatório na fase de liquidação em ações de cobrança de seguro por danos em estabelecimento empresarial:

     RESSARCIMENTO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS (EMERGENTES E LUCROS CESSANTES). ARROMBAMENTO DE RELOJOARIA, NO PERÍODO NOTURNO, EM SHOPPING CENTER. DEMANDA PROPOSTA CONTRA AS EMPREENDEDORAS E O CONDOMÍNIO DE LOJISTAS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DA EMPRESA DE VIGILÂNCIA/SEGURANÇA E DA SEGURADORA. ILEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA, POR SENTENÇA, EM RELAÇÃO A TODAS ELAS, EXCETO EM RELAÇÃO À SEGURADORA, PARA A QUAL JULGOU-SE PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO. APELO DESTA E DA LOJISTA DEMANDANTE. [...] DANOS MATERIAIS. SUBTRAÇÃO DE INÚMEROS RELÓGIOS E JÓIAS DE ALTÍSSIMO VALOR. PROBABILIDADE BASTANTE PRESENTE EM RAZÃO DO ATO ILÍCITO; COMPROVAÇÃO, PORÉM, QUE EXIGE A CONFECÇÃO DE PROVAS, EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARTIGOS, POIS CALÇADA EM BOLETIM DE OCORRÊNCIA UNILATERAL E QUE NÃO DETALHA COM EXATIDÃO A ESPÉCIE E VALOR DE MERCADORIAS SUBTRAÍDAS. A condenação em dano material exige prova robusta e narrativa unilateral não é convincente. Lojista que pretende ser ressarcido em decorrência de suposto furto de produtos em seu estoque deve apresentar as Notas Fiscais de aquisição, com descrição da quantidade, espécie e valor de tais itens. Boletim de Ocorrência goza de presunção de veracidade, mas, para materializar dano material, não é ele por si só suficiente, já que a narrativa da parte é unilateral, notadamente quando não contou com a presença de representantes daquele que, em tese, seria responsável pelo ressarcimento para contabilizar eventuais perdas. Apurado o ato ilícito no interior de shopping center em espaço destinado a lojista e evidente o roubo de diversas mercadorias do seu interior por criminosos, ainda que não demonstradas a espécie e o valor de tais produtos na ação de reparação, é possível relevar a apuração de seu efetivo quantum para etapa autônoma e constitutiva posterior, na forma do art. 475-E do CPC. [...] (Apelação Cível n. 2012.008457-7, de Joinville, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 27-8-2015)

           Desta Câmara:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SEGURO EMPRESARIAL. ALAGAMENTO DO PARQUE FABRIL DA EMPRESA TITULAR DO CONTRATO DE SEGURO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SOB O ARGUMENTO DE QUE TAL EVENTO CONSTITUI ÁLEA EXPRESSAMENTE EXCLUÍDA NAS CONDIÇÕES GERAIS. INSUBSISTÊNCIA. JUNTADA DE DOCUMENTOS COMPROVANDO QUE O SINISTRO DECORREU DIRETAMENTE DO CICLONE QUE ATINGIU GRANDE PARTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA EM 2008, CAUSANDO ELEVADO ÍNDICE DE PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA, DEVASTANDO INÚMEROS MUNICÍPIOS. ACONTECIMENTO AMPLAMENTE DIVULGADO NA MÍDIA. SITUAÇÃO EXPRESSAMENTE PREVISTA NA APÓLICE. AUSÊNCIA DE PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO. ÔNUS DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU A SEGURADORA RECORRIDA. ART. 333, INC. II, DO CPC. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR EVIDENCIADA. QUANTUM A SER APURADO EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO. "Tendo em vista que a apólice firmada entre as partes prevê cobertura para os danos decorrentes de ciclone e que o alagamento foi decorrente deste fenômeno meteorológico, deve a seguradora responder pelos prejuízos" (TJRS - Apelação Cível nº 70033995036. Relator Desembargador Ney Wiedemann Neto, julgado em 27/05/2010). (Apelação Cível n. 2010.003034-1, de Blumenau, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 18-04-2013).

           Por tais razões, é de se julgar procedente o pedido inicial para condenar a ré ao pagamento de indenização securitária, cujo valor deverá ser apurado na fase de liquidação de sentença, tomando-se o valor de cada item roubado na época do sinistro, com atualização monetária pelo INPC desde a data do perecimento do bem, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês contados da decisão que homologar a conta de liquidação.

           Desconto da franquia

           No entendimento da ré, para caso de condenação, o valor a ser deduzido a título de franquia é R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos seis eventos e não R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme afirmado pela autora na notificação extrajudicial de fls. 61-64.

           Com efeito, de acordo com o quadro de franquias previsto na fl. 32, trazido aos autos pela própria autora, a cobertura para roubo e furto qualificado de bens acarreta o dever de pagamento, pelo segurado, de uma franquia de 10% dos prejuízos ou, no mínimo, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por sinistro.

           Logo, este é o valor mínimo que deverá ser abatido de cada indenização a ser apurada em favor da autora em razão dos sinistros mencionados na petição inicial.

           Ônus sucumbenciais

           Em razão da reforma integral da sentença e sucumbência mínima da parte autora (art. 86, parágrafo único, do Novo Código de Processo Civil), a ré deve suportar integralmente os ônus sucumbenciais.

           Por conseguinte, forte no art. 82, § 2º, e art. 85 do Novo Código de Processo Civil, a ré deve ser condenada ao pagamento das despesas processuais bem como de honorários advocatícios em favor do advogado do autor, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, em atenção ao grau médio do zelo dos causídicos, o lugar de fácil acesso em que prestaram o serviço, a natureza consumerista e a normal importância da causa, assim o tempo decorrente de seu regular trâmite como o trabalho profissional desenvolvido.

           Contempla-se, por fim, acréscimo de 5% em decorrência da sucumbência recursal, tudo em atenção ao art. 85, § 2º, I a IV, e § 11, do Novo Código de Processo Civil.

           Conclusão:

           Por tais razões, conhece-se do recurso e dá-se-lhe provimento no sentido de: a) declarar inválida a cláusula excludente de cobertura de roubo de telefones celulares bem como ineficaz a negativa da ré nesse sentido; b) condenar a ré ao pagamento da indenização securitária correspondente a cada um dos sinistros, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com correção monetária pelo INPC desde a data de cada evento, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês da decisão que homologar a conta de liquidação, deduzida a franquia mínima de R$ 5.000,00 ou de 10% sobre o valor de cada indenização; c) condenar a ré ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% sobre o valor da condenação, já contemplada a sucumbência recursal.

           Este é o voto.


Gabinete Des. Stanley Braga