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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0012950-69.2009.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Júlio César M. Ferreira de Melo
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu May 05 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Uziel Nunes de Oliveira
Classe: Apelação

 


 


Apelação Cível n. 2012.084714-4, de Joinville

Relator: Des. Júlio César M. Ferreira de Melo

         APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO VERBAL DE PERMUTA DE IMÓVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. APELAÇÃO DOS RÉUS. SUBPRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. MITIGAÇÃO. MAGISTRADO TRANSFERIDO, PROMOVIDO OU APOSENTADO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. MÉRITO. INEXISTÊNCIA DE PRAZO PARA AS PARTES TRANSFERIREM AS PROPRIEDADES DOS IMÓVEIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROBIDADE E BOA-FÉ. APELANTES QUE NÃO CUMPRIRAM O CONTRATADO - TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE. INADIMPLEMENTO APTO A PERMITIR A RESCISÃO CONTRATUAL. AFASTADA A PRELIMINAR, RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

         I - DO SUBPRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. O subprincípio da identidade física do juiz poderá ser mitigado nos casos em que o Magistrado for transferido, promovido ou aposentado, o que ocorreu neste caso e, portanto, inviável o acolhimento do pedido, até mesmo porque ausente qualquer prejuízo.

         II - DO MÉRITO. Nada obstante a ausência de prazo para o cumprimento contratual, tendo uma das partes cumprido a sua obrigação, o não cumprimento pela parte adversa por tempo desarrazoado justifica a rescisão contratual.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.084714-4, da comarca de Joinville (1ª Vara Cível), em que é apelante Cristiano Leandro e outro, e apelada Lazinha Ribeiro de Almeida:

           A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e, afastada a preliminar, negar-lhe provimento. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado no dia 5 de maio de 2016, o Exmo. Sr. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo - Relator, o Exmo. Sr. Des. Joel Figueira Júnior - Presidente e o Exmo. Sr. Des. Stanley Braga.

           Florianópolis, 11 de maio de 2016.

Júlio César M. Ferreira de Melo

Relator

 

RELATÓRIO

           Adoto o relatório da sentença proferida, da lavra do Magistrado Uziel Nunes de Oliveira, que apresentou devidamente as postulações das partes e os fatos jurídicos mais relevantes.

    1 - Da Petição Inicial

    Lazinha Ribeiro de Almeida ingressou com Ação de Rescisão de contrato verbal de permuta de imóvel c/c liminar de reintegração de posse em face de Cristiano Leandro e Elisabete Andrade.

    Alegando que firmou contrato verbal de permuta de imóveis, tendo como objeto as residências das partes, avaliadas em valores iguais, sem saldos a mais para pagar, ficando pactuado que no prazo máximo de 1 (um) ano, seria providenciada a escritura definitiva do imóvel em favor da autora, ao passo que esta, nesse mesmo período, providenciaria a escritura definitiva do imóvel de sua propriedade para os réus.

    Afirma que em contraponto ao pactuado os réus detinham apenas a posse do imóvel, além do mesmo ser objeto de herança, e de não possuir nenhum tipo de documentação, inviabilizando a confecção da escritura em favor da Autora. Em decorrência do lapso temporal para a transferência do imóvel, a autora em abril de 2008 estipulou prazo de trinta dias para a rescisão do contrato, porém os réus se negaram devolver o imóvel.

    Requereu a liminar de reintegração de posse e dentre os pleitos inicias a rescisão do contrato verbal com a consequente reintegração de posse do imóvel objeto da permuta.

    Valorou a causa em R$ 70.000,00 (setenta mil reais), com base nos artigos 258 a 261 do Código de Processo Civil.

    Juntou aos autos escritura de compra e venda do imóvel permutado com o réu (fls. 12/13), registro geral do imóvel (fl.14), contrato de compra e venda do imóvel onde foi transferido para a autora (fl. 16), notificação extrajudicial para rescisão do contrato verbal (fls. 18/19), boletim de ocorrência (fl. 22).

    2 - Da resposta

    Em contestação os réus afirmam a celebração do contrato de permuta, no entanto, relatam que neste nunca foi estipulado prazo para a transferência das propriedades, sendo que as partes regularizariam a transferência das propriedade, cada uma para seu respectivo dono, assim que os imóveis estivessem desimpedidos.

    Relataram sobre as condições do contrato que, os imóveis foram avaliados com diferença de valores, sendo que o imóvel da autora tinha preço menor, com valores aproximados pelas diferenças referentes a dívida de IPTU que os réus tinham no imóvel.

    Afirmam que nem mesmo a autora conseguiu registrar seu imóvel antes de decorrido 1 (um) ano do contrato, informando, ainda, o ajuizamento da ação de usucapião extraordinário em face do imóvel permutado com a autora, e alegando que a autora já sabia da situação de seu imóvel antes de celebrar o contrato.

    Requereram improcedência da demanda, mantendo-se o contrato verbal e a desconsideração do pedido liminar de reintegração de posse.

    Colacionou aos autos declaração de colégio e catequese de que seus filhos estão freqüentando instituições perto casa que permutaram com a autora (fls.53/56), termo de parcelamento e confissão de débitos fiscais do imóvel que permutaram para a autora (fls. 57/59), documento de compra e venda em nome de Tereza Venancio (fl.60).

    3 - Da réplica

    Reiterou os argumentos iniciais e afirmou que seu imóvel possui valor maior do que o dos réus, ao contrário do exposto na contestação. Quanto as dívidas referentes ao IPTU, alega que nunca se negou a pagar, sendo que não era condição para a regularização da permuta. Por fim, relatou que os réus propuseram acordo, para que a autora ajuiza-se a ação de usucapião em favor dela mesma mas que em contrapartida deveria pagar o valor dos IPTUs atrasados.

    4 - Das audiências

    Houve audiência de conciliação, sem êxito em termos de composição (fl.32) e audiência de instrução e julgamento onde houve a oitiva de testemunhas (fls. 86/87).

    5 - Das provas produzidas

    Durante a instrução processual foi ouvida a testemunha Pedro Marinho da Silva arrolada pela autora.

    7 - Das alegações Finais

    Em alegações finais as partes reeditaram suas pretensões. (fls. 88/98).

           Ao sentenciar o feito, o Juiz julgou procedente o pedido para rescindir o contrato verbal de permuta de bens, devendo as as partes retornarem aos seus respectivos imóveis. Ao final, condenou o Réu ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 7.000,00, suspensa a exigibilidade, pelo prazo de cinco anos, em virtude da Justiça Gratuita (fls. 100-104).

           Os Réus apelaram sustentando: a) prejuízo em virtude do desrespeito ao princípio da identidade física do Juiz; b) não terem as partes firmado qualquer prazo para transferirem os imóveis; c) o ajuizamento de ação de usucapião para transferirem a propriedade do imóvel para a Autora; d) que a exceção de contrato não cumprido permite tão somente a suspensão do pacto e não a sua rescisão; e) o pacta sunt servanda (fls. 113-118).

           Contrarrazões às fls. 120-128.

           Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso.

           Este é o relatório.

 

VOTO

           1 Da preliminar

           Os Apelantes asseveram que o julgamento do feito por outro Magistrado malferiu o princípio da identidade física do Juiz.

    Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência, concluirá a instrução, julgando a lide, salvo se for transferido, promovido ou aposentado; casos em que passará os autos ao seu sucessor. Ao recebê-los, o sucessor prosseguirá na audiência, mandando repetir, se entender necessário, as provas já produzidas.

           Atento à realidade da justiça, o supracitado artigo prevê que o subprincípio da identidade física do juiz poderá ser mitigado nos casos em que o Magistrado for transferido, promovido ou aposentado, o que ocorreu neste caso e, portanto, inviável o acolhimento do pedido do Apelante.

           A inadequação ao dia a dia forense permitiu até mesmo o suprimento do aventado subprincípio no novo Código de Processo Civil que sequer o registrou no seu texto, até mesmo porque o simples fato de o Juiz estar ausente na produção da prova não o impossibilita de julgar a causa com a devida justiça, consoante o Órgão Colegiado que se afigura na mesma posição quanto as provas contidas nos autos.

           Não discrepa o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

    [...] ARGUIÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. SENTENÇA PROLATADA POR MAGISTRADO DIVERSO DAQUELE QUE PRESIDIU A FASE INSTRUTÓRIA. PREJUÍZO INEXISTENTE. EXEGESE DO ARTIGO 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. [...] I - Não viola o princípio da identidade física do juiz a prolação de sentença por magistrado diverso daquele que presidiu a audiência de instrução e julgamento, por enquadrar-se nas hipóteses excepcionadas no art. 132, caput, do Código de Processo Civil. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 2014.061516-5, de Joinville, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 28-01-2016).

           Mutatis mutandis decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

    [...] ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. ART. 132 DO CPC. INOCORRÊNCIA. [...] II. Não prospera a alegada contrariedade ao art. 132 do CPC, por ofensa ao princípio do juiz natural, porquanto a Corte Especial deste Tribunal firmou entendimento no sentido de que "o princípio da identidade física do juiz não tem caráter absoluto. Assim, desde que não se vislumbre, no caso concreto, prejuízo a alguma das partes, é de se reconhecer como válida sentença proferida por juiz que não presidiu a instrução, ainda que tenha decidido como substituto eventual, em regime de mutirão" (STJ, AgRg no Ag 624.779/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, CORTE ESPECIAL, DJe de 17/11/2008). Na hipótese, tendo os autos sido enviados ao Desembargador substituto, em razão de afastamento por férias, não há que se falar em ofensa ao princípio do juiz natural. [...] (AgRg no AREsp 690.661/ES, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 29/03/2016)

           Ao final do dispositivo supracitado infere-se que o sucessor do Juiz mandará repetir, se entender necessário, as provas já produzidas e, não o fazendo, conclui-se que não houve qualquer dúvida na prolação da sentença.

           Caso o Apelante se sentisse prejudicado, deveria ter interposto o recurso cabível, sob pena de preclusão nos termos do art. 245 do CPC/73, o que ocorreu neste caso: A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

           Outrossim, a alegação de possível desequilíbrio psíquico da Apelada, de brigas com seu filho e também com a Advogada que a representava no caso, de per si, não tem qualquer nexo etiológico com a resolução do negócio entre as partes. Até mesmo porque não há qualquer prova destes fatos nos autos.

           Destarte, insubsistente o pedido do Apelante, pois em desacordo com a lei e a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e, mormente pelo fato de inexistir qualquer prejuízo. 

           2 Do mérito

           Os Apelantes afirmaram que não houve fixação de prazo ânuo para a transferência das propriedades.

           Expenderam também que a Apelada somente regularizou a documentação e efetuou o registro do imóvel após um ano e dez meses, bem como prometeram ajuizar Ação de Usucapião com o fito de regularizar o imóvel e permitir a consecução da avença.

           Não merece acolhimento o reclamo dos Apelantes, visto que o contrato verbal entre as partes não prevê qualquer prazo para a transferência das propriedades, todavia, nestes casos, aplica-se o art. 134 do CC ao determinar que nos negócios jurídicos sem prazo deverá ser executado em determinado tempo com base nos princípios da probidade e boa-fé insculpidos no art. 422 do CC. 

           É o teor do art. 134 do CC: Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.

           O supracitado artigo apresenta o prazo tácito que, in casu, é determinado pelo tempo que não pode ser ad eternum ou ao livre arbítrio do devedor, mas sim deve se balizar pelo contido no art. 422 do CC. In verbis:

           Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

           Outrossim, não se olvide dos princípios norteadores do Código Civil, a serem aplicados neste caso, quais sejam, operabilidade e eticidade, que permitem ao Magistrado concretizar a solução mais justa e equitativa para o caso sub judice.

           É a ensinança de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

    As cláusulas gerais permitem a aplicação da Teoria Tridimensional do Direito, construída por Miguel Reale, uma vez que haverá uma dialética entre a norma, o fato e os valores. A norma será o fato valorado pelo Magistrado em consonância aos princípios constitucionais. O Magistrado exercerá a vital tarefa de, periodicamente, construir e reconstruir a norma, segundo o valor justiça. Nunca se esqueça que o bom exemplo que se pode extrair da Constituição Norte-Americana que, em linguagem usual, é aquilo que os juízes dizem que ela é.

    Neste sentido, o próprio Miguel Reale criticava o Código Civil de 1916 pelo excessivo rigorismo formal, como se a experiência jurídica imperasse o princípio da causalidade, próprio das ciências naturais. O arquiteto do Código Civil de 2002 remetia, então, à fundamentalidade da diretriz da eticidade para, mediante cláusulas gerais, "prever o recurso a critérios ético-jurídicos que permitam chegar-se à 'concepção jurídica', conferindo-se maior pode ao Juiz para encontrar-se a solução mais justa e equitativa" (Curso de Direito Civil, Parte Geral e LINDB, vol. 1, 10ª ed., 2012, ed. JusPodivm, fl. 56).

           Não discrepa Flávio Tartuce:

    Código Civil de 2002 consagra três princípios fundamentais, conforme se extrai da sua exposição de motivos, elaborada por Miguel Reale, a saber: [...]

    c) Princípio da Operabilidade - Esse princípio tem dois sentidos. Primeiro, o de simplicidade ou facilitação das categorias privadas, o que pode ser percebido, por exemplo, pelo tratamento diferenciado da prescrição e da decadência. Segundo, há o sentido de efetividade ou concretude, o que foi buscado pelo sistema aberto de cláusulas gerais adotado pela atual codificação. [...] (Manual de direito civil, volume único. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2014, p. 40).

           Portanto, ante os ditames dos arts. 134 e 421 do CC, a serem analisados em cotejo com os princípios fundamentais do Código Civil, operabilidade e eticidade, conclui-se que não há qualquer possibilidade de impor à Apelada que se submeta a prazo indeterminado.

           Ademais, não pode a Apelada ser obrigada a esperar que os Apelantes ajuízem Ação de Usucapião com o fito de regularizar o imóvel objeto da permuta.

           Até mesmo porque, ao pactuar o contrato verbal, não é crível supor que a parte tenha aceito esperar todo o trâmite de uma ação judicial e, inclusive, correr o risco do insucesso na demanda e consequente frustração da permuta.

           Além disso, aduzem os arts. 113 e 114 do CC: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. e Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.

           Consoante dito e provado pelos próprios Apelantes, a Apelada demorou um ano e dez meses para regularizar o imóvel. No entanto, tal fato, conforme o texto dos artigos supramencionados, apenas depõe a favor da justa causa para a rescisão do contrato.

           Explico:

           O fato de a Apelada ter demorado um ano e dez meses para regularizar o imóvel denota que a sua obrigação foi concretizada e que a morosidade dos Apelantes, a partir desse prazo, expressa o desequilíbrio contratual ao ter sido devidamente cumprida a obrigação por uma das partes sem que a outra sequer tenha lhe apresentado prazo certo para adimplir.

           Portanto, há inadimplemento contratual apto a incidir neste caso a exceção de contrato não cumprido, contido no art. 476 do CC, pois os Apelantes atrasaram a regularização do imóvel e não apresentaram qualquer prazo para o adimplemento contratual, permitindo-se a aplicação dos arts. 421, 422, 476 e 475 do CC.

           Aduzem os arts. 421, 422, 476 e 475 do CC:

    Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

    Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

    Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

    Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

           Sobre o tema dispõe Nelson Rosenvald:

    Há que salientar que existem duas acepções de boa-fé, uma subjetiva e outra objetiva. O principio da boa-fé objetiva - circunscrito ao campo do direito das obrigações- é o objeto de nosso enfoque. Compreende ele um modelo de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte. [...]

    Esse dado distintivo é crucial: a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer que a aferição se dirige à correção da conduta do individuo, pouco importando a sua convicção. De fato, o princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem cm desvio aos sedimentados parâmetros de honestidade e retidão.

    Por isso, a boa-fé objetiva é fonte de obrigações, impondo comportamentos aos contratantes, segundo regras de correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social. [...]

    A função integrativa da boa-fé resulta do art. 422 do CC. lntegrar traz a noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa·fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o principio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte - deveres anexos ou laterais -, propiciando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.

    Todavia, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela.

    Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo.

    Por fim, o grande influxo integrativo da boa-fé está localizado nas relações obrigacionais duradouras e não naquelas instantâneas em que há coincidência temporal entre a çontratação e a execução. Nas obrigações duradouras, exige- se uma execução com confiança recíproca e especial observância de diligência no cumprimento da atividade assumida, pois em uma vinculação de grande período cada uma das partes depende, mais do que em nenhum outro caso, da boa-fé no cumprimento do convencionado.

    Parece-nos que o art. 422 não se olvidou da responsabilidade pré-contratual, tampouco da responsabilidade post pactum finitum. Resta implícito no dispositivo que os deveres de conduta relacionados ao cumprimento honesto e leal da obrigação também se aplicam às negociações preliminares (tratativas) e sobre aquilo que se passa depois do contrato. Não se pode olvidar de que estamos diante de norma de textura aberta, que induz os operadores à sua colmatação com base em argumentação já desenvolvidas na doutrina.

    Em verdade, mesmo antes de a relação obrigacional ser pactuada. já existe o contato social entre as partes. Os deveres de conduta emergem no momento das primeiras negociações, pois a boa-fé objetiva diz respeito à manutenção da palavra empenhada. Assim, a complexidade da relação obrigacional apanha todo o processo relacional construído pelas partes, não se podendo dissociar os acertos e as promessas inaugurais de tudo aquilo que se verificou após a subscrição do contrato.

    O mesmo se entende da responsabilidade pós-contratual. A confiança recíproca - que permitiu a concretização da relação obrigacional - não termina no instante em que a prestação principal é satisfeita. Há uma enorme expectativa de que o outro contratante - não frustrará os fins do pactuado. Isso explica a razão da corriqueira imposição de cláusulas de confidencialidade e de não concorrência no bojo de contratos negociados (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 476-477).

           In casu os Apelantes não cumpriram com as suas obrigações, ex vi do art. 476 do CC, pois impossibilitaram a consecução da permuta frustrando a legítima confiança da Apelada ao realizar o contrato.

           Aliás, não é crível que alguém pactuasse avença que não se realizaria em prazo razoável ou até mesmo não se concretizaria em total afronta à realização positiva do contrato - pautada pela cooperação, proteção e informação entre os contratantes - com a devida tutela dos interesses das partes, quais sejam, a permuta dos imóveis das partes (função social interna). 

           E continua o doutrinador à fl. 528:

    Contratos bilaterais são aqueles em que ambas as partes possuem direitos e obrigações reciprocas, sendo contemporaneamente credores e devedores. Compra e venda e locação são exemplos de contratos em que uma das partes transfere a propriedade ou a posse de um bem em troca de um preço ajustado. As obrigações nascem unidas e assim deverão se manter durante a execução da relação contratual, preservando o contrato como um todo incindível, no qual avulta a realização integral da relação. [...]

    Uma das consequências da distinção entre contratos unilaterais e bilaterais concerne à possibilidade de nestes últimos ser facultada a uma das partes o manejo da exceptio non adimpleti contractus, pela qual cada um dos contraentes deverá respeitar o conjunto indivisível da relação a ponto de não poder reclamar a prestação do outro contratante sem que esteja disposto a executar a sua. [...]

    O fundamento do instituto reside na equidade. O sistema jurídico pretende que haja uma execução simultânea das obrigações. A boa-fé objetiva e a segurança do comércio jurídico demandam o respeito pelas obrigações assumidas de modo a unir o destino das duas obrigações, de forma que cada uma só será executada à medida que a outra também o seja. Trata-se de uma verdadeira situação de interdependência. que assegura não apenas o interesse das partes na realização da finalidade comum (função social interna), mas satisfaz a ordem social que procura pelo adimplemento como imposição de justiça comutativa (função social externa).

    A aplicação da exceção é a maneira de assegurar que as obrigações reciprocas se mantenham coesas, a fim de que uma das partes só possa ser compelida a prestar seu compromisso caso a outra proceda de igual modo.

    Note-se que. enquanto o descumprimento for temporário, a exceptio servirá como forma de pressão, hábil a compelir o devedor a executar sua obrigação, preservando a unidade indivisível do contrato, vista de maneira complexa e global, além de servir de garantia contra as consequências de uma inexecução definitiva. Todavia, constatando-se a impossibilidade total de cumprimento, deverá o credor lesado pleitear a resolução contratual pelo inadimplemento, desvinculando-se da relação obrigacional (art. 475 do CC).

           Havendo a exceptio non adimplenti contractus, torna-se lídima a rescisão do contrato verbal e, por consequência, mantêm-se incólume a sentença vergastada.

           Por derradeiro, quanto ao vetusto princípio do pacta sunt servanda (força obrigatória dos contratos), é cediço que o direito brasileiro o relativizou e mitigou a muito tempo em prol do equilíbrio contratual, conforme os ditames dos artigos citados alhures. No entanto, conforme explicitado neste acórdão, quem inadimpliu o contratado foram os Apelantes, e não a Apelada.

           Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e, afastada a preliminar, negar-lhe provimento.

           Este é o voto.


GB37780 Gabinete Des.Júlio César M. Ferreira de Melo