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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0005526-78.2012.8.24.0067 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Marli Mosimann Vargas
Origem: São Miguel do Oeste
Orgão Julgador: Primeira Câmara Criminal
Julgado em: Tue May 03 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Márcio Luiz Cristofoli
Classe: Apelação

 



Apelação Criminal n. 0005526-78.2012.8.24.0067, de São Miguel do Oeste

Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas

   APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL E DE TRÂNSITO (ART. 329 DO CÓDIGO PENAL E ART. 309 DA LEI N. 9.503/97). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

   PRETENSA ABSOLVIÇÃO. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO ATACAM OS FUNDAMENTOS EXISTENTES NO DECISUM CONDENATÓRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 1.010 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2016.

   RECURSO NÃO CONHECIDO.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0005526-78.2012.8.24.0067, da comarca de São Miguel do Oeste (Vara Criminal), em que é Apelante José Cristiano Esmerico e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

           A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, não conhecer do recurso. Custas legais.

           Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Guilherme Nunes Born e Júlio César M. Ferreira de Melo.

           Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr. Procurador Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti.

           Florianópolis, 3 de maio de 2016.

Desembargadora Marli Mosimann Vargas

PRESIDENTE E RELATORA

Documento assinado digitalmente

Lei 11.419/06

 

           RELATÓRIO

           O representante do Ministério Público da Vara Criminal da comarca de São Miguel do Oeste ofereceu denúncia contra José Cristiano Esmerico pela prática dos delitos definidos nos arts. 329 do Código Penal e 309 da Lei n. 9.503/97, assim descritos na inicial acusatória (fls. II-III):

    Na noite do dia 21 de agosto de 2012, por volta das 22h20min, na Rua Marcílio Dias, em frente ao estabelecimento denominado Mercado Bazzotti, em São Miguel do Oeste/SC, o denunciado JOSÉ CRISTIANO ESMERICO, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, conduzia a motocicleta Honda/CG, placa MJO-5764, ocasião em que foi abordado por uma viatura da Polícia Militar, ao ser abordado pelos policiais militares passou a opor resistência à atividade policial, investindo com socos e chutes contra a guarnição, tendo que ser contido com o uso de algemas.

    O denunciado, portanto, conduzia veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação, e opôs-se à execução de ato legal, mediante violência, realizado por funcionário público competente (grifos no original).

           Encerrada a instrução, o Magistrado a quo julgou procedentes os pedidos formulados na denúncia, a fim de condenar José Cristiano Esmerico à pena privativa de liberdade de 8 (oito) meses de detenção, em regime inicial aberto, pela prática dos crimes previstos nos arts. 329 do Código Penal e 309 da Lei n. 9.503/97, em concurso material. Ao final, a execução da pena foi suspensa, pelo prazo de 2 (dois) anos (fls. 104-108).

           Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, objetivando a sua absolvição (fls. 121-123).

           Em contrarrazões, requereu o apelado a manutenção da decisão recorrida (fls. 124-130).

           Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Gercino Gerson Gomes Neto, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 134-140).

           Este é o relatório.

           VOTO

           Denota-se dos autos que, ao apresentar as razões recursais, a defesa não impugnou os argumentos utilizados pelo Magistrado a quo ao proferir o decreto condenatório.

           Com relação ao crime descrito no art. 309 da Lei n. 9.503/97, requereu a absolvição, alegando somente que "[a condenação] não deve ocorrer, pois a prova é demasiadamente fraca para este fim", além de que "o direito penal exige a necessidade da certeza para que haja uma condenação. Certeza esta que não está presente neste feito" (fl. 122). Quanto ao delito previsto no art. 329 do Código Penal, simplesmente sustentou que ratificava as alegações finais do Ministério Público - sem transcrevê-las -, a fim de embasar o pedido de absolvição.

           Imperioso ressaltar que o Código de Processo Penal, em seu art. 3º, dispõe que "a lei processual penal admitirá interpretação extensiva à aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito".

           Guilherme de Souza Nucci explicita:

    [...] o Código de Processo Penal admite, expressamente, que haja interpretação extensiva, pouco importando se para beneficiar ou prejudicar o réu, o mesmo valendo no tocante à analogia. Pode-se, pois, concluir que, admitido o mais - que é a analogia -, cabe também a aplicação da interpretação analógica, que é o menos. Interpretação é o processo lógico para estabelecer o sentido e a vontade da lei. A interpretação extensiva é a ampliação do conteúdo da lei, efetivada pelo aplicador do direito, quando a norma disse menos do que deveria. Tem por fim dar-lhe sentido razoável, conforme os motivos para os quais foi criada [...]. Amplia-se o conteúdo do termo para alcançar o autêntico sentido da norma. A interpretação analógica é um processo de interpretação, usando a semelhança indicada pela própria lei. [...] Analogia, por sua vez, é um processo de integração do direito, utilizado para suprir lacunas. Aplica-se uma norma existente para uma determinada situação a um caso concreto semelhante, para o qual não há qualquer previsão legal. Ensina Carlos Maximiliano que a analogia, "no sentido primitivo, tradicional, oriundo da Matemática, é uma semelhança de relações. [...] Passar por inferência, de um assunto a outro de espécie diversa é raciocinar por analogia. Esta se baseia na presunção de que duas coisas que têm entre si um certo número de pontos de semelhança possam consequentemente assemelhar-se quando a um outro mais. Se entre a hipótese conhecida e a nova semelhança se encontra em circunstância que se deve reconhecer como essencial, isto é, como aquela da qual dependem todas as consequências merecedoras de apreço na questão discutida; ou, por outra, se a circunstância comum aos dois casos, com as consequências que da mesma decorrem, é a causa principal de todos os efeitos; o argumento adquire a força de uma introdução rigorosa" (Hermenêutica e aplicação do direito, p. 253). Exemplos: a) o art. 207 do CPC prevê a possibilidade de se transmitir por telefone uma carta de ordem ou precatória, dependendo somente da confirmação do emissor. Não havendo dispositivo semelhante no Código de Processo Penal, tem-se usado tal preceito para a transmissão de ordem de habeas corpus, para a soltura do paciente, justamente porque mais eficaz; b) não há um número especificado no Código de Processo Penal para ouvir testemunhas no caso de exceção de suspeição apresentada contra o juiz, razão pela qual deve-se usar o disposto no art. 407, parágrafo único, do CPC, ou seja, três para cada fato. No processo penal, a analogia pode ser usada contra ou a favor do réu, pois não se trata de uma norma incriminadora, protegida pelo princípio da reserva legal, que exige nítida definição do tipo em prévia lei (Código de Processo Penal Comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 72-73).

           Assim considerando, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 1.010, II, do Código de Processo Civil de 2016, o qual impõe que o recurso traga as razões de fato e de direito que justifiquem a sua interposição, ou seja, é preciso que esteja munido de fundamentos que demonstrem o inconformismo da parte apelante com o decisum.

           Sobre o assunto, Manoel Caetano Ferreira Filho leciona:

    [...] todos os recursos devem ser interpostos através de petição motivada, contendo as razões pelas quais se pede a invalidação ou a reforma do pronunciamento recorrido. Não foge à regra a apelação. No ato de interposição, o recorrente deve apresentar as razões que fundamentam a existência de erro de procedimento ou de julgamento na sentença e justificam a nova decisão pleiteada. Para tanto, deve submeter a uma análise crítica os argumentos que nela estão expendidos, com vistas a demonstrar o vício alegado (Comentários ao código de processo civil. v.7: do processo de conhecimento, arts. 495 a 565 - São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 95).

           De igual forma, os doutrinadores Fredie Souza Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha explicam sobre a indispensável exposição das circunstâncias de fato e de direito a serem confrontadas com a decisão atacada.

    [...] não se permite a interposição de apelação 'por cota nos autos', nem por referência a alguma outra peça anteriormente oferecida, de forma que não se admite apelação cujas razões se restrinjam a reportar-se à petição inicial, à contestação ou à outra peça apresentada. Significa que a apelação deve conter argumentos que, ao menos, tentem rechaçar a conclusão a que se chegou a sentença atacada (Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2011. p. 105).

           Como se viu, ao apresentar as razões recursais, o defensor limitou-se a requerer a absolvição do apelante por aplicação do princípio in dubio pro reo com base nas alegações finais do órgão ministerial, sem, contudo, fundamentar tais argumentos.

           Verifica-se, pois, que no presente caso, a defesa deixou de indicar em quais pontos não concorda com o decisum, ferindo, assim, o princípio da dialeticidade, o qual norteia os recursos e impõe à parte o dever de impugnar, especificamente, os fundamentos da decisão recorrida e os motivos pelos quais contra ela se insurge. Nesse sentido: Recurso de Agravo n. 2011.048412-1, de Chapecó, rel. Des. Rui Fortes, Primeira Câmara Criminal, j. 18-8-2011.

           Diante disso, tal situação inviabiliza a discussão sobre o pedido, sobretudo porque é dever do apelante apresentar fatos e fundamentos jurídicos para que sua questão seja reanalisada.

           Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou:

    AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INÉPCIA. NÃO CONHECIMENTO.

    Vige em nosso ordenamento o Princípio da Dialeticidade segundo o qual todo recurso deve ser formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste a sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada (ARE 664044 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux. j. 13-3-2012).

           E:

    Como é de sabença geral, a teoria dos recursos é informada por uma série de princípios e dentre eles, figurando como um dos mais importantes, temos o princípio da dialeticidade, segundo o qual o recorrente deve confrontar os fundamentos utilizados na decisão impugnada, deixando explícito seu interesse recursal, manifestado pelo combate à tese pronunciada no decisum vergastado. O enfrentamento ao fundamento que serviu de lastro para a decisão impugnada deve ser direto e específico, de tal maneira que reste incontroverso tal desiderato, permitindo, então, que o Tribunal avalie a pretensão recursal, informada pelo brocardo latino tantum devolutum quantum apellatum (AgRg no Resp 647.275/RS, rel. Min. Francisco Falcão, j. 18-10-2005).

           Esta Corte de Justiça não destoa:

    [...] DOSIMETRIA. PLEITO GENÉRICO DE REDUÇÃO DA PENA. NÃO OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PARTICULAR.

    - Pelo princípio da dialeticidade recursal, segundo o qual o efeito devolutivo da apelação criminal encontra limites nas razões expostas pela parte recorrente, não se conhece do pedido de redução da pena quando o apelante não apresenta qualquer argumento nesse sentido. Precedentes do STJ (Apelação Criminal n. 2012.008035-9, de Pomerode, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 9-4-2013).

           Mais:

    APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO (CP, ART. 213, CAPUT E § 1º, C/C 71) E INDUÇÃO DE CRIANÇA AO ACESSO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO (LEI 8.069/90, ART. 241-D, PARÁGRAFO ÚNICO, I) [...].

    PLEITO GENÉRICO DE DIMINUIÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO PONTO [...].

    - O pedido formulado de maneira genérica, sem especificar o ponto de insurgência diante da decisão recorrida, inviabiliza a sua discussão. É cediço que a parte deve apresentar os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, sob pena de não observar o princípio da dialeticidade processual (Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2011.099446-4, de Jaguaruna, rel. Des. Domingos Paludo, Primeira Câmara Criminal, j. 12-12-2012).

           E, por analogia, menciona-se:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS EMERGENTES E MORAIS. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. ADMISSIBILIDADE RECURSAL. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO ATACAM A SENTENÇA EM SUA INTEGRALIDADE, SENDO CÓPIA DAS ALEGAÇÕES FINAIS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. EXEGESE DO ARTIGO 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

    RECURSO NÃO CONHECIDO.

    - "Vige em nosso ordenamento o Princípio da Dialeticidade segundo o qual todo recurso deve ser formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste a sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada". (STF. ARE 664044 AgR/MG. rel. Min. Luiz Fux. j. em 13-3-2012) (Apelação Cível n. 2009.072352-1, de Taió, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Quinta Câmara Comercial, j. 14-3-2013).

           Pelo exposto, não se conhece do recurso.

           Este é o voto.


Gabinete Desembargadora Marli Mosimann Vargas