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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 9157490-64.2015.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Ronei Danielli
Origem: Capital
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed May 04 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: Não informado
Classe: Direta de Inconstitucionalidade

 


 


Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 9157490-64.2015.8.24.0000

Relator: Desembargador Ronei Danielli

   AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL N. 16.741, DE 21 DE OUTUBRO DE 2015. DISPENSA DE AUTENTICAÇÃO EM DOCUMENTOS. EXPEDIENTE COM EFEITOS RESTRITOS A PROCEDIMENTOS INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL, DIRETA E INDIRETA. ATO REALIZADO POR SERVIDOR PÚBLICO LIMITADO À MERA DECLARAÇÃO DE CONFERÊNCIA DA PEÇA COM O DOCUMENTO ORIGINAL. FORÇA PROBANTE DIVERSA DA AUTENTICAÇÃO DOCUMENTAL EFETUADA POR NOTÁRIOS. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS APONTADOS. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. AÇÃO IMPROCEDENTE.

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 9157490-64.2015.8.24.0000, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em que é Requerente Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina ANOREG SC e Requeridos Governador do Estado de Santa Catarina e Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

           O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade. Custas legais.

           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Torres Marques, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargador Rodrigo Collaço, Desembargador Pedro Manoel Abreu, Desembargador Newton Trisotto. Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Nelson Schaefer Martins, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, Desembargador Monteiro Rocha, Desembargador Rui Fortes, Desembargador Marcus Tulio Sartorato, Desembargador Cesar Abreu, Desembargador Ricardo Fontes, Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Desembargador Cid Goulart, Desembargador Jaime Ramos, Desembargador Lédio Rosa de Andrade, Desembargadora Marli Mosimann Vargas, Desembargador Sérgio Izidoro Heil, Desembargador José Carlos Carstens Köhler, Desembargadora Rejane Andresen, Desembargador Jânio Machado e Desembargador Raulino Jacó Bruning.

           Florianópolis, 04 de maio de 2016.

Desembargador Ronei Danielli

Relator

 

RELATÓRIO

           Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina - ANOREG SC propôs ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Estadual n. 16.741, de 21 de outubro de 2015, que dispensa a exigência de autenticação, em cartório, de cópias de documentos exigidos por órgãos integrantes da "Administração Pública Estadual, Direta, Indireta e suas Fundações".

           Argumentou ser a autenticação de documentos atividade notarial de competência privativa, por delegação do Poder Público, conforme disposto no art. 236 da Constituição Federal.

           Alertou para a possibilidade de ocorrência de fraudes, pois a autenticação exige exame acurado do documento original e sua cópia feito por profissional habilitado, razão pela qual a conferência por servidores públicos sem o devido treinamento torna temerária a validade do ato.

           Esclareceu que a Administração Pública não se onera com a exigência de autenticação de peças, em virtude da isenção de emolumentos cartoriais, conforme prevê o art. 33 da Lei Complementar n. 156/1997. Apontou violação ao princípio da separação dos poderes, pois a norma impugnada repercute diretamente na diminuição de receita do Judiciário com o selo de fiscalização.

           Pleiteou a concessão de medida cautelar no intuito de sustar os efeitos da lei e, ao final, a declaração de sua inconstitucionalidade.

           Adotou-se o rito especial do art. 12 da Lei Estadual n. 12.069/2001, em razão da relevância do tema e da repercussão na ordem social e segurança jurídica.

           Notificado, o Governador do Estado de Santa Catarina prestou informações apontando as justificativas que conduziram à aprovação da lei impugnada e sua posterior sanção, quais sejam: "a necessidade de desonerar a população, evitar gastos supérfluos, dar continuidade ao atendimento da população, permitir o amplo acesso ao direito de petição, priorizar a boa-fé das pessoas e rechaçar burocracia desnecessária". Sinalizou inexistir a sugerida inconstitucionalidade, defendendo a higidez da norma em virtude de o regramento atender ao interesse público primário.

           O Procurador-Geral do Estado, em preliminar, pleiteou a extinção da ação sem resolução do mérito por ter a impetrante amparado sua pretensão unicamente no art. 236 da Constituição Federal, norma que não pode ser utilizada como parâmetro no controle de constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça. Quanto à matéria de fundo, afirmou que a lei objeto de controle concentrado trata da conferência de documentos originais com suas cópias realizada por servidores públicos em procedimentos administrativos internos, conferindo-os autenticidade e força probante somente perante a Administração. Nesse viés, sustentou que atividade regulada pela lei não se presta a substituir os serviços notariais, razão pela qual aduz ter a requerente feito interpretação equivocada do regramento.

           Por sua vez, o Presidente da Assembleia Legislativa manifestou-se no sentido da dispensa de autenticação documental por tabelião de notas nas relações entre particulares e entes públicos, em observância ao princípio da boa-fé. Asseverou que este primado também amparou a possibilidade de advogados declararem a autenticidade de documentos apresentados no âmbito do Poder Judiciário, bem como autorizou servidor público a declarar a conferência de cópia de documento com o original em procedimentos licitatórios.

           Lavraram parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Vera Lúcia Ferreira Copetti e o Exmo. Sr. Dr. Maury Roberto Viviani, no sentido da extinção da ação sem apreciação do mérito por ilegitimidade ativa e, subsidiariamente, sua improcedência.

           Esse é o relatório.

VOTO

           Inicialmente, registre-se que a causa encontra-se suficientemente madura, estando pronta para a apreciação definitiva, independentemente do exame do pleito cautelar, conforme faculta o disposto no art. 12, da Lei Estadual n. 12.069/2001, expediente amplamente aceito nesta Corte a dispensar maiores digressões.

           Em preliminar, o Procurador-Geral do Estado levantou a tese de extinção da ação sem resolução do mérito por ter a impetrante escorado sua pretensão unicamente no art. 236 da Constituição Federal. Asseverou que referido dispositivo legal não pode amparar o controle de constitucionalidade efetuado perante o Tribunal de Justiça.

           A tese, sem delongas, merece ser rechaçada pois percebe-se que a referência à Constituição Federal fora meramente exemplificativa, na medida em que indica dispositivos da Constituição Estadual que foram violados na sua concepção, dentre eles o correlato, em sua essência, art. 194 do Diploma Estadual.

           Em seu parecer, a douta Procuradoria-Geral de Justiça invocou a tese de ilegitimidade ativa por ausência de pertinência temática entre o objeto da ANOREG e o conteúdo da norma impugnada, o que não merece prosperar.

           A tese amparou-se no seguinte argumento:

    Confrontando, porém, o Estatuto da Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina - ANOREG-SC com a Lei Estadual n. 16.741/2015, conclui-se que o requisito da pertinência temática não está preenchido. Isso porque a ANOREG-SC possui a "finalidade de congregar os titulares e substitutos ativos ou inativos, dos serviços notaria e de registro público do Estado de Santa Catarina" (fl. 18),enquanto a lei estadual, cuja constitucionalidade se põe em dúvida, limita-se a estabelecer os requisitos para o preenchimento de documentos dirigidos, exclusivamente, à Administração estadual, direta e indireta, como verdadeiros.

    Em outras palavras, em nenhum momento o diploma legal impugnado disciplina qualquer ato abrangido pelo serviço notarial e de registro, notadamente a autenticação de documentos com efeito erga omnes, de modo que a respectiva associação dos delegatárias dessa atividade não possui legitimidade para questionar, na via abstrata, a sua constitucionalidade.

    Logo, ante a ilegitimidade ativa por ausência de pertinência temática, não deve ser apreciado o mérito desta ação direta, na forma do art. 485, inciso VI, do vigente Código de Processo Civil, impondo-se sua extinção. (fls. 152/153 - sem grifo no original).

           Pois bem. O art. 85 da Constituição do Estado dispõe que as entidades de classe de âmbito estadual tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade. Atentando-se aos fins da associação elencados em seu Estatuto (art. 2º, fl. 18), percebe-se que esta se enquadra na modalidade.

           A relação de pertinência temática entre a atividade desempenhada pela associação autora e a lei alvo da ação é igualmente pressuposto que lhe confere legitimidade e interesse processual.

           Nesse ponto específico, ainda que possa pairar alguma dúvida sobre o preenchimento do requisito, percebe-se que este se confunde com o próprio mérito, na medida em que a exata avaliação perpassa sobre o objeto da causa, qual seja, se a atividade regulamentada pela norma impugnada representa ou não autenticação nos moldes realizados pelos cartórios extrajudiciais. Desse modo, torna-se prudente o avanço na apreciação da matéria, afastando-se a preliminar em comento.

           Nesses termos, ultrapassadas as questões preambulares, analisa-se o fundamento invocado na inicial.

           A ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Notários e Registradores do Estado de Santa Catarina tem como alvo a Lei Estadual n. 16.741/2015, que dispõe:

    Art. 1º Fica dispensada a exigência de autenticação em cartório, das cópias de documentos exigidos por órgãos integrantes da Administração Pública Estadual, Direta, Indireta e suas fundações, em todo o Estado de Santa Catarina, desde que utilizadas no interesse do requerente, em procedimento administrativo do mencionado órgão autenticador.

    Art. 2º O servidor público, em confronto com o documento original, autenticará a cópia, declarando que "confere com o original".

    Parágrafo único. A autenticação de que trata o caput deste artigo deverá ser feita com a carimbagem, constando, obrigatoriamente, a data, o nome, a matrícula e o órgão de lotação do servidor.

    Art. 3º O órgão que verificar, a qualquer tempo, falsificação de assinatura em documento público, deverá dar conhecimento do fato à autoridade competente, para instauração do processo administrativo e criminal.

           Argumentou a associação autora ser a autenticação de documentos atividade notarial de competência privativa dos cartórios e serventias extrajudiciais, razão pela qual invoca sua inconstitucionalidade. Suscitou a fragilidade do ato e a alta probabilidade de ocorrência de fraudes, na medida em que a conferência da cópia com seu original não seria realizada por profissionais treinados.

           No entanto, da atenta leitura do regramento impugnado, não se vislumbra o vício apontado. Isso porque a lei não delegou aos servidores públicos do Estado atividade típica notarial, mas apenas outorgou validade à cópia por eles conferida e atestada como correspondente ao original, para fins exclusivamente interna corporis.

           O ato restringe-se à singeleza de mera declaração emanada por servidor, no exercício de suas atribuições legais, com a fé pública que lhe é inerente, para utilização restrita em procedimentos administrativos.

           Assim, nem de perto atinge a força probante do documento autenticado e não o substitui. Sequer este parece ser o objetivo da lei, na medida em que delimita expressamente sua validade e circulação: "desde que utilizadas no interesse do requerente, em procedimento administrativo do mencionado órgão autenticador.".

           A autenticação por notário, por certo, confere ao documento confiabilidade, legitimidade e formalidade, atribuindo-o status probante e validade que não se iguala ao ato regulamentado pela lei impugnada.

           Nesse contexto, fácil perceber que apenas se retirou burocracia desnecessária, privilegiando prerrogativa que o servidor público já detinha no desempenho de suas funções. Sobressai evidente que a norma almeja tão somente facilitar o acesso, simplificar o procedimento e desonerar a população em geral, no âmbito limitado e interno da atuação dos entes públicos estaduais da Administração Direta e Indireta.

           Quanto à suposta possibilidade de fraudes, a lei prevê o encaminhamento necessário para a apuração do fato: "O órgão que verificar, a qualquer tempo, falsificação de assinatura em documento público, deverá dar conhecimento do fato à autoridade competente, para instauração do processo administrativo e criminal". Ademais, eventual irregularidade repercutirá no âmbito interno da Administração Pública Estadual, não afetando diretamente terceiros.

           O parecer ministerial corrobora o entendimento:

    Ocorre que o diploma legal, objeto desta ação direta, não atribuiu aos servidores públicos estaduais o exercício de típica atividade notarial, tendo em vista que da aceitação de cópia simples de original verificada pelo agente público não decorrem os mesmos efeitos a autenticação realizada por titular de serventia extrajudicial.

    Na realidade, trata-se de mero ato declaratório da Administração Pública, que se aproxima de uma atestado ou uma declaração, os quais possuem por características, segundo José dos Santos Carvalho Filho, o fato de que "os agentes administrativos dão fé, por sua própria condição, da existência desse fato".

    Conquanto empregue a expressão "autenticação", a referida lei estadual apenas ratifica a fé pública dos ocupantes de cargo públicos de determinar que a cópia apresentada possui mesmo conteúdo que o original, dispensando-se outras formalidades para fim de instrução dos processos administrativos internos à estrutura do Poder Público estadual.

    Indispensável ressaltar que, em momento algum, a Lei Estadual n. 16.741/2015 impede o recebimento de cópias autenticadas em cartório, apenas não estabelece tal procedimento como condição para o reconhecimento da veracidade de documentação, exclusivamente, no âmbito da Administração Pública estadual direta ou indireta. (fl. 153).

           Note-se que o expediente ora impugnado é amplamente adotado no Poder Judiciário, conforme dispõe os arts. 423, 424 e 425 do Novo Código de Processo Civil (antigos arts. 365, 384 e 385), que permite ao escrivão ou chefe de cartório judicial declarar e certificar a conformidade da reprodução com o documento original. Também é dispensada a autenticação por serventia extrajudicial de peças cujo advogado declare autênticas, na redação do art. 425, inc. IV, do Novo Código de Processo Civil (antigo art. 365, inc. IV).

           De outro norte, não se identifica violação ao princípio da separação dos poderes, nos moldes sugeridos pela associação. Isso porque a regulamentação restringe-se aos procedimentos internos de cada órgão autenticador, não implicando em redução na arrecadação com selo de fiscalização ou alterando da cobrança de taxas e emolumentos, como quer fazer crer a requerente.

           Para ilustrar o argumento, a autora cita precedente deste Órgão Especial em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2015.001142-5, da relatoria do eminente Des. Marcus Túlio Sartorato. A transcrição de pequeno trecho do acórdão é suficiente para afastar a similitude com o caso ora analisado. Vejamos:

    O instrumento normativo atacado trata da isenção do pagamento de taxas e/ou emolumentos, in verbis:

    "Art. 1º As pessoas portadoras de deficiências físicas e as que tenham atingido a idade limite prevista para aposentadoria, ficam isentas, do pagamento de taxas e/ou emolumentos estaduais destinados ao fornecimento de:

    a) (VETADO);

    b) (VETADO);

    c) Certidão de Casamento e suas segundas vias;

    d) Certidão de Nascimento e segundas vias;

    e) Procurações;

    f) Autenticação de documentos;

    g) Reconhecimento de firmas.

    Parágrafo único. As isenções se referem a documentos próprios dos

    beneficiados pela presente Lei."

    Houve, portanto, evidente vício de iniciativa, em violação ao artigo 83 da Carta Estadual bem como ao princípio da separação dos poderes (art. 32 da Carta Catarinense).

    Destarte, está evidenciado o vício formal que atinge a legislação em tela e a torna inconstitucional, haja vista ter a Assembleia Legislativa extrapolado sua função ao tomar a iniciativa e promulgar a Lei nº 8.589/1992, concernente à matéria de competência exclusiva do Tribunal de Justiça.

           Nítido perceber que a hipótese citada trata de isenção de cobrança de taxas e emolumentos para portadores de deficiência física, regulando e interferindo diretamente na atividade notarial.

           Tema diametralmente oposto do ora analisado: dispensa de autenticação, por serventia extrajudicial, de documentos utilizados em procedimentos internos da administração pública estadual.

           A incongruência é tamanha, eximindo maiores digressões sobre o tema.

           Por fim, está dissociada de qualquer correlação a tese de que "a administração não se onera com a exigência de autenticação dos documentos, em virtude da isenção de emolumentos cartoriais, conforme prevê o art. 33 da Lei Complementar n. 156/1997". O viés da lei em debate é outro. Ela visa desonerar o cidadão ou pessoa jurídica nas relações com a administração pública de burocracia extra. Desse modo, o rebate do fundamento faz-se desnecessário.

           Por todos os ângulos que se avalie a Lei Estadual n. 16.741, de 21 de outubro de 2015, não se constata os sugeridos vícios formais e materiais elencados na exordial, de modo que prevalece sua legitimidade.

           Diante do exposto, inexistindo inconstitucionalidade a ser declarada, deve a presente ação ser julgada improcedente.

           Esse é o voto.


Gabinete Desembargador Ronei Danielli