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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2013.084105-9 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Chapecó
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Aug 11 00:00:00 GMT-03:00 2015
Juiz Prolator: Marciana Fabris
Classe: Apelação Criminal

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 231

Apelação Criminal n. 2013.084105-9, de Chapecó

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. INDÍGENA CONDENADO POR DUPLO HOMICÍDIO SIMPLES, UM CONSUMADO E OUTRO TENTADO. RECURSO DO ACUSADO.

ANULAÇÃO DA DECISÃO POR SER MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. CONSELHO DE SENTENÇA QUE ACOLHEU A TESE OBJETO DA INCOATIVA. LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. JURADOS QUE OPTARAM POR UMA DAS VERSÕES DEDUZIDAS EM PLENÁRIO E QUE ENCONTRA SUBSTRATO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. JULGAMENTO ARBITRÁRIO NÃO CARACTERIZADO. INTELIGÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS DEFINIDO NO ART. 5º, INC. XXXVIII, "C" E "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Se lastro probatório há, ainda que mínimo, em favor da tese acolhida pelos Jurados, não é permitido ao Órgão ad quem determinar que a outro julgamento o Acusado seja submetido, visto que a decisão do Tribunal do Júri só pode ser desconstituída quando arbitrária e totalmente divorciada do contexto probatório.

CONCURSO DE CRIMES. CONTINUIDADE DELITIVA. IDENTIDADE OBJETIVA E UNIDADE SUBJETIVA. ADEQUAÇÃO DA PENA E DO REGIME DE RESGATE.

A presença dos requisitos objetivos (tempo, modus operandi, lugar, etc.) e do elemento subjetivo (unidade de desígnios) atraem a regra da continuidade delitiva, à luz da teoria objetivo-subjetiva.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ESTATUTO DO ÍNDIO. ATENUAÇÃO DA PENA E REGIME DE SEMILIBERDADE. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a adesão da República Federativa do Brasil à Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho, incorporada formalmente ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 5.051/04, não mais subsiste a categorização do índio em "isolados", "em vias de integração" e "integrados", mas apenas em índio ou não índio.

A par disso, a atenuante de indigenato e o regime especial de semiliberdade previstos no Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) serão aplicáveis "pela simples condição de se tratar de indígena" (STF, HC 85198, Rel. Min. Eros Grau, j. 17.11.05), independente do grau de aculturamento do silvícola.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2013.084105-9, da comarca de Chapecó (1ª Vara Criminal), em que é apelante Cristiano Cardoso, e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso para reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes; adequar a reprimenda imposta a Cristiano Cardoso para 8 anos de reclusão; e fixar o regime semiaberto como o inicial ao resgate da pena. De ofício, reconhecer a atenuante de indigenato, sem alteração no quantum da reprimenda, e determinar que a pena de reclusão seja resgatada, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do Órgão Federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Getúlio Corrêa e Volnei Celso Tomazini. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti.

Florianópolis, 11 de agosto de 2015.

Sérgio Rizelo

PRESIDENTE E Relator


RELATÓRIO

Na Subseção Judiciária de Chapecó, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Cristiano Cardoso, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 121, caput, e 121, caput, este c/c o 14, inc. II, e contra Sérgio Cardoso, por infração aos arts. 121, caput, c/c 14, inc. II, todos do Código Penal, porque:

Fato 01 - artigo 121, caput, do CP.

No dia 29 de abril de 2012, por volta das 18 horas, no interior da Aldeia Indígena Toldo Chimbangue, localizada na Linha Sede Trentin, nesta cidade, o denunciado Cristiano Cardoso, imbuído de animus necandi, de forma consciente e voluntária, fazendo uso de um revólver calibre 22, matou a vítima Derli Fernandes.

A conduta criminosa ocorreu em razão de briga iniciada no salão de festas da comunidade da aludida Aldeia, durante a festa de comemoração do dia do índio. Decidido a matar a vítima, o réu Cristiano efetuou um disparo na direção da vítima Derli atingindo-a, sendo esta a causa eficiente da sua morte.

Fato 02 - artigo 121, caput, c/c artigo 14, inciso II, do CP.

No dia 29 de abril de 2012, no interior da Aldeia Indígena Toldo Chimbangue, localizada na Linha Sede Trentin, nesta cidade, o denunciado Cristiano Cardoso, de forma consciente e voluntária, imbuído de animus necandi, fazendo uso de um revólver calibre 22, tentou matar a vítima Valtair Fernandes. O crime somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.

A conduta criminosa ocorreu em razão de briga iniciada no salão de festas da comunidade da aludida Aldeia, durante a festa de comemoração do dia do índio. Decidido a matar a vítima Valtair, o réu Cristiano efetuou um disparo em sua direção, atingindo-a, sendo que o resultado não se consumou porque a vítima recebeu imediato socorro, tendo sido conduzido ao Hospital Regional de Chapecó, onde recebeu atendimento.

Fato 03 - artigo 121, caput, c/c artigo 14, inciso II, do CP.

No dia 29 de abril de 2012, por volta das 18 horas, no interior da Aldeia Indígena Toldo Chimbangue, localizada na Linha Sede Trentin, nesta cidade, o denunciado Sérgio Cardoso, de forma consciente e voluntária, imbuído de animus necandi, fazendo uso de uma arma branca (adaga), tentou matar a vítima Marinês de Oliveira. O crime somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que a vítima foi conduzida ao Hospital Regional de Chapecó, onde recebeu imediato atendimento.

Na ocasião, durante uma briga ocorrida no salão de festas da referida comunidade, o denunciado Sérgio utilizando-se de uma "adaga", veio na direção da vítima e do seu esposo Antônio Gilmar Ferreira, com o objetivo de atingir o segundo. A vítima Marinês, para defender seu esposo, se colocou entre ele e o denunciado, sendo atingida pela arma branca.

A conduta criminosa causou amputação da mão esquerda e ferimentos na face esquerda da vítima (fls. 2-5).

Por não envolver direitos indígenas (CF, arts. 109, inc. XI, c/c 231), a competência foi declinada para a Justiça Estadual (fls. 391-396).

Finda a instrução processual, por meio da decisão das fls. 603-618, Cristiano Cardoso foi pronunciado, nos termos da denúncia, enquanto Sérgio Cardoso teve sua imputação desclassificada para outra de competência do Juízo singular, resultando determinada a cisão do processo.

Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, a sentença das fls. 759-763, em respeito ao deliberado pelos Juízes Leigos, julgou procedente a denúncia e condenou Cristiano Cardoso às penas de 9 anos de reclusão, por infração ao disposto nos arts. 121, caput, e 121, caput, este c/c o 14, inc. II, todos do Código Penal, em concurso material.

Inconformado com o resultado do julgamento, Cristiano Cardoso aviou recurso de apelação criminal na fl. 768.

Nas razões recursais das fls. 772-785, pugna o conhecimento e provimento do apelo para que seja reconhecido que a decisão dos Juízes Leigos é manifestamente contrária à prova dos autos, com fundamento no art. 593, inc. III, alínea "d", do Código de Processo Penal, a fim de ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal Popular.

Aponta que a prova dos autos é manifesta em evidenciar que, no dia dos acontecimentos, realizou a conduta típica descrita na denúncia amparado por causa excludente de ilicitude (legítima defesa).

Sucessivamente, no tocante à dosimetria, aponta a necessidade de se reconhecer a continuidade delitiva entre as condutas, com a adequação do regime prisional imposto.

O Ministério Público, por meio das contrarrazões das fls. 787-798, insta a confirmação da condenação.

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Anselmo Agostinho da Silva, manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

A Fundação Nacional do Índio foi consultada sobre seu interesse no feito, ad cautelam (fl. 809), e noticiou a ausência de proveito no resultado da lide (fls. 815-818).

Numa primeira análise, o julgamento foi convertido em diligência para a elaboração de laudo antropológico do Apelante (fls. 825-833).

Realizada a perícia (fls. 844-861 e 888-892) e intimadas as Partes (fls. 893-v e 897-v), retornaram os autos.

Este é o relatório.


VOTO

O apelo deflagrado preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido (fls. 763 e 768).

1. Registra-se, desde já, que a persecução penal merece alguns apontamentos, em razão de o delito apurado ter sido cometido por indígena.

É importante sublinhar que a Constituição Federal, em seu art. 231, reconheceu aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, com especial enfoque à proteção e respeito aos seus bens (materiais e imateriais), prestigiando, pois, o direito à diferença, de modo que não recepcionou a política assimilacionista inserta no Estatuto do Índio e extinguiu a categorização do índio em "isolados", "em vias de integração" e "integrados" (Lei 6.001/73, art. 4º), remanescendo apenas a diferença entre índios e não índios.

Tal modo de pensar é reforçado pelo fato de o Brasil ser signatário da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho, incorporada formalmente ao ordenamento jurídico pelo Decreto 5.051/04, litteris:

[...] Considerando que a evolução do direito internacional desde 1957 e as mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se eliminar a orientação para a assimilação das normas anteriores;

[...] Artigo 8o

1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário.

[...] Artigo 10

1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais.

2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento.

O mesmo vetor norteia a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 13.9.07:

Artigo 2

Os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena.

Artigo 5

Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado.

Artigo 8

1. Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura.

2. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção e a reparação de:

a) Todo ato que tenha por objetivo ou consequência privar os povos e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distintos, ou de seus valores culturais ou de sua identidade étnica;

[...]

d) Toda forma de assimilação ou integração forçadas.

É visível a preocupação com a assimilação dos povos indígenas pela cultura dominante do homem "branco", tanto que se assegurou, dentre outras coisas, que não haverá discriminação quanto à origem ou identidade do indígena, independentemente da sua eventual participação política, econômica, social e cultural no Estado (ou seja, o índio não é assimilado - ou deixa de ser índio - por conta de sua integração com a sociedade organizada), sendo vedada a discriminação e a categorização da sua identidade étnica, especialmente quando tendente a subtrai-lhe direitos.

Não é por menos que a Fundação Nacional do Índio, ao definir os critérios para a identificação do silvícola, passou a apontar que se levará em conta: "a) a auto-declaração e consciência de sua identidade indígena; b) o reconhecimento dessa identidade por parte do grupo de origem" (Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/perguntas-freqüentes. Quais os critérios para a definição do indígena? - Acesso em: 4-8-14), conferindo-se maior eficiência à proteção da identidade dos silvículas e garantindo-se a aplicação dos mecanismos insertos no Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) a estes indivíduos, pouco importando, para tanto, o seu grau de aculturamento.

A mesma intelecção exsurge do julgamento do RMS 30.675, de relatoria do Ministro Gilson Dipp, julgado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 22.11.11, do qual se destaca o seguinte excerto:

[...] Hoje, a designação de índios integrados ou em vias de integração ou isolados constitui quando muito metodologia interna da instituição [FUNAI] para definição de suas políticas públicas. Por consequência, tecnicamente, não se fala mais em índio dessa ou daquela condição de integração, mas simplesmente em índio ou não índio.

[...] O conteúdo nuclear desse estado decorre do regime constitucional do art. 231 da CF que relaciona a condição e direitos dos indígenas com a exigência de organização, língua, crenças, usos e costumes próprios, pouco importando se são os índios mais ou menos familiarizados com os usos e costumes não índios, ou se possuem documentação e exercem direitos da cidadania não índia.

Logo, a única distinção aceita pela Constituição Federal seria a de índios e não índios, característica esta que foi objeto de estudo antropológico, ocasião em que o Expert atestou a imputabilidade penal de Cristiano Cardoso, bem como sua condição de indígena (fls. 844-861 e 888-892), cujos reflexos serão melhor analisados oportunamente (item 3.4, infra).

2. O Recorrente pretende a desconstituição do julgamento do Tribunal do Júri ao argumento de que a deliberação dos Juízes Leigos é manifestamente contrária à prova dos autos, pois o condenou em detrimento da tese defensiva excludente de ilicitude apresentada em Plenário.

A respeito das nuances ínsitas ao art. 593, inc. III, alínea "d", do Código de Processo Penal, hodiernamente conhecida como a hipótese em que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, leciona Guilherme de Souza Nucci:

Esta é a hipótese mais controversa e complexa de todas, pois, em muitos casos, constitui nítida afronta ao princípio constitucional da soberania dos veredictos. É certo, [...] que o duplo grau de jurisdição merece conviver harmoniosamente com a soberania dos veredictos, mas nem sempre, na situação concreta, os tribunais togados respeitam o que os jurados decidiram e terminam determinando novo julgamento, quando o correto seria manter a decisão. O ideal é anular o julgamento, em juízo rescisório, determinando a realização de outro, quando efetivamente o Conselho de Sentença equivocou-se, adotando tese integralmente incompatível com as provas dos autos. Não cabe a anulação, quando os jurados optam por uma das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir. [...] Consideramos que a cautela, na anulação das decisões do júri, deve ser redobrada, para não transformar o tribunal togado na real instância de julgamento dos crimes dolosos contra a vida (Código de Processo Penal Comentado. 11 ed. São Paulo: RT, 2011, p. 1032, nota 20).

No mesmo norte, guia o Superior Tribunal de Justiça:

Interposto recurso de apelação contra a sentença proferida pelo Tribunal do Júri sob o fundamento desta ter sido manifestamente contrária à prova dos autos, ao órgão recursal se permite apenas a realização de um juízo de constatação acerca da existência ou não de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes do Conselho de Sentença, somente se admitindo a cassação do veredicto caso este seja flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo (HC 287982/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 22.4.14).

Consideradas essas orientações, passa-se ao exame dos elementos que ampararam a tese acusatória, acolhida pelos Juízes Naturais.

O critério adotado é o de valoração subjetiva da prova; portanto, é necessário verificar apenas a existência de elementos mínimos que amparem a tese prestigiada pelo veredicto popular. E é nessa perspectiva que o pleito excludente de ilicitude empolgado será analisado, dados os estritos contornos do apelo, que se limita a verificar a existência de elementos mínimos para a condenação, tese acolhida em Plenário.

Por primeiro, registra-se que a materialidade dos delitos repousa no positivado no boletim de ocorrência das fls. 358-359; no laudo de lesões corporais da fl. 459; no laudo de exame cadavérico das fls. 517-518; no laudo pericial em local cadavérico das fls. 520-574 e na prova oral colhida em ambas as fases procedimentais.

No que pertine à autoria delitiva, o Apelante reconhece que participou do episódio, empolgando, no entanto, causa excludente de ilicitude, mais precisamente a legítima defesa própria (fls. 133-134, 511-512 e CD da fl. 754). As demais provas arregimentadas durante as fases procedimentais (fls. 82-85, 117-118, 120-121, 123-124, 155-156, 211-212, 216, 230, 481, 487-490-B e 503) formam conjunto probatório sólido e harmonioso a indicar ter sido ele o autor dos disparos que vitimaram Derli e Valtair.

Nesse ponto, necessário investigar o animus do agente (dolo em sentido lato).

Extrai-se das declarações da Vítima Valtair Fernandes Kángrê, sobrevivente do episódio, a sequência dos fatos:

reside na aldeia indígena Toldo Chimbangue; Que o declarante é simpatizante do grupo do ex-cacique Valmir Fernandes, sendo irmão do mesmo; Que não participou da festa de comemoração do dia do índio no dia 29/04/2012; Que chegou na aldeia por volta das 16h do dia 29/04/12, conduzindo uma CG Titan, de sua propriedade; Que Sérgio Cardoso, Valmir Fernandes, Valdecir Fernandes e Derli Fernandes, nesse horário, estavam cada um em suas casas; Que a pessoa de alcunha Pato chama-se Jair e é amigo do Valmir Fernandes; Que por volta das 16h30 ou 17h00 o declarante e as pessoas referidas acima se encontraram na proximidade do salão de festa; Que quando o declarante estava chegando na porta do salão de festa para entrar, Márcio, que não é índio, mas é casado com a índia Vanice Domingos, jogou uma lata de cerveja em seu rosto; Que nesse momento começou a confusão tendo o declarante tentado brigar com Márcio, mas foi impedido por seu irmão Valdecir Fernandes; Que o declarante saiu do local; Que passados alguns minutos, o declarante voltou ao local e encontrou Fabiano Cardoso dentro do veiculo gol branco de propriedade de Cristiano Cardoso, e começou a lhe agredir; Que não chegou a tirar Fabiano Cardoso para fora do carro; Que Valdecir Fernandes chegou por trás do declarante e lhe tirou de cima de Fabiano Cardoso e lhe tirou a faca que linha na cintura; Que quando o declarante estava sendo levado por seu irmão Valdecir Fernandes próximo à igreja, chegou Cristiano Cardoso que a uma distância de aproximadamente 10 metros lhe acertou um tiro nas costas, próximo à cintura; Que o tiro foi de um revólver calibre 22; Que Derli Fernandes chegou depois de o declarante ter sido baleado; Que o declarante não viu quando Cristiano Cardoso atirou em seu irmão Derli Fernandes; [...] Que após ser baleado foi socorrido por seus pais e pelo seu irmão Valmir Fernandes; [...] (fl. 216).

Sob o crivo do contraditório, a Vítima Valtair Fernandes Kángrê repisou a mesma perplexidade com o imotivado disparo de arma de fogo, especialmente porque estava caído de joelhos no momento:

é irmão de Valmir e também do falecido Derli; que a festa era em comemoração ao dia do índio; que não portava arma quando foi até a festa; que enquanto estava na festa foi agredido por Márcio; que Márcio é esposo de Vanice; que saiu da festa e depois foi para casa; que retornou sozinho à festa por volta das 17h; que logo que se aproximou do salão percebeu que Idalino, Antônio Gilmar, Marçal da Veiga, entre outros, estavam parados na frente; que Idalino portava uma foice; que Marçal tinha um fação ;que foi agredido, inclusive recebeu uma paulada na cabeça; que entrou em luta corporal com a turma de Idalino; que durante a briga foi alvejado por um projétil de arma de fogo; que no momento em que foi alvejado linha uma faca nas mãos; que esclarece que estava de joelhos quando segurava a faca e então recebeu o tiro; que Derli chegou em uma moto e logo que desembarcou foi alvejado por um tiro; que Derli tirou o capacete e levou o tiro; que não viu se Derli tinha arma nas mãos quando levou o tiro; que quando foi para casa, viu que Cristiano foi com o carro até a residência de Idalino; que não é verdade que o revólver era de Derli; que foi Cristiano quem atirou no declarante e em Derli; que escutou o barulho de uns 4 tiros; [...] que não sabe o motivo pelo qual foi agredido; que estava de lado quando levou o tiro e por isso viu Cristiano; que Cristiano atirou há uma distância de 5m; que o tiro foi direcionado à sua pessoa; que o terceiro tiro disparado contra Derli atingiu o vidro da Igreja; que esclarece que depois que foi para casa retornou ao salão com uma faca; que foram feitos 2 disparos em sua direção; que o primeiro tiro lhe atingiu nas costas e o segundo no chão; que acha que primeiro foi atingido e depois é que Derli levou o tiro; que seu primo André impediu Cristiano de continuar atirando; que depois que levou o tiro, André afastou Cristiano; que Cristiano retornou e então atirou em Derli; que retornou armado em razão da agressão que sofreu por parte de Márcio; que os tiros ocorreram do lado de fora do salão; que foi agredido por Márcio dentro do salão; que não é verdade que Valmir distribuiu cervejas; que não sabe o motivo pelo qual a turma de Idalino queria lhe agredir; [...] (fls. 481-482).

As declarações da informante Adriana Fernandes, irmã das Vítimas, é elucidativo ao coordenar, quadro a quadro, os acontecimentos:

pouco depois das 17h, a declarante, Derli Fernandes, a esposa dele de nome Elisandra, um filho de colo, Sérgio Cardoso e André (filho de Luís Silveira e Veranice Veiga), foram até as proximidades do salão onde ocorria uma festa e ficaram conversando na estrada em frente à Igreja: Que Valtair Fernandes e "Pato" já tinham ido poucos minutos antes comprar cerveja e Valtair voltou para casa; Que Fabiano Cardoso, irmão de Cristiano Cardoso, chegou no grupo e disse para André que se fossem até o salão estariam perdidos (ferrados); Que naquilo, Valtair vinha correndo pela estrada, retornando de casa com uma faca na cintura; Que passou pelo grupo onde estava a declarante e se dirigiu a Fabiano, tentando tirá-lo do carro, onde este já se encontrava; Que então, os irmãos da declarante foram e seguraram Valtair, o qual aparentava estar alcoolizado; Que Valtair não tinha empunhado a faca; Que quem estava segurando Valtair naquele momento eram seus irmãos e amigos, podendo mencionar Valdecir, Pato e duas mulheres; Que Valdecir tirou a faca de Valtair e segurou; Que naquilo, aproximou-se Antônio "Gilmar" Ferreira com duas pedras na mão e Rodrigo, filho de Idalino Fernandes; Que Rodrigo arremessou uma lata de cerveja em direção a Valtair; Que Gilmar ameaçava jogar as pedras em Valtair; Que naquilo Valtair se exaltou mais e queria briga; Que Valdecir, também conhecido por Gadeia, estava com a faca na mão, aquela que tinha tomado de Valtair, mas não fazia qualquer menção de usá-la e pedia calma a todos, tentando contornar a situação; Que naquilo Márcio se aproximou de Sérgio Cardoso, procurando briga; Que Márcio não estava armado; Que então Sérgio Cardoso empunhou uma adaga, que estava alojada em sua moto, e foi em direção a Márcio, o qual fugiu; Que nesse instante, generalizou-se a confusão e muita gente se envolveu na briga, com paus, espetos, pedras, etc; Que então, a declarante viu Cristiano Cardoso, que já estava envolvido na briga, empunhando um revólver e disparando um tiro; Que então, um amigo conhecido por "Fofo", puxou a declarante para atrás de um carro; Que naquilo, a declarante viu seu irmão Derli Fernandes já caído; Que Derli tinha chegado naquele momento e não chegou a se envolver na briga; Que Cristiano Cardoso estava a uma distância de aproximadamente 15 metros de Derli; Que quando Cristiano desferiu o tiro, foi em direção a Derli; Que naquele momento, Valtair e algumas pessoas que o seguravam estavam mais próximas da igreja e não havia ninguém entre Cristiano e Derli; Que Cristiano estava de costas para o salão, voltado em direção a estrada; Que dessa forma, a declarante acredita que o tiro foi dado propositadamente em direção a Derli; Que então a declarante correu para Derli, viu que este estava sangrando e tratou de cuidá-lo; Que a declarante ouviu Gilmar e Vilson Cardoso (pai de Cristiano) gritarem "prega fogo, prega fogo", mas não sabe dizer se foi antes ou depois do primeiro tiro; Que então aproximou-se Idalino Fernandes e a declarante solicitou que ele chamasse a polícia, mas ele ficou parado e olhando; Que naquilo, chegou Simone, filha de Idalino, carregando uma mão decepada; Que Simone ergueu a declarante e levou para a casa de sua tia; Que a declarante viu que a briga continuou, mas não sabe detalhar os fatos, posto que ficou debruçada sobre o irmão ferido; Que a declarante viu Valtair lutando com Cristiano, tentando tomar-lhe o revólver, mas não sabe se isso ocorreu antes ou depois do tiro disparado contra Derli; Que quando Cristiano atirou em direção a Derli, não estava sendo agarrado ou agredido; [...] Que Derli sempre usava uma bainha, mas nem sempre carregava a faca; Que a declarante acredita que naquele dia ele não estava com a faca; Que garante que Derli chegou com a moto, sozinho, desceu e logo após tirar o capacete, foi alvejado com um tiro, tanto que caiu ao lado da moto; Que Derli não chegou a agredir ninguém; [...] (fls. 83-84).

O testigo Valdecir Fernandes, também irmão dos vitimados, emprestou aos fatos a mesma versão:

estava em casa, quando sua sobrinha comunicou que Valtair estava na festa e indivíduos estavam querendo brigar com o mesmo; Que pegou sua motocicleta e foi até o local; Que quando chegou no local, viu que Sebastião da Veiga e Márcio estavam discutindo com Valtair; Que viu quando Márcio atirou uma lata de cerveja e molhou toda a cara de seu irmão, Valtair; Que diante disso, Valtair partiu para cima de Márcio e começou uma briga generalizada; Que Sérgio Cardoso também se envolveu na briga, o qual estava com uma faca na mão; Que Idalino saiu do salão com uma foice e Adilson Ferreira com um fação; Que o declarante ficou tentando retirar seu irmão da briga; Que Idalino falou: "quem tiver arma, pode puxar e atirar", momento em que Antônio Gilmar Ferreira sacou uma arma; Que Cristiano Cardoso também sacou um revólver e o declarante já escutou um disparo; Que após, Cristiano saiu correndo e efetuou mais dois disparos; Que a briga continuava generalizada; Que como a briga estava generalizada, o declarante não percebeu que seus irmãos tinham sido atingidos; Que seu irmão Valtair tentou perseguir Cristiano, mas o declarante o impediu, oportunidade em que percebeu que Valtair estava sangrando; Que nesse momento, o declarante retirou uma faquinha que Valtair possuía nas mãos e jogou fora; Que enquanto Cristiano corria, Antônio Gilmar Ferreira e o pai de Cristiano, gritavam "pregue fogo, pregue fogo"; Que os outros indivíduos estavam atirando pedras no declarante e em seus companheiros; Que o declarante, junto com André Luís Silveira, retirou Valtair do local; [...] (fl. 211).

No mesmo sentido foram os dizeres de Veranice da Veiga:

no dia 29/04, próximo das 18h, estava na frente de sua casa, que fica quase encostada à Igreja, e do mesmo lado da estrada, juntamente com seu filho, André Luís Silveira e com sua irmã, Anelice; Que a declarante estava sentada e André e Anelice em pé; Que então, ouviram gritos: "solta o Fota, solta o Fota"; Que "Fota" é o apelido de Valtair Fernandes; Que então a declarante, André e Anelice correram em direção à frente do salão; Que chegando, a declarante viu Antônio Gilmar Ferreira pegou uma arma de fogo de dentro do carro de Cristiano, um veiculo branco que foi apreendido pela Polícia; Que Gilmar jogou a arma para Cristiano; Que naquilo, chegou Derli Fernandes com uma moto; Que Cristiano estava a uns 10 metros de Derli, entre Derli e o salão; Que Derli ainda estava em cima da moto quando Cristiano atirou; Que Derli já estava sem capacete; [...] (fl. 120).

A testemunha Jucinéia Reis não destoa:

por volta das 17:30 horas estava na casa de sua sogra, há uns 200 metros do salão, e quando se preparava para ir embora, juntamente com seu marido Jeovani Feliciano, ouviu gritos vindos do salão; Que foram correndo em direção ao salão e a declarante se posicionou na frente de uma casa no outro lado da estrada, em frente a Igreja e salão; Que de onde estava tinha perfeita visão do lado da Igreja e da frente do salão; Que imediatamente quando chegou viu Cristiano Cardoso em luta corporal com um homem que não recorda quem; Que nisso Cristiano deu um tiro para o chão e a pessoa com quem lutava fugiu; Que então Cristiano se virou para o lato e viu Derli Fernandes; Que imediatamente ergueu a arma em direção a Derli e atirou; Que a declarante não viu Derli chegar no local; Que Cristiano estava há uns 15 metros de Derli; Que nisso Valtair e Sérgio saíram correndo por "detrás" da Igreja, entre a Igreja e o salão; Que um tio de Cristiano com pedras, Márcio com um espeto e Cristiano com o revólver saíram correndo atrás de Valtair e Sérgio; Que logo, ouviu mais dois tiros; [...] (fl. 82).

E, na instrução criminal, Jucinéia Reis repetiu:

foi até a festa sabendo que era em comemoração ao dia do índio; que almoçou na festa e depois foi até a casa de sua sogra; que escutou gritos e então foi até o salão ver o que acontecia; que enquanto caminhava na estrada, viu Derli passando com a moto; que Derli parou a moto quase na frente da Igreja; que Derli desembarcou da moto e ergueu o braço; que Derli linha algo nas mãos como uma faca; que Cristiano estava a uma distância de 12m de Derli e então atirou com uma arma de fogo; que Valtair estava brigando quando Derli levou o tiro; que Cristiano correu ao redor da Igreja e foi até onde estava Valtair; que Valtair correu e foi perseguido por Cristiano; que então Cristiano atirou em Valtair; que não viu se Valtair tinha algo nas mãos quando levou o tiro; [...] que Cristiano estava longe e por isso não foi atacado por Derli quando este levou o tiro; que Derli parou a moto perto da irmã dele; que viu Sérgio correr junto com Valtair no instante em que foram perseguidos por Cristiano; [...] que soube que Márcio atirou cerveja na cara de Valtair e esse foi o motivo da briga; que a partir daí, várias pessoas se armaram com facas e pedaços de pau e participaram da briga (fl. 485).

Marcia Aparecida Padilha, por sua vez, reforçou "que Derli foi atingido logo que desembarcou da moto; que acredita que Derli iria socorrer Valtair e por isso levou o tiro; que estima em 6m a distância entre Derli e Valtair quando o primeiro foi atingido; que estima em 8m a distância entre Cristiano e Derli quando o primeiro atirou" (fl. 503).

Ainda sobre o episódio, Rodrigo Fernandes destacou que "presenciou quando Valtair Fernandes correu em direção de Cristiano Cardoso para o lado do salão, esbarrou em uma motocicleta e 'meio que caiu', quando Cristiano Cardoso lhe deu um tiro" (fl. 230).

Mesmo Simone Fernandes, cuja linha expositiva é parcialmente divergente, por atribuir a posse da arma de fogo a Derli, relatou que ele "deixou cair o revólver; Que Cristiano apanhou o revólver do chão e deu um tiro em Derli; Que Derli estava caido quando recebeu o tiro; Que Cristiano estava a uns 3 metros de Derli quando atirou; Que Valtair foi em direção a Derli, quando Cristiano mirou em Valtair e também acertou-o" (fl. 123), complementando que "Valtair foi até Derli e meio que caiu sobre ele; que então Cristiano atirou em Valtair; que Valtair estava socorrendo Derli quando levou o tiro; que Derli estava deitado no chão, depois de ser desarmado, quando levou o tiro; que Valtair se debruçou sobre Derli quando levou o tiro; que Valtair foi atingido na bunda" (fl. 487), sugerindo, com a explanação, o inequívoco intento homicida, despido de qualquer contorno excludente de ilicitude (v.g., legítima defesa).

Nesse contexto, não paira dúvida que o Apelante Cristiano Cardoso tinha a firme intenção de ceifar a vida dos Ofendidos, o que, aliás, resultou parcialmente alcançado, com o extermínio de Derli e a tentativa cruenta em relação a Valtair, a qual só não logrou êxito em consumar por força de circunstância alheia à sua vontade, qual seja, a pronta e eficaz intervenção de André, caracterizando, pois, típica tentativa imperfeita.

Há, portanto, elementos mínimos que amparam a tese vertida em Plenário que, por corolário, não guarda manifesta incompatibilidade com a prova encartada no fólio instrumental.

Nesse sentido:

[...] 2. Interposto recurso de apelação contra a sentença proferida pelo Tribunal do Júri, sob o fundamento de ser manifestamente contrária à prova dos autos, ao órgão recursal se permite apenas a realização de um juízo de constatação acerca da existência ou não de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes do Conselho de Sentença, somente se admitindo a cassação do veredicto se flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo. 3. Na hipótese vertente, infere-se que o Tribunal de origem, ao analisar a insurgência manifestada pela defesa, negou provimento à apelação, mantendo o julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, ao demonstrar que haveria nos autos suporte probatório para a decisão condenatória proferida pela Corte Popular, motivo pelo qual não se vislumbra o aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. [...] (STJ, HC 104.547, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 3.4.14).

Também:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. RÉU PRONUNCIADO POR TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, IV, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, III, "D", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). NÃO OCORRÊNCIA. CONSELHO DE SENTENÇA QUE ACOLHEU A EXCLUDENTE DE LEGÍTIMA DEFESA. TESE QUE ENCONTRA SUBSTRATO NO CONTEXTO PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. ADEMAIS, POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PROVAS INDICIÁRIAS. JURADOS QUE NÃO FICAM ADSTRITOS ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SOBERANIA DO VEREDICTO POPULAR (ART. 5º, XXXVIII, "C", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). ABSOLVIÇÃO MANTIDA. "Não se pode falar em decisão contrária à prova dos autos se os jurados apreciaram os elementos probantes e firmaram seu convencimento, adotando a versão que lhes pareceu mais convincente" (RT 590/343). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJSC, Ap. Crim. 2013.064639-4, Relª. Desª. Marli Mosimann Vargas, j. 10.6.14).

Por conseguinte, afigura-se inviável o acolhimento do inconformismo para anular a decisão dos Jurados.

3. Passa-se à análise do plano dosimétrico.

3.1. Do crime de homicídio consumado (Vítima Derli Fernandes).

Na primeira etapa, a pena foi fixada no mínimo legal.

Na fase intermediária, ausentes agravantes e presente a atenuante da menoridade relativa (CP, art. 65, inc. I), a pena foi mantida inalterada por força da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Na derradeira etapa, ausentes causas de aumento ou diminuição, a pena resultou definitiva em 6 anos de reclusão.

3.2. Do crime de homicídio tentado (Vítima Valtair Fernandes).

Na primeira etapa, a pena foi fixada no mínimo legal.

Na fase intermediária, ausentes agravantes e presente a atenuante da menoridade relativa (CP, art. 65, inc. I), foi mantida inalterada a reprimenda por força da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Na derradeira etapa, reconhecida a causa geral de diminuição prevista no art. 14, inc. II, do Código Penal, com a redução da pena pela metade (1/2), sob o fundamento de que "ao efetuar disparo de arma de fogo, percorreu a metade do iter criminis", resultou ultimada a reprimenda em 3 anos de reclusão.

Reconhecido o concurso material entre os crimes, a pena do Recorrente alcançou 9 anos de reclusão, a ser resgatada em regime inicialmente fechado.

3.3. Inconformado, o Apelante busca o redimensionamento do apenamento mediante o reconhecimento da continuidade delitiva, uma vez que as ações deram-se em um mesmo contexto fático.

A respeito da continuidade delitiva, prescreve o art. 71 do Código Penal que o instituto jurídico incidirá quando "o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro".

A aplicação da referida causa especial de aumento de pena conduziu ao surgimento de três teorias para a sua conceituação. Na primeira, intitulada puramente subjetiva, o crime continuado caracterizar-se-ia unicamente pela unidade de propósito ou desígnios; na segunda, puramente objetiva, bastaria o exame de condições específicas, sem qualquer aferição quanto ao intento do agente (elemento de ordem subjetiva); e na terceira, conhecida como mista ou objetivo-subjetiva, seria necessária a presença de elementos objetivos e a unidade de resolução para a caracterização da continuidade delitiva.

Atualmente, tanto parte da doutrina nacional quanto da jurisprudência caminham no entendimento de que o critério objetivo solitário não é suficiente para a aplicação do benefício, a exigir a presença do liame subjetivo - união de desígnios, entre as condutas.

É lição de Guilherme de Souza Nucci:

A corrente ideal, sem dúvida, deveria ser a terceira, tendo em vista possibilitar uma autêntica diferença entre o singelo concurso material e o crime continuado; - afinal, este último exigiria a unidade de desígnio. Somente deveria ter direito ao reconhecimento desse benefício legal o agente criminoso que demonstrasse ao juiz o seu intuito único, o seu propósito global, vale dizer, evidenciasse que, desde o princípio, ou pelo menos durante o iter criminis, tinha o propósito de cometer um crime único, embora por partes. Assim, o balconista de uma loja que, pretendendo subtrair R$ 1.000,00 do seu patrão, comete vários e contínuos pequenos furtos até atingir a almejada quantia. Completamente diferente seria a situação daquele ladrão que comete furtos variados, sem qualquer rumo ou planejamento, nem tampouco objetivo único. (Código Penal Comentado. 11 ed., São Paulo: RT, 2012, p. 496 - nota 121).

Ensina Fernando Capez:

Entendemos correta esta segunda posição, pois não aceitamos que o crime continuado se configure a partir de meras circunstâncias objetivas, sem que a continuação decorra da vontade do agente. É necessário o aproveitamento das mesmas relações e das mesmas oportunidades, pois do contrário um agente que praticasse vários crimes, apenas pela intensa vontade de delinquir, beneficiar-se-ia da regra do crime continuado. Deve-se sempre ter em mente o clássico exemplo do caixa do banco que todo dia subtrai pequena quantidade em dinheiro. Este sim pratica o crime em continuação. Já não seria o caso de um perigoso assaltante que, durante o mesmo mês, em locais diversos, rouba inúmeras vítimas (cada crime resultou de um impulso volitivo autônomo). (Curso de direito penal, volume 1: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 525-526).

A Seção Criminal desta Corte de Justiça não diverge:

EMBARGOS INFRINGENTES, DE NULIDADE "E DE DIVERGÊNCIA ENTRE DECISÕES DE CÂMARAS ISOLADAS". CRIMES DE HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADOS, PERPETRADOS POR TRÊS VEZES, E DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA CONDENAÇÃO IMPOSTA AOS EMBARGANTES PROFERIDO EM APELAÇÃO CRIMINAL. DISSENSO APENAS QUANTO AO RECONHECIMENTO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. [...] ARGUIÇÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS CRIMES DE HOMICÍDIO. PRETENSÃO AFASTADA POR MAIORIA DE VOTOS NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL. INVIABILIDADE. MANUTENÇÃO DO CONCURSO MATERIAL DIANTE DAS SINGULARIDADES DO CASO SUB JUDICE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO (Emb. Inf. 2013.010588-1, deste Relator - j. 31.7.13).

O Superior Tribunal de Justiça guia:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE HOMICÍDIO CONSUMADO E HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. [...] 1. Segundo a consolidada orientação desta Corte, para o reconhecimento da continuidade delitiva entre delitos é necessário o cumprimento de requisitos de ordem objetiva - mais de uma ação ou omissão, crimes da mesma espécie e mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução - e subjetiva - unidade de desígnios. [...] (Resp. 1046429, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe 17.10.12).

O Supremo Tribunal Federal já deliberou:

HABEAS CORPUS. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. ORDEM INDEFERIDA. 1. Assentada, pelas instâncias competentes, a falta de unidade de desígnios nas ações praticadas pelo paciente, não há como se reconhecer a continuidade delitiva. Precedentes. 2. Ordem denegada (HC 95753, Rel. Min. Carlos Britto, j. 11.11.08).

Mais:

Recurso ordinário em habeas corpus. Paciente condenado a 26 anos de reclusão por duplo crime de homicídio simples. Continuidade delitiva não configurada. Necessidade de unidade de desígnios. Reexame de fatos e provas. Imprópria a via estreita do habeas corpus. [...] (RHC 103170, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 15.3.11).

Não se olvida, igualmente, a contínua discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de reconhecer ou não a continuidade delitiva em crimes que atingem bens personalíssimos, como a vida, a integridade corporal, a honra, a liberdade sexual e outros. Sob a égide de Lei anterior, o Supremo Tribunal Federal não reconhecia essa possibilidade e chegou a editar a Súmula 605, com o seguinte teor: "Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida".

Em orientação mais ampla, contudo, os Tribunais não têm excluído a possibilidade de continuação ainda que os crimes atinjam exclusivamente bens personalíssimos de vítimas diversas, relativizando a aplicação do verbete sumular (TJSC, Ap. Crim. 2011.040966-6, Rel. Des. Torres Marques, j. 16.8.11).

In casu, visualiza-se a presença dos requisitos objetivos (tempo, modus operandi, lugar, etc.) e do elemento subjetivo (unidade de desígnios), porquanto demonstrado que os delitos deram-se sob as mesmas circunstâncias e foram cometidos em razão de uma mesma motivação, com diferença de poucos instantes, apenas o suficiente para que um dos Ofendidos tentasse proteger o outro.

Logo, não se verifica a presença de desígnios autônomos ou a inequívoca intenção de se produzir individualmente o resultado morte, circunstância que, à luz da teoria objetivo-subjetiva, atrai a aplicação da continuidade delitiva específica (CP, art. 71, par. ún.).

Reconhecida a continuidade delitiva específica (CP, art. 71, par. ún.), aplica-se a majoração de 1/3 sobre a pena mais grave (6 anos), na medida em que o Recorrente obteve o resultado fatal contra uma das Vítimas e atingiu a outra na região paravertebral sacral direita, cujo fragmento ficou "alojado junto ao pedículo e lâmina posterior direita de L5" (fl. 459), movido por intenso e desproporcional desejo homicida (segundo a versão predominando dos fatos, acolhida em Plenário, a primeira Vítima estava desarmada e no chão quando foi alvejada, enquanto a segunda foi atingida ao prestar socorro àquela, não se consumando o delito apenas por conta da intervenção de outra pessoa), o que recomenda, a meu sentir, a exasperação da pena-base acima do mínimo legal.

Dessarte, a reprimenda resulta definitiva em 8 anos de reclusão, a ser resgata em regime inicialmente semiaberto, nos exatos moldes do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal, a mingua de fundamento que justifique o regime mais gravoso.

Diante do quantum de pena, inviável a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos ou por multa, tampouco a concessão de sursis (CP, arts. 44, 60, § 2º, e 77).

3.4. Não se desconhece que respeitável parcela da jurisprudência insiste em fazer uso do vetusto critério inserto no art. 4º da Lei 6.001/73 para afastar as garantias penais asseguradas no Estatuto do Índio, sob o fundamento de que o indígena é "integrado".

Nada obstante, é sabido que a Constituição Federal inaugurou novo paradigma acerca do tema (item 1, supra), o qual foi encampado pelo Supremo Tribunal Federal ao se debruçar sobre a matéria, oportunidade em que entendeu aplicável o regime especial de semiliberdade previsto no art. 56, par. ún., da Lei 6.001/73 "pela simples condição de se tratar de indígena" (STF, HC 85198, Rel. Min. Eros Grau, j. 17.11.05), independente do grau de aculturamento, reforçando, com tal modo de expressão, que a única distinção factível é a de índios e não índios.

Confira-se o precedente, a propósito:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E PORTE ILEGAL DE ARMA PRATICADOS POR ÍNDIO. LAUDO ANTROPOLÓGICO. DESNECESSIDADE. ATENUAÇÃO DA PENA E REGIME DE SEMILIBERDADE. 1. Índio condenado pelos crimes de tráfico de entorpecentes, associação para o tráfico e porte ilegal de arma de fogo. É dispensável o exame antropológico destinado a aferir o grau de integração do paciente na sociedade se o Juiz afirma sua imputabilidade plena com fundamento na avaliação do grau de escolaridade, da fluência na língua portuguesa e do nível de liderança exercida na quadrilha, entre outros elementos de convicção. Precedente. 2. Atenuação da pena (artigo 56 do Estatuto do Índio). Pretensão atendida na sentença. Prejudicialidade. 3. Regime de semiliberdade previsto no parágrafo único do artigo 56 da Lei n. 6.001/73. Direito conferido pela simples condição de se tratar de indígena. Ordem concedida, em parte (STF, HC 85198, Rel. Min. Eros Grau, j. 17.11.05).

No mesmo tom:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. [...] INDÍGENA. POSSIBILIDADE DE CUMPRIR A CUSTÓDIA EM ESTABELECIMENTO DA FUNAI. ART. 56, PARÁG. ÚNICO DA LEI 6.001/73 (ESTATUTO DO ÍNDIO). PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO PARCIAL DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, PARA, CASO A FUNAI ATESTE A VIABILIDADE EM RECEBER O PACIENTE, POSSIBILITAR AO MESMO O CUMPRIMENTO DA SUA CUSTÓDIA CAUTELAR NA UNIDADE ADMINISTRATIVA MAIS PRÓXIMA DE SUA HABITAÇÃO. [...] 4. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistências aos índios mais próximos da habitação do condenado. (art. 56, parág. único da Lei 6.001/73). 5. Parecer do MPF pela parcial concessão do writ. 6. Ordem parcialmente concedida, para que, caso a FUNAI ateste a viabilidade em receber o paciente, seja possibilitado ao mesmo o cumprimento de sua custódia cautelar na unidade administrativa mais próxima de sua habitação (STJ, HC 124622, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 8.9.09).

Ainda:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PACIENTE INDÍGENA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL NÃO DEMONSTRADA ANTE A AUSÊNCIA DE SUBSTRATO FÁTICO QUE AMPARE A ALEGAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA SATISFATORIAMENTE FUNDAMENTADA NO REQUISITO DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL, POIS O ACUSADO SE ENCONTRA FORAGIDO DESDE A PRÁTICA DO DELITO. POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA CUSTÓDIA CAUTELAR EM ÓRGÃO FEDERAL DE ASSISTÊNCIA AO ÍNDIO, EX VI DO DISPOSTO NO ART. 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 6.001/973. [...] 4. Sendo assegurado aos silvícolas o benefício de cumprimento de penas privativas de liberdade em órgão de assistência ao índio, tem-se como plenamente plausível a concessão de tal benefício ao paciente para que cumpra a prisão provisória no referido estabelecimento. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, concedido tão-somente para assegurar ao paciente, índio pataxó, que permaneça durante o período da prisão preventiva, recolhido junto à órgão federal de assistência ao índio mais próximo de sua aldeia ou Residência (STJ, HC 55792, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 29.6.06).

Logo, a melhor leitura do art. 56 da Lei 6.001/73 (No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola. Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado) é a que prestigia a incidência de atenuante da pena e do regime de semiliberdade em razão da simples condição de indígena, "uma vez que o índio não abandona suas tradições e manifestações culturais pelo simples fato de falar fluentemente o português, estudar ou usar roupa de homem 'branco'" (ROCHA, Rodrigo Veras. A ausência de laudo pericial antropológico como causa de nulidade absoluta nos processos criminais em que o índio figure como réu. Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/Rodrigo%20Veras%20Rocha.Pdf - Acesso em: 4.8.14).

A atenuante, porém, não influi no cálculo da pena, uma vez que já estabelecida no mínimo legal (Súmula 231 do STJ), resultando inalterado o quantum final alcançado no concurso de crimes (7 anos de reclusão).

A respeito do regime especial de semiliberdade (art. 56, par. ún.), "cumpre esclarecer que não pode ser dada ao referido dispositivo a interpretação segundo a qual o cumprimento da pena deve se dar dentro dos estabelecimentos do órgão indigenista, o qual não é substitutivo de recinto prisional, mas que o regime de semiliberdade seria cumprido na comunidade mais próxima à FUNAI, como modo de preservar, mesmo no cumprimento da pena, o estilo de vida e as manifestações culturais indígenas" (CASTRO, Marcela Baudel de. O tratamento jurídico-penal conferido aos indígenas no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/24072/o-tratamento-juridico-penal-conferido-aos-indigenas-no-ordenamento-juridico-brasileiro#ixzz3fKINU0Db - Acesso em: 8.7.15).

A mesma intelecção exsurge da lição de Guilherme de Souza Nucci, que explica que o regime especial de semiliberdade "equivale ao regime semiaberto. A colônia, no entanto, deve ser mantida pela União e pelos órgãos federais de fiscalização" (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 7ª ed. vol. 2. São Paulo: RT, 2013. p. 421, nota 5 ao art. 57).

Dessarte, a pena de reclusão deverá ser cumprida, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do Órgão Federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do Apelante, a teor do par. ún. do art. 56 do Estatuto do Índio. Ou seja, o regime semiaberto possui caráter subsidiário e terá lugar apenas na manifesta impossibilidade de se operacionalizar o regime especial de semiliberdade, após consulta à União e aos Órgãos Federais de fiscalização.

Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, a fim de reconhecer a continuidade delitiva, readequar a reprimenda imposta a Cristiano Cardoso para 8 anos de reclusão e fixar o regime inicial ao seu resgate o semiaberto. De ofício, reconhecer a atenuante de indigenato, sem alteração no quantum da reprimenda, e determinar que a pena de reclusão seja resgatada, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do Órgão Federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado, se existente.

Para os fins do disposto no § 5º do art. 87 do Regimento Interno desta Corte, nas Resoluções 44, 50 e 172 do Conselho Nacional de Justiça e no Provimento 29 da Corregedoria Nacional de Justiça, e de modo a facilitar a inclusão de informações na base de dados do Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que Implique Inelegibilidade - CNCIAI, deve ser incluído, com fulcro no art. 1º, inc. I, "e", 9, da Lei Complementar 64/90, o nome do Acusado Cristiano Cardoso em tal registro.


Gabinete Des. Sérgio Rizelo