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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2015.068347-7 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Saul Steil
Origem: Biguaçu
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Jan 26 00:00:00 GMT-03:00 2016
Juiz Prolator: José Clésio Machado
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 2015.068347-7, de Biguaçu

Relator: Juiz Saul Steil

APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA SEGURO MARÍTIMO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULAS IMPOSTAS AO SEGURADO. CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITO NÃO OPONÍVEL AO SEGURADO. PRECEITO REDIGIDO SEM OS DESTAQUES NECESSÁRIOS. ART. 54, § 3º E 4º, DO CDC. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. ART. 51, INC. IV DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA.

Sendo o contrato de seguro regido pelas regras do Direito do Consumidor, deve a Seguradora prestar informações adequadas sobre as cláusulas restritivas de direitos antes da contração, em observância ao princípio boa-fé contratual, sobretudo na hipótese de contrato de adesão.

NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO. FALTA DE HABILITAÇÃO QUE CONSTITUI MERA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE LIAME CAUSAL ENTRE A FALTA DO DOCUMENTO E O SINISTRO. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O SEGURADO TENHA CONTRIBUÍDO PARA A OCORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO. INEXISTÊNCIA DE AGRAVAMENTO DO RISCO. NEGATIVA INJUSTIFICADA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO.

O fato de o segurado conduzir embarcação sem a habilitação necessária, não constitui ato ilícito, mas mera infração administrativa. A falta de habilitação não justifica, por si só, a negativa de pagamento da indenização, sem a prova do liame causal entre a ausência do documento e o evento danoso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2015.068347-7, da comarca de Biguaçu (1ª Vara Cível), em que é apelante Companhia de Seguros Aliança do Brasil, e apelado Edenilton Raulino Chitz:

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Marcus Tulio Sartorato.

Florianópolis, 26 de janeiro de 2016.

Saul Steil

Relator


RELATÓRIO

Edenilton Raulino Chitz ajuizou "ação de cobrança de seguro" contra Companhia de Seguros Aliança do Brasil, na qual aduziu, em síntese, que é proprietário de uma embarcação tipo bote, utilizada para atividade pesqueira e registrada sob o n. 441-890169-8 na Capitania dos Portos de Santa Catarina, com Certificado de Registro e Autorização de Embarcação.

Disse que contratou seguro de acidente de embarcação com a ré, registrado sob o n. 000000515, com cobertura para o caso de perda total, no valor de R$ 26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos reais).

Relatou que no dia 8-12-2013, por volta das 8h 30min, navegava próximo à Ilha de Anhatomirim, em Governador Celso Ramos, quando colidiu com uma pedra, vindo a naufragar.

A Capitania dos Portos emitiu uma Portaria em 16-12-2013, registrada sob o n. 64, com o fim de instaurar um inquérito para apurar o acidente ocorrido.

Em 15-8-2014 requereu o pagamento do seguro contratado com a demandada, mas não obteve nenhuma resposta, razão pela qual ajuizou a presente demanda.

Afirmou que a relação havida entre as partes é de consumo e que a seguradora deve honrar a obrigação que assumiu.

Por fim, pediu a condenação da ré ao pagamento da indenização securitária que contratou, no valor de R$ 26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos reais).

A Companhia de Seguros Aliança do Brasil apresentou contestação (fls. 56-71). Afirmou ser lícita a limitação, por parte da seguradora, dos riscos que pretende cobrir.

Alegou que a negativa de pagamento do seguro justifica-se em razão da caracterização do sinistro, como risco excluído pelo contrato de seguro.

Salientou que em razão do naufrágio foi instaurado inquérito administrativo na Capitania dos Portos, no qual foi constatado que o autor não possui habilitação para conduzir a embarcação e nem possui a carta náutica na embarcação.

Ainda, ficou consigando no laudo realizado, que o local do naufrágio informado pelo autor, possivelmente está incorreto.

Por isso, houve a negativa de indenização, baseada na ausência de cumprimento da obrigação do segurado.

Destacou que o autor tem pleno conhecimento das condições do seguro contratado, pois recebeu as condições gerais que regulam o seguro no ato da contratação.

Asseverou que, em caso de condenação securitária, é incabível a incidência de juros de mora, pois a seguradora não está obrigada a ressarcir mais do que o estipulado no contrato e porque inexiste mora.

Sustentou que a citação é o termo inicial para o cômputo da correção monetária e dos juros de mora.

Finalmente, requereu a improcedência do pedido inicial.

Houve réplica (fls. 195-198) e o juiz determinou às partes que especificassem as provas que pretendiam produzir (fl. 199).

Ambas as partes manifestaram-se pelo julgamento antecipado da lide (fls. 202-203 e 204).

Ao decidir (fls. 205-216), o juiz julgou procedente o pedido do autor e condenou a seguradora ao pagamento da indenização securitária, no valor do capital contratado de R$ 26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos reais), com incidência de correção monetária desde a data da negativa do pagamento e juros de mora desde a citação.

A Companhia de Seguros Aliança do Brasil apelou (fls. 219-225). Aduz ser necessária a reforma da sentença, porque não existe a cobertura securitária para o evento noticiado.

Ressalta que em razão do naufrágio foi instaurado inquérito administrativo na Capitania dos Portos, no qual foi constatado que o autor não possui habilitação para conduzir a embarcação e nem possui a carta náutica na embarcação.

Ainda, ficou consigando no laudo realizado, que o local do naufrágio, informado pelo autor, possivelmente está incorreto.

Por conta disso, afirma que foi enviada ao autor a carta negativa de indenização, baseada na ausência de cumprimento da obrigação do segurado.

Então, dado o agravamento do risco pelo autor e a inexistência de previsão contratual de cobertura, requer a reforma da sentença.

Com contrarrazões recursais (fls. 231-236), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Os autos foram encaminhados ao Núcleo de Conciliação deste Tribunal (fl. 9), mas até o momento não há notícias de que as partes tenham conciliado.

Então, vieram os autos conclusos para julgamento.

Este é o relatório.


VOTO

Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

Cuida-se de apelação cível interposta por Companhia de Seguros Aliança do Brasil da sentença que julgou procedente o pedido de pagamento de indenização securitária promovido por Edenilton Raulino Chitz.

A controvérsia está relacionada à relação contratual de natureza securitária, submetida ao comando normativo da Lei n. 8.078/1990, como disposto no art. 3º, § 2º, do referido diploma legal. In verbis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

A propósito, colhe-se da jurisprudência:

Sendo o contrato de seguro regido pelas regras do Direito do Consumidor, deve a Seguradora prestar informações adequadas sobre as cláusulas restritivas de direitos antes da contração, em observância ao princípio boa-fé contratual, sobretudo na hipótese de contrato de adesão (Apelação Cível n. 2015.019842-8, de Itajaí, de minha relatoria, j. em 18-8-2015).

As relações que envolvem contrato de seguro serão regidas pelas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor (Apelação Cível n. 2015.082471-2, de Gaspar, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 15-12-2015).

Pois bem. A seguradora, em seu reclamo, justifica a negativa de pagamento da cobertura securitária pelo fato de o autor, ora apelado, não possuir habilitação para conduzir a embarcação e nem carta náutica na embarcação.

De fato, o apelado não possuía carteira de habilitação de embarcação, na data do evento danoso, como ele mesmo afirmou no inquérito instaurado pela Capitania dos Portos e na réplica que apresentou.

Em que pese essa circunstância, importante verificar se a falta de habilitação do apelado constituiu fator de agravamento do risco, como alega a seguradora, porquanto a inexistência de habilitação por si só, enseja mera infração administrativa e não conduz à perda do direito à indenização do seguro.

A negativa da seguradora baseia-se na existência de cláusula contratual, que exclui a obrigação de pagamento das coberturas contratadas, na hipótese de o apelado estar conduzindo a embarcação sem a devida habilitação.

É o que dispõe a cláusula 5.2, letra b e 5.2.1.das Condições Gerais do Seguro. Vejamos:

5.2 - CUMPRE AO SEGURADO E BEM ASSIM AO ARMADOR OU ADMINISTRADOR DA EMBARCAÇÃO SEGURADA, SEM PREJUÍZO PARA O DISPOSTO NAS DEMAIS CLÁUSULAS E CONDIÇÕES DESTA APÓLICE, MANTER A EMBARCAÇÃO NO SEU TODO, CONFORME O SUBITEM 1.1, DO ITEM 1 - COBERTURA, EM BOAS CONDIÇÕES NO QUE DIGA RESPEITO A SUA CONSERVAÇÃO E FUNCIONAMENTO, BEM COMO:

[...]

B) TER, NO SERVIÇO DA EMBARCAÇÃO, TRIPULAÇÃO HABILITADA DE ACORDO COM A LEI E COM AS EXIGÊNCIAS DAS AUTORIDADES PORTUÁRIAS;

[...]

5.2.1 - A NEGLIGÊNCIA CARACTERIZADA OU A OMISSÃO CULPOSA DO SEGURADO, ARMADOR OU ADMINISTRADOR DA EMBARCAÇÃO, NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES EXPRESSAS NESTA CLÁUSULA, SERÁ EQUIPARADA A FATO DO SEGURADO (ITEM 6.3) E IMPLICARÁ EM IDÊNTICA PERDA DE DIREITO A QUALQUER INDENIZAÇÃO POR PREJUÍZO PROXIMAMENTE CAUSADO OU ATRIBUÍVEL A TAL NEGLIGÊNCIA OU OMISSÃO.

Como se percebe, para a exclusão da obrigação securitária, há necessidade de que o evento danoso tenha sido causado, ou pelo menos, tenha sido influenciado, pelo fato de o apelado não possuir habilitação.

No entanto, não existem nos autos, provas a esse respeito.

Pelo contrário, na conclusão do procedimento investigativo elaborado pela Capitania dos Portos, é possível extrair que o apelado pilotava embarcações há mais de vinte anos e, de acordo com a 1ª via da Carteira de Pescador Profissional, emitida em 18-2-2004 (fl. 11), ele exerce a atividade, de modo formal, há mais de 10 anos.

Logo, é impertinente a alegação de que a falta de habilitação do apelado tenha sido motivo determinante para o infortúnio.

Dos elementos de prova colhidos se deduz que o apelado não contribuiu para a ocorrência do evento danoso pelo fato de não possuir habilitação ou a carta náutica na embarcação.

Com efeito, não sendo causa do acidente a ausência de habilitação do segurado, é certo afirmar que essa circunstância também não foi causa de agravamento de risco do seguro, a legitimar a negativa da indenização.

Não fosse isso, verifica-se que a cláusula de exclusão supramencionada não possui nenhum destaque como determina o Código de Defesa do Consumidor.

Trata-se de contrato de adesão, em que não é propiciado ao aderente a discussão sobre as cláusulas e condições contratuais, que são simplesmente impostas.

É cediço que o contrato de adesão celebrado entre os litigantes, favorece em suas cláusulas a seguradora, que é inegavelmente a parte economicamente mais forte, de modo que, ao consumidor resta a posição de submissão jurídica.

Ainda que se admitissem as condições especiais, as cláusulas restritivas de direito não contêm o necessário destaque, na forma que determina o art. 54, §§ 3º e 4º, da legislação consumerista, o que, por si só, afasta sua incidência, por serem nulas de pleno direito, como dispõe o art. 51, incs. IV e XV e § 1º, incs. II e III do mesmo Codex.

A propósito:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusula contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[...]

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

[...]

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...]

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III- se mostre excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interessa das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

[...]

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Não se pode olvidar que o dever de informar é inerente à sistemática da legislação consumerista e, para eximir-se dessa obrigação, deveria a seguradora comprovar que informou devidamente o segurado sobre a cláusula de exclusão, ou seja, que no momento da contratação, o mesmo fora cientificado de que a falta de habilitação para conduzir a embarcação seria causa de exclusão da cobertura. Não tendo assim procedido, à seguradora permanece a obrigação de indenizar.

A propósito, Paulo R. Roque A. Khouri ensina:

O direito à informação é hoje um direito fundamental da pessoa humana, assegurado pelos ordenamentos jurídicos modernos.

Esse direito deverá ser assegurado também quando o cidadão vai ao mercado adquirir bens e serviços. Por que a informação é tão importante para o consumidor? É que, ao deixar de informar adequadamente ao consumidor sobre os bens e serviços que está adquirindo, o fornecedor está deixando de ser transparente. A falta dessa transparência pode conduzir o consumidor a decisões equivocadas de consumo. Dispondo de informações suficientes, evidente que sua decisão quanto a adquirir ou não bens de consumo tenderá a maior racionalidade, evitando por conseguinte, a aquisição de bens desnecessários ou a celebração de contratos desvantajosos. Em outras palavras, a não-disponibilização de informações essenciais ao consumidor acaba por violar a boa-fé objetiva nessa relação.

[...]

O consumidor é um leigo, naturalmente vulnerável, ao passo que o fornecedor é um profissional, que deve conhecer os dados essenciais sobre os bens que comercializa, motivo pelo qual esse dever de informação compete a ele (o fornecedor).

[...]

Em síntese, pode-se concluir que se impõe ao fornecedor respeitar o direito do consumidor à informação, sob pena de a contratação não vincular o consumidor (Direito do Consumidor. Contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4. ed. rev., atual. e ampl. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 60).

Nesse sentido, os julgados deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE SEGURO. RELAÇÃO DE CONSUMO. SEGURO EMPRÉSTIMO GARANTIDO. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULAS IMPOSTAS AO SEGURADO. PRAZO DE CARÊNCIA. CLÁUSULA NULA. ARTIGO 51 INCISO IV DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITO NÃO OPONÍVEL AO SEGURADO. PRECEITO REDIGIDO SEM OS DESTAQUES NECESSÁRIOS. ARTIGO 54 § 3º E 4º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE PROVA DO PREJUÍZO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. MEROS ABORRECIMENTOS. ABALO MORAL INEXISTENTE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECLAMO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Sendo o contrato de seguro regido pelas regras do Direito do Consumidor, deve a Seguradora prestar informações adequadas sobre as cláusulas restritivas de direitos antes da contração, em observância ao princípio boa-fé contratual, sobretudo na hipótese de contrato de adesão (Apelação Cível n. 2015.019842-8, de Itajaí, de minha relatoria, j. em 18-8-2015).

1. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51 e incisos, reputa abusivas e nulas de pleno direito, entre outras, cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé.

2. "Nos contratos de adesão, as cláusulas que implicarem limitação de direito deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão (art. 54, § 4º, CDC) e, sem embargo disso, serão nulas de pleno direito, porque abusivas, quando restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato (art. 51, §1º, inc. II)" (AC n.º 2005.025408-6, Des. Newton Janke) (Apelação Cível n. 2005.041557-4, de Tubarão, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. em 3-8-2006).

Portanto, persiste a obrigação da seguradora de indenizar.

Sobre o tema, colhe-se dos julgados do Superior Tribunal de Justiça:

Nos termos da jurisprudência desta Corte, a falta de habilitação para dirigir veículos caracteriza-se como mera infração administrativa não configurando, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. Precedentes (AgRg no REsp n. 1193207/RS, rela. Mina. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 9-9-2015).

Consoante a jurisprudência desta Corte, a falta de habilitação do condutor do veículo não configura, a priori, agravamento no risco e, portanto, não é causa suficiente para, por si só, afastar a cobertura securitária (AgRg no REsp n. 1065710/GO, rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 28-11-2014).

E, deste Tribunal de Justiça:

O fato de o segurado conduzir veículo automotor sem a habilitação necessária prevista pela legislação de trânsito - Carteira Nacional de Habilitação - não constitui ato ilícito, mas mera infração administrativa. A falta desse documento não constitui, por si só, fundamento para a negativa de pagamento da indenização, sem a prova do liame causal entre a ausência do documento e o evento danoso (Apelação Cível n. 2012.018148-6, de Joinville, de minha relatoria, j. em 5-6-2012).

A falta de habilitação para dirigir veículo automotor expedida pelo Departamento de Trânsito, por si só, não faz presumir a culpa pelo acidente, já que se trata de uma mera infração administrativa (Apelação Cível n. 2014.055817-1, de Biguaçu, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 16-9-2014).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VEÍCULO. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. RECURSO DA RÉ [...] CONDUTOR COM HABILITAÇÃO (CNH) CASSADA. ALEGADO AGRAVAMENTO DO RISCO. INEXISTÊNCIA DE NEXO ENTRE A FALTA DO DOCUMENTO E O SINISTRO. CONDUTA QUE CONSTITUI MERA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO (Apelação Cível n. 2012.064862-5, de Joinville, rel. Juiz Odson Cardoso Filho, j. em 28-11-2013).

A jurisprudência é pacífica no sentido de que, para o acréscimo do risco, é necessário que a vítima além de não possuir habilitação legal, tenha contribuído de forma decisiva para a ocorrência do sinistro, o que não ocorreu na hipótese em apreço. E, não havendo prova da culpa, impõe-se a obrigação de indenização.

Por outro lado, a informação contida no procedimento administrativo, no sentido de que o local do naufrágio, informado pelo apelado, possivelmente está incorreto, também não legitima a negativa de pagamento do seguro pela seguradora.

Isso porque, extrai-se do laudo de exame pericial indireto juntado ao inquérito instaurado pela Capitania dos Portos que:

IX) CAUSA DETERMINANTE

Conclui-se. Portanto, que a causa determinante foi:

Como a embarcação não foi recuperada, não foi possível constatar evidências que possibilitassem definir a causa determinante do naufrágio ou mesmo endossar a versão do depoente (fl. 126).

E, como bem ponderou o juiz a quo:

Constata-se que o exame pericial indireto restou inconclusivo, não apontando a causa determinante para o acidente/sinistro, e que o Relatório de conclusão do Inquérito Administrativo lança dúvidas acerca da versão do Requerente acerca do acidente e afirma que ele está sendo investigado por naufrágio anterior em circunstâncias semelhantes.

Entretanto, no presente caso, não se pode proferir decisão favorável à Requerida exclusivamente com base nas conclusões apontadas no Relatório do Inquérito Administrativo instaurado pela Capitania dos Portos de Santa Catarina, pois, trata-se de procedimento inquisitivo, reconhecidamente unilateral, realizado sem contraditório. Aplicável, por analogia, ao presente caso, o raciocínio extraído do art. 155 do Código de Processo Penal:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Cabia a Requerida, nestes autos, demonstrar, por meio de provas contundentes, que as questões levantadas pelo relatório do Inquérito Administrativo caracterizam condutas dolosas e/ou culpas do Requerente e configuram efetivo agravamento do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro. Ou, ainda, comprovar que, eventualmente, tenha ocorrido fraude. Entretanto, a Requerida não produziu provas nesse sentido, tendo apresentado apenas a cópia da apólice, da carta negativa do pagamento e a cópia do Inquérito Administrativo da Capitania dos Portos e, inclusive, requerido expressamente o julgamento antecipado da lide (fls. 214-215).

Dessarte, o que se observa é que não foi possível elucidar a causa determinante do naufrágio da embarcação do apelado e a seguradora recorrente não trouxe aos autos elementos suficientes para demonstrar a ocorrência de alguma situação que pudesse afastar sua obrigação de indenizar.

Nesse contexto, a manutenção da sentença combatida é medida que se impõe.

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso interposto e negar-lhe provimento.

Este é o voto.


Gabinete Juiz Saul Steil