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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2014.010908-8 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Origem: Capital
Orgão Julgador: Grupo de Câmaras de Direito Civil
Julgado em: Wed Jul 08 00:00:00 GMT-03:00 2015
Juiz Prolator: Haidee Denise Grin
Classe: Embargos Infringentes

 

Embargos Infringentes n. 2014.010908-8, da Capital

Relatora: Desa. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta

RESPONSABILIDADE CIVIL. MÚSICO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA CONGÊNITA NOS MEMBROS SUPERIORES QUE, AO ADQUIRIR INSTRUMENTO MUSICAL EM LOJA DE GRANDE PORTE, RECEBE NOTA FISCAL COM A EXPRESSÃO "BAIXISTA MÃOZINHA". DANO MORAL ARBITRADO NA ORIGEM EM R$ 5.000,00. PROVIMENTO DO APELO DO AUTOR, POR MAIORIA, PARA MAJORAR O QUANTUM A R$ 10.000,00. VALOR FIXADO EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO QUE NÃO MINIMIZA OS EFEITOS DELETÉRIOS DA VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO DO LESADO, NEM PREVINE A PRÁTICA DE NOVO ATO ILÍCITO. FUNÇÃO COMPENSATÓRIA, PREVENTIVA E PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL NÃO OBSERVADA NO JUÍZO A QUO E NO VOTO VENCIDO. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR QUE SE IMPÕE. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos Infringentes n. 2014.010908-8, da comarca da Capital (1ª Vara Cível), em que é embargante Bianchini & Cia Ltda EPP, e embargado Marco Antônio Vieira Valente:

O Grupo de Câmaras de Direito Civil decidiu, por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 8 de julho de 2015, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Henry Petry Junior, Des. Alexandre d'Ivanenko, Des. Sérgio Izidoro Heil, Des. Raulino Jacó Brüning, Des. Ronei Danielli, Des. João Batista Góes Ulysséa, Des. Gerson Cherem II, Des. Sebastião César Evangelista, Desa. Rosane Portella Wolff, Des. Saul Steil, Des. Jorge Luis Costa Beber, Des. Paulo Ricardo Bruschi e Des. Fernando Carioni.

Florianópolis, 13 de julho de 2015.

Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta

Relatora

RELATÓRIO

Marco Antonio Vieira Valente propôs ação de indenização por danos morais contra Bianchini & Cia Ltda.

Vítima da talidomida, por isso que portador de deficiência física em ambos os membros superiores, ainda assim alega ter superado as dificuldades decorrentes da sua condição e se tornado músico com reconhecimento no meio artístico em Florianópolis.

E que, nesse contexto, após adquirir um contrabaixo elétrico no estabelecimento comercial da ré, percebeu, um mês após a compra, examinando a respectiva nota fiscal, que esta continha a expressão 'baixista mãozinha', o que lhe causou forte abalo moral.

A sentença de folhas 47/52 acolheu o pedido e condenou a ré ao pagamento de R$ 5.000,00, com correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora a contar da citação.

Inconformado, Marco Antonio Vieira Valente apelou da sentença, pleiteando a majoração da indenização (novo pedido genérico), ocasião em que a Sexta Câmara de Direito Civil, por maioria de votos, relator o Desembargador Ronei Danielli, conheceu e proveu o recurso para consolidar a indenização em R$ 10.000,00, nos termos da seguinte ementa:

DANO MORAL. ATO DISCRIMINATÓRIO DECORRENTE DE CONDIÇÃO FÍSICA OSTENTADA. OFENDIDO, PORTADOR DE MÁ FORMAÇÃO CONGÊNITA NOS MEMBROS SUPERIORES, QUE, AO ADQUIRIR INSTRUMENTO MUSICAL EM ESTABELECIMENTO DE GRANDE PORTE, RECEBE NOTA FISCAL EMITIDA COM A EXPRESSÃO PEJORATIVA "BAIXISTA MÃOZINHA". INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 5.000,00. QUANTIA INSUFICIENTE AO ATENDIMENTO DAS FINALIDADES REPARATÓRIA E PEDAGÓGICA DO INSTITUTO. MAJORAÇÃO IMPOSITIVA DIANTE DA RELEVÂNCIA DOS BENS JURÍDICOS ENVOLVIDOS E EM RESPEITO AO NÚCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, TRADUZIDO NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. IMPORTÂNCIA RESSARCITÓRIA ESTIPULADA EM R$ 10.000,00. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O voto vencido (da lavra do Desembargador Joel Dias Figueira Júnior) não conhecia do recurso, por entender que o acionante não tem interesse em recorrer da sentença que fixa danos morais quando o pedido é genérico.

Conhecido o recurso, Sua Excelência o desprovia, sob o argumento de que os fatos trazidos a julgamento não são capazes de ensejar abalo moral, principalmente porque: (I) o empregado da ré, ao inscrever na nota a expressão baixista mãozinha, "o fez despido de qualquer sentimento menor ou vontade de agredir, ofender, constranger ou discriminar o seu cliente, tudo levando a crer que, no meio musical, o autor é conhecido pelo apelido ali apontado"; (II) por ser músico e servidor público federal, o autor "há muito superou a sua deficiência física"; (III) ao receber a nota fiscal, o autor não percebeu ou não deu importância ao apelido que recebeu, vindo a descobri-lo somente um mês depois; (IV) a opção pelo ajuizamento da ação não foi espontânea, mas fruto de uma dica de um amigo advogado; (V) a ofensa não foi pública; (VI) foi o autor quem tornou o fato público, mediante postagem em conhecida rede social.

Na sequência, a ré opôs embargos infringentes, reeditando os argumentos lançados no voto vencido, pleiteando a prevalência da conclusão nele externada.

Transcorrido in albis o prazo das contrarrazões, o Desembargador Ronei Danielli, pela decisão de folhas 107/109, conheceu parcialmente dos embargos, "apenas no que diz respeito à majoração dos danos morais".

VOTO

1. De início, correta a decisão de folhas 107/109 ao não receber os embargos no tocante ao não conhecimento do apelo então interposto por Marco Antonio Vieira Valente .

É que esse capítulo do acórdão possui natureza processual, escapando ao campo de análise dos infringentes, nos termos do artigo 530 do CPC.

E ainda que assim não fosse, cumpre assentar que o voto vencedor acertou ao conhecer do recurso de apelação interposto por Marco Antonio Vieira Valente.

Na linha de entendimento desta Corte (cf. TJSC - ACv Apelação Cível n. 2005.018828-2, minha lavra) e do STJ, "em ação indenizatória por danos morais em que o valor é arbitrado pelo magistrado, existe interesse recursal do autor objetivando a majoração do quantum indenizatório" (STJ - AgRg no REsp 605255, Rel. Min. Denise Arruda).

2. No mérito, acompanho a conclusão externada no voto vencedor, cuja fundamentação adoto como razão de decidir, verbis:

Versa a insurgência unicamente sobre a importância fixada ao dano moral reconhecido na sentença, por conta de ato discriminatório perpetrado pelo estabelecimento demandado contra o autor e diretamente relacionado a sua condição física.

Conforme se infere da narrativa inicial, o ofendido é portador de má formação congênita resultante da utilização de substância medicamentosa durante a gestação, que lhe acarretou deficiência física em ambos os membros superiores.

Por desenvolver atividade musical, na data de 25.03.2011, dirigiu-se ao comércio mantido pela requerida e lá adquiriu instrumento denominado contrabaixo, tendo recebido a nota fiscal comprobatória da respectiva transação.

Tempos depois, já em sua residência, observou que o documento emitido continha, no campo destinado ao seu endereço, a expressão "baixista mãozinha", ocasião em que se sentiu extremamente humilhado diante do aviltamento de sua peculiar situação.

A sentenciante, por reconhecer o abalo anímico, estipulou indenização no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), motivo por que pugna o autor pela majoração.

O recurso merece acolhimento.

O ordenamento vigente destina ampla proteção aos direitos da personalidade, que tem seu delineamento na Constituição Federal (art. 5º, inciso X), estendendo-se também ao Diploma Civilista (arts. 11 ao 21).

Nesse espeque protetivo, alcança especial realce a dignidade da pessoa humana, que, figurando como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da CF), orbita em torno dos direitos fundamentais, de sorte a conferir-lhes maior eficácia e concretização.

É, portanto, com supedâneo no valor constitucional supremo, que analisar-se-á o caso concreto, o qual melindra não apenas direitos da pessoa, mas valores que exorbitam o interesse privado, atingindo objetivo essencial do Estado Democrático de Direito: a promoção de todos, sem preconceito ou discriminação de qualquer natureza (art. 3º, inciso IV, da CF).

Nesse passo, sobreleva a importância da finalidade pedagógica do instituto compensatório, dado o efeito inibidor refletido no meio social, cuja função é justamente a prevenção de incidentes desta jaez, resquícios de uma cultura outrora instalada e que é atualmente execrada pela modernidade.

Direcionando-se o foco para a quantificação do abalo anímico, verifica-se a total ausência de regramento fixo e exato sobre o tema, motivo por que se relega ao magistrado a difícil incumbência de adentrar no liame subjetivo do contexto deduzido e estabelecer a importância adequada.

É cediça, porém, a disposição de determinados parâmetros que podem auxiliar o julgador quando do balizamento do valor, tais como, o dolo ou grau de culpa do agente causador do dano; as condições pessoais e econômicas das partes envolvidas; a intensidade do sofrimento psicológico ocasionado pela humilhação sofrida; o caráter pedagógico e repressivo da medida e a necessária ponderação para que não se torne excessivamente onerosa ou acabe por gerar o enriquecimento sem causa da parte beneficiada.

Em salutar reflexão sobre o tema, salienta Sérgio Cavalieri Filho:

[...].

Não diverge o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, manifestado no REsp. n. 355392/RJ, relator Min. Castro Filho, DJU de 26.03.2002:

[...].

Sob este aspecto, não há como negar a gravidade da conduta sopesada e tampouco minimizar a humilhação e dor proporcionada por evento tão vergonhoso. Realmente inexiste justificativa ou explicação para que um consumidor, em pleno avanço da consciência mundial e das liberdades conquistadas, veja retratada em documento fiscal sua condição física, que naturalmente já lhe trouxe tanto pesar.

E sequer cabe questionar a extensão desse sofrimento pelo simples fato de ter o ofendido compartilhado com outras pessoas o constrangimento vivenciado, pois a ofensa consolidou-se no exato momento em que teve o conhecimento do escrito, não se podendo avaliar minorada ou relativizada por conta da divulgação a terceiros. Ora, a violação à honra subjetiva opera-se diretamente na esfera íntima do cidadão, reverberando em seu âmago, sendo inapropriado medir-se a dor pela conduta externa empreendida.

Sobre a definição do dano moral, leciona Yussef Said Cahali:

[...].

Na verdade, é digno de admiração o gesto de publicização do ato via redes sociais, porquanto denota que, apesar das adversidades, o autor faz delas um motivo a mais para manter viva a bandeira pela isonomia e não discriminação.

Em suma, os fatos falam por si só e dispensam longa digressão, podendo-se concluir que a gravidade da conduta, o sofrimento vivenciado e notadamente a funcionalidade pedagógica da indenização autorizam inevitavelmente sua majoração.

O mesmo se diga sobre a capacidade das partes, já que se está diante de estabelecimento conhecido na cidade e tradicional no ramo musical, ao qual inclusive pertence o autor. Tais circunstância acentuam o caráter nefasto do quadro apresentado, porquanto, detendo condições para tanto e sendo o ofendido certamente cliente conhecido do estabelecimento, o mínimo que dela se poderia esperar era o devido preparo de seus funcionários no trato com o público.

Por todo o esposado e diante das peculiaridades do caso, com alento ainda na aplicabilidade integral dos direitos fundamentais e na supremacia da dignidade da pessoa humana como preceito balizador do ordenamento jurídico, eleva-se o montante indenizatório ao patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Com essas considerações, dá-se provimento ao recurso.

Aos argumentos de Sua excelência acrescento que o ato ilícito é incontroverso e injustificado, como o reconhece a própria embargante.

A lesão moral ocorre in re ipsa, presumível a tristeza que sente um deficiente físico ao ser ofendido por conta justamente da atrofia que possui em seus membros superiores.

Por outro lado, não existe prova (e ela seria de capital importância) de que o embargado é conhecido (e sobretudo assim se deixa conhecer) pelo apelido de "baixista mãozinha", o que, em tese, poderia justificar o emprego dessa expressão na nota fiscal de que se falou nos autos. É provável que, em segredo, os funcionários da loja se referem a ele dessa forma, mas aqui importa consignar que esse não é o apelido social pelo qual ele responde.

De outra parte, aludiu-se no voto vencido que, sob o ponto de vista psicológico, o autor superou a deformação física de que padece, mas, vênias de estilo, isso não é possível saber, à falta de prova técnica (ou de qualquer outra natureza) que corrobore a afirmação.

E, a rigor, não me parece seja o caso de se abrir especulação sobre o tema, principalmente porque irrelevante ao desfecho deste caso. Ora, da eventual demonstração de que ele superou psicologicamente a sua deficiência física não segue autorização a que terceiros o ofendam justamente nesse específico ponto de sua compostura estética. Cumpre destacar neste caso é que algum empregado da loja não conseguiu superar a deficiência física do autor e, não o podendo fazer, demonstrou, ele sim, reprovável deficiência moral e espiritual.

Vale anotar, também, que a presente ação não pode ser retratada como uma aventura ou uma medida oportunista. A prova não demonstra que o episódio foi um indiferente, um aborrecimento corriqueiro na vida do autor, nem evidencia que a idéia da ação surgiu a partir de esperteza que lhe foi sugerida por um amigo advogado. Deparando-se com a aludida nota fiscal e sentindo-se lesado com o que nela encontrou, ele se entrevistou previamente com um advogado de suas relações e somente a partir daí optou pelo ajuizamento da ação. Trata-se de conduta digna de encômios, não de críticas. A consulta prévia a um jurista de sua intimidade indica que ele tomou as cautelas necessárias para não ingressar com uma ação temerária.

Por outro lado, no tocante à publicidade do ato ilícito levada a efeito pelo próprio embargado, ao denunciar os fatos em conhecida rede social, convém novamente fazer remissão às doutas razões do voto vencedor,

[...] sequer cabe questionar a extensão desse sofrimento pelo simples fato de ter o ofendido compartilhado com outras pessoas o constrangimento vivenciado, pois a ofensa consolidou-se no exato momento em que teve o conhecimento do escrito, não se podendo avaliar minorada ou relativizada por conta da divulgação a terceiros. Ora, a violação à honra subjetiva opera-se diretamente na esfera íntima do cidadão, reverberando em seu âmago, sendo inapropriado medir-se a dor pela conduta externa empreendida.

De fato, dado que o dano moral é lesão que se opera na intimidade do ofendido, a publicidade não o constitui, influenciando , se for o caso, apenas no quantum indenizatório, que será maior ou menor à proporção da repercussão da notícia do ato ilícito perante terceiros.

Pois bem.

Todas essas circunstâncias servem para matizar as peculiaridades do caso sob julgamento, em ordem a fornecer dados para o arbitramento da indenização. A propósito, como já tive oportunidade de expressar em caso análogo,

a legislação civil não fornece critérios específicos para a fixação do montante arbitrado a título de lenitivo para a compensação da dor anímica. Por isso a jurisprudência confia ao prudente arbítrio do magistrado a tarefa de estipular um valor para amenizar a dor moral decorrente de um ato ilícito. Para tanto, os parâmetros que comumente são levados em conta são, sobretudo, as peculiaridades de cada caso concreto, o dolo ou o grau de culpa daquele que causou o dano, as condições econômicas das partes envolvidas, a intensidade do sofrimento psicológico gerado pelo vexame sofrido; a finalidade admonitória da sanção, para que a prática do ato ilícito não se repita, e, finalmente, o bom senso, para que a indenização não seja extremamente gravosa, a ponto de gerar um enriquecimento sem causa ao ofendido, nem irrisória, a ponto de não lhe propiciar uma compensação para minimizar os efeitos da violação ao bem jurídico (TJSC - ACv 2004.008624-5, minha relatoria).

Analisando esses requisitos à luz do caso concreto, entendo - tal como consta no voto vencedor - que a quantia arbitrada na origem para a quantificação do dano moral (R$ 5.000,00) não atinge as finalidades da responsabilidade civil, que deve servir não apenas de lenitivo ao ofendido, mas também de fator de punição do ofensor e, sobretudo, de estímulo a que ele reveja seus procedimentos para que futuramente não incida na prática do ato ilícito, enfim, para que , in casu, não mais permita que um cliente seja ofendido de forma tão grave e gratuita como ocorreu na espécie.

Por tais fundamentos, voto pelo desprovimento dos embargos infringentes.


Gabinete Desa. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta