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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2012.068451-1 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Júlio César Knoll
Origem: Capital
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue Oct 27 00:00:00 GMT-03:00 2015
Juiz Prolator: Hélio do Valle Pereira
Classe: Apelação Cível em Mandado de Segurança

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STF: 266

Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2012.068451-1, da Capital

Relator: Des. Subst. Júlio César Knoll

MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO (ECAD). LEI MUNICIPAL QUE ISENTOU ENTIDADES FILANTRÓPICAS E INSTITUIÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS DO PAGAMENTO DA TAXA DE DIREITOS AUTORAIS.

IMPOSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO CONTRA LEI EM TESE. PRELIMINAR AFASTADA.

ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LOCAL. ORDEM CONCEDIDA PARA AFASTAR A APLICAÇÃO DA LEI. SENTENÇA MANTIDA.

RECURSO E REMESSA CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

"Dessa forma, considerando-se que o Direito Autoral é um ramo do Direito Civil, também há que se considerá-lo submetido à competência legislativa privativa da União. Bem por isso, o legislador municipal não poderia, tal como ocorreu no presente caso, legislar sobre hipóteses de isenção do recolhimento dos valores relativos aos direitos autorais, arrecadados pelo ECAD, em qualquer situação; fazendo-o, usurpou competência privativa que não detinha e, portanto, a lei em questão é formalmente inconstitucional." (TJSC, Órgão Especial, Arguição de Inconstitucionalidade em Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2012.014206-8/0001.00, de Criciúma, rel. Des. Salim Schead dos Santos, j. 15.10.2014).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2012.068451-1, da comarca da Capital (3ª Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Município de Florianópolis, e apelado Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD:

A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e desprover o reexame necessário e o recurso voluntário. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado no dia 27 de outubro de 2015, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participou, o Exmo. Sr. Des. Cesar Abreu.

Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Walkyria Ruicir Danielski.

Florianópolis, 28 de outubro de 2015.

Júlio César Knoll

Relator


RELATÓRIO

Perante a 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) impetrou Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra ato do Prefeito Municipal.

Alegou, em apertada síntese, que o município de Florianópolis aprovou a Lei Municipal n. 8.505/2011, que isenta entidades filantrópicas, escolas, creches e outras instituições sem fins lucrativos, do recolhimento da taxa pertinente aos direitos autorais.

Aduziu que a competência para legislar sobre o tema é exclusiva da União, e que o ato fere o direito do ECAD, em exercer suas atividades.

Requereu a segurança, para que fosse reconhecida, de forma incidental, a inconstitucionalidade do ato impugnado, declarando-se a violação ao direito líquido e certo dos autores e titulares de direitos autorais.

Deferida a liminar, notificou-se.

Em suas informações, o município de Florianópolis disse que a iniciativa da legislação objurgada é decorrente da insistência do ECAD em recolher, antecipadamente, os direitos autorais, sem observar os critérios mínimos dispostos na legislação federal, em contrariedade aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O Ministério Público manifestou pela procedência.

Sobreveio sentença do MM. Juiz de Direito, Dr. Hélio do Valle Pereira, que concedeu a ordem, para determinar que fosse afastada a aplicação da Lei Municipal n. 8.505/2011, em relação ao impetrante.

Irresignado, o município de Florianópolis interpôs recurso de apelação, oportunidade em que, preliminarmente, arguiu a impossibilidade de impetração do Mandado de Segurança, contra lei em tese.

No mérito, repisou os argumentos de defesa.

Contrarrazões às fls. 158/180.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Tycho Brahe Fernandes, que opinou pelo não conhecimento do recurso voluntário, e pelo conhecimento e desprovimento do reexame necessário.

Na sessão do dia 17.09.2013, sob a relatoria do eminente Desembargador Carlos Adilson Silva, a Terceira Câmara de Direito Público, à unanimidade, remeteu o feito ao Órgão Especial, que acolheu a arguição de inconstitucionalidade, em decisão monocrática, proferida pelo Desembargador Rui Fortes (Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2012.068451-1/0001.00).

Após, os autos foram devolvidos à Terceira Câmara de Direito Público, para o prosseguimento do julgamento.


VOTO

Trata-se de reexame necessário e apelação cível, em Mandado de Segurança, interposta pelo município de Florianópolis, lançada em desfavor de sentença, que concedeu ordem pleiteada, pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD).

Inicialmente, afasta-se o pleito de não conhecimento do recurso voluntário, formulado pela Procuradoria de Justiça, nos termos da decisão já proferida por esta Câmara, na sessão dia 17.09.2013.

Dessa forma, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade, a tempo e a modo, conhece-se o inconformismo.

Adianta-se que a decisão de primeiro grau, que determinou o afastamento da aplicação da Lei Municipal n. 8.505/2011, deve ser mantida.

Quanto à alegação de que não cabe Mandado de Segurança, contra lei em tese, colhe-se do voto proferido pelo eminente Desembargador Carlos Adilson Silva, no julgamento da Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2012.014206-8, que analisou a preliminar, em caso idêntico ao presente:

REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. LEI MUNICIPAL QUE ISENTA DO PAGAMENTO DE DIREITOS AUTORAIS RECOLHIDOS PELO ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO - ECAD, OS EVENTOS PROMOVIDOS POR ENTIDADES FILANTRÓPICAS, ASSOCIAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS, ESCOLAS, CRECHES E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO EM EVENTOS BENEFICENTES.

PROCESSUAL CIVIL. CARÊNCIA DE AÇÃO. INOCORRÊNCIA. LEI MUNICIPAL DE EFEITOS CONCRETOS EM RELAÇÃO AO ECAD, OBSTANDO A FISCALIZAÇÃO E A COBRANÇA NAS HIPÓTESES QUE ESPECIFICA. PREJUDICIAL ARREDADA.

[...]

Compulsado os autos verifica-se questão prejudicial a afetar a análise do reexame necessário nesta oportunidade, contudo, impende enfrentar a matéria sob o enfoque da impetração do remédio heróico contra lei em tese, o que, de saber corrente, é vedado pela Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal.

[...]

Depreende-se de sobredito julgado que a jurisprudência firmou entendimento de que não se deve confundir a impetração contra lei em tese e o mandado de segurança preventivo.

Assim, deve ser ponderado que a natureza preventiva do remédio heróico decorre da ameaça iminente a um direito, a partir da incidência de um regramento jurídico abstrato e geral a uma situação fática específica. De outro modo, no caso de writ impetrado contra lei em tese, não há suporte fático, e sim, insurgência à lei.

No caso sub examine, em 18 de agosto de 2011, o Município de Criciúma editou a Lei n. 5.893, isentando entidades filantrópicas, associações sem fins lucrativos, escolas, creches e templos de qualquer culto em eventos beneficentes, cuja renda destinar-se a angariar fundos de caráter beneficente e para manutenção e funcionamento destas atividades do pagamento de direitos autorais, senão vejamos:

[...]

Forçoso concluir que a lei em comento tem por único escopo obstar o ECAD de cobrar direitos autorais na execução musical em situações específicas, uma vez que, conforme verifica-se da análise do art. 1º da referida Lei Municipal a cobrança da taxa foi proibida em "eventos promovidos por entidades filantrópicas, associações sem fins lucrativos, escolas, creches e templos de qualquer culto em eventos beneficentes, cuja renda destinar-se a angariar fundos de caráter beneficente e para manutenção e funcionamento destas entidades, sem fins lucrativos", tratando-se, pois, de lei de efeitos concretos.

Como visto, a lei em testilha não possui as características da generalidade e abstração possuindo marcantes traços de um ato administrativo de efeitos concretos, dirigido especificamente ao ECAD nas hipóteses ali discriminadas. A propósito, esta Corte de Justiça em julgado do eminente Desembargador Gaspar Rubick já se pronunciou em situação análoga, deixando assente que: "O que se busca no presente mandamus é, justamente, impedir que a autoridade administrativa, a quem compete a fiscalização e regular aplicação da Lei Municipal n. 2.067/2011, não o faça, situação que torna possível juridicamente, o remédio heróico, uma vez que se trata de controle difuso de constitucionalidade, podendo, por isto, ser feito por qualquer magistrado, em qualquer instância e procedimento. Como se vê, não se cogita, no caso em tela, de mandado de segurança contra lei em tese, pois o writ manejado pelo impetrante ataca norma de efeitos concretos, acarretando-lhe sanções, em caso de descumprimento" (ACMS n. 2011.058324-7, de Turvo, julgado em 03/06/2103).

Assim, em face de lei com efeitos concretos é possível a impetração do mandado de segurança, conforme já discorreu com propriedade a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"[...] pela Súmula nº 266, do STF, 'não cabe mandado de segurança contra lei em tese' (...) o rigor desse entendimento foi aos poucos abrandado pela jurisprudência, que passou a admitir o mandado de segurança contra a lei em duas hipóteses: na lei de efeito concreto e na lei autoexecutória, o que se aplica também aos decretos de efeito concreto e autoexecutórios' (op. cit. p. 772).

De conseguinte, evidenciado que da Lei Municipal n. 5.893/2011 emergem efeitos concretos e imediatos na esfera jurídica do ECAD, passo à análise da constitucionalidade da norma na via restrita do presente mandamus.

Quanto ao mérito, a questão foi debatida com profundidade pelo Órgão Especial, ao analisar a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 5.893/2011, oriunda da comarca de Criciúma, cujo ponto central é o ora debatido, razão pela qual se adota o voto do Desembargador Salim Schead dos Santos:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE CRIA HIPÓTESE DE ISENÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES RELATIVOS A DIREITOS AUTORAIS. MATÉRIA ATINENTE AO DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, I, DA CF/88). USURPAÇÃO CARACTERIZADA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA.

[...]

2. - Mérito

2.1 - A Lei objeto do controle de constitucionalidade dispõe:

Art. 1º Ficam isentos no âmbito do Município de Criciúma do recolhimento da taxa pertinente aos direitos autorais, procedido pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais (ECAD), os eventos promovidos por entidades filantrópicas, associações sem fins lucrativos, escolas, creches e templos de qualquer culto em eventos beneficentes, cuja renda destinar-se a angariar fundos de caráter beneficente e para a manutenção e funcionamento destas atividades, sem fins lucrativos.

2.2 - A Terceira Câmara de Direito Público entendeu que o legislador municipal usurpou competência privativa da União. E com razão.

2.3 - Conforme lição doutrinária de Fábio Ulhoa Coelho, o Direito Autoral, também chamado Direito de Autor, insere-se como área de estudo do Direito Civil. O autor nos ensina que "a propriedade intelectual compreende dois grandes ramos. De um lado, desdobra-se no direito industrial, que disciplina os chamados bens industriais, quer dizer, as marcas e desenhos industriais registrados e as patentes de invenções ou de modelos de utilidade. [...]. De outro lado, a propriedade intelectual se desdobra no direito autoral, ramo que disciplina os direitos do autor de obra literária, artística ou científica, os direitos conexos e a proteção dos logiciários, isto é, dos programas de computador (softwares). [...] Esse ramo da propriedade intelectual é estudado pelo direito civil." (Curso de Direito Civil: direito das coisas, direito autoral. vol 4. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 273 e 274).

[...]

2.4 - Firmada essa premissa, é de se notar que a Constituição da República, em seu artigo 22, inciso I, diz que "compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho".

Note-se ainda que - como nem poderia deixar de ser - a matéria relativa ao Direito Civil não está inserida nos dispositivos que regulamentam o processo legislativo estadual (artigos 48 e seguintes da Constituição do Estado), tampouco está inserida entre as competências dos municípios catarinenses (artigo 112 da Constituição do Estado).

Dessa forma, considerando-se que o Direito Autoral é um ramo do Direito Civil, também há que se considerá-lo submetido à competência legislativa privativa da União. Bem por isso, o legislador municipal não poderia, tal como ocorreu no presente caso, legislar sobre hipóteses de isenção do recolhimento dos valores relativos aos direitos autorais, arrecadados pelo ECAD, em qualquer situação; fazendo-o, usurpou competência privativa que não detinha e, portanto, a lei em questão é formalmente inconstitucional.

Em situação muito semelhante à presente, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já declarou a inconstitucionalidade de lei carioca que vedara o recolhimento de valores pelo ECAD em festas promovidas por entidades religiosas, de caráter gratuito, e realizadas nos terrenos de sua propriedade e adjacências. Cabe transcrever a ementa do acórdão:

[...]

Diante disso, não há como deixar de acolher a presente arguição, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 5.893/2011 do Município de Criciúma.

3 - Ante o exposto, deve-se acolher a presente arguição de inconstitucionalidade para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 5.893/2011 do Município de Criciúma, devolvendo-se, após, os autos à Terceira Câmara de Direito Público para que prossiga no julgamento do Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2012.014206-8. (Arguição de Inconstitucionalidade em Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2012.014206-8/0001.00)

Diante do exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento do reexame necessário e do recurso voluntário.


Gabinete Des. Subst. Júlio César Knoll