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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2013.069910-6 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Pedro Manoel Abreu
Origem: Capital
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Nov 04 00:00:00 GMT-03:00 2015
Classe: Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2013.069910-6, da Capital

Relator: Des. Pedro Manoel Abreu

Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de feriado civil, por Lei Municipal, denominado "Dia da Consciência Negra", em homenagem ao líder Zumbi. Matéria afeta ao direito do trabalho. Competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho. Vulneração da competência estabelecida no art. 22, I, CF. Pacto Federativo (CE/89, art. 1.º). Inconstitucionalidade manifesta. Demanda procedente.

Nada impede que se comemore o Dia de Zumbi e da denominada Consciência Negra. É direito da população comemorar o fim da escravatura e relembrar os heróis da luta contra essa trágica e primitiva prática vivenciada na história, que jamais deveria ter existido, não fosse a ganância e o individualismo que permearam a história da humanidade.

O que não se admite, porém, é que se institua feriado, sem a observância das competências estabelecidas na Carta Federal, posto que é competência privativa da União Legislar sobre direito do trabalho.

No STF, é histórico o entendimento de que a instituição de feriados constitui matéria afeta ao direito do trabalho, de competência privativa da União (CF, art. 22, I).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2013.069910-6, da comarca da Capital (Tribunal de Justiça), em que é requerente Sindicato do Comércio Varejista de Joinville e Região - SINDILOJAS Joinville e Região. e outros, e requerido Prefeito Municipal de Joinville e outro:

O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.536, de 18 de outubro de 2013, com efeitos ex tunc. Prejudicada a ação direta n. 2013.071192-1, posto que possui idêntico objeto. Trasladar cópia desta decisão para àqueles autos. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 04 de novembro de 2015, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Nelson Schaeffer Martins, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Pedro Manoel Abreu - Relator, Cláudio Barreto Dutra, Sérgio Roberto Baasch Luz, Monteiro Rocha, Fernando Carioni, Torres Marques, Marcus Tulio Sartorato, Cesar Abreu, Salim Schead dos Santos, Alexandre D'Ivanenko, Lédio Rosa de Andrade, João Henrique Blasi, Jorge Luiz de Borba, Jânio Machado, Sônia Maria Schmitz e Rodrigo Collaço.

Florianópolis, 17 de novembro de 2015.

Pedro Manoel Abreu

Relator


RELATÓRIO

I. Sindicato do Comércio Varejista de Joinville e Região - SINDILOJAS - Joinville e Região, Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde da Região Norte e Nordeste de Santa Catarina - SINDIHOSP, Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Norte e Nordeste de Santa Catarina - SINCANORTE, Sindicato do Comércio Varejista de Matérial Óptico, Fotográfico e Cinematográfico do Estado de Santa Catarina - SINDIOPTICA - SC, Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de Joinville - SC, Sindicato do Comércio de Derivados de Petróleo do Estado de Santa Catarina - SINDIPETRO - SC e o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios, Carnes Frescas e Derivados de Joinville, aforaram ação direta de inconstitucionalidade com pedido liminar em face da Lei Municipal n. 7.536/2013.

Asseveraram que o Prefeito da cidade de Joinville assinou, em 18.10.2013, o Projeto de Lei n. 28/2013 aprovado na Câmara de Vereadores daquele Município, dando origem à Lei Municipal n. 7.536/2013, instituindo o feriado civil denominado Dia da Consciência Negra no dia 20 de novembro.

Dizem, em suma, ter havido ofensa às Constituições Federal e Estadual, já que o Município não teria competência para instituir feriados civis, que a seu juízo é da União Federal, uma vez que somente esta teria competência para legislar sobre direito civil e do trabalho. Dizem violados o art. 22, I, da Constituição da República e o art. 112, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

Demais disso, haveria também afronta às Leis Nacionais n. 10.639/2003, Lei 12.519/2011 e Lei 9.093/95. Argumentam que a norma hostilizada não tem caráter religioso, como se verifica da justificativa ao Projeto de Lei n. 28/2013.

Pugnaram pela antecipação de tutela para, em caráter de urgência, suspender a eficácia da Lei Municipal n. 7.536/2013 e, ao final, pela procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.7.536/2013.

A cautelar foi deferida às fls. 208-216.

Nas informações, o Prefeito Municipal de Joinville, numa palavra, defendeu a norma sob ataque, afirmando ter agido no exercício de sua competência para tratar de assunto de interesse local.

A Câmara de Vereadores de Joinville também se manifestou às fls. 279-290, defendendo, em resumo, a autonomia municipal para legislar sobre o assunto.

A Procuradoria-Geral do Município ofertou defesa da norma impugnada à fl. 329.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Basílio Elias de Caro, manifestou-se pela procedência da demanda.

Este é o relatório.


VOTO

II. Cuida-se, na essência, de ação direta de inconstitucionalidade movida por diversos sindicatos representativos de classe no âmbito do Município de Joinville e outros contra a edição da Lei Municipal n. 7.536/2013, que instituiu o feriado do Dia da Consciência Negra.

Dessume-se da Justificativa do Projeto de Lei n. 28/2013, que o órgão legislativo local, ao entender que o feriado de Finados (a ocorrer no dia 02.11), passou a ter caráter nacional, não haveria necessidade de que lei municipal tratasse desse tema. Com isso, de um total de 4 feriados municipais possíveis, seria justa a substituição do dia municipal de Finados pelo Dia da Consciência Negra. Colaciona-se de fls. 196:

A Lei Municipal n. 2.756/91 a ser alterada, especialmente no seu inciso IV, estabeleceu que o dia 02 de novembro atualmente é Feriado Municipal - Dia de Finados.

Ocorre que a Lei Federal n. 662, de 06 de abril de 1949, foi alterada pela Lei n. 10.607, de 19 de dezembro de 2002, e estabeleceu o dia 02 de Novembro como Feriado Nacional, pelo mesmo motivo da Lei Municipal que ora visamos alterar - Finados.

Desta forma, não há necessidade de que a Lei Municipal estabeleça como Feriado uma data que já é considerada Feriado Nacional. Assim, considerando que cada Município pode instituir até 04 (quatro) feriados municipais nos termos do art. 2.º da Lei Federal n. 9.093 de 12 de setembro de 1995, nada mais justo do que a substituição do Feriado que já é nacional, por uma merecida homenagem ao dia da Consciência Negra.

A matéria, embora polêmica, não é nova na Corte. Na ação direta de inconstitucionalidade n. 2010.073591-5, de relatoria do signatário, declarou-se a inconstitucionalidade de norma editada pelo Município de Florianópolis instituindo o mesmo feriado objeto desta ação.

É inegável, sob qualquer aspecto, a importância da instituição de uma data comemorativa para celebrar a memória daquele líder que se tornou símbolo de uma luta contra uma das maiores injustiças praticadas pela humanidade, qual seja, a escravatura. Cuida-se, na hipótese, do líder denominado "Zumbi". Tanto assim que a União, imbuída de sua competência legislativa plena, editou a Lei n. 12.519, de 10 de novembro de 2011, instituindo o "Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra".

O personagem heróico que rendeu azo à homenagem feita na Lei Municipal ora em destaque, é digno, de fato e de direito, de uma data especial de celebração, pelo que representou e representará, ainda, para as futuras gerações.

Nesse caminho, quando se estuda a vigente Constituição da República, mormente a declaração de direitos fundamentais do homem (em que também estão inseridos os direitos sociais), deve-se atentar para as circunstâncias históricas que levaram o legislador constituinte a consagrá-los, pois a democracia consolidada pode levar ao esquecimento do conteúdo substancial de cada dispositivo da Carta Política. É preciso, sempre, aviventar os fatos históricos de cada uma das conquistas, que constituem patrimônio imaterial da historiografia de uma nação e de um povo. É nesse contexto, aliás, que sobreleva a importância do método de interpretação histórica das leis e normas que compõem o ordenamento jurídico. E é nesse quadro que se insere o problema proposto. No exame da controvérsia trazida a debate, é possível que a suspensão e a eventual declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada, qual seja, a Lei n. 7.536/2013, soe como desrespeito à cultura, ou até mesmo à população afro-descendente. Longe desse raciocínio, não é o que ocorre.

Não se está afirmando que a data fixada não deve ser celebrada, pois quanto a esse aspecto, dúvida não remanesce. Aliás, relembre-se que a União editou a Lei Nacional n. 12.519, de 10 de novembro de 2011, fixando a data comemorativa do Dia da Consciência Negra. Significa dizer que, no exercício de suas competências constitucionais, não estabeleceu feriado, importando concluir que a Lei Municipal não poderá fazê-lo. Com ressalva à grande relevância social da quaestio, é preciso examinar, neste momento, as implicações jurídicas da norma editada pelo Legislador Municipal.

Apenas para registro, a legitimidade ativa dos Sindicatos autores, para a ação direta de inconstitucionalidade, é expressamente autorizada pela Constituição Estadual, em seu art. 85, VII, a partir da EC n. 42:

Art. 85. São partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestado em face desta Constituição:

VII - o Prefeito, a Mesa da Câmara ou um quarto dos Vereadores, o representante do Ministério Público, a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, os sindicatos e as associações representativas de classe ou da comunidade, quando se tratar de lei ou ato normativo municipal (com redação da EC n. 42).

Há algum dissenso nos tribunais pátrios quanto à admissão de ações diretas de inconstitucionalidade, como a presente, que visa combater a instituição de feriado (não a comemoração), em face do denominado "Dia da Consciência Negra".

Em caso semelhante, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo extinguiu, sem resolução de mérito, a ADIN n. 994.09.229553-6, promovida pelo Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria de São Paulo contra Lei daquele Município. Os fundamentos invocados naquela actio eram praticamente os mesmos aqui agitados. O TJSP entendeu que havia mera ofensa reflexa à Constituição, vulnerando-se diretamente apenas a Lei Federal n. 9.093/05, que institui os feriados nacionais. Aquela decisão ficou assim ementada:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n. 13.707/04 e artigo 9.º da Lei n. 14.485/07. Instituição do feriado civil do "Dia da Consciência Negra". Afronta aos termos da Lei Federal n. 9.093/95, que estabelece os feriados civis e religiosos na Federação. Hipótese que escapa ao controle constitucional. Parâmetro de legalidade. Precedente Jurisprudêncial acerca da matéria. Processo extinto sem julgamento de mérito (TJSP, ADIN n. 994.09.229553-6, rel. Des. Ademir Benedito), j. 22.9.2010).

A negativa de enfrentamento de mérito explica porque, em dados Municípios brasileiros, efetivamente foi instituído o feriado da consciência negra. Contudo, sem demérito ao respeitável entendimento em apreço, o Supremo Tribunal Federal adotou tese diametralmente oposta àquela da Corte paulista.

No julgamento da ADI n. 3.069-8, do Distrito Federal, a Excelsa Corte julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo parcialmente o vício de inconstitucionalidade da norma distrital que instituiu a data comemorativa do Dia do Comerciário e declarou feriado para todos os efeitos legais. Na hipótese, muito próxima do caso presente, a relatora, eminente Ministra Ellen Gracie, conquanto tenha reconhecido a ofensa à Lei Federal n. 9.093/95, entendeu inexistir ofensa reflexa à Constituição Federal, mas direta, porquanto a instituição de feriados constitui, tradicionalmente, no STF, matéria afeta ao direito do trabalho, de competência legislativa da União. Assim, por ter-se vulnerado esse círculo de competências federativas, o STF prestigiou o "Dia do Comerciário", mas impediu que fosse decretado o feriado. Colhe-se do STF:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Distrital n. 3.083, de 07.10.02. Dia do Comerciário. Data comemorativa e feriado para todos os efeitos legais. Alegação de Ofensa ao art. 22, I. Competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho. Inconstitucionalidade formal.

1. Preliminar de não conhecimento afastada. Norma local que busca coexistir, no mundo jurídico, com lei federal preexinstente, não para complementação, mas para somar nova e independente hipótese de feriado civil.

2. Inocorrência de inconstitucionalidade na escolha, pelo legislador distrital, do dia 30 de outubro como data comemorativa em homenagem à categoria dos comerciários no território do Distrito Federal.

3. Implícito ao poder privativo da União de legislar sobre direito do trabalho está o de decretar feriados civis, mediante lei federal ordinária, por envolver tal iniciativa consequências nas relações empregatícias e salariais. Precedentes: AI 20.423, rel. Min. Barros Barreto, DJ 24.06.59 e Representação 1.172, rel. Min. Rafael Mayer, DJ 03.8.84).

Ação cujo pedido é julgado parcialmente procedente (STF, ADI n. 3.069-DF, rel. Ministra Ellen Gracie, j. 24.11.2005).

In casu, a Lei Municipal n. 2.576/1991 disciplinara as datas para a ocorrência de feriados no Município de Joinville. Referida norma foi alterada pela Lei Municipal n. 7.536/2013. Colaciona-se:

Art. 1º - Em consonância com o item I, do artigo 4º da Lei Orgânica do Município, combinado com o art. 11 da Lei (federal) nº 605, de 05 de janeiro de 1949, são declarados feriados, no Município de Joinville, para todos os efeitos legais, os seguintes:
I - data do Aniversario da Fundação da Cidade - 09 de março;
II - Sexta-Feira da Paixão - data variável;
III - Corpus Cristi - data variável; e
IV - Dia de Finados - 02 de novembro.

Numa visão mais simplista, fosse só a questão da vinculação do tema (feriado), com o direito do trabalho, não se teria mais do que violação à Lei Federal n. 9.093/95, pois é certo que não cabe à Constituição Estadual ditar a competência da União para legislar. Por isso é que não existe dispositivo semelhante na Constituição Estadual. Neste aspecto, frise-se que não pode haver controle de constitucionalidade de Lei Municipal no âmbito estadual, adotando-se como parâmetro exclusivamente a Constituição Federal. Daí porque a vulneração da competência privativa da União não ensejaria o controle via ADI, na Corte catarinense. Só por esse motivo, poderia haver insurgência por outras vias, mas não pelo controle concentrado, isto porque não há, no tocante, dispositivo idêntico na Constituição do Estado (veja-se, p. ex. Art. 10, CE). Colhe-se do art. 22, I, CF:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, penal, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

No entanto, não é possível permitir que os Municípios catarinenses, seja qual for o conteúdo veiculado em normas locais, legislem sobre matéria privativa da União, como é o direito do trabalho, sob pena de ofender-se ao pacto federativo, também estatuído na Carta Estadual, por disposição expressa, como reflexo da União federativa. A Constituição do Estado, no particular, consagra, entre os princípios fundamentais, a sua adesão ao pacto federativo em seu art. 1.º, in verbis:

Art. 1º O Estado de Santa Catarina, unidade inseparável da República Federativa do Brasil, formado pela união de seus Municípios, visando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, preservará os princípios que informam o Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania nacional;

II - a autonomia estadual;

III - a cidadania;

IV - a dignidade da pessoa humana;

V - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

VI - o pluralismo político.

Para além disso, a Constituição catarinense consagra em seu art. 32, a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e o Judiciário, e, mais adiante, no art. 112, II, estabelece competir ao Município legislar sobre interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, no que couber. Neste aspecto, releva ainda afirmar que, cuidando-se de matéria inerente ao direito do trabalho, o desrespeito às regras de competência provoca efeitos trabalhistas imediatos, evidenciando a pertinência temática para a actio.

Nem se diga que a instituição de feriados não constitui matéria trabalhista, pois basta ver que as empresas, comércio e até o Poder Público são atingidos pelos feriados. O próprio Poder Judiciário é afetado, por exemplo, com a ampliação de prazos por ele provocados.

Demais disso, ainda que reflexamente, seria inadmissível conceber a existência de norma municipal que vulnerasse a competência legislativa privativa da União, estatuída em seu art. 22, I. Isto porque, a Constituição do Estado prevê, no art. 9.º, I, que a este também compete " zelar pela guarda da Constituição Federal e desta Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público".

Frise-se, por oportuno, que o advento de norma nacional sobre o assunto não coloca por terra a existência da presente demanda, posto que, nos termos do art. 24, § 4.º, da Constituição, "a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da norma estadual, no que lhe for contrário" A doutrina, interpretando esse dispositivo, ressalva:

Destaque-se que a lei ordinária federal suspende a eficácia e a aplicabilidade da norma estadual que lhe for contrária. Nesse ínterim, não há que se falar em revogação da lei estadual pela federal superveniente. Tanto é assim que, revogando-se a lei federal, a estadual volta a incidir, colmatando os vazios deflagrados pela anomia detectada no plano da União (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 577).

Inolvidável, contudo, que embora a Constituição se refira às normas federais e estaduais, obviamente as leis municipais se inserem nesse contexto. Portanto, se eventualmente inconstitucional a norma em debate, não basta apenas reconhecer a existência da norma federal. Carece, nesse sentido, que lhe seja decretada a inconstitucionalidade.

Na hipótese presente, contudo, há clara inconstitucionalidade.

Diga-se, ademais, que é direito da população comemorar o fim da escravatura e relembrar os heróis da luta contra essa trágica e primitiva prática vivenciada na história. A escravidão é uma chaga política que precisa ser expurgada da lembrança humana. É um crime contra a humanidade e a proclamação da liberdade e a devolução da cidadania efetiva de um povo afrontado é a catarse política que a data histórica pode evocar, para que cheguemos a ser respeitados como uma nação civilizada.

O que não se justifica, porém, é que se institua feriado, sem a observância das competências estabelecidas na Carta Federal, posto que a criação de feriados civis resulta de competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho.

Até que isso ocorra, impende ressaltar que, no STF, é histórico o entendimento de que a instituição de feriados constitui matéria afeta ao direito do trabalho, de competência privativa da União (CF, art. 22, I), circunstância que deixa indubitável a inconstitucionalidade da proposição do Legislativo Municipal.

Nem se argumente que o feriado instituído ostenta natureza religiosa e que constitui mera repetição dos feriados nacionais, posto que, como visto, a União, ao tratar do tema, incluiu em seus calendários apenas a data comemorativa, sem criar novo feriado, pelo que, exercendo a sua competência plena, a iniciativa municipal configura evidente atentado contra o pacto federativo, acarretando a inconstitucionalidade da norma vergastada.

Em face do exposto, julga-se procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.536, de 18 de outubro de 2013, com efeitos ex tunc. Prejudicada a ação direta n. 2013.071192-1, posto que possui idêntico objeto. Trasladar cópia desta decisão para àqueles autos.

Este é o voto.


Gabinete Des. Pedro Manoel Abreu - DAKF