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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2014.089488-8 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Domingos Paludo
Origem: Braço do Norte
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu May 07 00:00:00 GMT-03:00 2015
Juiz Prolator: Pablo Vinícius Araldi
Classe: Apelação Cível

 

Apelação Cível n. 2014.089488-8, de Braço do Norte

Relator: Des. Domingos Paludo

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ANOTAÇÃO INDEVIDA JUNTO AO CADASTRO DO SISBACEN, SISTEMA DE INFORMAÇÕES DE CRÉDITO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. PROVA DA BAIXA DE PENDÊNCIA, RELATIVA A CONTRATO DE FINANCIAMENTO, QUE INCUMBIA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. DANO MORAL QUE SE PRESUME. RECURSO PROVIDO.

O Sistema de Informações de Créditos (SCR), mantido pelo Banco Central do Brasil e regulamentado pela Resolução nº 3.658, é cadastro que possui viés de restrição ao crédito, já que disponível para consultas privadas.

As instituições financeiras, por determinação emanada do Banco Central (corresponsável solidário), registram as informações relativas a operações de crédito junto ao SCR, sendo-lhes atribuída a responsabilidade pelas inclusões, correções e exclusões de pendências relacionadas aos contratos de financiamento realizados com seus clientes.

Caracterizada a omissão da instituição financeira quanto ao dever de anotar a quitação de contrato de financiamento junto ao SCR, em relação ao qual havia parcelas pendentes - e que assim permaneceram no sistema, mesmo após o adimplemento -, presumíveis os prejuízos daí decorrentes, suportados pelo consumidor, em razão do abalo de crédito, de modo a configurar-se o dano moral, já sem razão jurídica.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.089488-8, da comarca de Braço do Norte (2ª Vara Cível), em que é apelante Alexandre Castro, e apelada BV Financeira S/A Crédito Financiamento e Investimento:

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por maioria de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Vencido o Relator, que votou no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Sebastião César Evangelista - Relator (com declaração de voto) -, Des. Raulino Jacó Brüning - Presidente - e Des. Domingos Paludo.

Florianópolis, 07 de maio de 2015.

Domingos Paludo

Relator DESIGNADO


RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos morais intentada por Alexandre Castro em face de BV Financeira S/A, fundamentada na omissão da instituição bancária quanto ao dever de promover a baixa de pendência, relativa a financiamento de automóvel, junto a sistema de informações mantido pelo Banco Central do Brasil.

A sentença, de fls. 74/77, julgou improcedentes os pedidos, sob o fundamento de que o autor não teria se desincumbido do ônus de demonstrar o fato constitutivo de seu direito - a efetiva inscrição -, não sendo razoável exigir da instituição financeira prova negativa, de que não teria inscrito o nome do autor em tal cadastro.

Em suas razões (fls. 80/84), o apelante aduz a comprovação nos autos de que teve seu nome incluído em "lista negra" pela instituição financeira apelada, não obstante a quitação do financiamento, mediante a entrega amigável do veículo. Sustenta que tal pendência vem lhe acarretando prejuízos decorrentes da negativa de crédito no mercado de consumo, razão por que pede a condenação da apelada a indenizar os danos morais daí decorrentes.

Com as contrarrazões às fls. 87/92-v, os auto vieram.

É o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos que regem a admissibilidade, conheço do recurso.

Insurge-se o apelante contra a sentença que, nos autos da ação de indenização por danos morais intentada por Alexandre Castro em face de BV Financeira S/A, julgou improcedentes os pedidos e extinguiu o processo com resolução de mérito, com fulcro no art. 269, inc. I, do CPC, porque não havia comprovação da efetiva inscrição, consignando a impossibilidade de inversão do ônus probatório, sob pena de se imputar à instituição financeira o dever de produzir prova impossível.

Diante das peculiaridades do caso, penso que é o caso de prover o recurso. Prova impossível é a que se está a exigir do consumidor: que comprove a inscrição no cadastro mantido junto ao SISBACEN. Quem possui acesso amplo ao sistema de informações e, por corolário, poderia produzir a prova que aqui se faz de rigor, necessária à adequada instrução do processo, é a própria instituição financeira, que, evidentemente, não tem o menor interesse de trazê-la, pois contra si.

O cadastro a que se faz alusão nestes autos, denominado Sistema de Informações de Créditos (SCR), é mantido pelo Banco Central do Brasil e foi regulamentado pela Resolução nº 3.658, de 17 de dezembro de 2008, tendo sido instituído em substituição ao sistema Central de Risco de Crédito (CRC), que datava do ano 2000. Tem por principais finalidades: i) prover informações ao BACEN para "fins de supervisão do risco de crédito a que estão expostas as instituições mencionadas no art. 4º" (art. 2º, inc. I); ii) propiciar o intercâmbio de informações entre as instituições, mencionadas no art. 4º - rol em que se inclui a apelada BV Financeira -, sobre o "montante de débitos e de responsabilidades de clientes em operações de crédito" (art. 2º, inc. II).

O art. 4º da Resolução nº 3.658, por sua vez, congrega rol extenso de instituições, que atuam junto ao Sistema Financeiro e têm o DEVER de remeter ao Banco Central do Brasil informações sobre as operações de crédito realizadas com seus clientes, operações estas que estão discriminadas no art. 3º da regulamentação:

Art. 3º São considerados operações de crédito, para fins de registro no SCR, os seguintes débitos e responsabilidades:

I - empréstimos e financiamentos;

II - adiantamentos;

III - operações de arrendamento mercantil;

IV - coobrigações e garantias prestadas;

V - compromissos de crédito não-canceláveis incondicional e unilateralmente pelas instituições mencionadas no art. 4º;

VI - operações baixadas como prejuízo e créditos contratados com recursos a liberar;

VII - demais operações que impliquem risco de crédito, inclusive aquelas que tenham sido objeto de negociação com retenção substancial de riscos e de benefícios ou de controle, de acordo com a Resolução nº 3.533, de 31 de janeiro de 2008.

E o art. 9º dá conta de que é responsabilidade das instituições financeiras proceder às inclusões e exclusões de informações do SCR, como também ali registrar as medidas judiciais e manifestações de discordância apresentadas pelos contratantes:

Art. 9º As informações remetidas para fins de registro no SCR são de exclusiva responsabilidade das instituições de que trata o art. 4º, inclusive no que diz respeito às inclusões, às correções, às exclusões, às marcações sub judice e ao registro de medidas judiciais e de manifestações de discordância apresentadas pelos contratantes.

Denota-se, assim, que a instituição financeira apelada tinha o dever - por determinação emanada do Banco Central do Brasil, órgão fiscalizador das instituições financeiras atuantes no País e principal executor das orientações do Sistema Financeiro Nacional, corresponsável objetiva e solidariamente, frente ao CDC, como todos os demais fornecedores do país, frente aos consumidores lesados por suas práticas e instruções - de registrar as informações relativas ao contrato de financiamento de veículo celebrado com o apelante junto ao SCR, tanto é que, quando da contestação, não negou a inserção dos dados, mas apenas asseverou "não haver inscrição do nome do autor junto ao BACEN" e que a "consulta realizada tem como base os últimos 13 meses e não há indício de inscrição em nome do cliente" (fl. 42).

Então, com base na imagem de fl. 63, informa não terem sido encontrados dados para o CPF do apelante, não havendo pendências junto ao sistema; esqueceu-se, contudo, que a data-base daquela informação é o mês de julho de 2013, quando a quitação do contrato se deu em fevereiro de 2012, cerca de um ano e meio antes - a prova da quitação do contrato está à fl. 14 e é fato sobre o qual não se controverte nos autos -.

E não se pode desconsiderar o que já foi dito quanto à obrigatoriedade de as instituições financeiras alimentarem o sistema com as informações relativas aos contratos que firmam com seus clientes, de modo que o documento de fl. 63 não leva a conclusão outra senão à que foram excluídos os dados referentes ao autor, provavelmente após a propositura da ação judicial e antes da obtenção do papel.

Claro que, se a apelada tinha o dever de registrar as informações relativas ao financiamento junto ao SCR, conforme arts. 3º, inc. I, e 4º da Resolução nº 3.658/2008, que ali deveriam ser mantidas pelo prazo de 60 meses, não haveria como "nada constar" em relação ao CPF do autor.

Desse modo, forçoso concluir que a apelada deveria ter trazido aos autos, assim como o fez à fl. 64 em relação ao Serasa e SPC, prova de que procedeu à baixa das pendências relativas ao contrato de financiamento do cadastro junto ao SISBACEN.

Por outro lado, quanto à prova exigida ao consumidor na espécie, e de cuja falta de produção decorreu a improcedência, observa-se que não obstante o art. 10 da Resolução nº 3.658 faça menção à possibilidade de consulta às informações do sistema pelas pessoas em geral, no que tange a seus próprios dados ali inseridos, verifica-se que o Banco Central criou obstáculos praticamente intransponíveis para que os consumidores tenham acesso ao sistema e, por conseguinte, às informações que lhes digam respeito (do site do Banco Central, extrai-se que seria necessário uma prévia habilitação pelo consumidor, que só pode ser feita pessoalmente ou por correspondência).

E fique, em testemunho da verdade da assertiva, claro que tentamos obter nossas próprias informações cadastrais, esbarrando sempre em dificuldades técnicas, que inviabilizaram o intento.

Era o caso, portanto, de ser invertido o ônus da prova, para que a instituição financeira trouxesse o detalhamento das informações sobre a pessoa do apelante existentes no SCR, pois o consumidor não tem como consegui-las, materialmente, diante dos obstáculos que o Banco Central, repita-se claramente, um fornecedor corresponsável, solidária e objetivamente, criou em prol dos fornecedores.

Sobre a inversão do ônus da prova, estabelecida no art. 6º, inc. VIII, do CDC, esclarece José Rogério Cruz e Tucci, citado por James Eduardo Oliveira:

"A meu ver, a hipossuficiência aí preconizada não diz com o aspecto de natureza econômica, mas com o monopólio da informação. Note-se que a clássica regra da distribuição do ônus da prova, no âmbito das relações de consumo, poderia tornar-se injusta pelas dificuldades da prova de culpa do fornecedor, em razão da disparidade de armas com que conta o consumidor para enfrentar a parte melhor informada. É evidente que o consumidor, em muitas hipóteses, não tem acesso às informações sobre as quais recairia todo o seu esforço para a prova dos fatos alegados. Ora, informação, na conjuntura social moderna, é sinônimo de poder. Daí por que, por simples questão de lógica, é que o autor fica, em princípio, dispensado de provar, carreando-se tal ônus ao produtor, que é quem possui o monopólio dos dados atinentes ao processo de fabricação" (JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, Código do consumidor e processo civil, RT 671/35). (Código de Defesa do Consumidor: anotado e comentado, doutrina e jurisprudência. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 113).

E, no mesmo norte, Sérgio Cavalieri Filho:

"Constatada a verossimilhança das alegações do consumidor ou a sua hipossuficiência, apenas admite como verdadeiros os fatos por ele alegados e o libera da produção da prova sobre os fatos constitutivos do seu direito, sem que sobre ele recaia a consequência da inexistência dos fatos alegados. A partir daí cabe ao fornecedor provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor. Não se trata, portanto, de transferir para o fornecedor o encargo de provar a veracidade das alegações do consumidor - o que importaria em obrigá-lo a produzir prova contra si mesmo -, mas de ter o fornecedor que provar a ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor. Em suma, admitidos como verdadeiros os fatos alegados pelo consumidor - presunção juris tantum -, cabe ao fornecedor desfazer essa presunção mediante a prova da ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos daqueles que foram alegados pelo consumidor" (SERGIO CAVALIERI FILHO, Programa de direito do consumidor, Atlas, 2008, p. 295). (OLIVEIRA. Ob. Cit., p. 118)

Pelas provas acostadas aos autos, extraio a verossimilhança necessária das alegações do autor - de que permaneceu com pendência em seu nome junto ao cadastro mantido pelo SISBACEN, não obstante houvesse quitado o contrato de financiamento de veículo -, bem como, pelo que já foi exposto, verifica-se que a prova imputada à instituição financeira apelada era possível e somente ela tinha acesso amplo a essas informações, de modo que não se desincumbiu do ônus de comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Ademais, desnecessário adentrar-se, no caso caso vertente, à controvérsia acerca do momento correto para se determinar a inversão dos ônus da prova - se poderia também fazê-lo quando da prolação da sentença, ou somente durante a instrução processual -, já que, pelo documento de fl. 63, verifica-se que tal prova não é mais possível, provavelmente em razão de as informações a respeito do autor já terem sido apagadas do sistema, em tempo útil à defesa.

Tenho por certo, assim, a existência da anotação negativa em nome do autor junto ao cadastro mantido pelo BACEN, de modo que fica caracterizado o dano moral e o consequente dever de indenizar, conforme tem entendido o Superior Tribunal de Justiça:

As informações fornecidas pelas instituições financeiras ao SISBACEN afiguram-se como restritivas de crédito, haja vista que esse sistema de informação avalia a capacidade de pagamento do consumidor de serviços bancários. O banco que efetuou a inclusão indevida do nome da autora nesse cadastro deve ser responsabilizado pelos danos morais causados. (REsp 1117319/SC, Ministra NANCY ANDRIGHI, j. 22/02/2011)

E mais recente:

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DE PESSOA JURÍDICA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES DO SISBACEN/SCR. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PROFERIDA EM LIMINAR EM AÇÃO REVISIONAL DETERMINANDO QUE A RÉ SE ABSTIVESSE DE INCLUIR OU MANTER O NOME DA AUTORA NO ROL DE "QUALQUER ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO". ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL. RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO QUANTUM. 1. O Sistema de Informações do Banco Central - Sisbacen, mais precisamente o Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, é cadastro público que tem tanto um viés de proteção do interesse público (como regulador do sistema - supervisão bancária), como de satisfação dos interesses privados (seja instituições financeiras - gestão das carteiras de crédito -, seja mutuários - demonstração de seu cadastro positivo). 2. Por óbvio que referido órgão deve ser tratado de forma diferente dos cadastros de inadimplentes como o Serviço de Proteção ao Crédito - SPC e o Serasa. Contudo, não se pode olvidar que ele também tem a natureza de cadastro restritivo de crédito, justamente pelo caráter de suas informações, tal qual os demais cadastros de proteção, pois visam a diminuir o risco assumido pelas instituições na decisão de tomada de crédito. 3. Observa-se, pois, que apesar da natureza de cadastro público, não tem como se desvincular de sua finalidade de legítimo arquivo de consumo para operações de crédito, voltado principalmente às instituições financeiras para que melhor avaliem os riscos na sua concessão à determinada pessoa, isto é, o crédito é justamente o objeto da relação jurídica posta. 4. A Lei n. 12.414/2011, chamada de lei do "cadastro positivo", apesar de disciplinar a formação e consulta a banco de dados com informações de adimplemento para histórico de crédito (art. 1°), estabelece que os bancos de dados de natureza pública terão regramento próprio (parágrafo único do art. 1°), o que, a contrario sensu, significa dizer que eles também são considerados bancos de dados de proteção ao crédito, os quais futuramente serão objeto de regulamentação própria. 5. Na hipótese, a informação do Sisbacen sobre o débito que ainda está em discussão judicial pode ter sido apta a restringir, de alguma forma, a obtenção de crédito pela recorrida, haja vista que as instituições financeiras, para a concessão de qualquer empréstimo, exigem (em regra, via contrato de adesão) a autorização do cliente para acessar o seu histórico nos arquivos do Bacen. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1365284/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. 18/09/2014) (grifos)

Diante de todo o exposto, o voto é no sentido de conhecer e prover o recurso, reconhecendo a anotação indevida do nome do consumidor junto ao SISBACEN, fixando a indenização por danos morais em R$ 10.000,00, corrigidos desde o arbitramento e com juros de mora de 1% ao mês, a contar do evento danoso (13/02/2012 - fl. 14). Invertidos os ônus da sucumbência, os honorários advocatícios ficam arbitrados em 15% sobre o valor da condenação.

É como voto.

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Sebastião César Evangelista.

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE SUPOSTA INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR NO SISBACEN - SISTEMA DE INFORMAÇÕES DO BANCO CENTRAL. FATO QUE TERIA CULMINADO NA REDUÇÃO DO SEU CRÉDITO. ASSERTIVAS DESPROVIDAS DE QUALQUER ELEMENTO COMPROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE PROVA DE SOLICITAÇÃO DE FINANCIAMENTO. DOCUMENTOS APÓCRIFOS QUE NÃO DÃO CREDIBILIDADE À TESE AUTORAL. INVIABILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI PARA A PROVA IMPOSSÍVEL. INEXISTÊNCIA DE MENÇÃO À OPERAÇÃO FINANCEIRA ESPECÍFICA. ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR. EXEGESE DO ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NEGATIVA DE CRÉDITO, ADEMAIS, QUE É EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. PONDERAÇÃO ENTRE COMPROVAÇÃO DE RENDIMENTOS, VALOR SOLICITADO, VALOR DA PARCELA E RISCO DE INADIMPLEMENTO. DEVER DE REPARAR NÃO CARACTERIZADO. RECUSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Dispõe o art. 333, do CPC, que incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Inviabilidade de inversão do onus probandi para a prova impossível, vez que o autor sequer referiu a uma operação de crédito específica, ou qualquer fato envolvendo data ou valores, a fim de que fosse possível a apresentação de prova em contrário pelo réu.

"Se, inversamente, do cotejo de provas, não é possível aferir-se a veracidade das alegações formuladas pela parte autora, somando-se ao fato de que a malsinada negativa da financiadora está consubstanciada em documento desprovido de assinatura por qualquer das partes, deve ser o pedido julgado improcedente." (Ap. Cív. n. 2012.091939-7, da Capital, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 12.12.2013).

Ousei divergir da douta maioria por considerar que estão ausentes as provas constitutivas de seu direito.

Na peça pórtica, a apelante alegou, em síntese, que teve o seu nome indevidamente inscrito em lista interna do Bacen a pedido do apelado, vez que efetuou o financiamento de veículo e, posteriormente, devolveu o bem, pois não dispunha de condições financeiras para quitar a dívida. Após tal transação, afirmou que as instituições financeiras estariam lhe negando a disponibilização de crédito. Acrescentou que dos fatos sobreveio abalo moral, do qual intenta seja indenizado.

Devidamente citado, o requerido apresentou contestação e requereu a improcedência do pedido inicial sustentando, em suma, a ausência de conduta ilícita e a inexistência de inscrição do nome do requerente em qualquer cadastro interno.

Antecipado o julgamento porque a prova necessária para a apreciação da matéria era eminentemente documental, reputando-se dispensável a produção de outras provas (CPC, art. 330, I). O Juízo a quo julgou improcedente a demanda, ao fundamento de que o autor deixou de fazer prova do fato constitutivo de seu direito (CPC, art. 333, I).

Feitas essas considerações, passa-se à análise do mérito.

2.1 Sabe-se que a Constituição Federal, nos termos do art. 5º, incs. V e X, igualmente, os arts. 186 e 927 do Código Civil, preveem o dever de indenizar o dano eminentemente moral. E, nessas situações, o Código de Defesa do Consumidor adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, independentemente de culpa em sentido estrito, sendo que para caracterizar o ato ilícito basta a existência de dano e nexo de causalidade.

Entretanto, na hipótese em exame, a responsabilidade civil da apelante, ainda que objetiva por força da aplicação do Código consumerista, deve ser afastada, pois sequer restou comprovado a existência de fato constitutivo do direito do autor.

Sobre o tema, transcreve-se as decisões proferidas pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE SUPOSTA EXISTÊNCIA DE "LISTA NEGRA" MANTIDA PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ASSERTIVA DESPROVIDA DE QUALQUER ELEMENTO COMPROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE CADASTRO NOS ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. ADEMAIS, NEGATIVA DA FINANCIADORA SEQUER PROVADA NOS AUTOS. ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR. EXEGESE DO ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DEVER DE REPARAR NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.

I - Para ver sua pretensão atendida, tem o autor o ônus de demonstrar a veracidade de seus articulados, comprovando satisfatoriamente os argumentos trazidos à baila na petição inicial (causa petendi), pois, segundo exegese do art. 333, I, do Código de Processo Civil, incumbe-lhe a prova dos fatos constitutivos de seu direito.

II - Se, inversamente, do cotejo de provas, não é possível aferir-se a veracidade das alegações formuladas pela parte autora, somando-se ao fato de que a malsinada negativa da financiadora está consubstanciada em documento desprovido de assinatura por qualquer das partes, deve ser o pedido julgado improcedente. (Ap. Cív. n. 2012.091939-7, da Capital, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 12.12.2013).

A teor do que prevê o inc. I do art. 333 do CPC, cabe à parte autora a prova do fato constitutivo de seu direito. É cediço que a comprovação de anotação em cadastros de proteção ao crédito é documental, cabendo ao autor trazê-la aos autos quando do ajuizamento da ação. Entretanto, ao compulsar o caderno processual, constatou-se que nele não foi acostada a prova da negativa de crédito pelas instituições financeiras, já que o requerente estaria com pendências junto ao Bacen em decorrência de financiamento com a parte ré.

Ovídio A. Baptista da Silva, sobre o assunto leciona:

Como todo direito se sustenta em fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto, estabelecer como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determinado fato para dele derivar a existência de algum direito, incumbe o ônus de demonstrar sua existência. Em resumo, cabe-lhe o ônus de produzir a prova dos fatos por si mesmo alegados como existentes. (Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 344).

Sobre o tema, ensina Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

O CPC, ao distribuir o ônus da prova, levou em consideração três fatores: a) a posição da parte na causa (se autor, se réu); b) a natureza dos fatos em que funda sua pretensão/exceção (constitutivo, extintivo, impeditivo ou modificativo do direito deduzido); c) e o interesse em provar o fato. Assim, ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo deste mesmo direito (art. 333, CPC).

[?]

O fato constitutivo é o fato gerador do direito afirmado pelo autor em juízo. Compõe um suporte fático que, enquadrado em dada hipótese normativa, constitui uma determinada situação jurídica, de que o autor afirma ser titular. E como é o autor que pretende o reconhecimento deste seu direito, cabe a ele provar o fato que determinou seu nascimento e existência. (Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. 3. ed., Salvador: JusPodium, 2008. p. 76).

Sendo assim, cabia ao autor comprovar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I, do CPC), ônus que não se desincumbiu.

Nesse contexto colhem-se julgados deste Tribunal:

Na forma do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, o ônus da prova, quanto ao fato constitutivo de seu direito, é do autor da ação. À falta de prova dos fatos articulados, impossível julgar-se a lide a favor de quem a propôs. (Ap. Cív. n. 2012.078087-5, de Forquilhinha, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 29.11.2012).

No direito processual civil, cabe ao autor a comprovação, de forma indelével, do fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil. (Ap. Cív. n. 2011.033459-6, rel. Des. Fernando Carioni, j. 28.6.2011).

Ressalte-se que, embora a relação das partes seja de consumo, o que comportaria, em tese, a inversão do ônus da prova, no caso, é inviável tal medida, vez que o autor sequer referiu a uma operação de crédito específica, ao período em que tentou contratar as instituições, a fim de que fosse possível a apresentação de prova em contrário pela ré. Limitou-se a dizer que "não consegue efetuar nenhuma compra em nenhuma instituição financeira, sendo que pelas mesmas é alegado que o requerente possui pendências junto ao Bacen pelo financiamento ocorrido" (fl. 3).

Registre-se que o documento impresso pelo site do Banco Santander Financiamentos (fl. 16) não faz tal prova como quer fazer crer a recorrente; contém apenas os dados do cliente, dados residenciais, dados profissionais, referências pessoais e status da proposta não aprovada, sequer indica as pretensões de crédito que lhe foram negadas pela referida instituição. O documento de fl. 64 não se presta para comprovar que o autor possui pendências financeiras junto ao Bacen, órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro brasileiro, indicando apenas que o contrato n. 12090000063820 foi enviado para reabilitação no Serasa, no dia 17.2.2012, e reabilitado no Serasa e no SPC, em 18.2.2012. Na mesma linha vem o documento de fl. 17, já que é apócrifo e não dá credibilidade à tese autoral.

Ademais, ainda que se considerasse tais documentos e existisse prova acerca da aludida inclusão do nome do autor no Bacen, não há no caderno probatório qualquer documento que indique que a suposta inscrição do nome do autor junto ao Bacen tenha sido providenciada pela instituição bancária ré.

Não bastasse isso, a situação fática descrita pelo requerente na exordial não se constitui ofensa moral hábil a ensejar responsabilidade civil e a consequente compensação pecuniária, vez que as instituições financeiras podem recusar, por mera liberalidade, as propostas de quem não se enquadra em seus padrões para aprovação de crédito. Nessa toada, o documento de fl. 16 não se presta como prova da restrição ao crédito do autor, por decorrência de suposta lista interna da instituições financeiras.

Esses, respeitosamente, os motivos do dissenso.

Florianópolis, 17 de junho de 2014.

Sebastião César Evangelista

DESEMBARGADOR


Gabinete Des. Domingos Paludo