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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2013.057957-4 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Gilberto Gomes de Oliveira
Origem: Lages
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: Thu Jun 12 00:00:00 GMT-03:00 2014
Juiz Prolator: Ricardo Alexandre Fiuza
Classe: Agravo de Instrumento

 

Agravo de Instrumento nº 2013.057957-4, de Lages

Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira

INVENTÁRIO. SUCESSÕES.

DECISÃO QUE ESTIPULOU A INCIDÊNCIA DO ART. 1.790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL, COM A DETERMINAÇÃO DE HABILITAÇÃO DOS PARENTES COLATERAIS DO AUTOR DA HERANÇA. EQUÍVOCO EVIDENCIADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1.829, INCISO III, E ART. 1.838, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL, A FIM DE VEDAR A DISTINÇÃO ENTRE CÔNJUGE E COMPANHEIRA SOBREVIVENTES PARA FINS SUCESSÓRIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Com a promulgação da Constituição de 1988 e a elevação da união estável à condição de entidade familiar para conferir-lhe maior proteção do Estado, pode-se falar que a família é gênero, de que são espécies o casamento e a união estável.

A distinção aos direitos sucessórios dos companheiros - inciso III do art. 1.790 do Código Civil - viola o princípio constitucional da igualdade, uma vez que confere tratamento desigual àqueles que, casados ou não, mantiveram relação de afeto e companheirismo durante certo período de tempo, inclusive, contribuindo para o desenvolvimento econômico da entidade familiar.

Os Tribunais pátrios têm admitido a aplicação do art. 1.829 do Código Civil não só para a cônjuge, mas, também, para a companheira, colocando-as em posição de igualdade na sucessão.

RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2013.057957-4, da comarca de Lages (Vara da Infância e Juventude), em que é agravante Sita Clara Werncke de Andrade, e agravado Espólio de Normando Domingos Moraes:

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Trindade dos Santos, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Monteiro Rocha.

Florianópolis, 12 de junho de 2014.

Gilberto Gomes de Oliveira

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de agravo, por instrumento, interposto por Sita Clara Werncke de Andrade da decisão do Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Lages que, nos autos do inventário dos bens deixados por Normando Domingos Moraes (039.13.000259-1), determinou a habilitação dos parentes colaterais do autor da herança com fundamento no art. 1790, inciso III, do Código Civil.

Expõe, para tanto, que viveu maritalmente com o de cujus durante 22 (vinte e dois) anos e que inexiste qualquer oposição da família do companheiro em relação à natureza do relacionamento ou mesmo pretensão de dividir o patrimônio por ele deixado.

Defendeu que deve ser concedido à companheira o mesmo tratamento sucessório conferido ao cônjuge sobrevivente por conta da equiparação entre união estável e casamento efetivada pela Constituição Federal.

Diante disso, requereu a concessão de efeito suspensivo e a reforma da decisão proferida com a permissão para que figure no inventário como única herdeira.

Negado o efeito suspensivo pretendido (fls. 146/148), a Procuradoria-Geral de Justiça não se manifestou acerca do mérito por entender inexistir interesse público tutelável (fls. 154/155).

Este é o relatório.


VOTO

1. Presentes os pressupostos admissibilidade, conheço do recurso.

Oportuno consignar que, em sede de recurso de agravo de instrumento, cabe ao Relator tão somente a análise da questão no que diz respeito ao acerto ou desacerto da decisão recorrida, sem, contudo, esgotar a discussão da matéria, sob pena de supressão de instância.

2. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra o interlocutório de fl. 22 que, nos autos da ação de inventário nº 039.13.000259-1, determinou a habilitação dos parentes colaterais do autor da herança, em estrita observância ao art. 1.790, inciso III, do Código Civil, ao passo que a agravante pretende participar do feito como única herdeira por entender que a Constituição Federal equiparou a união estável ao casamento, inclusive para fins sucessórios.

Inicialmente, impende destacar que, muito embora a agravante tenha argumentado que havia lei própria regulamentando o direito sucessório da companheira por ocasião do início da união estável mantida (no ano de 1990 - fl. 11), a sucessão é regida pela lei vigente à época da abertura da sucessão (art. 1.787 do Código Civil), o que ocorreu em 14.12.2012 (fl. 60). Assim, é de se observar o regramento sucessório contido no Código Civil de 2002.

No que respeita à aplicação (ou não) da regra prevista no art. 1.790, inciso III, do CC, há que se reconhecer que o tema exige séria reflexão, à vista do que dispõe a regra contida no art. 1.829, inciso III, da mesma Lei.

Vejamos:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

E:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Em análise destas disposições legais, conclui-se que o companheiro não está alçado à condição de herdeiro necessário; participa apenas dos bens adquiridos na constância da união estável; na hipótese de concorrência com os descendentes exclusivos do de cujus, terá direito apenas à metade do que cada um receber; inexistindo descendentes ou ascendentes, terá direito à um terço da herança, permanecendo o restante com demais parentes (colaterais); e, por fim, somente terá direito à totalidade da herança se não houver parentes sucessíveis.

De outro lado, o cônjuge integra o rol dos herdeiros necessários; participa de todos os bens adquiridos; concorre com os descendentes do de cujus, recebendo a herança em igual proporção; na falta de descendentes, tem direito à um terço da herança, permanecendo o restante com os ascendentes, e, se existir apenas um deles, ser-lhe-á entregue a metade da herança (art. 1.836 e art. 1.837, ambos do Código Civil); e, finalmente, na falta de ascendentes ou descendentes receberá a totalidade da herança, sendo irrelevante a existência de outros parentes sucessíveis (art. 1.838 do Código Civil).

No caso, a discussão diz respeito exatamente ao direito ou não de Sita Clara Werncke de Andrade herdar a totalidade da herança deixada por Normando Domingos Moraes, que não deixou descendentes ou ascendentes, apenas colaterais.

Este Tribunal de Justiça já enfrentou esta matéria.

A Terceira Câmara de Direito Civil, Órgão Fracionário desta Corte que detém os julgamentos acerca da matéria, firmou posicionamento no sentido de repudiar o preconceito aos companheiros, aplicando o art. 1.829 do Código Civil, seja para a sucessão que envolva o cônjuge, seja para a sucessão que envolva companheiro.

Cite-se, para exemplificar, o agravo de instrumento nº 2007.006153-5, julgado na data de 30 de setembro de 2008, precedente de lavra do rel. Des. Marcus Tulio Sartorato:

PROCESSUAL CIVIL. INVENTÁRIO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO DE ATRIBUIÇÃO DA QUALIDADE DE ÚNICA HERDEIRA À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. DESNECESSIDADE DE REPARO. DIREITO QUE SOMENTE PODERÁ SER RECONHECIDO MEDIANTE AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. INTERLOCUTÓRIO QUE DETERMINAVA COM ABSOLUTO DESACERTO A INCIDÊNCIA DO ART. 1790 DO CÓDIGO CIVIL CASO HOUVER DIREITO SUCESSÓRIO DA AGRAVADA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 1829, III, DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL QUE VEDA A DISTINÇÃO ENTRE CÔNJUGE E COMPANHEIRA PARA FINS SUCESSÓRIOS. INTELIGÊNCIA, ADEMAIS, DO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDENADO O PROSSEGUIMENTO DO INVENTÁRIO. EQUÍVOCO RECONHECIDO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DECLARATÓRIA JÁ EM TRAMITAÇÃO, PROPOSTA PELA ORA AGRAVANTE. EXEGESE DO ART. 265, IV, "A", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Os tribunais pátrios têm admitido a aplicação do art. 1.829 do Código Civil não somente para a cônjuge, como também para a companheira, colocando ambas em posição de igualdade na sucessão.

2. Mostra-se adequada a suspensão do inventário quando a decisão a ser proferida em ação declaratória de união estável tem a possibilidade de alterar completamente os herdeiros. Caso comprovada a existência de união estável, o direito sucessório da companheira exclui o dos sobrinhos do de cujus (destacou-se)

Perfilham de igual entendimento os Des. Paulo Roberto Costa, Jaime Luiz Vicari (Agravo de instrumento nº 2007.035282-1); Fernando Carioni e Maria do Rocio Luz Santa Ritta (Agravo de instrumento nº 2007.006153-5); e, por fim, a Des.ª Salete Silva Sommariva (Apelação cível nº 2007.017209-6).

Esta linha de pensamento também é encontrada nos Tribunais dos Estados do Rio Grande do Sul (Agravos nº 70020389284 e nº 70017169335), São Paulo (Agravo nº 994.09.278626-9) e Paraná.

O Tribunal de Justiça do Estado Paraná, inclusive, por seu Órgão Especial e por maioria de votos, na data de 04 de dezembro de 2009, julgou o incidente processual nº 0536589-9/01, reconhecendo a inconstitucionalidade do artigo 1.790, inciso III, do Código Civil, por flagrante e manifesta afronta ao art. 226, § 3º, da Constituição Federal.

Redigiu-se a seguinte ementa:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. ARTIGO 1.790, III, DO CÓDIGO CIVIL. INQUINADA AFRONTA AO ARTIGO 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE CONFERE TRATAMENTO PARITÁRIO AO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL EM RELAÇÃO AO CASAMENTO. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO COLENDO ÓRGÃO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE LEI INFRACONSTITUCIONAL DISCIPLINAR DE FORMA DIVERSA O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. ELEVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL AO "STATUS" DE ENTIDADE FAMILIAR. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. CONHECIMENTO DO INCIDENTE, DECLARADO PROCEDENTE.

1. Inconstitucionalidade do artigo 1.790, III, do Código Civil por afronta ao princípio da igualdade, já que o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal conferiu tratamento similar aos institutos da união estável e do casamento, ambos abrangidos pelo conceito de entidade familiar e ensejadores de proteção estatal.

2. A distinção relativa aos direitos sucessórios dos companheiros viola frontalmente o princípio da igualdade material, uma vez que confere tratamento desigual àqueles que, casados ou não, mantiveram relação de afeto e companheirismo durante certo período de tempo, tendo contribuído diretamente para o desenvolvimento econômico da entidade familiar.

Mas, este posicionamento não é unânime entre os jurisconsultos.

Enquanto uma parcela da jurisprudência enquadra essa disparidade como inconstitucional, como visto acima, outra parte não reconhece este vício, ao argumento que o § 3º do art. 226 da Constituição Federal - "para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" - trouxe direitos aos casais que mantêm união estável, porém, não os igualou aos que se uniram através do laço do casamento, admitindo-se, por esta razão, que a legislação dê mais privilégios ao cônjuge do que ao companheiro. Esta é exatamente a corrente adotada pelo magistrado a quo.

Vale citar, como exemplo, o voto da Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Dr.ª Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do REsp nº 736.627-PR:

(...) Contudo, a Constituição Federal em seu art. 226, § 3°, coloca a união estável 'em plano inferior ao do casamento', 'tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele' (cfr. a interpretação do STF, no MS n° 21.449/SP, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 17/11/1995, p. 39206, RTJ 163-01/116), pelo que a primeira não pode conferir mais direitos do que o segundo. Por isso, o art. 5° da Lei nº 9.278/96 deve ser interpretado conforme a Constituição, razão pela qual não se pode aplicar o regime de bens nele previsto a todo e qualquer tipo de união estável, sob pena de se conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento civil, como demonstrado na hipótese acima, em evidente contradição com a finalidade determinada pela Constituição Federal.

A matéria em questão é tão relevante no plano fático e jurídico a ponto de haver Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional (nº 4944/05), propondo a revogação do art. 1.790 e a alteração do art. 1.829, do Código Civil, afigurando-se oportuna a transcrição da justificativa apresentada pelo autor do Projeto, deputado Antônio Carlos Biscaia:

O presente Projeto de Lei nos foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito das relações de família e na resolução de seus conflitos.

A adaptação do Projeto do Código Civil às normas da Constituição Federal, notadamente quanto à qualificação como entidade familiar da união estável, intentada no Senado Federal, não se consumou, inteiramente, máxime no que concerne aos direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro, resultando em redação confusa, que tem atormentado os aplicadores do direito. Por força do art. 226 da Constituição Federal, não pode o legislador infraconstitucional tratar desigualmente o companheiro, em relação ao cônjuge, porque não há hierarquia entre eles na vocação hereditária e até porque a união estável não compete com a união conjugal.

Deve-se abolir qualquer regra que corra em sentido contrário à equalização do cônjuge e do companheiro, conforme revolucionário comando constitucional que prescreve a ampliação do conceito de família, protegendo de forma igualitária todos os seus membros, sejam eles os próprios partícipes do casamento ou da união estável, como também os seus descendentes. A equalização preconizada produzirá a harmonização do Código Civil com os avanços doutrinários e com as conquistas jurisprudenciais correspondentes, abonando quase um século de vigoroso acesso à justiça e de garantia da paz familiar.

Assim sendo, propugna-se pela alteração dos dispositivos nos quais a referida equalização não esteja presente. O caminho da alteração legislativa, nesses casos, se mostra certamente imprescindível, por restar indene de dúvida que a eventual solução hermenêutica não se mostraria suficiente para a produção de uma justiça harmoniosa e coerente, senão depois de muito tempo, com a consolidação de futuro entendimento sumulado, o que deixaria o indesejável rastro, por décadas quiçá, de se multiplicarem decisões desiguais para circunstâncias jurídicas iguais, no seio da família brasileira.

Este Juízo, por ocasião do exame da Apelação nº 2007.025479-0, inclusive, já analisou as regras aplicáveis ao direito sucessório do companheiro, hipótese em que o companheiro concorria com um descendente comum e um descendente só do autor da herança (art. 1.790, incisos I e II, do Código Civil). No julgamento, ocorrido na data de 26 de março de 2010, participou com votos vencedores os Des. César Abreu e Jorge Luiz de Borba, sendo oportuno, para a formação de convencimento, transcrever o seguinte excerto do acórdão:

(...) Inobstante isto, a doutrina aponta 02 (duas) possibilidades para o partilhamento da herança: 1ª. Considerar todos os filhos como se fossem comuns, para dar ao companheiro cota igual; ou, 2ª. Considerar todos os filhos exclusivos, para restringir a cota do companheiro à metade (...)

Em face da dualidade de posicionamentos por omissão da norma, penso que a solução mais consentânea será restringir a cota do companheiro à metade, considerando os 02 (dois) descendentes como se fossem só do autor da herança, na forma do art. 1.790, inciso II, do Código Civil.

Isto porque, consoante recentes construções jurisprudênciais, em virtude das inúmeras críticas dirigidas aos artigos 1.790 e 1.829 do Código Civil, certamente será necessária a reforma desta extensão legal, a fim de equilibrar o desejo do Legislador, no que toca à sucessão do companheiro e do cônjuge.

É verdade, não é o caso de declaração de inconstitucionalidade, mas, antes, de adequação da norma ao caso concreto, buscando a solução que melhor distribua a justiça - no caso, manter a igualdade de quinhões hereditários entre os filhos em prejuízo da companheira - uma vez que as 'atuais disposições se apresentam de modo confuso, pois ora se privilegia o companheiro em detrimento do cônjuge, ora se confere mais direitos àqueles unidos pelo matrimônio que aos conviventes' (TJDFT. Apelação Cível nº 2006.05.1.004528-7. Rel. Des. Mário-Zam Belmiro. J. 12.08.2009). Dispensando um tratamento igualitário entre os herdeiros, portanto, a companheira concorrerá com os descendentes, mas, como visto, terá direito à metade da cota de cada um deles (art. 1790, inciso II, do Código Civil).

Pois bem. Analisando as 02 (duas) correntes de entendimento, e sopesando os aspectos do caso concreto, tenho que razão assiste aos que defendem a primeira proposição, devendo-se, portanto, abolir qualquer regra que trilhe em sentido contrário ao da paridade entre o cônjuge e o companheiro no direito sucessório, conforme o princípio constitucional que prescreve a ampliação do conceito de família: "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (caput do art. 226 da CF).

Note-se que não há distinção entre os casados e os não-casados.

Faço isto escorado no entendimento que, "com a promulgação da Constituição de 1988 e a elevação da união estável à condição de entidade familiar para conferir-lhe maior proteção do Estado, pode-se falar que a família é gênero, de que são espécies o casamento e a união estável" (Apelação Cível nº 2008.063810-2, desta Relatoria, julgada em 22.03.2.010, com votos vencedores os Des. César Abreu e Jorge Luiz de Borba).

A previsão contida no § 3º do art. 226 da CF, no sentido que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, para àqueles que defendem o tratamento desigual entre os institutos jurídicos da união estável e o casamento, em verdade, "trata-se apenas de um comando com o objetivo de agilizar os procedimentos para aqueles que, interessados em contrair o matrimônio, não se vissem desestimulados pelas formalidades que a legislação exige" (Apelação cível nº 2007.017209-6, da Capital. j. 28.11.2.007).

A propósito, colhe-se da doutrina:

Nem se diga que a determinação constitucional de que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento (CF, art. 226, § 3º) estaria a indicar uma hierarquia entre as diversas espécies de famílias, havendo superioridade (e, portanto, maior proteção) daquela formada pelo casamento. Em nenhum lugar foi feita tal afirmação no Texto Constitucional! A Lei Maior se limita a determinar que seja facilitada, para os que assim o desejarem, essa conversão da união livre em casamento. E só! De modo nenhum essa determinação pode ser entendida como demonstração de supremacia do casamento sobre a união estável, mas tão-somente como o respeito à liberdade de escolha, para que aqueles que se sentem mais confortáveis com o casamento possam contraí-lo sem maiores dificuldades. (DANTAS JÚNIOR, Aldemiro Rezende. op. cit. p. 139).

Cabe consignar, outrossim, que primar pela aplicação literal da regra prevista no art. 1.790, inciso III, do Código Civil, além de afrontar o princípio da equidade, viola o princípio da vedação do enriquecimento sem causa - expressamente coibido pelo ordenamento jurídico vigente -, o que, na hipótese dos autos, ocorreria por parte dos irmãos do autor da herança em detrimento à companheira, que com o falecido conviveu participando - direta ou indiretamente - para a aquisição do patrimônio comum.

Em resumo de tudo, então, diante da inaplicabilidade do art. 1.790, inciso III, do Código Civil, repita-se, tendo em vista que a Constituição Federal veda a distinção entre o cônjuge e o companheiro sobreviventes, por analogia, deve-se aplicar na partilha o art. 1.829, inciso III, combinado com o art. 1.838, também do Código Civil, porquanto caracterizada a condição de Sita Clara Werncke de Andrade como companheira de Normando Domingo Moraes. Não apenas houve o casamento religioso (fl. 28), como também foi a agravante a declarante do óbito (fl. 60), do que se conclui que a união perdurou até o falecimento do autor da herança.

Diante deste quadro peculiar, ouso divergir daqueles que perfilham do entendimento contrário acolhendo a insurgência da parte agravante para, em consequência, dispensar a habilitação dos parentes colaterais do autor da herança, de modo que haja prosseguimento do inventário figurando a agravante como única herdeira.

Este é o voto.


Gabinete Des. Gilberto Gomes de Oliveira 10