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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2013.053581-9 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Stanley da Silva Braga
Origem: Capital
Orgão Julgador: Grupo de Câmaras de Direito Público
Julgado em: Wed Jun 11 00:00:00 GMT-03:00 2014
Classe: Mandado de Segurança

 

Mandado de Segurança n. 2013.053581-9, da Capital

Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. DESCLASSIFICAÇÃO MOTIVADA PELA EXTENSÃO DOS EFEITOS DE PUNIÇÃO APLICADA A EMPRESA DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SUSPENSÃO DO DIREITO DE LICITAR. POSSIBILIDADE NO CASO. INCIDÊNCIA DO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO EXPANSIVA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PESSOAS JURÍDICAS QUE SE CONFUNDEM, MORMENTE QUANTO AOS SÓCIOS, PROCURADORES E ENDEREÇO. PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO EM OUTRO FEITO ENVOLVENDO A EMPRESA IMPETRANTE. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CONHECIMENTO SOBRE AS IRREGULARIDADES APURADAS E A IMINÊNCIA DA PUNIÇÃO. OPORTUNIDADE DE MANIFESTAR-SE NA VIA ADMINISTRATIVA. INÉRCIA DA INTERESSADA. PUNIÇÃO QUE SE REVELA CORRETAMENTE APLICADA EM RAZÃO DA GRAVIDADE DAS FALTAS APURADAS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. EXEGESE DO ARTIGO 87, III, DA LEI N. 8.666/1993. SEGURANÇA DENEGADA.

1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular" (RMS n. 15166/BA, rel. Min. Castro Meira, DJ de 8-9-2003). E é justamente o que se verifica ter ocorrido na hipótese.

2. "A aplicação da proibição de contratar com a administração pública não teria efeito prático algum se fosse permitido que os sócios burlassem a lei, mediante a constituição ou utilização de outra sociedade, com o mesmo objeto comercial, para, assim, continuarem a participar das licitações" (TRF5 - Apelação Cível n. 549737/AL, rel. Des. Francisco Barros Dias, Data da Publicação DJE 13-12-2012).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança n. 2013.053581-9, da comarca da Capital (Tribunal de Justiça), em que é impetrante White Martins Gases Industriais Ltda., e impetrado Secretário de Estado da Saúde de Santa Catarina:

O Grupo de Câmaras de Direito Público decidiu, por maioria dos votos, denegar a segurança. Vencido o Exmo. Sr. Des. Cesar Abreu. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participaram o Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, o Exmo. Sr. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, o Exmo. Sr. Des. Cesar Abreu, o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos, o Exmo. Sr. Des. João Henrique Blasi, o Exmo. Sr. Des. Rodrigo Cunha, o Exmo. Sr. Des. Ricardo Roesler, o Exmo. Sr. Des. Jorge Luiz de Borba, o Exmo. Sr. Des. Carlos Adilson Silva e o Exmo. Sr. Des. Francisco Oliveira Neto. Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Hercília Regina Lemke.

Florianópolis, 11 de junho de 2014.

Stanley da Silva Braga

Relator


RELATÓRIO

White Martins Gases Industriais Ltda. impetrou mandado de segurança contra ato acoimado de ilegal praticado pela Secretaria de Estado de Saúde de Santa Catarina consubstanciado na sua desclassificação do Pregão Presencial n. 1.185/2012, cujo objetivo era contratar empresa para prestação de serviços de oxigenoterapia domiciliar e ventilação assistida a pacientes do Estado.

Relatou que, ao apreciar o recurso interposto por outra participante do certame, a Pregoeira decidiu desclassifica-la em razão da sanção aplicada a empresa de seu grupo econômico, a White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda., e essa decisão foi endossada pela autoridade impetrada.

Alegou a nulidade ou ineficácia jurídica do ato, tendo em vista que estendeu os efeitos da punição sem conferir-lhe oportunidade de se manifestar nos procedimentos administrativos que culminaram com a sua aplicação, bem como no processo licitatório, o que teria lesado os seus direitos ao contraditório e à ampla defesa. Disse que a medida também violou a Lei do Processo Administrativo, que garante ao administrado o direito de manifestar-se e apresentar documentos antes da decisão.

Argumentou, outrossim, que a sanção não lhe poderia ser estendida porque é empresa diversa da White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda.

Pediu pela outorga de medida liminar para determinar: a) a suspensão do ato de retomada da sessão do Pregão n. 1.185/2012 ou, caso já praticado, da licitação no estado em que se encontre ou do contrato porventura firmado com outra empresa; e b) a homologação do resultado do pregão com a sua contratação, ou que a Secretaria de Estado da Saúde se abstenha de negar-lhe o direito de ser contratada sob o fundamento de que estaria suspenso o seu direito de licitar e contratar com o Estado de Santa Catarina. Propugnou, ainda, pela aplicação de multa pelo descumprimento da decisão e pela concessão da segurança na sentença de mérito.

Deferida parcialmente a liminar para determinar a suspensão do ato de retomada da sessão do Pregão n. 1.185/2012, a impetrante apresentou pedido de ampliação dos seus efeitos, cuja análise foi postergada para após as informações. Diante dessa decisão, pediu urgência na apreciação do pleito, mas não obteve sucesso.

A empresa Air Liquide Brasil Ltda., na qualidade de litisconsorte passiva e terceira prejudicada, tendo em vista a sua classificação como segunda colocada no certame licitatório em questão, interpôs agravo regimental contra o deferimento parcial do pedido de liminar.

Postulou, inicialmente, o indeferimento da exordial em razão da falta de interesse de agir da autora da ação mandamental, porquanto incabível a via eleita diante da possibilidade de recorrer administrativamente contra a sua desclassificação ou punição, o que também evidencia a ausência do fumus boni iuris.

Afirmou que é flagrante a possibilidade de estender-se à impetrante a punição aplicada a empresa de seu grupo econômico, da qual é sócia majoritária e controladora, pois apenas utilizou outro CNPJ na licitação para ocultar "fatos e problemas gerados na prestação de serviços" (fl. 293). Além disso, as empresas possuem os mesmos diretores, representantes, procuradores, advogados e endereço no Estado de Santa Catarina, e, portanto, seria evidente que a impetrante tinha conhecimento sobre a prestação do contrato pela empresa pertencente ao seu grupo econômico.

Acrescentou que a manutenção da outorga da medida liminar seria prejudicial para inúmeros pacientes e que já demonstrou ter conhecimento e capacidades suficientes para a prestação do serviço. Por conseguinte, asseverou que o periculum in mora é inverso diante da continuidade da prestação do serviço por empresa inidônea. Ao final, demandou a reconsideração do ato decisório agravado ou, sucessivamente, o provimento do recurso para revogá-lo.

Instada, a agravada apresentou contrarrazões.

Vieram as informações da Secretaria de Estado da Saúde, nas quais afirmou ter observado corretamente o contraditório e a ampla defesa nos processos administrativos que culminaram com a aplicação da penalidade aplicada, o que fez com azo na legislação.

Enfatizou a ligação direta havida entre a impetrante e a empresa White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda., bem como o fato de continuar a receber reclamações quanto ao serviço prestado, inclusive com o relato de "óbito de paciente, cuja instalação estava autorizada por esta Pasta e não chegou a ser efetivada" (fl. 441). Pediu pela reforma da decisão concessiva da tutela de urgência.

Na sequência, a empresa litisconsorte passiva se manifestou, reiterando, em suma, os argumentos de seu recurso de agravo regimental.

Por sua vez, o Estado de Santa Catarina também agravou da decisão que deferiu parcialmente o pedido de liminar. Ressaltou o perigo de demora inverso e a regularidade da punição estendida à impetrante.

Ato contínuo, a autoridade impetrada trouxe novas informações e ratificou as anteriores, o que foi seguido por manifestação da autora da ação mandamental.

Na sessão do dia 11 de setembro de 2013, o egrégio Grupo de Câmaras de Direito Público analisou os recursos de agravo interpostos e, por votação unânime, deu-lhes provimento, cassando a liminar concedida e determinando o prosseguimento do Pregão n. 1.185/2012.

A impetrante opôs embargos de declaração contra o aresto e a Air Liquide Brasil Ltda. Informou fato novo consistente na conclusão do certame licitatório, no qual foi vencedora, e do qual a White Martins Gases Industriais Ltda. participou, em afronta à decisão que cassou a outorga da liminar.

Ambos foram rechaçados por decisão do colegiado.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Guido Feuser, que opinou no sentido de conceder a segurança (fls. 789-794).

Este é o relatório.


VOTO

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por White Martins Gases Industriais Ltda. contra o ato que a desclassificou do Pregão Presencial n. 1.185/2012 ao estender-lhe os efeitos de sanção aplicada a outra empresa do mesmo grupo econômico.

Desde logo, é importante registrar a existência de outros mandados de segurança impetrados pela autora desta ação mandamental, cuja questão de fundo se assemelha com a do presente.

No MS n. 2013.055573-2, a empresa buscou, de forma preventiva, afastar a punição que lhe foi estendida para poder participar de certames licitatórios, enquanto no MS n. 2013.083753-1 insurgiu-se contra o ato que habilitou a Air Liquide Brasil Ltda. como vencedora no mesmo procedimento licitatório do presente feito (Pregão Presencial n. 1.185/2012).

Em consulta ao andamento dos feitos no Sistema de Automação do Judiciário - SAJ verifica-se que, neste último, houve decisão pelo indeferimento da exordial, a qual foi modificada em sede de agravo inominado, apenas para determinar o prosseguimento do feito, sem a outorga do pedido de liminar e o agravo regimental interposto pela empresa foi desprovido, com voto da lavra deste Relator, cuja ementa segue transcrita:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO DENEGATÓRIA DE MEDIDA LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO QUANTO ÀS ARGUMENTAÇÕES DA IMPETRANTE. PREGOEIRA QUE ESCLARECEU A INTERPRETAÇÃO CORRETA DE DISPOSITIVO EDITALÍCIO QUANTO A CERTIDÃO DE FALÊNCIA A SER APRESENTADA. ENTENDIMENTO QUE RESPEITOU A NORMA DE REGÊNCIA E NÃO CONSISTIU EM ALTERAÇÃO DA REGRA. PRESCINDIBILIDADE DE NOVA PUBLICAÇÃO DO EDITAL. PERIGO DE DEMORA INVERSO. CONCLUSÃO DO CERTAME LICITATÓRIO E INÍCIO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO. SUSPENSÃO QUE SERIA PREJUDICIAL AOS PACIENTES QUE JÁ USUFRUEM DOS SERVIÇOS. DECISÃO DENEGATÓRIA DO PEDIDO DE LIMINAR QUE SE IMPÕE MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO (Agravo Regimental em Agravo Regimental em Mandado de Segurança n. 2013.083753-1, da Capital, deste Relator, j. 14-5-2014).

Naquele outro processo (MS n. 2013.055573-2), o egrégio Grupo de Câmara de Direito Público, por maioria de votos, denegou a segurança ao reconhecer a possibilidade de se estender a punição em questão à empresa ora impetrante. É o que se observa da ementa do julgado:

ADMINISTRATIVO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DETERMINADA NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO - EXTENSÃO DA PENALIDADE APLICADA À PESSOA JURÍDICA PERTENCENTE AO MESMO GRUPO ECONÔMICO - INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, COMPETITIVIDADE E IMPESSOABILIDADE - ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELAS CORTES SUPERIORES

Havendo indícios de violação aos princípios da moralidade, impessoalidade e competitividade dos certames licitatórios, se afigura plenamente possível a desconsideração da personalidade jurídica para estender os efeitos da sanção administrativa à outra empresa integrante do grupo econômico, a qual possui os mesmos sócios, corpo diretivo e endereço (MS n. 2013.055573-2, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 9-4-2014).

O mesmo entendimento deve ser aplicado ao presente caso.

Como visto, no procedimento do Pregão Presencial n. 1.185/2012, a pregoeira desclassificou a impetrante ao estender-lhe a punição (proibição de contratar com o Poder Público por doze meses) aplicada a outra empresa de seu grupo econômico, a White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda.

A autora da ação mandamental alegou ofensa ao contraditório e à ampla defesa, tendo em vista que não participou do processo administrativo que culminou com a imposição da sanção supracitada e também não lhe foi oportunizado manifestar-se a respeito no processo licitatório em questão.

Razão não lhe assiste.

Os procedimentos instaurados na via administrativa que motivaram a decisão pela imposição da penalidade à White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda. são de 2012 e 2013, e tinham por objetivo a aplicação de penalidades em decorrência de irregularidades na prestação do serviço relativo aos contratos n. 529/2009 (PSES 66920/2012) e 035/2013 (PSES 27993/2013) (volumes I e II da documentação).

Foram inúmeras e reiteradas notificações, em decorrência de faltas graves, incluindo óbitos, como bem se observa do parecer da assessoria jurídica em licitações e contratos da Secretaria de Estado da Saúde, o qual analisou a defesa prévia da referida empresa (fls. 106-119). Veja-se:

Em relação aos autos PSES 66920/2012 - Contrato n. 529/2009 [...]

[quanto à 9ª notificação] a empresa se limita a informar que a situação fora regularizada no entanto não informa a data da regularização. O caso reclamado indicava a ausência de reposição de materiais desde a data da instalação dos equipamentos em 28/03/2012, o que demonstra omissão da empresa, que pode implicar em risco de infecção e morte do paciente.

[...]

Em face da referida notificação [a 10ª] a empresa novamente não informa a data da instalação, limitando-se a justificar o atraso em decorrência da greve da ANVISA. Todavia, conforme noticiado, a paralisação da ANVISA teve início em 16 de julho de 2012 e findou-se em 31 de agosto de 2012, sendo que não há nesse período solicitação de instalação, e que com exceção da autorização datada de 29/06/2012 (fl. 48), todas as demais são decorrentes de demanda deste ano de 2013.

A data da referida instalação omitida pela empresa fora informada pelo setor de oxigenoterapia, ou seja, em 11/10/2012, com atraso de 100 dias (3 meses e 10 dias), conforme guia de autorização e recibo de instalação às fls. 48/49, respectivamente.

[...]

A empresa confirma o atendimento à 15ª e 16ª notificação na data de 22/07/2013 (recibos de instalações às fls. 238 e 235), porém de acordo com as guias de autorização datadas de 02/05/2013 (fl. 120) e 14/07/2013 (fl. 209), respectivamente, os atendimentos deveriam ter ocorrido em 04/05/2013 e 19/04/2013, ou seja, em 48 horas. Verifica-se, portanto, que não procede a alegação da empresa de que deu cumprimento às determinações, vez que a empresa levou 81 dias e 96 dis, o que demonstra descumprimento do contrato.

[...]

Referente às ocorrências registradas nos autos do PSES 27993/2013 - Contrato n. 035/2013 [...]

Em relação ao Sr. Moacir, após diligência (e-mail acostado) a Enfermeira Bruna da UBS e Laude - SMS de Turvo informaram que este paciente ficou hospitalizado por um tempo e foi solicitado o equipamento de oxigênio para que ele recebesse alta hospitalar, sendo que o processo chegou ao nosso setor em 22/02/2013 e autorizado para a empresa fazer a instalação em 01/03/2013.

Referido paciente recebeu alta hospitalar no início de março e foi para casa utilizando oxigênio que foi fornecido pelo município. Entre o período de março e maio este paciente teve uma piora no seu quadro e foi internado novamente vindo a falecer no hospital (dia 09/05/2013). Portanto o oxigênio que foi utilizado em casa por dois meses pelo paciente foi fornecido através do município de Turvo.

A empresa deveria estar atendendo esse paciente dando o suporte previsto no contrato, inclusive com atendimento por fisioterapeuta, sendo que em março o nome do paciente já constava da lista empresa [sic].

[...]

A contratada afirma que recebeu duas advertências recentemente por conta de algumas das ocorrências com base nas quais ora se pretende sanciona-la com a suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração Público [sic] pelo período de 12 meses.

Embora considere desproporcional a medida ora adotada, a própria contratada, admite que mantidos os inadimplementos, caberia analisa-los em seu conjunto, a fim de apurar a presença ou não dos requisitos necessários para a aplicação de sanções mais graves (fl. 222) (grifo nosso).

Diante do teor das irregularidades apuradas, da finalidade dos processos administrativos e da iminência de aplicar-se a sanção de suspensão de licitar e contratar com a Administração Pública, é no mínimo óbvio que as demais integrantes do grupo econômico tiveram conhecimento a respeito, sobretudo por conta do efeito financeiro que a punição poderia acarretar.

Deveras, como bem observou o eminente Desembargador Luiz Cézar Medeiros no aresto que cassou a liminar concedida parcialmente,

É difícil crer que as outras pessoas jurídicas integrantes do Grupo Empresarial estivessem absolutamente alheias a esses fatos, em razão de os sócios e o corpo diretivo serem os mesmos, bem como, e até pouquíssimo tempo, a sede no Estado de Santa Catarina igualmente era a mesma (fl. 748, grifo nosso).

E continua:

É bem provável que esse seja o motivo pelo qual a empresa White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda., vencedora da licitação anterior, não tenha participado do pregão que ora se analisa, bem assim, que isso tenha sido a razão da entrada em cena de outra empresa do Grupo (fl. 148).

Cabe registrar que a impetrante é sócia majoritária e controladora da White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda. com 99,999995% das cotas - também compõe a sociedade a empresa Praxair do Brasil Ltda. (fl. 126-129) -, o que por si só torna evidente o seu interesse em acompanhar o cumprimento do contrato e, por conseguinte, o andamento dos processos administrativos. A autora da ação mandamental, por sua vez, possui como sócias White Martins & White Martins Comércio e Serviços S.A. e Praxair Holding Latinoamerica S.L., as quais completam o seu grupo econômico.

Além dos sócios em comum, a impetrante e a aquela primeira empresa apresentam a mesma sede no Estado de Santa Catarina (fls. 2 e 462), e constituíram os mesmos procuradores em instrumento lavrado em 28-6-2011 com validade prevista para 28-6-2013 (fls. 463-466). Outro ponto em que se verifica identidade de pessoas é a diretoria das empresas.

Diante desse quadro, é flagrante, repita-se, que a impetrante teve conhecimento a respeito das irregularidades e da própria punição a que deram ensejo.

Novamente, merece destaque o acórdão deste egrégio Grupo de Câmaras de Direito Público proferido nestes autos:

Há indícios de que a forma de constituição das empresas criou a possibilidade, em tese, de burlar a competitividade das licitações, numa espécie de manobra jurídica, porquanto participam dos certames de forma alternada. Assim, não soa desarrazoada ou ilegal a desconsideração da personalidade jurídica operada [na via administrativa], estendendo-se a proibição à empresa integrante do mesmo grupo econômico (fl. 749)

De fato, há elementos suficientes a autorizar a aplicação ao caso da desconsideração da personalidade jurídica tal qual feito na via administrativa.

A possibilidade de aplicar o referido instituto tem amparo no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, o qual prevê que:

A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

Acerca do dispositivo supracitado, é a lição de Alexandre Alberto Teodoro da Silva citada na doutrina de Leandro Paulsen:

Desconsideração da personalidade jurídica. "O abuso à personalidade jurídica pode ser caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. O desvio de finalidade é um problema de disfunção da personalidade jurídica, pelo qual a pessoa jurídica perde sua qualidade de centro autônomo de interesses ou se estabelece fora dos limites específicos para a qual foi idealizada. Na confusão patrimonial, há a obtenção de vantagens indevidas frente à unificação de patrimônios de entes diversos, podendo ser sócios e pessoa jurídica, ou duas ou mais pessoas jurídicas. Tanto no desvio de finalidade quando na confusão patrimonial, há um verdadeiros [sic] excesso dos limites impostos pelos fins econômicos e sociais do direito subjetivo à personalidade jurídica. [...] ... a desconsideração da personalidade jurídica... é norma dotada de poderoso grau de flexibilidade com o fim de mudar o padrão de aplicação do princípio da separação patrimonial, na ocorrência devidamente comprovada de utilização anormal e, consequentemente, abusiva da personalidade jurídica." (SILVA, Alexandre Alberto Teodoro da. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário. Quartier Latin, 2007, p. 230) (PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 935-936).

Na hipótese em tela, aplica-se também o que a doutrina e a jurisprudência tem chamado de teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica, que autoriza a extensão dos efeitos de punições como a aplicada no caso a outras empresas, como ensina Mônica Gusmão, mudando o que deve ser mudado:

Cuida-se da situação do chamado sócio oculto, não nos termos da sociedade em conta de participação, fique claro, mas na condição "daquele que é sem nunca ter sido", ou seja, daquele que é o protagonista da empresa se valendo de interpostas pessoas contratuais, denominadas na expressão popular de "laranjas", "testa de ferro", "homem de palha" e "boneco de gelo", a funcionar como um véu, um anteparo, uma cortina, enfim uma armadura à sua responsabilidade.

[...] em ação de execução em face da sociedade A pela sociedade B, a exeqüente verifica a dissolução irregular da executada e tem ciência de que a sociedade C, constituída por alguns sócios da sociedade A, exerce suas atividades no mesmo domicilio da executada, dissolvida regularmente. Nesse caso, admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade C, de forma expansiva, para atingir o patrimônio dos sócios ocultos, verdadeiros "testas de ferro" da sociedade executada, a fim de coibir eventual fraude (Lições de direito empresarial. Ed. 7. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 115-116).

O entendimento encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS.

- A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída.

- A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular.

- Recurso a que se nega provimento (RMS n. 15166/BA, rel. Min. Castro Meira, j. 7-8-2003).

Colhe-se, por oportuno, elucidativa ementa de julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que se assemelha à hipótese:

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE SUSPENSÃO DE CONTRATAR COM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL E ABUSO DA FORMA. EXTENSÃO DE EFEITOS. DESCONDIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. MORALIDADE ADMINISTRATIVA E INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO.

[...]

4. A aplicação da proibição de contratar com a administração pública não teria efeito prático algum se fosse permitido que os sócios burlassem a lei, mediante a constituição ou utilização de outra sociedade, com o mesmo objeto comercial, para, assim, continuarem a participar das licitações.

5. A empresa demandante, com o fim de se habilitar em licitação pública, não logrou êxito em demonstrar sua desvinculação de outra empresa a quem se aplicou a sanção de suspensão de contratação com a Administração Pública, com base no art. 87, III da Lei n. 8.666/93 c/c art. 7º da Lei 10.520/02.

6. Manutenção do entendimento da sentença no sentido de que há relações muito estreitas entre as empresas envolvidas no caso, de maneira que não há como distinguir o patrimônio de qualquer delas. "Tais conclusões embasam-se no fato de as empresas envolvidas apresentarem quadro societário de membros muito próximos da família (irmãos, tios e sobrinhos); terem o mesmo endereço, distinguindo-se tão somente a sala; pelo fato de um ex-proprietário e representante da CARNAÚBA ter representado a SR LTDA no Pregão 05/2010, bem como de ambas terem o mesmo representante perante o Banco do Brasil, ou mesmo que a transmissão da documentação da SR para a EBCT tenha se dado por meio de aparelho de fax da CARNAÚBA e os documentos tenham sido entregues por empregado fardado desta última empresa". "A SR teve seu objeto social ampliado por 3 vezes, num curto prazo de 4 meses, no período de início da aplicação da penalização administrativa da Carnaúba Locadora Ltda., de forma a abarcar o objeto social desta". "Uma empresa constituída com objeto social semelhantes, com os sócios que ora participam de uma empresa, ora representam outra, bem com o mesmo representante na Instituição bancária e com sede no mesmo endereço, dificilmente, conseguirá provar que não agiu em cooperação para se furtar dos efeitos danosos de uma sanção administrativa a esta imposta". "A demandante valeu-se do 'véu de nova pessoa jurídica' com o evidente intuito de burlar a lei e descumprir uma punição administrativa que havia sido imposta à Carnaúba Ltda.". (Trechos da sentença) (TRF5 - Apelação Cível n. 549737/AL, rel. Des. Francisco Barros Dias, j. 4-12-2012).

Portanto, admite-se a desconsideração da personalidade jurídica, estendendo-se os efeitos da punição a empresa componente do mesmo grupo econômico, mormente porque só assim a medida atingirá a sua finalidade de impedir que a empresa faltosa contrate com o Poder Público pelo prazo estipulado. Do contrário, a empresa que se confunde com aquela poderia prestar o serviço, frustrando o desiderato da Administração Pública e com afronta aos princípios da moralidade administrativa e da indisponibilidade do interesse público.

A propósito, os elementos já mencionados, autorizadores da desconsideração expansiva da personalidade jurídica, também revelam que não houve lesão ao contraditório e à ampla defesa.

A impetrante tinha conhecimento da iminência da punição, pois a intimação para defesa prévia da White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda. informou a intenção de aplicar a suspensão de contratar por doze meses (fl. 169 do anexo I) e este documento foi encaminhado para o e-mail de pessoa com nome idêntico ao daquele que representou a impetrante na sessão pública do pregão sub judice (fls. 98 destes autos e 170 do anexo I).

Ademais, teve oportunidade de se insurgir contra a extensão da punição, porquanto a medida foi levada a efeito pela decisão que a desclassificou, contra a qual poderia recorrer, mas não o fez.

Cita-se, mais uma vez, como fundamento da decisão, os termos do aresto de fls. 739-755:

Não há que se falar, portanto, na impossibilidade de recurso em razão de a desclassificação ter sido determinada por força de pedido administrativo. Em repetição, embora a decisão tenha sido proferida na mesma oportunidade em que foram apreciados os recursos, a penalidade foi imposta de ofício pela pregoeira, conforme consta à fl. 508.

Dessa forma, conclui-se que a ausência de manifestação anteriormente à sanção aplicada restou superada pelas reiteradas notificações feitas à White Martins Gases Industriais do Nordeste Ltda., por intermédio de seu corpo diretivo, que é o mesmo da impetrante. Inegável, portanto, que a impetrante teve ciência de que uma das empresas do mesmo grupo econômico estava na iminência de ser penalizada em decorrência das reiteradas falhas cometidas na prestação do serviço licitado, e que poderia, consequentemente, ser igualmente atingida por força da desconsideração da personalidade jurídica.

Importante reiterar que a impetrante foi intimada da aplicação da sanção, oportunidade em que poderia ter exercido o contraditório e ampla defesa, e permaneceu inerte. Tal fato não pode macular o proceder da Administração, que agiu dentro dos ditames legais, cientificando a autora da extensão da penalidade, conforme consta às fls. 104-105 e 295-296 do anexo 1.

[...]

Com efeito, o que se pode garantir à impetrante, antes que a decisão administrativa seja considerada definitiva, é a possibilidade de contraditar a extensão perpetrada. No entanto, isso não tem o condão de desnaturar a medida extrema e urgente adotada pelo Estado de impedir que a impetrante participe de certames licitatórios, pelo menos até serem dirimidas no âmbito do processo administrativo, ou mesmo judicial, as questões atinentes à sanção que lhe foi imposta.

É válido enfatizar que as peculiaridades do caso, sobretudo quanto à identidade verificada com relação às empresas envolvidas, que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, evidenciam que a impetrante teve oportunidade de defender-se na via administrativa e, por isso, não há falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa.

Quanto à punição que lhe foi estendida, viu-se anteriormente que a medida era inteiramente cabível na hipótese.

Acerca da penalidade aplicada, tem-se que, conforme já exposto alhures, foi proporcional às faltas praticadas pela empresa no cumprimento dos contratos anteriormente firmados com o Estado de Santa Catarina, as quais ensejaram óbitos de pacientes, inclusive; e o procedimento observou corretamente o contraditório e a ampla defesa, conforme necessário nestes casos.

Por conseguinte, revela-se adequadamente aplicado ao caso o inciso III do art. 87 da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual "Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: [...] III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos".

Ao arremate, reitera-se que a via estreita do mandado de segurança não permite analisar a competência da impetrante para a execução do objetivo do Pregão Presencial n. 1.185/2012 de forma satisfatória, uma vez que para tanto seria imprescindível a produção de provas, o que, como é cediço, não é viável na ação mandamental.

Por todo o exposto, ressalvado o entendimento contrário do nobre representante do Ministério Público, denega-se a segurança.

Este é o voto.


Gabinete Dr. Stanley da Silva Braga - JDSG