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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2012.019116-4 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
Origem: Gaspar
Orgão Julgador: Quarta Câmara Criminal
Julgado em: Thu Dec 12 00:00:00 GMT-03:00 2013
Juiz Prolator: Sandro Pierri
Classe: Apelação Criminal

 

Apelação Criminal n. 2012.019116-4, de Gaspar

Relatora: Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. PROMETER OU EFETIVAR A ENTREGA DE FILHO A TERCEIRO, MEDIANTE PAGA OU RECOMPENSA (ART. 238, CAPUT, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO QUE BUSCA A ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. INFANTE DEIXADO AOS CUIDADOS DE PADRINHOS ENQUANTO A GENITORA FOI A OUTRO MUNICÍPIO PARA VISITAR SEU PAI. RECEBIMENTO DE AJUDA FINANCEIRA PARA CUSTEAR AS DESPESAS DA VIAGEM. AFIRMAÇÕES DAS ASSISTENTES SOCIAIS QUE EFETUARAM ESTUDO SOCIAL EM AÇÃO DE PERDA DE PODER FAMILIAR QUE OUVIRAM DE TERCEIRA PESSOA A AFIRMAÇÃO DE RECEBIMENTO DE NUMERÁRIO EM TROCA DA ENTREGA DO INFANTE NÃO CONFIRMADA. DESISTÊNCIA DA OITIVA DESTA TESTEMUNHA PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. INFORMAÇÃO CONSTANTE DO ESTUDO SOCIAL DANDO CONTA JUSTAMENTE DO INTERESSE DESTA TESTEMUNHA EM ADOTAR OUTROS DOIS FILHOS DA APELANTE QUE ESTÃO SOB SEUS CUIDADOS ONDE ESTA ROGA QUE A APELANTE "COLOQUE A CABEÇA NO LUGAR E CONCORDE COM A ADOÇÃO". POSSÍVEL CONFLITO DE INTERESSES. HISTÓRICO QUE DEMONSTRA AUSÊNCIA DE INTERESSE DA GENITORA EM ENTREGAR SEUS FILHOS QUANDO OS DEIXA SOB CUIDADOS DE TERCEIROS. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O RECEBIMENTO DO VALOR E INTENÇÃO DE ENTREGAR MENOR NÃO DEMONSTRADO. ÔNUS PROBATÓRIO DA ACUSAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 156, DO CPP. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2012.019116-4, da comarca de Gaspar (3ª Vara), em que é apelante Santina Ramos Guerreira, e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para absolver a ré. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Schaefer Martins (Presidente), e o Exmo. Sr. Desembargador Roberto Lucas Pacheco.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2013.

Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

Relatora


RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de SANTINA RAMOS GUERREIRA, pelo cometimento, em tese, do delito disposto no artigo 238, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e contra MARILSE SANSÃO SIMON e WALMIR SIMON, imputando-lhes a prática do crime previsto no artigo 238, parágrafo único do mesmo estatuto, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:

Segundo consta dos autos em anexo, a denunciada Santina Ramos Guerreira entregou seu filho E. E. G. (nascido em 10/12/2006) ao casal denunciado, em data a ser esclarecida durante a instrução processual, quais sejam Walmir Simon e Marilse Sanção Simon, mediante paga ou recompensa, ou seja, R$ 300,00 (trezentos reais) e mais um celular.

O casal denunciado, Walmir Simon e Marilse Sanção Simon, além de efetivar o pagamento da quantia supramencionada, efetivaram outros pagamentos, tudo com o objetivo de ficar com o pequeno E.

Em relação aos acusados Walmir e Marilse, o Ministério Público propôs a suspensão condicional do processo, sendo aceitas as condições em audiência (fl. 303), que, posteriormente cumpridas, declarou o Juízo extinta a punibilidade desses réus (fl. 352).

Após a instrução processual, sobreveio a sentença (fls. 378/384), nos seguintes termos:

Ante o exposto, julgo procedente o pedido contido na denúncia para condenar Santina Ramos Guerreira, filha de José Antônio Guerreira e Rita Ramos Guerreira, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, pena esta substituída por restritiva de direito conforme consta na fundamentação deste decisum, sem prejuízo do pagamento de mais 12 (doze) dias-multa (pena principal), no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido até o efetivo pagamento, por infração ao art. 238, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (fls. 397/400), pugnando pela absolvição, sob o argumento de insuficiência de provas para amparar o decreto condenatório.

Com as contrarrazões (fls. 401/409), ascenderam os autos a este Tribunal.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, que opinou pelo conhecimento e provimento do apelo.

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade o recurso deve ser conhecido.

Cuida-se de apelação criminal interposta por Santina Ramos Guerreira que busca a reforma da sentença que a condenou ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto e pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido até o efetivo pagamento, por infração ao art. 238, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O referido dispositivo legal está assim descrito na Lei nº 8.069/90:

Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.

Em análise do núcleo do tipo, Guilherme de Souza Nucci discorre:

Prometer (obrigar-se a dar ou fazer algo no futuro) ou efetivar (concretizar algo, realizar) são os verbos cujo objetivo é a entrega de filho ou pupilo a terceiro, envolvendo paga (benefício pecuniário) ou recompensa (outro benefício qualquer). Busca-se evitar o tráfico de crianças, impedindo-se que famílias pobres, seduzidas por dinheiro ou outros bens, prometam a venda de filhos a terceiros endinheirados. Almeja-se, ainda, contornar o problema da denominada barriga de aluguel, situação em que mães, durante a gestação, prometem entregar seus filhos, após o nascimento, a outras famílias, mediante recompensa. A entrega do filho, em adoção, a terceiros, não é vedada, desde que ausente o fito de obter lucro ou vantagem. Por isso, conforme a situação concreta, torna-se muito complexa e difícil a prova de que houve a promessa ou a efetivação da entrega de filho, mediante paga ou recompensa. Se as partes envolvidas negarem o ocorrido, torna-se quase impossível ao Estado provar o contrário (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4° ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, j. 249).

Os doutrinadores Alberto Silva Franco e Sebastião Oscar Feltrin complementam:

Duas são as condutas mencionadas no dispositivo, representadas pelos verbos prometer e efetivar. A simples promessa, o simples compromisso, verbal ou escrito, de entrega do menor (criança ou adolescente), com o fim de obter paga em dinheiro ou recompensa de qualquer espécie, caracteriza o crime. O mesmo se dá com a efetiva entrega do menor. [...]. O parágrafo único do artigo comentado é claro ao dispor que o terceiro que oferece ou efetiva a entrega do dinheiro ou da recompensa, também responde pelo crime, ficando sujeito às mesmas penas do caput. (Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, fl. 537) (sublinhei).

Em seu interrogatório judicial a apelante Santina Ramos Guerreira negou a veracidade das acusações descritas na denúncia e acrescentou que (fls. 300/302):

Que na época de seu quarto filho a interroganda trabalhava para o casal Walmir e Marilze Simon, prestando serviços profissionais de costureira e também como empregada doméstica; que já estava grávida de quatro meses quando foi contrata pelo referido casal; que deu à luz o filho E. E. G. no dia 10/12/2006, sendo que a criança tem como pai biológico Fernando de Tal, morador de Porto Alegre; que só depois da concepção é que a interroganda veio a saber que contraiu AIDS, provavelmente dos seus contatos sexuais com Fernando; que como não queria que o recém-nascido tivesse diário contato com a interroganda, justo por causa da doença referida, resolveu deixá-la com seus patrões, Walmir e Marilze, indo para Criciúma, mais precisamente para a casa de seu pai; que assim procedeu logo que seus pontos secaram, cerca de nove dias depois do parto; que a criança, assim, ficou sob os cuidados do co-denunciados, não sendo verdade que a informante tenha a eles vendido seu filho, como consta da denúncia; que o propósito da interroganda era voltar em fevereiro, quando do início das aulas de seu outro filho, e então, retomar a posse de E.; que reconhece que os co-denunciados deram R$ 300,00 para a interroganda se manter em Criciúma, dizendo que o dinheiro não fazia parte de nenhum pagamento pela entrega do filho; que parece que foi a justiça que mandou apreender a criança cerca de uma semana depois que a interroganda foi para Criciúma; que também parece que o filho da interroganda está atualmente abrigado. (...) Dada a palavra ao representante do Ministério Público, passou a perguntar (art. 188, do CPP): que os outros filhos da interroganda, E., L. R. e J., têm 10, 9, 6 anos de idade respectivamente; que E. mora com o pai dele em Nova Veneza; que L. R. e D. residem com uma cunhada da interroganda em Blumenau; que esta cunhada chama-se Janete Maia de Oliveira; que a interroganda não é prostituta; que vive em concubinato com Anildo Ribeiro há sete meses; que trabalha em uma facção de fundo de quintal de uma mulher conhecida por Neném, no centro de Ilhota, em endereço que não conhece; que também não sabe o telefone da facção; que trabalha lá há dois meses. Dada a palavra ao defensor, passou a perguntar (art. 188, do CPP): que ganha R$ 622,00 de salário mensais; que os R$ 300,00 que recebeu dos co-réus, como ajuda para ir a Criciúma, era muito pouco pelos serviços que tinha prestado para eles. (grifei e sublinhei).

A assistente social da Vara da Infância e Juventude, Lilia Monteiro, foi ouvida como testemunha compromissada e narrou (fls. 344/345):

Que é assistente social forense; que primeiramente o casal Valmir e Marilse Simon procuraram a Promotora de Justiça Jussara Maria Viana para tratar do interesse deles em obter a guarda judicial de uma criança que haviam recebido da própria mãe biológica, Santina Ramos Guerreira; que na época a Promotora referida estava substituindo o titular do Ministério Público na Vara da Infância e Juventude; que a Juíza ou o Juiz competente encaminhou o caso para a declarante para a feitura do estudo social; que o casal Simon já estava com a criança e alegava que de fato tinha recebido o infante da acusada Santina; que então apurou-se que Santina era viciada em drogas, assim como seu companheiro, o pai biológico da criança; que como Santina já tinha outros três filhos e não reunia condições para a criança do recém nascido, ela procurou o casal Simon e entregou o infante aos cuidados desde; que na época Santina morava de favor na casa dos acusados Valmir e Marilse e simplesmente a estes entregou o filho; que a criança tinha um mês de vida quando o caso chegou ao conhecimento do Poder Judiciário; que a declarante diz que tudo que foi apurado revelou que a acusada Santina simplesmente entregou a criança para aquele casal para livrar-se do problema; que Santina nem mesmo lembrava o nome de um de seus outros filhos; que todos os outros filhos de Santina já estão sob os cuidados de outros casais, principalmente parentes dela; que Valmir e Marilse admitiram para a declarante que ajudaram Santina financeiramente durante a gestação; que Santina alega que Valmir e Marilse eram como pais para ela e que a ajudavam financeiramente, acrescentando inclusive que iriam doar-lhe uma parte de um terreno para ela construir sua casa e cuidar de seu filho; que ouviu uma tia da acusada por parte de um dos companheiros dela, a qual estava na posse de dois filhos da ré, cuja senhora afirmou que a acusada pediu que ela mentisse no sentido de que não havia recebido nenhuma ajuda financeira para deixar a criança com o casal Simon; que aquela senhora disse que a acusada pediu que ela mentisse e dissesse que a ré tinha intenção de criar o filho recém nascido e que não havia recebido nenhuma ajuda do casal Simon; que esta senhora chama-se Janete e é ex-cunhada da acusada Santina; que Janete é mencionada pela declarante em seu estudo social, cuja cópia está neste processo; que a criança de Santina foi recolhida no abrigo e depois foi adotada judicialmente. (grifei e sublinhei).

A testemunha Alessandra Letícia da Paixão, assistente social do Abrigo Casa Lar, também prestou compromisso legal e assim respondeu às perguntas que lhe foram formuladas em juízo (fl. 362):

(...) que então soube, pelo relato que lhe passou Janete Haussmann, ex-cunhada da acusada Santina, que esta teria entregue seu filho E., com dois ou três meses de idade, para um casal de Ilhota, recebendo em pagamento a quantia de R$ 300,00 e um celular; que se apurou que aquele casal estava com a criança irregularmente e procurara um órgão competente para regularizar a guarda do informante, alegando que a mãe tinha viajado e deixado a responsabilidade para eles; que por ordem do Juízo da Infância e Juventude a criança foi abrigada; que o único parente de Santina que a declarante conseguiu localizar na época foi justamente Janete Haussmann, apurando que esta já tinha a guarda de outros dois filhos de Santina, mais velhos que E.; que além disse Janete informou que Santina tinha mais um filho que estava com a avó paterna. (...) que conversou com Santina na casa do casal de Ilhota e ela tinha interesse em retomar a posse do filho E.; que Santina tinha sido na época acolhida pelo casal durante a gestão de E. e por isso ali estava residindo; que a informação colhida também era no sentido de que Santina era usuária de droga. (grifei).

A situação deve ser analisada com cautela, posto que o objetivo deste tipo penal é a tutela dos interesses do infante que não pode ser considerado como objeto a possibilitar a obtenção de vantagem em detrimento de laços familiares.

Entretanto, não podemos olvidar que estamos na esfera penal que, por sua natureza, não se contenta com indícios e exige prova concreta da ocorrência do crime e, em caso de dúvida, deve ser aplicado do princípio do in dubio pro reo.

A informação prestada pela tia da apelante de nome Janete à assistente social Lilia que esta teria lhe solicitado que mentisse ou omitisse a informação de que fora ajudada financeiramente em troca de deixar a criança para o casal Simon e à assistente social Alessandra que a entrega do infante E. ao casal Simon teria ocorrido mediante pagamento da quantia de R$ 300,00 e um celular, por si só, não tem o condão de caracterizar o crime descrito no art. 238, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Uma porque esta senhora não foi ouvida sob o crivo do contraditório possibilitando à defesa efetuar seus questionamentos, tendo o Ministério Público desistido da prova (fl. 336 verso). E também, em razão desta pessoa ser a responsável pela guarda de outros dois filhos da apelante, os menores L. R. e D., os quais pretende obter a adoção, tendo a assistente social consignado no estudo (fl. 184) que Janete "pede que Santina 'coloque a cabeça no lugar e concorde com adoção', embora tenha dúvidas que ela entregue D. definitivamente", o que poderia configurar, em última análise, interesse contrário de Janete e a apelante.

Debruçando-me na prova colhida neste feito e na Ação de Destituição de Pátrio Poder, cuja cópia encontra-se aqui encartada e é analisada como prova emprestada, pois a apelante Santina também fora parte daquele feito, verifico que seu o histórico familiar mostra ela não é ligada com a assunção de seus deveres como genitora, transferindo-os a terceiros e constantemente mudando sua residência para Município diverso (estudo social de fls. 178/185).

Entretanto, estes elementos não demonstram que possui intenção de auferir vantagem com os infantes.

Veja-se que a apelante deixou com a madrinha Janete o menor L. R. e, passado um tempo, fez o mesmo com D., quando aceitou convite de Robson para retomarem relação conjugal e mudou-se para Ilhota.

A assistente social descreve a situação vivenciada pela apelante quando da gravidez do pequeno E., como (fls. 180/182):

Passado algum tempo morando com Robson, grávida de três meses de Fernando, ambos usuários constantes de drogas, Santina decidiu procurar um novo local para residir, pois segundo ela o relacionamento com o companheiro sempre foi muito conturbado, além das agressões físicas que sofria.

Diante da situação, Santina relatou que procurou ajuda junto ao Serviço Social da Prefeitura de Ilhota e s Assistente Social Rose lhe informou que não poderia ajuda-la naquele momento. Como outra alternativa Santina procurou ajuda com o Sr. Walmir Simon (Bicudo), 44 anos e sua esposa Marilze, casal que havia sido seu vizinho. O casal sendo Evangélico se propôs a amparar Santina e Robson. Reuniram-se com a Igreja e decidiram levá-los para uma Clínica Evangélica. O valor para o casal permanecer na Clínica de Recuperação era muito alto, então Walmir propôs que Robson ficasse na Clínica e Santina passasse a residir junto com o casal e os quatro filhos: T. - 20 anos, T. - 18 anos, T. - 10 anos e B. - 08 anos, acompanhando a família em todo o seu cotidiano.

Naquele momento Santina já estava grávida de quatro meses e só contou ao casal depois de alguns dias. Ajudava nos serviços leves da casa e começou a trabalhar também na facção da família. Iniciou neste período também o pré-natal, onde foi solicitado o exame HIV, obtendo resultado "positivo" apenas no sétimo mês de gestação. E. nasceu em 10 de dezembro de 2006 e o casal WSalmir e Marilse é padrinho do bebê, assumindo todos os cuidados necessários com a criança.

Após um mês do nascimento do bebê, Santina disse para Marilze que gostaria de visitar o pai no Município de Criciúma e também aproveitando a viagem iria até o Município de Tubarão visitar o irmão. Santina falou para Marilze que deixaria E. sob os cuidados da família, prometendo que voltaria dentro de uma semana. Marilze procurou a Assistente Social (Ilhota) e esta lhe orientou que Santina escrevesse de próprio punho uma carta onde deixaria o filho sob os cuidados da família e que deveria registrar o documento em cartório, tendo assim a família procedido. Segundo informação de Santina, ela escreveu uma segunda carta deixando E. sob os cuidados da família, caso alguma coisa lhe acontecesse durante a viagem e a guardou em um móvel, sem o conhecimento do casal; carta que foi encontrada posteriormente por Marilze. Cópias de ambos documentos estão anexados nos autos (folhas 12, 13 e 14). Ao ir para Criciúma Santina legou D. e foi acompanhada por Robson que não estava mais na Clínica e recebeu ajuda financeira do casal.

Cerca de dois meses depois Santina relatou que retornou a Ilhota juntamente com D. e Robson, recebendo no mesmo dia um telefonema de seu irmão, avisando que seu pai estaria o passando muito mal. A urgência da situação, segundo ela a levou a retornar para Criciúma sem avisar ninguém, nem mesmo o Sr. Walmir e Marilze.

Em contato com Janete, esta nos informou que havia concordado que Santina levasse D. para ver o avô. Como não retornou no período previsto e as aulas também já haviam iniciado, Janete solicitou a intervenção do Conselho Tutelar de Itajaí que realizou contato com o Conselho Tutelar de Ilhota, que tendo verificado situação irregular da guarda de E., orientou que a família procurasse o Fórum, tendo sido realizado o abrigamento. (grifei).

Ou seja, a conduta da apelante com o pequeno E. e a família Simon, ao que parece, repetiu situação anterior ocorrida com os infantes L. R. e D. que foram deixados aos cuidados de Janete e seu esposo, com inúmeras idas e vindas.

Não há dúvidas que a apelante Santina efetivamente deixou E. aos cuidados de Walmir e Marilze Simon quando se deslocou à Criciúma para visitar seu pai, além de que recebera R$ 300,00 (trezentos reais) como ajuda financeira do casal para possibilitar a viagem.

Contudo, como bem destacou o ilustre Procurador de Justiça Dr. Pedro Sérgio Steil, "a configuração de uma relação de causalidade entre os dois fatos (entregar seu filho e receber R$ 300,00) não foi verificada" e mais adiante diz o parecerista "mesmo havendo indícios de que a apelante possa ter recebido os R$ 300,00 em virtude da entrega de seu filho, conforme as testemunhas alegam ter ouvido de Janete, não é possível igualar simples indícios a provas contundentes, sendo certo que tal equação feriria os mais caros princípios do direito, em especial o da presunção de inocência".

Destaco que eventual falta de estrutura familiar ou psicológica para cuidar de seus filhos, vida desregrada e envolvimento com drogas, podem ser fundamentais para a procedência da Ação de Perda do Poder Familiar, mas não podem ser sopesados na esfera criminal.

A Carta Política traz a presunção de inocência e a regra processual imputa ao órgão acusador o ônus probatório da prática do injusto penal, nos termos do que dispõe a primeira parte do art. 156, do Código de Processo Penal sendo que, no caso em análise, tal comprovação não foi suficientemente esclarecida o que resulta na necessária absolvição.

Ante todo o exposto, voto no sentido de conhecer do apelo e dar-lhe provimento a fim de que Santina Ramos Guerreira seja absolvida da infração descrita no art. 238, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Este é o voto.


Gabinete Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer