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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2010.068110-0 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre d'Ivanenko
Origem: Capital
Orgão Julgador: Terceira Câmara Criminal
Julgado em: Tue Dec 07 00:00:00 GMT-03:00 2010
Juiz Prolator: Caroline Bündchen Felisbino Teixeira
Classe: Apelação Criminal (Réu Preso)

 

Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2010.068110-0, da Capital

Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2.º, INC. IV, DO CP). JÚRI. PRELIMINARES. ALEGADA NULIDADE POR EXCESSO DE INTERFERÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATA DE JULGAMENTO QUE DÁ CONTA DE UMA INTERVENÇÃO PARA CADA PARTE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CPP. PREFACIAL AFASTADA.

SUSPEIÇÃO. MAGISTRADA E PROMOTOR QUE SERIAM "DA MESMA ÉPOCA DA FACULDADE". INCIDENTE NÃO MENCIONADO NA ATA DE SESSÃO. AUSÊNCIA DE ARGUIÇÃO NO MOMENTO ADEQUADO. PRECLUSÃO.

CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE APRESENTAÇÃO DE NOVOS DOCUMENTOS EM PLENÁRIO. ALEGADA JUNTADA TEMPESTIVA AOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. PETIÇÃO PROTOCOLADA FORA DO PRAZO DE TRÊS DIAS ÚTEIS ESTABELECIDOS PELA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL (ART. 479 DO CPP). EIVA NÃO VERIFICADA.

MÉRITO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ALEGADA DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. PROVAS QUE NÃO SÃO AVESSAS AO DECISUM. JURADOS QUE RECONHECERAM A MATERIALIDADE E A AUTORIA DOS FATOS COMO NARRADOS NA DENÚNCIA, ACOLHENDO A TESE ACUSATÓRIA. CONTRARIEDADE AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS NÃO VERIFICADA. SOBERANIA DO JÚRI POPULAR.

DOSIMETRIA. PENA-BASE ESTABELECIDA ACIMA DO MÍNIMO. ANTECEDENTES E CONDUTA SOCIAL NEGATIVOS DEVIDO À LONGA RELAÇÃO DE CONDENAÇÕES CRIMINAIS TRANSITADAS EM JULGADO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME CONSIDERADAS DESFAVORÁVEIS PELO CONCURSO DE AGENTES. PATAMAR DE AUMENTO AJUSTADO. REPRIMENDA ADEQUADA.

RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2010.068110-0, da comarca da Capital (1ª Vara Criminal), em que é apelante Gabriel Rodrigues Pereira, e apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, afastar as preliminares e dar provimento parcial ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o Ministério Público denunciou Gilson Adriel Ferreira de Moraes e Gabriel Rodrigues Pereira como incursos nas sanções do art. 121, § 2.º, inc. IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos assim narrados na exordial acusatória (fls. 2-4):

Consta do inquérito policial em anexo que, no dia 30 de novembro de 2005, por volta das 19:00 horas, os denunciados GILSON ADRIEL FERREIRA DE MORAES, vulgo "GABRIELZINHO" e GABRIEL RODRIGUES PEREIRA, vulgo "CAMELO" ao encontrarem a vítima JANDERSON WILLIAN DA COSTA, pararam para cumprimentá-la, quando então, com evidente intenção de matar (animus necandi) e em comunhão de vontades, passaram a desferir inúmeros disparos de arma de fogo contra a mesma, causando-lhe as inúmeras lesões descritas no Laudo Pericial de Exame Cadavérico de fls. 38/41 (sete orifícios de entrada), razão efetiva de sua morte.

O crime foi praticado mediante surpresa, uma vez que os denunciados desferiram os tiros pela frente e por trás contra a vítima quando esta menos esperava, imediatamente após um cumprimento, tornando assim impossível a sua defesa.

Interrogados os denunciados e ouvidas testemunhas, o togado singular entendeu por bem pronunciar os réus como incursos nas sanções do art. 121, § 2.º, inc. IV, na forma do art. 29, ambos Código Penal (fls. 282-288).

Sobrevindo Recurso em Sentido Estrito apenas do réu Gabriel, cindiu-se o processo em relação ao codenunciado Gilson (fl. 328).

Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença acolheu a tese acusatória e condenou Gabriel Rodrigues Pereira à pena de 22 (vinte e dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, por infração ao art. 121, § 2.º, inc. IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, sendo-lhe negadas a substituição da reprimenda corporal e a concessão de sursis (fls. 598-599).

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o réu apelou, por seu defensor constituído (fl. 610), a tempo e modo. Nas razões recursais, requer preliminarmente a declaração de nulidade da sessão de julgamento por ter o representante do Ministério Público prejudicado as manifestações da defesa, por aquele e a Magistrada terem sido colegas de faculdade e pelo desentranhamento irregular de provas juntadas dentro do prazo legal, impedindo assim o apelante de exercer plenamente seu direito de defesa. No mérito, pugna pela anulação da sessão de julgamento ante a decisão manifestamente contrária às provas dos autos. Subsidiariamente, pleiteia a minoração da reprimenda aplicada (fls. 610-639).

Contra-arrazoado o recurso (fls. 641-649), os autos ascenderam a este Sodalício, oportunidade em que a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Pedro Sérgio Steil opinou pelo seu conhecimento e desprovimento (fls. 656-661).

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.

Preliminarmente, requer a defesa a declaração de nulidade da sessão de julgamento em razão das "interferências constantes em plenário" (fl. 619) do representante do Ministério Público.

Não lhe assiste razão.

Afirma o causídico que teria o promotor de justiça importunado a palavra, impedindo assim o bom andamento dos trabalhos. Tal situação não é o que descreve a ata da sessão de julgamento, a qual apresenta apenas dois apartes, sendo um da defesa "acerca da fala do representante do Ministério Público sobre as decisões de prisões cautelares ocorridas durante a instrução processual", e outro da acusação, a qual requereu que constasse em ata a menção, por parte da defesa, de depoimento prestado nos autos n. 023.04.045577-0 (fl. 602).

Dispõe o Código de Processo Penal:

"Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".

Como se pode ver da ata de julgamento, as interferências na palavra da parte adversa foram comedidas e equilibradas, em número idêntico para a acusação e para a defesa, nada mais arguindo o causídico, no referido documento, que demonstre qualquer prejuízo à sua apresentação de teses ou argumentos.

Também da Lei Adjetiva Penal, têm-se que:

Art. 571. As nulidades deverão ser arguidas:

[...]

VIII - as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de ocorrerem.

Assim, silenciando o defensor no momento em que entendeu prejudicado seu cliente, precluída a suposta nulidade.

Desta feita, afasta-se a prefacial aventada.

Ainda preliminarmente, a defesa sustenta a suspeição da magistrada, pois esta e o promotor de justiça "foram da mesma época de faculdade" (fl. 619). Novamente, não merece prosperar o requerimento, inicialmente porque não demonstrado qualquer prejuízo sofrido pela defesa, nem mesmo de que forma a pleiteada suspeição teria influenciado na sessão plenária. Não obstante, mais uma vez, nada consta da ata de sessão de julgamento, sendo o pedido defensivo alcançado pela preclusão.

Assim já decidiu esta Corte de Justiça:

PROCESSUAL PENAL - JÚRI - DESCLASSIFICAÇÃO DE HOMICÍDIO DOLOSO PARA CULPOSO - PRELIMINARES DE NULIDADE NÃO ARGÜIDAS NO MOMENTO OPORTUNO - PRECLUSÃO - DECISÃO QUE ENCONTRA APOIO NA PROVA - RECURSO DESPROVIDO

Eventuais nulidades referentes à parcialidade ou suspeição dos jurados devem ser argüidas no momento oportuno, sob pena de preclusão.

Só se cogita de decisão manifestamente contrária à prova dos autos quando o Júri opta por versão sem qualquer apoio no processo (Ap. Crim. n. 2006.015802-4, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 4.7.2006).

Destarte, afastada a preliminar de suspeição.

Por fim, o apelante requer a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, alegando cerceamento de defesa, ao determinar, a juíza presidente da sessão, que fossem desentranhados dos autos documentos juntados pela defesa, a seu ver, dentro do prazo processual, prejudicando a exposição de sua tese defensiva.

Antes de se adentrar no reclamo recursal, é de bom alvitre tecer algumas considerações a respeito do dispositivo legal insculpido no art. 479 do Código de Processo Penal, que assim prescreve:

"Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento [...] que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte [...]" (grifou-se).

Sobre o assunto, Andrey Borges de Mendonça leciona que "a contagem do prazo para a juntada do documento não é contínua, pois se suspende nos dias não úteis. Portanto, se a sessão de julgamento está marcada", por exemplo, "para o dia 26, quarta-feira, "a defesa deve ser intimada da juntada do documento até sexta-feira, dia 21 (terça, segunda, sexta-feira)".

O autor explica que "o dia do julgamento não pode ser computado na contagem", pois "somente o dia útil antecedente (terça-feira) pode ser considerado como dia do início da contagem (da fluência do prazo). O prazo irá vencer na sexta-feira", que será computada na contagem consoante a regra normal de processo penal, disposta no art. 798, § 1º, do Ordenamento Processual Penal (grifou-se).

Assim, o referido autor alerta que "somente se intimada na sexta-feira é que a parte terá três dias úteis para se manifestar sobre o documento" (Nova reforma do código de processo penal. São Paulo: Método, 2008).

Da ata de sessão de julgamento extrai-se:

[...] verificou-se que alguns do (sic) documentos exibidos pela defesa, especificamente as fotos, fazem parte da petição protocolizada eletronicamente em 11/07/2010, num domingo, razão pela qual foi determinado pela magistrada que os jurados desconsiderassem o conteúdo dos documentos, em razão do exposto no Art. 479. do CPP [...] (fl. 602).

Verifica-se, in casu, que o julgamento estava marcado para o dia 14.7.2010 (quarta-feira), tendo o douto causídico protocolado, como descrito em ata, a petição eletronicamente em 11.7.2010 (domingo). Tal informação pode ser conferida no protocolo eletrônico de fl. 544.

Portanto, ao contrário do consignado pelo recorrente, patente a desobediência ao disposto no art. 479 do Código de Processo Penal. Todavia, ante a insurgência infrutífera do douto causídico, faz-se mister esclarecer que a data limite para intimar a promotoria quanto a documentos juntados foi em 9.7.2010 (sexta-feira), já que a contagem do prazo considera apenas os dias úteis.

Destarte, inviável acolher a prefacial aventada e, inexistindo outras a serem debatidas, passa-se à análise do mérito.

Cuida-se de apelação criminal interposta por Gabriel Rodrigues Pereira, contra decisão do júri que o condenou à pena de 22 (vinte e dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime fechado, por infração ao art. 121, § 2.º, inc. IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal. O apelante almeja a anulação do julgamento pelo Tribunal do Júri, alegando, para tanto, que a tese condenatória reconhecida pelo Conselho de Sentença está dissociada dos elementos contidos nos autos.

No que tange à matéria recorrida, vale ressaltar que, a esta Instância, cabe apenas examinar se o veredicto prolatado é totalmente contrário à prova dos autos, hipótese em que estaria divorciado da realidade fática aventada durante a instrução processual, conforme se extrai da jurisprudência desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL E MEIO CRUEL. DECISÃO TACHADA DE MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. VEREDICTO QUE ENCONTRA ECO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. EIVA INEXISTENTE. RECURSO DESPROVIDO. "Não se pode falar em decisão contrária à prova dos autos se os jurados apreciaram os elementos probantes e firmaram seu convencimento, adotando a versão que lhes pareceu mais convincente" (RT 590/343) [...] (Ap. Crim. 2007.003099-4, rel. Des. Subst. Sérgio Paladino, j. em 27.3.2007 - grifou-se).

E mais:

TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MEIO CRUEL - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES CONSTANTES NO CADERNO PROCESSUAL. Não cabe a este Tribunal verificar qual das explicações para os fatos era a mais convincente - se a da acusação ou a da defesa - pois essa escolha compete exclusivamente ao Júri. Só se cogita da anulação do julgamento se faltar ao veredicto qualquer coerência com a prova dos autos [...] (Ap. Crim. 2004.034117-3, rel. Des. Subst. José Carlos Carstens Köhler, j. em 31.5.2005 - grifou-se).

Julio Fabbrini Mirabete, comentando a hipótese recursal dos autos, explica:

A final, o art. 593, III, d, prevê a apelação para a decisão do Tribunal do Júri quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária a prova dos autos. Trata-se de hipótese em que se fere justamente o mérito da causa, em que o error in judicando é reconhecido somente quando a decisão é arbitrária, pois se dissocia integralmente da prova dos autos, determinando-se novo julgamento. Não se viola, assim, a regra constitucional da soberania dos veredictos. Não é qualquer dissonância entre o veredicto e os elementos de convicção colhidos na instrução que autorizam a cassação do julgamento. Unicamente, a decisão dos jurados que nenhum apoio encontra na prova dos autos é que pode ser invalidada. É lícito ao Júri, portanto, optar por uma das versões verossímeis dos autos, ainda que não seja eventualmente essa a melhor decisão (Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1487-1488 - grifou-se).

No mesmo sentido, disserta Heráclito Antônio Mossin:

O legislador é bastante claro ao estabelecer a hipótese de adequação do recurso de apelação que está sendo examinada: "a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos" (art. 593, inciso III, alínea "d").

É imperioso deixar assentado que, como princípio, o legislador não insere no comando normativo palavras inúteis.

No texto legal esquadrinhado é utilizada a expressão manifestamente contrária. Logo, a contradição entre a decisão dos jurados e a prova dos autos é patente, evidente, notória, ou seja, comprovada de plano. Está ela completamente divorciada do conjunto probatório constante dos autos. Não há conciliação entre a verdade real que surgiu da instrução probatória com convicção dos juízes de fato (Júri, crimes e processo. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 450 - grifou-se).

Havendo versões conflitantes sobre o desenrolar dos fatos, como in casu, é cediço que podiam os jurados escolher por qualquer delas sem que a opção tivesse maculado o julgamento como contrário à prova dos autos. Tal possibilidade decorre do princípio da soberania do veredicto do Tribunal do Júri, previsto no art. 5º, inc. XXXVIII, "c", da Constituição da República.

Sendo assim, cabe a este órgão recursal, tão-somente, averiguar se a decisão dos jurados, que condenou o apelante, encontra apoio na prova coletada, não sendo possível sua valoração, pois existindo nela algum suporte, deverá o julgamento ser mantido.

Dito isso, verifica-se que não assiste razão à defesa quando afirma que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária às provas colacionadas ao caderno processual. Isso porque o relato da testemunha n. 01, protegida pelo Provimento n. 14/03/TJ/SC, elucida perfeitamente o motivo pelo qual os jurados acolheram a versão acusatória, veja-se:

[...] que a depoente presenciou o fato descrito na denúncia [...] que em determinado momento a vítima chamou o Tão e este não atendeu, porém o acusado Gabriel Rodrigues Pereira, dirigiu-se a ela; que no momento em que a vítima estendeu a mão para Gabriel, este disparou "um monte de tiros" contra a vítima; que na oportunidade Gabriel disparou fazendo uso de uma pistola; que em seguida outra pessoa também atirou na vítima, afirmando que só pode ter sido o acusado Gilson Adriel Ferreira de Moraes, uma vez que não havia mais ninguém no local; que retifica que na verdade viu Gilson também atirar utilizando-se de um revólver (fl. 234).

Nesse sentido, a informante Juliane Ribeiro narrou que "Gabrielzinho e Camelo [apelante] chegaram atirando," e acredita que, "além de sua irmã, outras pessoas tenham visto o crime". Afirma "que sua mãe foi ameaçada por Vitinho e Gabrielzinho, sendo que colocaram uma arma na cara da mesma; que as pessoas da comunidade devem ter medo dos acusados, pois sua mãe perguntou para as pessoas da casa na frente da qual a vítima caiu e todos disseram que nada tinham visto, apesar de estarem em casa" (fl. 218).

Assim, vê-se que, ao contrário do que afirma o douto causídico, as testemunhas não são unânimes sobre os fatos, existindo mais de uma narrativa para os acontecimentos, sendo o Corpo de Sentença competente para a decisão de qual a mais convincente, não havendo aqui espaço para interferências desta Corte de Justiça.

Quanto às alegações sobre a posição do corpo da vítima e o uso de uma única arma, novamente, inexistente qualquer contradição entre a decisão do júri e os elementos probatórios do caderno processual, uma vez que o laudo de fls. 147-148 relaciona dois disparos como ocorridos "de frente para trás" e cinco "de trás para frente", e ainda afirma que "aparentemente todos eram de calibres iguais", o que não significa serem da mesma arma.

Neste diapasão, o médico que realizou o exame cadavérico, Zulmar Vieira Coutinho, asseverou:

que não foi possível, na hipótese dos autos, identificar a ordem que a vítima recebeu os diparos que a atingiram; que em tese tanto os disparos que atingiram a vítima na cabeça podem ter sido efetuados antes quanto depois dos demais; que salvo nas hipóteses de grande disparidade entre calibres, não é possível identificar se vários orifícios de entrada foram causados por projéteis de idêntico calibre ou diferentes (fl. 180).

Ademais, como afirmou o referido médico legista, somente é possível verificar se os projéteis eram de calibres diferentes se estes tiverem entre si grande disparidade, o que se coaduna perfeitamente com a expressão "aparentemente" usada no laudo citado, demonstrando que não existe certeza matemática, apenas a "aparência" desta certeza, não sendo assim excluído por completo o uso de mais de uma arma de fogo.

Em relação ao não comparecimento em plenário da testemunha n. 01, protegida pelo Provimento n. 14/03/TJ/SC, isto em nada invalida suas palavras, uma vez que ouvida anteriormente em juízo, no termo de fl. 234, situação na qual a defesa tivera oportunidade para realizar os seus questionamentos, obedecidos, assim, os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Por fim, quanto ao laudo de balística de fls. 98-106, alega o recorrente ter este documento atestado que todos os projéteis e cápsulas submetidas a exame foram disparadas da mesma arma, a pistola Taurus de calibre 380, com numeração de série KOF92848. Razão lhe assiste sobre o conteúdo do referido laudo, entretanto, incorreta a sua conclusão sobre os fatos. Extrai-se do laudo de exame cadavérico (fls. 41-44) que o ofendido foi alvejado por sete vezes, uma vez que existem sete orifícios de entrada descritos no referido documento. Assim, tendo sido periciados três projéteis encontrados no corpo da vítima e seis cápsulas, não há como se dizer que foram eliminadas todas as possibilidades da existência de mais de uma arma, já que o número de projéteis é inferior ao número de ferimentos a bala sofridos pelo ofendido.

Como dito, não cabe a este órgão recursal valorar as provas coletadas, mas, sim, verificar se a decisão dos jurados encontra respaldo no acervo probatório, o que, pelas declarações consignadas alhures, entende-se o motivo por que o Conselho de Sentença acatou a versão acusatória, porquanto ficou sobejamente evidenciado que foi o apelante, juntamente com o corréu Gilson Adriel Ferreira de Moraes, que empreenderam disparos à queima roupa contra a vítima, cuja forma de execução utilizada (surpresa), impediu que o ofendido pudesse se defender, causando-lhe ferimentos que culminaram com sua morte.

A propósito:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO - SURPRESA - AUTORIA MATERIALIDADE COMPROVADAS - VEREDICTO COM SUPORTE NO CONJUNTO PROBATÓRIO - SOBERANIA DO TRIBUNAL POPULAR - QUALIFICADORA MANTIDA - ALEGADA NULIDADE POR FALTA DE DEFESA - LEGÍTIMA DEFESA NÃO CONFIGURADA - RECURSO DESPROVIDO

Há decisão manifestamente contrária à prova dos autos quando se apresenta de todo absurda, chocante e aberrante de qualquer elemento de convicção colhido no decorrer do inquérito, da instrução ou do plenário. Tal decisão, destituída de qualquer fundamento ou base no processo, não se confunde com a opção do Júri Popular em acolher uma das teses apresentadas, mesmo que apoiada em prova suspeita ou fraca (Ap. Crim. 2004.009119-2, de Chapecó, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 5.5.2004 - grifou-se).

Frisa-se, ademais, que a decisão do Conselho de Sentença, em reconhecer a qualificadora disposta no art. 121, § 2.º, inc. IV, do Código Penal, encontra-se escorada na prova oral e pericial mencionada alhures, pois os tiros foram desferidos à queima roupa e por trás, cuja distância impossibilitou a defesa da vítima, de modo que o pedido de desclassificação para o crime de homicídio na sua modalidade simples torna-se inviável de ser acolhido.

Destarte, impossível acolher o pleito de declaração de nulidade do julgamento por decisão contrária à prova dos autos, e com supedâneo no princípio constitucional da soberania dos veredictos, previsto no art. 5º, inc. XXXVIII, "c", da Constituição Federal, em que pesem os argumentos expendidos no reclamo recursal, deve a sentença condenatória ser mantida nos seus exatos termos, como decidido pelos jurados.

Nesse norte é o entendimento deste egrégio Sodalício:

TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO SIMPLES TENTADO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. DECISÃO POPULAR QUE REJEITOU A TESE DE OCORRÊNCIA DE LEGÍTIMA DEFESA [...] EXISTÊNCIA DE DUPLICIDADE DE VERSÕES. ACOLHIMENTO DAQUELA QUE SE ENTENDEU MAIS CONDIZENTE COM A REALIDADE DOS FATOS. DELIBERAÇÃO QUE NÃO SE ENCONTRA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO (Ap. Crim. n. 2005.031161-6, rel. Des. Jorge Mussi, j. 8.8.2006).

No que tange à dosimetria, em respeito à proibição de reformatio in pejus presente em nosso ordenamento jurídico, e ausente recurso do Ministério Público, analisar-se-á apenas os elementos do cálculo penal que levaram a magistrada a quo a elevar a reprimenda acima do seu mínimo legal.

Ao analisar as circunstâncias descritas no art. 59 do Código Penal, vê-se que a sentença considerou desfavoráveis ao réu os antecedentes, a conduta social e as circunstâncias do crime.

Quanto aos antecedentes, entendidos como tal condenações transitadas em julgado de fatos ocorridos anteriormente ao crime objeto destes autos, extrai-se da certidão de fls. 510-515 longa lista, como bem apontou a Juíza Presidente, da qual se utiliza neste momento o processo n. 023.99.059064-2. Frisa-se que aqui, ao contrário do que infere a defesa, não se aplica o prazo de cinco anos descrito no art. 64 do Estatuto Repressor, pois aquele trata apenas da reincidência, a qual será analisada em etapa posterior.

Em relação à conduta social, mantém-se o entendimento da sentenciante, considerando-a desfavorável ao acusado, usando de parâmetro, como é o entendimento desta Câmara Criminal, condenações transitadas em julgado de fatos ocorridos posteriormente ao delito de que trata o presente apelo, encaixando-se nesta situação o processo n. 023.08.038711-2, cuja prisão em flagrante ocorreu em 12.6.2008 e o trânsito em julgado da sentença condenatória em 31.8.2009.

Quanto às circunstâncias do crime, com razão o douto causídico ao pedir o afastamento da premeditação, uma vez que não há elementos suficientes nos autos para afirmar sua ocorrência. Contudo, o concurso de agentes deve ser mantido, pois a denúncia a descreve e o coautor Gilson Adriel Ferreira de Moraes restou condenado pelo mesmo delito.

Assim, considerando três os elementos desfavoráveis, estabeleço a pena-base em 18 (dezoito) anos de reclusão, conforme patamar de acréscimo já sedimentado neste Órgão Fracionário.

Na segunda fase, corretamente aplicada a agravante da reincidência em razão da condenação ocorrida no processo n. 023.02.033868-9, uma vez que cumpre os requisitos listados nos art. 63 e 64 do Códex Punitivo, tendo ocorrido o trânsito em julgado desta condenação em 20.10.2003, ou seja, pouco mais de dois anos antes do homicídio pelo qual o acusado é ora condenado (fl. 510). Desta feita, neste momento, aumenta-se a reprimenda em três anos, mantido o patamar já estabelecido em sentença, até porque de acordo com a jurisprudência dominante.

Na etapa derradeira, ausentes causas de aumento ou diminuição de pena, resta definitiva a sanção em 21 (vinte e um) anos de reclusão.

Mantidos o regime inicialmente fechado e a negativa de substituição da reprimenda e a concessão de sursis, uma vez que se trata de condenado reincidente e com pena superior a 8 (oito) anos.

Ex positis, deve-se conhecer do recurso, afastar a preliminar e dar-lhe parcial provimento para diminuir a sanção imposta, restando Gabriel Rodrigues Pereira condenado à pena de 21 (vinte e um) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.

DECISÃO

Ante o exposto, a Terceira Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, afastar a preliminar e dar parcial provimento ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 7 de dezembro de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, sem voto, e dele participaram, com voto, os Exmos. Srs. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho e Des. Subst. Roberto Lucas Pacheco. Funcionou, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, tendo lavrado parecer o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 13 de dezembro de 2010.

Alexandre d'Ivanenko

Relator


Gabinete Des. Alexandre d'Ivanenko