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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 2010.051977-5 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Rodrigo Collaço
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Público
Julgado em: Thu Nov 18 00:00:00 GMT-03:00 2010
Juiz Prolator: Maurício Cavallazzi Póvoas
Classe: Agravo de Instrumento

 

Agravo de Instrumento n. 2010.051977-5, de Joinville

Relator: Juiz Rodrigo Collaço

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGAÇÃO DE MATÉRIA NÃO DEDUZIDA NA ORIGEM - NÃO CONHECIMENTO NESTE ÂMBITO - MANDADO DE SEGURANÇA - LIMINAR CONCEDIDA PARA SUSTAR EXIGÊNCIA DE ALVARÁ DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO - SERVENTIA EXTRAJUDICIAL - PODER DE POLÍCIA DO MUNICÍPIO QUE NÃO SE CONFUNDE COM O CONTROLE DA ATIVIDADE TÍPICA REGISTRAL PELO PODER JUDICIÁRIO - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO

1. "O recurso de agravo por instrumento visa analisar somente o acerto ou desacerto da decisão atacada. Assim, ainda que se trate de matéria de ordem pública, não compete a este Tribunal conhecê-la, se não foi apreciada expressamente pelo Juízo a quo." (AgAI n. 2008.026824-2/0001, rel. Juiz Carlos Alberto Civinski, j. 23.7.2009)

2. "As escrivanias extrajudiciais, como qualquer outra atividade de caráter privado, devem se sujeitar às normas urbanísticas estabelecidas pela Municipalidade e, consequentemente, à sua fiscalização." (AC n. 2008.046336-1, rel. Des. Newton Janke, j. 27.7.2010)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2010.051977-5, da Comarca de Joinville (2ª Vara da Fazenda Pública), em que é agravante Município de Joinville, e agravado Bianca Castellar de Faria:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Público, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e, na parte conhecida, prover o recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

O município de Joinville interpôs agravo de instrumento à decisão interlocutória emanada do juízo da 2ª vara da fazenda pública da comarca de Joinville que, nos autos do mandado de segurança n. 038.10.034021-8 impetrado por Bianca Castellar de Faria contra ato do prefeito local, concedeu a liminar requerida a fim de suspender a notificação n. 04182/10 e determinar que a autoridade impetrada se abstivesse de exigir, durante o transcurso da lide, o alvará de localização e funcionamento do ofício de registro de imóveis do qual a impetrante é titular.

Em juízo de admissibilidade, o e. Juiz Saul Steil deu curso ao agravo na modalidade instrumental e conferiu o efeito suspensivo almejado, sustando a ordem liminar (fls. 102/106).

Contraminuta às fls. 111/141 pela manutenção do interlocutório recorrido.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer pelo provimento do agravo (fls. 149/155).

VOTO

1. Trata-se de recurso de agravo dirigido contra a decisão interlocutória que, em sede de mandado de segurança, deferiu a liminar requerida pela impetrante Bianca Castellar de Faria, titular do 1º Ofício do Registro de Imóveis, para afastar a exigência de alvará de localização e funcionamento daquele estabelecimento pela municipalidade.

Depois de verificar o periculum in mora, o magistrado a quo vislumbrou pertinência na tese desenvolvida pela autora à luz do art. 37 da Lei n. 8.935/94, entendendo ser do Judiciário a competência para fiscalização dos serviços notariais.

Na minuta recursal, deduz o agravante que o prefeito é parte ilegítima no mandamus, pois não foi quem ordenou a medida impugnada, e, no mérito, que não há ilegalidade ou abuso na exigência de alvará de localização do ofício de registro imóveis, já que fundada no art. 110 da LC 84/00, sendo que o juízo a quo afastou sua aplicabilidade sem ao menos esclarecer se o fez por controle incidental. Acrescenta que os atributos do Poder Judiciário dizem respeito ao atos vinculados à atividade-fim dos notários e oficiais de registro, subsistindo a possibilidade de o ente municipal exercer seu poder de polícia em relação ao ordenamento urbano. Invoca, por fim, a existência de periculum in mora inverso caso mantida a liminar.

2. Em relação à aventada ilegitimidade da autoridade impetrada, assiste razão ao ilustre subscritor do pronunciamento de fls. 102/106 e ao e. procurador de justiça ao constatarem que a questão, veiculada diretamente nesta instância, não foi apreciada pelo juízo a quo.

De fato, embora haja divergências a respeito, reputa-se que cabe à parte antes levar ao conhecimento do juízo a matéria aventada, já que o agravo de instrumento tem seu alcance restrito à análise do acerto ou desacerto da decisão atacada.

Sobre o tema, colhe-se desta Corte de Justiça:

"AGRAVO INOMINADO. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO, LIMINARMENTE, AO AGRAVO POR INSTRUMENTO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. TEMA NÃO APRECIADO PELO JUÍZO A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ALEGAÇÃO DE QUE A MATÉRIA É DE ORDEM PÚBLICA E FOI ABORDADA INDIRETAMENTE NA DECISÃO ATACADA, QUE DETERMINOU O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO EXPRESSA, NA DECISÃO ATACADA, DA MATÉRIA OBJETO DO AGRAVO POR INSTRUMENTO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

O recurso de agravo por instrumento visa analisar somente o acerto ou desacerto da decisão atacada. Assim, ainda que se trate de matéria de ordem pública, não compete a este Tribunal conhecê-la, se não foi apreciada expressamente pelo Juízo a quo." (AgAI n. 2008.026824-2/0001, rel. Juiz Carlos Alberto Civinski, j. 23.7.09)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO APRECIADA EM PRIMEIRO GRAU. NÃO CONHECIMENTO, SOB PENA DE INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. Omissis." (AI n. 2008.077267-9, rel. Des. Victor Ferreira, j. 16.4.09)

"Apesar de ser matéria de ordem pública, deve ser apreciada, primeiramente, no juízo de origem, sob pena de supressão de instância." (Ag em EDEDAI n. 2007.037715-3/000102, rel. Juiz Paulo Roberto Sartorato, j. 11.12.08)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASSERTIVA DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - MATÉRIA NÃO ANALISADA EM PRIMEIRO GRAU - IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - DECISUM MANTIDO - RECURSO DESPROVIDO.

''Em sede de agravo de instrumento, não convém a análise da preliminar de ilegitimidade passiva suscitada, vez que haveria substituição do julgamento monocrático e indevida supressão de instância' (TJDFT - rel. Desa. Nancy Andrighi)' (Des. Alcides Aguiar)." (AI n. 2006.044522-6, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 22.5.07)

"PROCESSUAL CIVIL - DIREITO DAS COISAS - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - LIMINAR DEFERIDA NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - MATÉRIA NÃO APRECIADA NA INSTÂNCIA DE ORIGEM - IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM 2ª INSTÂNCIA - RECURSO NÃO CONHECIDO.

Não cabe ao juízo ad quem a análise de matérias não deliberadas pela instância originária, sob pena de ocorrer supressão de instância e violação ao princípio do duplo grau de jurisdição" (AI n. 2008.035540-4, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 13.11.08)

Portanto, para o momento insta relegar ao magistrado a quo a aferição da tese de ilegitimidade, inclusive, se for o caso, à luz dos arts. 32 e 110, caput, da LC municipal 84/00 e em face da teoria da encampação, conforme neste âmbito mencionado pela agravada (fls. 114 a 120).

3. No que toca à matéria devolvida neste recurso, com o devido respeito ao posicionamento externado em primeira instância, assiste razão ao agravante quanto à ausência de fumus boni juris na pretensão deduzida na inicial.

O tema já foi abordado com clareza pelo e. Desembargador Newton Janke no acórdão da Apelação Cível n. 2008.046336-1 - oriunda da comarca da Capital -, julgada em 27 de julho deste ano, de cujo voto se extrai o seguinte excerto:

"Busca o autor a anulação dos autos de infrações extraídos pela Municipalidade, com a consequente declaração de inexigibilidade de obtenção alvará de licença de localização e funcionamento.

Ao decidir a lide, o ilustre magistrado de primeiro grau considerou que, ainda que o apelante exerça um serviço público por delegação, isto não o exime de sujeitar-se às normas urbanísticas.

Com inteira razão tal entendimento.

Não há dúvidas que a apelante exerce serviço público delegado, a teor do disposto na Constituição Federal:

'Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.'

Não se ignora também o fato de que a fiscalização dos atos notariais e registrais praticados pelo delegatário incumbe ao juízo competente de cada Estado (Lei n. 8.935/94, art. 37). Entretanto, essa fiscalização diz respeito às atividades finalísticas das serventias.

Há, portanto, marcante diferença entre essa fiscalização e aquela realizada pelo Município.

A fiscalização realizada pela Municipalidade é pautada, basicamente, no poder de polícia, visando o cumprimento do regramento urbanística preestabelecido na legislação municipal.

A propósito, Hely Lopes Meirelles, com muita propriedade, esclarece:

'[...] compete ao Município a polícia administrativa das atividades urbanas em geral, para a ordenação da vida da cidade. Esse policiamento estende-se a todas as atividades e estabelecimentos urbanos, desde sua localização até a instalação e funcionamento, não para o controle do exercício profissional e do rendimento econômico, alheios à alçada municipal, mas para a verificação da segurança e da higiene do recinto, bem como da própria localização do empreendimento (escritório, consultório, banco, casa comercial, indústria etc.) em relação aos usos permitidos nas normas de zoneamento da cidade.' (Direito Municipal Brasileiro, 15ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 504).

Portanto, não há que se falar em contrariedade da legislação municipal à qualquer legislação federal. A Constituição Federal não estabelece hierarquia entre os entes federativos, havendo tão somente demarcação no tocante às competências. Cada qual detém competências próprias, no âmbito das quais opera com inteira autonomia, como se extrai da seguinte doutrina:

'Cumpre, pois, na estrutura federativa brasileira, à União, ao Estados-membros e aos municípios, atuarem dentro dos limites das Competências determinadas pela Constituição. Nesse contexto, não há que existir, como regra, hierarquia ou subordinação entre as leis editadas pelos respectivos entes estatais. Só a hierarquia entre leis, segundo Meirelles, 'quando, por inexistir exclusividade de administração, as três entidades - União, Estados-membros e município regularem concorrentemente a mesma matéria, caso em que a lei municipal cede à estadual e esta à federal' (Cesar Abreu, Sistema Federativo Brasileiro, Florianópolis: Obra Jurídica, 2004, p. 85/86).

É certo que, no caso de competência concorrente, a União se sobrepõe aos Estados e Municípios.

Entretanto, como corretamente enfatizou a sentença, 'quanto aos assuntos eminentemente locais, a municipalidade detém autonomia. Cabe-lhe regulamentar as medidas no sentido de que o uso da propriedade se conforme com o interesse público. A localização de estabelecimentos, independentemente da exata natureza da atividade, é tema relevante e que deve ser regrado'.

Assim, não há que vislumbrar em ilegalidade nas autuações realizadas."

A ementa, no que aqui interessa, restou assim redigida:

"ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE MULTA APLICADA PELO MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE ALVARÁ. ESCRIVANIA EXTRAJUDICIAL. SERVIÇOS DE CARÁTER PRIVADO EXERCIDOS POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. SUJEIÇÃO ÀS REGRAS URBANÍSTICAS MUNICIPAIS. [...]

1. As escrivanias extrajudiciais, como qualquer outra atividade de caráter privado, devem se sujeitar às normas urbanísticas estabelecidas pela Municipalidade e, consequentemente, à sua fiscalização.

[...]"

No mesmo sentido, em sede de liminar:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INEXIGIBILIDADE DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO. LIMINAR INDEFERIDA. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. PERICULUM IN MORA NÃO CONFIGURADO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO." (AI n. 2007.049978-9, da Capital, rel. Des. Orli Rodrigues, j. 1º.7.2008)

Enfim, percebe-se que o caso em exame se amolda aos tratados nos precedentes acima, motivo pelo qual não há que se falar, ao menos em sede de análise da liminar requerida, em ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato atacado na origem, a considerar a viabilidade do exercício do poder de polícia pelo município em relação àquilo que não competir ao Poder Judiciário.

4. Ante o exposto, o voto é pelo conhecimento parcial do recurso e, no mérito, por seu provimento.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, decidiu a Quarta Câmara de Direito Público, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e, na parte conhecida, prover o recurso.

O julgamento, realizado no dia 18 de novembro de 2010, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Cláudio Barreto Dutra, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador José Volpato de Souza.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça lavrou parecer o Excelentíssimo Senhor Doutor Narcísio Geraldino Rodrigues.

Florianópolis, 19 de novembro de 2010

Rodrigo Collaço

RELATOR


Gabinete do Juiz Rodrigo Collaço

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