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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0001924-63.2017.8.24.0048 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Nov 23 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Apelação Criminal

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 101








Apelação Criminal Nº 0001924-63.2017.8.24.0048/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: NERI AMILTON BRAND (RÉU) ADVOGADO: THALITA VIEIRA CONSENTINO (OAB SC026250) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Balneário Piçarras, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Neri Amilton Brand, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 302, § 1º, IV, da Lei 9.503/97, nos seguintes termos:
Infere-se do presente caderno indiciário que no dia 12/06/2017, por volta das 8:45 horas, o ora denunciado Neri Amilton Brand, conduzia o caminhão Mercedes Benz, de placas MAQ-4976, pela marginal da BR-101, sentido norte.
Ocorre que em dado momento, o denunciado Neri deixou de observar os cuidados necessários para conduzir o caminhão e acabou atingindo a vítima Odair Sebastião Pereira, que transitava com a sua motocicleta Honda/CG, de placa MIN7365, sendo encaminhado para o Pronto Atendimento, todavia, veio a óbito logo após (Evento 5).
Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Neri Amilton Brand à pena de 2 anos de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 2 anos de suspensão do direito de dirigir veículo automotor, substituída a privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade, pelo cometimento do delito previsto no art. 302, caput, da Lei 9.503/97 (Evento 39).
Insatisfeito, Neri Amilton Brand deflagrou recurso de apelação.
Em suas razões, sustenta que "a motocicleta interceptou a trajetória do caminhão e não o contrário, eis que o caminhão já estava praticamente ingressado na Rua perpendicular via marginal que dava acesso a indústrias localizadas na região, quando foi surpreendido pela motocicleta que vinha em alta velocidade".
Alega que "existia tanto a sinalização de Pare para o condutor do caminhão, quanto sinalização da velocidade permitida para o condutor da motocicleta", por isso "parou, verificou a inexistência de fluxo de veículos vindo em sua direção, na via marginal, bem como olhou para a BR" e, após, "sinalizou, e iniciou a conversão à esquerda", mas "foi surpreendido pela motocicleta que saiu da BR e acessou a via Marginal em alta velocidade vindo a colidir na parte dianteira direita do seu caminhão".
Pondera que "a via marginal de saída da BR-101, acessada pelo motociclista possui poucos metros, o que permite concluir que ao sair da BR o condutor da motocicleta não reduziu a velocidade", "realizava a conversão a esquerda em baixa velocidade, eis que estava carregado, e por isso conseguiu frear ao perceber a aproximação da motocicleta", contudo, "se a vítima estivesse observando a velocidade permitida", "conseguiria finalizar a conversão, ou no mínimo teria a vítima conseguido desviar".
Afirma que "não há qualquer prova cabal da alegada quebra de dever objetivo de cuidado [...] e da previsibilidade objetiva do trágico evento danoso".
Sob tais argumentos, requer a proclamação da sua absolvição.
Subsidiariamente, anseia que "seja readequada a sanção de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, fixando-a no mínimo legal, qual seja, 2 (dois) meses" (Evento 51).
O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e parcial provimento do reclamo (Evento 58).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Rui Carlos Kolb Schiefler, manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, "apenas para fixar a pena de suspensão do direito de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor no seu patamar mínimo" (eproc2G, Evento 7).

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
1. Desde já esclarece-se que, embora efetivamente não descrita na narrativa do fato, na classificação da conduta operada na denúncia foi incluída a causa de aumento do art. 302, § 1º, IV ("no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros") (Evento 5). Na sentença não houve enfrentamento quanto à configuração da circunstanciadora, que não foi aplicada (Evento 39). Tendo em vista que o Apelante evidentemente não conduzia veículo de transporte de passageiros e que, mesmo se considerada a sentença citra petita, a nulidade não poderia ser declarada (STF, Súmula 160), nada há para ser reparado nesse tocante.
A materialidade do fato encontra-se estampada no boletim de ocorrência (Evento 1, doc4-5), na certidão de óbito (Evento 1, doc9-10), no boletim de acidente de trânsito (Evento 1, doc11-21) e na prova oral, todos dando conta de que Odair Sebastião Pereira faleceu em decorrência de colisão havida entre a motocicleta que guiava e o caminhão conduzido pelo Apelante Neri Amilton Brand.
A autoria do fato, da mesma forma, é incontroversa, pois em momento algum Neri Amilton Brand negou que fosse o condutor do caminhão. Sua resistência à acusação lastreia-se, em síntese, em alegada ausência de prova da culpa, pois teria tomado todos os cuidados necessários à manobra que executou, e em culpa exclusiva da Vítima, que trafegava em velocidade incompatível com a via e, por isso, não pôde evitar o acidente de que cuidam os autos.
Interrogado na Delegacia de Polícia, o Recorrente Neri Amilton Brand respondeu:
no dia dos fatos estava trafegando com o caminhão caçamba marca Mercedes Benz modelo 1932, placas MAQ-4976; Que estava carregado; que seguia pela marginal da BR-101, sentido norte para acessar o bairro Morro Alto; que alega que quando foi acessar a rua lateral da Takata, adentrou com seu caminhão alguns centímetros na outra faixa, faixa esta utilizada para quem pega a saída da BR 101 e acessar a Cidade de Piçarras; que afirma que não visualizou que vinha uma motocicleta saindo da Rodovia BR 101; Que somente deu conta de tal fato quando este motociclista colidiu com a lateral frontal (bico) esquerda do caminhão que dirigia; que o motociclista caiu no chão, e com o impacto foi que o interrogado tomou ciência do acidente que ocasionou; que ficou no local até a chegada do Corpo de Bombeiros e PRF; Que o motociclista Sr. Odair Sebastião Pereira foi encaminhado para o Pronto Atendimento; que o interrogado afirma que prestou as informações para a PRF (Evento 1, doc24).
Em Juízo, o Apelante Neri Amilton Brand declarou:
eu vinha passando por debaixo do viaduto e cheguei ali onde tem a placa de Pare, parei o caminhão, estava com farol ligado, dei o pisca para entrar à esquerda; eu estava carregado, na BR vinha um caminhão e não dava de ver nada a moto, eu botei um metro para frente o caminhão, para arrancar, no momento que arrancou a moto apareceu que estava atrás daquele caminhão; mas ele vinha da BR, na velocidade que tá entra, que não dá de entrar devagar; hoje tem um monte de cone, na época não tinha nada; ele entrou, eu parei o caminhão, ele poderia ter desviado, mas ele veio e bateu; é bem pertinho a saída da BR do local do impacto; na verdade eu não vi a moto por causa do caminhão que vinha na frente; o impacto eu já tava um pouquinho na outra pista, ele poderia ter passado, mas eu tava na pista dele (mídia do Evento 35, doc76).
A filha da Vítima Odair Sebastião Pereira, Tainah da Silva Pereira, não presenciou o acidente e, ouvida em ambas as fases procedimentais, confirmou que o pai trafegava no sentido Joinville-Piçarras quando colidiu com um caminhão na marginal da BR-101, bem "em frente da Takata" (Evento 1, doc6 e 22 e mídia do Evento 35, doc75).
Analisando o croqui do boletim de acidente de trânsito (Evento 1, doc12) e as imagens do Google Maps e Street View (que inclusive foram juntadas pela Defesa na apelação), é facilmente compreensível a dinâmica do acidente (as imagens do Google Street View são de agosto de 2017, ou seja, condizentes com a realidade do dia do acidente, 12.6.17).
A Vítima Odair Sebastião Pereira seguia no sentido norte-sul da BR-101 (Rodovia Governador Mário Covas) e, na altura da subestação da Celesc de Piçarras, adentrou na saída que leva à marginal da BR-101 (no Google Maps denominada Avenida Takata), com o intuito de ir ao viaduto que passa por baixo da Rodovia, sentido leste (em direção à praia).
Essa via marginal tem início nessa saída da BR-101, e logo após há uma rua perpendicular, a Rua Abílio Manoel de Borba, depois da qual a marginal torna-se uma via de mão dupla. O caminhão do Recorrente trafegava nessa marginal, em sentido contrário a motocicleta (sul-norte), e pretendia ingressar na Rua Abílio Manoel de Borba. Logo no início dessa rua há um complexo industrial, que à época pertencia à empresa Takata (atualmente é a Joyson Safety Sistems).
A preferencial de passagem é do condutor que transita pela BR-101 e acessa a marginal (a saída é mão única), para quem há uma placa de velocidade de 40 km/h. Para aquele que circula na marginal em sentido contrário há uma placa de PARE que, na verdade, é o ponto final da marginal para quem segue neste sentido, ou seja, depois da placa PARE o único caminho possível é virar à esquerda na Rua Abílio Manoel de Borba (pois, seguindo, estaria entrando na contramão da saída da BR-101 pela qual vinha a motocicleta).
No canto esquerdo da via de saída da BR-101 e acesso à marginal há uma pintura branca e tachões sinalizando que o motorista que por ali trafega deve se manter à direita da via, justamente afastando-o da mão de direção de quem circula em sentido contrário na marginal. Assim, para que aconteça um acidente, em tese, é preciso que o condutor que segue pela marginal invada a pista contrária, justamente conforme admitiu o Apelante.
Nas fotografias tiradas logo após o acidente, percebe-se que o ponto de impacto, no caminhão, foi a lateral dianteira direita (na "esquina" do caminhão), de modo que, pelo relato do Recorrente e por tais imagens, não resta dúvida de que foi o caminhão que cortou a preferência de passagem da motocicleta, causando o acidente ao tentar fazer conversão à esquerda.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), "O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito" (art. 28); "o condutor que queira executar uma manobra deverá certificar-se de que pode executá-la sem perigo para os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão cruzar com ele, considerando sua posição, sua direção e sua velocidade" (art. 34); "antes de iniciar qualquer manobra que implique um deslocamento lateral, o condutor deverá indicar seu propósito de forma clara e com a devida antecedência, por meio da luz indicadora de direção de seu veículo, ou fazendo gesto convencional de braço" (art. 35) e, "Durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem" (art. 38, parágrafo único).
Assim, é patente que a conduta de Neri Amilton Brand foi imprudente, pois não observou o dever objetivo de cuidado que lhe era imposto para que pudesse convergir à esquerda, não se podendo falar em ausência de prova da culpa.
Nessa linha, deste Tribunal de Justiça:
CRIME DE LESÃO CORPORAL CULPOSA NO TRÂNSITO (CTB, ART. 303, PARÁGRAFO ÚNICO, C/C ART. 302, § 1º, III, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N. 13.546/2017). AVENTADO QUE NÃO RESTOU COMPROVADA A DINÂMICA DO ACIDENTE. NÃO OCORRÊNCIA. VÍTIMA QUE AFIRMOU QUE ESTAVA TRAFEGANDO NA VIA PREFERENCIAL E QUE TEVE SUA FRENTE CORTADA POR OUTRA MOTOCICLETA. ACUSADO RELATOU QUE REALIZOU UMA CONVERSÃO À ESQUERDA SEM OBSERVAR QUE A VÍTIMA SE APROXIMAVA PELA VIA PREFERENCIAL, RAZÃO PELA QUAL COLIDIU SUA MOTOCICLETA CONTRA A DA OFENDIDA. NARRATIVA CORROBORADA PELOS TESTEMUNHOS DOS POLICIAIS. RÉU QUE DEIXOU DE OBSERVAR O DEVER OBJETIVO DE CUIDADO PREVISTO NO ART. 34 DO CTB. AUTORIA E IMPRUDÊNCIA EVIDENTES. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE (Ap. Crim. 0000773-76.2017.8.24.0011, Rel. Des. Antônio Zoldan da Veiga, j. 11.3.21).
E:
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 302, CAPUT, DO CTB. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO PELA AUSÊNCIA DE PROVA DA CULPA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS NOS AUTOS. ACUSADO QUE AO REALIZAR MANOBRA DE CONVERSÃO À ESQUERDA COLIDE COM MOTOCICLISTA QUE VINHA EM SENTIDO CONTRÁRIO CAUSANDO O ÓBITO DESTE. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES ALIADO AO LAUDO PERICIAL DO LOCAL DO ACIDENTE. IMPRUDÊNCIA CARACTERIZADA. PROVAS HÍGIDAS QUANTO À CULPA DO APELANTE. ATENÇÃO E DEVER DE CUIDADO NÃO OBSERVADOS. "O condutor que ao realizar a conversão à esquerda, acaba por invadir a via preferencial e se choca com veículo que trafegava regularmente neste, causando a morte de uma pessoa, comete, de fato, o delito tipificado no art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro. A alegação da defesa de que a vítima fora a responsável pelo seu próprio falecimento, haja vista estar conduzindo a motocicleta imprudentemente, mesmo que acolhida, não teria o condão de exonerar o agente de culpa, pois, é cediço, inexiste, no âmbito do direito penal, compensação de culpas" (TJSC, Apelação Criminal n. 2015.003324-9, de Içara, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 17.03.2015). ADEMAIS, AUSÊNCIA TAMBÉM DE PROVA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU DE TERCEIRO. ÔNUS QUE COMPETIA À DEFESA. ART. 156, DO CPP. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Ap. Crim. 0001832-71.2016.8.24.0064, Relª. Desª. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 9.7.20).
Ainda:
1. Age com culpa, na modalidade imprudência, o motorista que, pretendendo ingressar em lote lindeiro à via, localizado na margem oposta daquela em que se encontra, desloca o veículo para o acostamento e inicia manobra de transposição da pista de rolamento sem se certificar de que nenhum outro veículo por ela transitava, e dá azo à colisão com motocicleta que regularmente seguia o fluxo (Ap. Crim. 2013.087900-3, deste relator, j. 4.11.14).
2. Não há prova nos autos de qual era a velocidade em que a motocicleta conduzida pela Vítima trafegava. Além disso, não é verdade que, por ter saído da BR-101, Odair Sebastião Pereira necessariamente circulava em alta velocidade. Há uma distância de cerca de oitenta metros entre o início da saída da Rodovia e o local do acidente (a entrada da Rua Abílio Manoel de Borba), e muito provavelmente a motocicleta estava desacelerando nesse trecho, mas não evitou o acidente porque o caminhão abruptamente invadiu a pista contrária preferencial.
Além disso, Neri Amilton Brand admitiu em Juízo que não conseguiu ver a motocicleta "longe na BR" porque havia um caminhão à frente dela, de cuja retaguarda ela saiu para acessar a marginal. Se havia este caminhão que impedia uma melhor visão da BR-101, a conversão à esquerda só poderia ter sido iniciada quando este caminhão passasse e o Apelante percebesse que ninguém seguia na sua retaguarda.
De todo modo, ainda que se admitisse que a Vítima também pilotava de modo imprudente (o que se admite apenas para completude do provimento jurisdicional), não estaria afastada a responsabilidade do Recorrente, pois, em Direito Penal, não há compensação de culpas concorrentes.
É também inviável concluir que o evento aconteceu por culpa exclusiva da Vítima. Mesmo que ela pilotasse a motocicleta de modo imprudente, acaso o Apelante não tivesse obstruído a passagem, ela imprudentemente seguiria seu curso e o acidente não teria ocorrido.
Não se está negando o fato de que a Vítima também conduzia de modo imprudente, pois transitava pelo corredor, possivelmente já na pista da contramão, e em velocidade inadequada.
A propósito, do Superior Tribunal de Justiça:
Nos termos da jurisprudência desta Corte, "no crime de homicídio culposo ocorrido em acidente de veículo automotor, a culpa concorrente ou o incremento do risco provocado pela vítima não exclui a responsabilidade penal do acusado, pois, na esfera penal não há compensação de culpas entre agente e vítima" (HC 193.759/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 18/8/2015, DJe 1º/9/2015) (AgRg no AREsp 1.799.110, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 5.10.21).
Desta Corte de Justiça:
DISCUSSÃO ACERCA DA CULPA. IMPRUDÊNCIA DO CONDUTOR QUE AO REALIZAR MANOBRA À ESQUERDA INTERCEPTOU A TRAJETÓRIA DA MOTOCICLETA QUE TRAFEGAVA NO SENTIDO CONTRÁRIO. INEXISTÊNCIA DE COMPENSAÇÃO DE CULPAS NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL. PRECEDENTES (Ap. Crim. 0002214-49.2014.8.24.0027, Rel. Des. Norival Acácio Engel, j. 22.5.18).
A condenação de Neri Amilton Brand pela prática do crime previsto no art. 302, caput, da Lei 9.503/97, portanto, deve ser mantida.
3. O Recorrente insurge-se contra a pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, aplicada no montante de 2 anos, pois "deve ser estabelecida de maneira proporcional ao aumento sofrido por aquela corporal, observando-se os mesmos critérios utilizados para a fixação desta" (Evento 51, doc1, fl. 13).
Nesse ponto específico não detém razão, porque a sanção de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor não segue o critério trifásico do art. 68 do Código Penal, conforme orienta o Superior Tribunal de Justiça:
A pena de proibição de dirigir veículo automotor não se confunde com as penas substitutivas à privativa de liberdade estabelecidas no Código Penal. Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que a norma não estabelece os critérios a fim de fixar o lapso com objetivo de suspender a habilitação para dirigir, devendo o juiz estabelecer o prazo de duração da medida considerando as peculiaridades do caso concreto, tais como a gravidade do delito e o grau de censura do agente, não ficando adstrito à análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (AgRg no REsp n. 1.663.593/SC, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 26/6/2017) (AgRg no AREsp 1.709.618, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 3.11.20).
A pena, contudo, deve ser reduzida por fundamento diverso.
O art. 293, caput, da Lei 9.503/97 estabelece que "A penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos".
Ao que parece, o Magistrado de Primeiro Grau equivocou-se com relação ao prazo mínimo da referida sanção e, pretendendo fixar o menor limite (igualmente como fez com a pena privativa de liberdade), em vez de 2 meses, aplicou 2 anos: "Com base nos mesmos critérios da definição da pena privativa de liberdade, fixo a suspensão do direito de conduzir veículo automotor pelo prazo de 2 (dois) anos (CTB, art. 293, caput), guardada a proporção com a pena privativa de liberdade" (Evento 39, doc69, fl. 6).
Diante disso, não houve fundamentação para fixação da pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor acima do mínimo legal (na verdade, houve motivação em sentido contrário) e, não cabendo à esta Corte agregar fundamentos em recurso exclusivo da Defesa (mesmo porque não existem, pois o acidente, embora fatal, foi comum, e o Apelante é primário, nada havendo que justifique o agravamento), deve ser reduzida a referida sanção para 2 meses.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento exclusivamente para reduzir a pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor para 2 meses.

Documento eletrônico assinado por SÉRGIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1593918v31 e do código CRC a9aa23a8.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SÉRGIO RIZELOData e Hora: 23/11/2021, às 14:32:12

 

 












Apelação Criminal Nº 0001924-63.2017.8.24.0048/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: NERI AMILTON BRAND (RÉU) ADVOGADO: THALITA VIEIRA CONSENTINO (OAB SC026250) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


EMENTA


APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 302, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.
1. CULPA. CONVERSÃO À ESQUERDA. TRANSPOSIÇÃO DE FAIXA PREFERENCIAL DE SENTIDO CONTRÁRIO PARA ACESSO A RUA PERPENDICULAR.  DEVER OBJETIVO DE CUIDADO (LEI 9.503/97, ARTS. 34, 35 E 38, PARÁGRAFO ÚNICO). 2. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. PROVA. COMPENSAÇÃO DE CULPAS. 3. SUSPENSÃO OU PROIBIÇÃO DE SE OBTER A PERMISSÃO OU A HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. PRAZO DE DURAÇÃO. GRAVIDADE DO DELITO E GRAU DE CENSURA. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Age com culpa, na modalidade imprudência, o motorista que, dirigindo em pista de duplo sentido na faixa não preferencial e pretendendo ingressar em via perpendicular à esquerda, dá início à manobra sem se certificar de que nenhum outro veículo por ela transitava, interrompendo a trajetória da motocicleta conduzida pela vítima, que seguia em sentido contrário e detinha prioridade de passagem.
2. Não se verifica culpa exclusiva da vítima quando não há prova de que ela transitasse em velocidade incompatível com a via, tendo sido alvejada pelo veículo do acusado na sua faixa de circulação, que era preferencial, ao passo que, de todo modo, mesmo se houvesse imprudência de ambos os condutores, não há como elidir a responsabilidade do acusado, porquanto em Direito Penal não se admite a compensação de culpas.
3. Para a fixação do prazo da pena de suspensão ou proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor não é exigida correspondência à pena privativa de liberdade, devendo ser analisada a gravidade do delito e o grau de censura do agente; no entanto, para fixação acima do mínimo legal, deve haver fundamentação concreta e, inexistente a motivação para tanto, há de ser estabelecido o prazo mínimo de 2 meses.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento exclusivamente para reduzir a pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor para 2 meses, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 23 de novembro de 2021.

Documento eletrônico assinado por SÉRGIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1593919v8 e do código CRC ef27e5fc.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SÉRGIO RIZELOData e Hora: 23/11/2021, às 14:32:13

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária por Videoconferência DE 23/11/2021

Apelação Criminal Nº 0001924-63.2017.8.24.0048/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

PRESIDENTE: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

PROCURADOR(A): RAUL SCHAEFER FILHO
APELANTE: NERI AMILTON BRAND (RÉU) ADVOGADO: THALITA VIEIRA CONSENTINO (OAB SC026250) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária por Videoconferência do dia 23/11/2021, na sequência 42, disponibilizada no DJe de 08/11/2021.
Certifico que o(a) 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO EXCLUSIVAMENTE PARA REDUZIR A PENA DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR PARA 2 MESES.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SÉRGIO RIZELO
Votante: Desembargador SÉRGIO RIZELOVotante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGELVotante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO
FELIPE FERNANDES RODRIGUESSecretário