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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5018991-61.2021.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Aug 24 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Correição Parcial Criminal

 









Correição Parcial Criminal Nº 5018991-61.2021.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


CORRIGENTE: BR CONSTRUCAO, CONFECCAO DE ARTEFATOS DE CONCRETO E TRANSPORTES EIRELI ADVOGADO: KISSAO ALVARO THAIS (OAB SC007434) CORRIGIDO: Juízo da Vara Criminal da Comarca de Canoinhas


RELATÓRIO


Perante este Tribunal de Justiça, nos autos do Pedido de Prisão Preventiva 50251704520208240000, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina formulou requerimento de busca e apreensão de objetos e documentos que estariam em posse de Gildo Lisboa (e das pessoas jurídicas a ele relacionadas), documentação reputada imprescindível para a apuração dos delitos sob investigação (crimes contra a administração pública, de lavagem de dinheiro e então previstos na Lei 8.666/90). O procedimento teve início nesta Corte por conta da prerrogativa de foro de um dos Investigados, Orildo Antônio Severgnini, que ocupava o cargo de Prefeito do Município de Major Vieira.
A busca foi deferida por este relator (Evento 5) e cumprida; na sequência, Gildo Lisboa, Construtora e Artefatos de Concreto Planaltina Ltda. e BR Construção, Confecção de Artefatos de Concreto e Transportes Eireli postularam pela restituição das coisas apreendidas (Eventos 81-83), o que foi indeferido, também por este relator (Evento 95).
Contra o indeferimento, Gildo Lisboa, Construtora e Artefatos de Concreto Planaltina Ltda. e BR Construção, Confecção de Artefatos de Concreto e Transportes Eireli opuseram embargos de declaração (Eventos 126-128), igualmente rejeitados pelo signatário (Evento 130).
Foram interpostos, então, agravos internos contra o comando monocrático (Eventos 145, 152-153). E antes da submissão dos agravos ao Órgão Colegiado, o mandato de Orildo Antônio Severgnini foi extinto e foi determinada a remessa do processo à Primeira Instância (Evento 165, todos dos autos 50251704520208240000).
Na Comarca de Canoinhas, o processo foi autuado sob o número 50000640220218240015, e a Magistrada de Primeira Instância, inicialmente, reconheceu sua "incompetência para decidir os embargos de declaração de decisão proferida naquela Corte [...] e bem assim no que respeita aos agravos internos" (Evento 199).
Tal comando judicial foi alvo de embargos de declaração (Eventos 211-213), parcialmente acolhidos para "ratificar expressamente os atos instrutórios e as decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina neste feito, nos termos da fundamentação supra, por não haver qualquer nulidade ou irregularidade a ser reconhecida no momento" (Evento 223 dos autos em Primeiro Grau).
Em face da decisão que ratificou os comandos judiciais proferidos por este relator, Gildo Lisboa, Construtora e Artefatos de Concreto Planaltina Ltda. e BR Construção, Confecção de Artefatos de Concreto e Transportes Eireli manejaram correição parcial, com a qual almejam, em síntese, a anulação de tal comando judicial por ausência de fundamentação e por cerceamento de defesa (Evento 1 destes autos).
Declarei-me impedido de oficiar no feito (Evento 9) e, contra essa deliberação, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs o presente agravo interno.
Alega, em síntese, que, "mesmo que os integrantes do Órgão Fracionário e o Exmo. Desembargador tenham atuado em um dos processos vinculados nesse Tribunal de Justiça como ação originária [...] suas participações, posteriormente, em julgamentos de quaisquer recursos, incidentes ou ações autônomas não incidem em nenhuma das hipóteses de impedimento" e, sob tal argumento, requer o afastamento da declaração de impedimento (Evento 13).
O Agravado manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Evento 25).

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Não é, contudo, digno de provimento.
O impedimento foi declarado com remissão ao arrazoado exposto na decisão do Evento 19 do Habeas Corpus 5002984-91.2021.8.24.0000. O fundamento para tal deliberação foi o entendimento exposto pelo Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 597.495, apreciado em 27.10.20, cujo acórdão foi assim ementado:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPEDIMENTO DOS JULGADORES. ARTS. 252 E 253 DO CPP. ROL TAXATIVO. 2. CORRÉU PREFEITO. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA. RETORNO DO PROCESSO EM SEDE RECURSAL. 3. RECURSO DISTRIBUÍDO AO MESMO ÓRGÃO FRACIONÁRIO QUE RECEBEU A DENÚNCIA DO CORRÉU. EXISTÊNCIA DE PRÉVIO PRONUNCIAMENTO DE FATO E DE DIREITO. 4. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. IMPARCIALIDADE DOS JULGADORES QUE DEVE SER ASSEGURADA. 5. IMPEDIMENTO PARA JULGAR APELAÇÃO DO CORRÉU. APELAÇÃO DO PACIENTE QUE DEVE SEGUIR A MESMA SORTE. NECESSIDADE DE SE EVITAR DECISÕES CONFLITANTES. 6. SITUAÇÃO DISTINTA DA ANALISADA NO HC 374.397/STJ E NO RHC 158.457/STF. OBSERVÂNCIA À REGRA DE CONEXÃO. 7. CONCESSÃO DA ORDEM PARA DETERMINAR QUE A APELAÇÃO DO PACIENTE SEJA JULGADA PELO MESMO ÓRGÃO QUE JULGARÁ A DO CORRÉU REINALDO. 1. Como é de conhecimento, o rol de impedimentos, previsto nos arts. 252 e 253 do CPP, é taxativo. Dessa forma, para que fique configurada a hipótese de impedimento prevista no inciso III do art. 252 do Diploma de Processo Penal, necessário que o juiz tenha funcionado como "juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão", no mesmo processo. 2. A causa de impedimento trazida no inciso III do art. 252 do CPP, se refere, em regra, à impossibilidade de o juiz que atuou em 1º grau atuar em 2º grau, situação que, de fato, não ocorreu na hipótese dos autos. Contudo, embora não tenha havido movimentação dos julgadores, houve movimentação da ação penal, que tramitou durante um período perante o Tribunal de Justiça, havendo declínio da competência ao Magistrado de origem, e retornando agora ao Tribunal de origem, em sede recursal. 3. Acaso o recurso de apelação do corréu seja julgado pelos componentes da 14ª Câmara Criminal, haverá atuação dos mesmos Julgadores na ação penal e no recurso. Dessa forma, embora a situação dos autos não revele subsunção imediata ao disposto no art. 252, inciso III, do Código de Processo Penal, observo ser inevitável reconhecer o impedimento dos Desembargadores que receberam a denúncia contra o corréu Reinaldo, uma vez que a norma não pode se limitar à sua interpretação literal, cabendo ao judiciário agregar também interpretação teleológica e sistemática. 4. Referido dispositivo legal deve ser interpretado em consonância com "a ideia de estar diretamente ligado à necessidade de se realizar efetivamente o duplo grau de jurisdição, na medida em que exige que a matéria seja tratada por dois órgãos judicantes distintos". Ademais, não se pode descurar que a vontade da lei "é proibir que determinado magistrado aprecie, por mais de uma vez, formalizando nos autos ato decisório, uma mesma questão no processo, assegurando, em última análise, a imparcialidade do juiz" (HC 31.042/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 25/06/2009, DJe 03/08/2009). 5. Reconhecido o impedimento dos componentes da 14ª Câmara Criminal para julgar a apelação interposta pelo corréu Reinaldo, conforme assentado no voto proferido no Habeas Corpus n. 599.644/SP, as apelações interpostas pelos corréus devem seguir o mesmo destino, evitando-se, assim, a prolação de decisões conflitantes. 6. Observa-se, portanto, que a hipótese dos autos diverge daquela analisada no HC 374.397/SP, da minha Relatoria, e no RHC 158.457/STF, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, em que o Desembargador "funcionou como Relator do processo originário e Relator dos habeas corpus referentes aos corréus, que respondem a outro processo na origem - embora pelos mesmos fatos -, em virtude da regra de conexão", uma vez que o processo e as partes eram distintas. Ademais, na situação dos autos, sendo manifesto o impedimento dos componentes da 14ª Câmara Criminal para julgar a apelação interposta pelo corréu Reinaldo, inevitável determinar que as apelações interpostas pelos corréus sigam a mesma sorte da do corréu, exatamente em observância à rega de conexão anteriormente privilegiada. 7. Concedo a ordem para determinar que a apelação do paciente seja julgada pelo mesmo órgão que julgará a do corréu Reinaldo Nogueira Lopes Cruz, haja vista o reconhecimento do impedimento dos Desembargadores que receberam a denúncia para julgar sua apelação, no HC 599.644/SP (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca e grifos acrescidos).
Neste caso, dado o pedido formulado na correição (que se limita à anulação da decisão que é alvo de correição, e não objetiva sua efetiva reforma com a prestação da tutela inicialmente indeferida), a identidade entre os temas constantes nas deliberações unipessoais proferidas enquanto o processo tramitava neste Tribunal, e no comando judicial cuja correição se pretende, não é imediatamente constatável.
Porém, no precedente acima citado, a deliberação pelos Desembargadores cujo impedimento foi reconhecido limitava-se ao recebimento da denúncia, e o Superior Tribunal de Justiça declarou-os impedidos de apreciar a apelação. São duas deliberações que, ao final, dizem respeito à matéria "de fato e de direito" tratada na ação penal, mas assim como ocorre no caso presente, seguramente não se trata da mesma análise (pois a admissão da imputação inicial é feita a nível de cognição sumária e demanda avaliação consideravelmente distinta daquela que se faz quando se delibera sobre condenação ou absolvição).
Parece-me, portanto, que a hipótese destes autos é, no que diz respeito à razão de decidir, a mesma que justificou, em outubro de 2020, deliberação do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo o impedimento dos Desembargadores que atuaram em instância revisora (como este Magistrado agora atuaria, ao analisar a deliberação que ratificou as decisões por mim proferidas) depois de deliberar em instância inicial (como atuou este Magistrado ao deferir a busca e sucessivamente indeferir os pedidos de restituição dos objetos apreendidos).
E, como já expus no Habeas Corpus 5002984-91.2021.8.24.0000, esse cenário não é, "letra por letra, o descrito no art. 252, III, do Código de Processo Penal". Não obstante, o propósito da norma parece autorizar essa interpretação.
A norma dispõe que "o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que [...] tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão" (CPP, art. 252, III). A regra tem por objetivo genérico assegurar a imparcialidade do julgador, "requisito de validade do processo" decorrente da garantia do devido processo legal (PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 226).
Essa exigência de imparcialidade, porém, não é, na norma que trata do impedimento, limitada à constatação de uma situação que autorizaria a presunção de alinhamento dos interesses do julgador àqueles de um dos litigantes.
No Código de Processo Civil, as hipóteses de impedimento tratam da atuação do juiz como parte ou como outro agente processual (I, IV e IX), da participação de pessoa (física ou jurídica) próxima do juiz desempenhando esses papéis (III, IV, V, VII e VIII), e da existência de manifesto interesse econômico do juiz no deslinde do feito dada sua relação com algum dos litigantes (VI, todos do art. 144).
No Código de Processo Penal, as hipóteses tratam da atuação do juiz como parte ou como outro agente processual (II e IV), da participação de pessoa física próxima do juiz desempenhando esses papéis (I e IV), e da existência de "interesse no feito" por parte do juiz ou de alguma pessoa próxima a ele (VI, todos do art. 252).
Em todos esses casos, a imparcialidade é presumidamente comprometida por conta do manifesto vínculo do julgador com algum dos litigantes (ou de um dos atores processuais, que não necessariamente têm interesse no resultado do julgamento, mas usualmente têm convicção ou vivência empírica que lhes faz pender em direção a um dos litigantes). Por definição, não é imparcial o juiz cujos interesses são comuns aos de uma das partes do processo submetido ao seu jugo.
Veja-se, por outro lado, que a atuação em duas instâncias distintas não autoriza semelhante conclusão, porque não decorre daí a presunção de que o interesse do julgador se alinha ao de algum litigante. O comprometimento do equidistanciamento processual não é inexoravelmente afetado por essa dupla atuação como juiz, porque ela não necessariamente alinha o interesse do julgador ao de um dos litigantes. Dito de outro modo, não se trata de uma proposição analítica, porque o conceito de "imparcialidade" não necessariamente decorre do predicado atinente à atuação em duas instâncias, nem vice-versa.
Mas a norma existe e deve servir a um propósito. Como sua razão de ser não é relacionada a esse alinhamento ao interesse de uma das partes, deve existir outro fundamento que a autorize e integre-a ao restante do ordenamento jurídico.
Este fundamento é, na minha compreensão, o propósito difuso de garantir que o regular exercício da garantia do duplo grau de jurisdição não seja afetado pela disposição de um julgador de confirmar o entendimento por ele já adotado.
É plausível supor (por razões metajurídicas aqui impassíveis de serem suficientemente abordadas, mas que são tangenciadas neste artigo) que o mesmo julgador, diante do mesmo processo, profira a mesma decisão em dois momentos distintos, e em níveis de atuação distintos. Isso não necessariamente compromete sua imparcialidade, mas reduz a probabilidade de que ele próprio reforme deliberação judicial impugnada por si prolatada.
A baixa probabilidade de reforma não é, por si só, indesejada; mas o fato de isso não decorrer da juridicidade da decisão propriamente dita, e sim de questões subjetivas relacionadas ao próprio julgador, certamente é cenário a ser repelido (pois afeta o próprio silogismo da atividade judicante ao introduzir nele nova premissa que, desvinculada do esperado raciocínio dedutivo, transforma a atividade judicial em uma falácia).
Assim, porque não se almeja que o ordenamento jurídico seja alicerçado nessa possibilidade, estaria seguramente impedido o juiz que profere sentença em um processo e, promovido ao Tribunal, recebe-o (ou analisa-o) como desembargador. É o exemplo clássico de impedimento previsto no art. 252, II, do Código de Processo Penal, inclusive. Mas isso, novamente, não guarda relação direta com a parcialidade presumida do julgador (parcialidade compreendida como o alinhamento ao interesse de uma das partes).
Por outro lado, a atuação continuada de um magistrado em um processo não reclama a incidência da regra do impedimento do inciso III (desconsiderada, aqui, a regra do Juiz de Garantias, dada a intempestividade do debate). Como o próprio Agravante afirma, "o processo sempre será uma marcha para frente e, como tal, permite que o mesmo Magistrado possa reavaliar seus comandos judiciais anteriores" (p. 16). A própria cláusula de imprevisão que rege questões repetidamente tratadas no curso de um mesmo processo (CPP, art. 316, p. ex.) é evidência neste sentido (por não dispor, concomitantemente, que a reanálise deva ser procedida por julgador diferente), e também o é o fato de que, quando anulada uma sentença, o mesmo magistrado que a proferiu pode prolatar o novo comando judicial.
Ainda assim, o Legislador ordinário previu, expressamente, que a atuação em instâncias distintas no mesmo processo é causa de impedimento do juiz.
Isso não pode ser decorrência, como já abordado, da simples pluralidade de atos decisórios. E atrelar essa conclusão unicamente à instância onde atua o julgador, com o devido respeito, não parece carregar motivo para a conclusão atinente às alternativas que parecem justificar a existência da norma (o que desvincularia o dispositivo legal de sua finalidade), tornando a regra do art. 252, III, do Código de Processo Penal não a manifestação de uma opção legislativa que se ajusta a axiomas a que está sujeita, e sim uma arbitrariedade qualquer.
Em verdade, segundo penso, isso deve-se ao fato de que essa atuação, quando efetuada em graus de jurisdição distintos (e não em instâncias diversas), presumidamente frustra o duplo grau de jurisdição.
Não ignoro que os conceitos de "instância" e "grau de jurisdição" são frouxamente empregados como sinônimos. Ainda que ordinariamente eles funcionem como expressões intercambiáveis (porque usualmente os processos judiciais têm início em primeiro grau de jurisdição e em primeira instância), a técnica legislativa processual moderna parece distingui-los:
Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores (grifo acrescido).
Essa é a redação do art. 67 do Código de Processo Civil. O dispositivo claramente trata de dois institutos diversos e Renato Montans de Sá explica, em maior detalhe, o que os diferencia:
Antes de tudo, não se devem baralhar os conceitos de grau de jurisdição e instância.
Instância é termo ligado à organização judiciária, sendo certo que na estrutura do Poder Judiciário existem órgãos hierarquicamente inferiores e superiores. É um conceito estático, pois se refere à condição do juiz dentro do sistema organizacional do Estado.
Assim, os juízes de primeira instância são aqueles lotados nas comarcas/seções judiciárias dos fóruns; os desembargadores estão nos Tribunais Regionais e locais, que funcionam como segunda instância; os ministros dos tribunais superiores exercem suas atividades em instância especial.
Grau de jurisdição é um conceito dinâmico, pois não é ligado à organização judiciária de forma estática, mas no contato do Poder Judiciário com a causa. E esse contato (das diversas instâncias) pode variar conforme as regras de competência estabelecidas em lei (Manual de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 32).
O autor complementa a definição com exemplos que revelam que não há correspondência biunívoca entre os conjuntos de "grau de jurisdição" e "instância":
Assim, uma ação de despejo será processada em primeira instância e em primeiro grau de jurisdição (primeiro contato do Judiciário com a causa). Aquele que foi sucumbente poderá interpor recurso de apelação para o segundo grau de jurisdição, na segunda instância.
Mas nem sempre é assim.
Pelas regras de competência previstas no ordenamento, a ação rescisória será julgada originariamente por um tribunal. Assim, se o tribunal competente for o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (por exemplo), a ação será processada na segunda instância (organização judiciária), mas em primeiro grau de jurisdição (primeiro contato do Judiciário com aquela causa).
Essa visão vertical do Poder Judiciário decorre a) da possibilidade de existência de recursos contra as decisões de primeiro grau para outro órgão hierarquicamente superior e b) da competência originária dos tribunais para determinadas demandas (loc. cit.) (grifado).
A diferenciação parece-me relevante porque, no Código de Processo Civil, a hipótese de impedimento análoga àquela do art. 252, III, do Código de Processo Penal tem redação sutilmente distinta:
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
[...]
II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão.
O tipo não trata de "instância", e sim de "grau de jurisdição". E o faz, segundo penso, porque dado o percurso natural de um processo judicial (que não retrocede em graus de jurisdição, apenas na hipótese de anulação de atos), a atuação de um juiz em mais de um grau de jurisdição redunda em seu exercício a nível originário e revisor (e é ínsito ao sistema, em decorrência do duplo grau de jurisdição, que a avaliação da insurgência não seja feita pelo mesmo juiz que proferiu o ato impugnado).
Caso se negue essa associação entre o duplo grau de jurisdição e o impedimento, o argumento remanesce o mesmo, com o acréscimo de que a parcialidade, no caso do art. 252, III, do Código de Processo Penal decorre de presunção de que o julgador se alinhará ao posicionamento por ele já exposto (e isso, circunstancialmente, pode beneficiar um ou outro litigante, conforme o caso).
De todo modo, parece-me que a causa final da norma (CPP, art. 252, III) é garantir o devido processo legal no seu viés referente à existência de um juiz imparcial que não funcione em mais de um grau de jurisdição, para que sua atuação não tenha como escopo preservar posicionamento por si já assumido naquele processo. E para atendê-la, uma vez que atuei em primeiro grau de jurisdição (pois recebi a ação a que esta correição se refere em primeira mão, dada a prerrogativa de foro que beneficiava um dos Investigados), considero indispensável a manutenção da decisão agravada, a fim de me abster de tomar parte nos próximos julgamentos, em grau de recurso (ou em ações autônomas de impugnação; em segundo grau de jurisdição, enfim) relacionados a este processo.
Em resumo, as premissas iniciais são as seguintes:
a) A regra do impedimento é geralmente relacionada à parcialidade do julgador;
b) A regra do art. 252, III, do Código de Processo Penal não trata especificamente da parcialidade do julgador, mas é regra de impedimento;
c) É improvável que o juiz profira decisão em sentido contrário a comando judicial por ele antes proferido no mesmo processo; e
d) A atuação contínua, em um mesmo processo, tratando do mesmo tema, no mesmo grau de jurisdição, não gera impedimento.
Dessas premissas é possível, segundo o exposto neste voto, extrair as seguintes conclusões:
a) A regra do art. 252, III, do Código de Processo Penal pretende resguardar a regularidade do exercício do duplo grau de jurisdição;
b) O termo "instância" do art. 252, III, do Código de Processo Penal deve ser compreendido como "grau de jurisdição";
E, como síntese dessas conclusões e também das premissas iniciais, tem-se que o magistrado que funcionou como julgador em primeiro grau de jurisdição, ainda que em segunda instância (isto é, no Tribunal de Justiça), é impedido de atuar em segundo grau de jurisdição nas ações de impugnação ou recursos relacionados ao mesmo processo.
Não ignoro que este posicionamento é distinto daquele historicamente adotado por esta Corte (o Agravante indica a existência de decisões do Órgão Especial em 18.12.17 e de 19.6.19; da Terceira Câmara Criminal de 31.10.17; e da Quarta Câmara Criminal de 14.11.17). Mas a menção a precedente menos atual e oriundo de Corte hierarquicamente subordinada àquela que proferiu o julgado cujo entendimento é impugnado, com o devido respeito, é providência de utilidade consideravelmente limitada como argumento de autoridade.
E quanto aos precedentes do Supremo Tribunal Federal (RHC 84705, Rel. Min. Celso de Mello, j. 21.10.14; e RHC 158457, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 1º.8.18), ainda que o critério hierárquico acima mencionado não seja aplicável, a questão da atualidade do precedente se mantém.
Destaco, por fim, que é com indescritível incômodo que o presente julgamento é realizado nesta forma. Com a declaração prévia do impedimento, parece descabida a postura de trazer, como relator, o presente agravo a julgamento. É também tênue a fagulha de sucumbência que vislumbro para autorizar a impugnação de julgador que se declara objetivamente impedido de atuar; tênue, mas existente, dado o interesse em manter o processo perante aquele que o litigante considera ser o juiz natural.
Não menos inconveniente é a realização de que, ainda que os Excelentíssimos Desembargadores Norival Acácio Engel e Hildemar Meneguzzi de Carvalho (que comigo votam nesta oportunidade) não tenham proferido as decisões cuja ratificação é atualmente impugnada pelo Corrigente, Suas Excelências também atuaram no processo originário (vide Eventos 49 e 52) e poderiam, quiçá pelos mesmos motivos expostos neste voto, reconhecerem-se impedidos.
Parece-me oportuno, de todo modo, apreciar o agravo interno e confirmar a decisão unipessoal, de forma a não criar embaraço a eventual impugnação que o Agravante pretenda, eventualmente, deflagrar.
De resto, o requerimento, feito em memoriais, para "admitir e processar o Incidente de Assunção de Competência" não pode ser neste momento apreciado, dado que o atual julgamento serve apenas para confirmar o impedimento já declarado (e não se cogita que um Desembargador impedido acolha pedido de instauração de incidente de assunção de competência).
Mantida a declaração de impedimento, redistribuam-se os autos, como já procedido.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por SÉRGIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1262461v30 e do código CRC 38db4fcf.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SÉRGIO RIZELOData e Hora: 24/8/2021, às 14:36:59

 

 












Correição Parcial Criminal Nº 5018991-61.2021.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


CORRIGENTE: BR CONSTRUCAO, CONFECCAO DE ARTEFATOS DE CONCRETO E TRANSPORTES EIRELI ADVOGADO: KISSAO ALVARO THAIS (OAB SC007434) CORRIGIDO: Juízo da Vara Criminal da Comarca de Canoinhas


EMENTA


AGRAVO INTERNO. IMPEDIMENTO (CPP, ART. 252, III). ATUAÇÃO EM PROCESSO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL. EXTINÇÃO DO MANDATO. REMESSA À PRIMEIRA INSTÂNCIA. ANÁLISE DE RECURSO OU DE AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO.
O magistrado que funcionou como julgador em primeiro grau de jurisdição, ainda que em segunda instância (isto é, no Tribunal de Justiça), é impedido de atuar em segundo grau de jurisdição nas ações de impugnação ou recursos relacionados ao mesmo processo em que atuou.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 24 de agosto de 2021.

Documento eletrônico assinado por SÉRGIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1262462v6 e do código CRC 11bc53ea.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SÉRGIO RIZELOData e Hora: 24/8/2021, às 14:36:59

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 24/08/2021

Correição Parcial Criminal Nº 5018991-61.2021.8.24.0000/SC

INCIDENTE: AGRAVO INTERNO

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

PRESIDENTE: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

PROCURADOR(A): HELIO JOSE FIAMONCINI
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: KISSAO ALVARO THAIS por BR CONSTRUCAO, CONFECCAO DE ARTEFATOS DE CONCRETO E TRANSPORTES EIRELI
CORRIGENTE: BR CONSTRUCAO, CONFECCAO DE ARTEFATOS DE CONCRETO E TRANSPORTES EIRELI ADVOGADO: KISSAO ALVARO THAIS (OAB SC007434) CORRIGIDO: Juízo da Vara Criminal da Comarca de Canoinhas MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 24/08/2021, na sequência 40, disponibilizada no DJe de 09/08/2021.
Certifico que o(a) 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SÉRGIO RIZELO
Votante: Desembargador SÉRGIO RIZELOVotante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGELVotante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO
FELIPE FERNANDES RODRIGUESSecretário