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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0900109-82.2018.8.24.0076 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Carlos Alberto Civinski
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Primeira Câmara Criminal
Julgado em: Thu May 27 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Apelação Criminal

 









Apelação Criminal Nº 0900109-82.2018.8.24.0076/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: PAULO AFONSO SIMON (ACUSADO) ADVOGADO: THIAGO SILVA SIMON (OAB SC040132) ADVOGADO: EDUARDO ROVARIS (OAB SC019395) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Paulo Afonso Simon dando-o como incurso nas sanções dos arts. 38, caput, e 38-A, caput, ambos da Lei 9.605/1998, em razão dos seguintes fatos:
Em 10 de fevereiro de 2016 [leia-se, 2018, conforme termo de audiência do evento 55 dos autos originários], aproximadamente às 10h00min, na Estrada Geral, localidade de Turvo Baixo, s/n, município de Ermo/SC, nas coordenadas UTM 22J 635620/6795750", nas margens do Rio Itoupava, o denunciado Paulo, livre e consciente, destruiu floresta considerada de preservação permanente e do Bioma da Mata Atlântica em estágio médio de regeneração.
Nas circunstâncias de tempo e local acima descritos, o denunciado realizou corte raso e arranque de material radicular em local de Bioma da Mata Atlântica em estágio médio de regeneração e de preservação permanente, com uso de tratores. A guarnição da Polícia Militar Ambiental localizou as árvores nativas removidas, empilhadas na borda do fragmento de vegetação que ainda não havia sido tocado. Do levantamento, verificou-se a supressão de 1.281m2 (mil duzentos e oitenta e um metros quadrados) de vegetação, composta especialmente por Maricás, Canelas e Tarumãs, típicas do Bioma da Mata Atlântica, nas margens do Rio Itoupava, caracterizado como preservação ambiental nos termos do Artigo 4, I do Código Florestal.
Anota-se que, questionado pelos policiais, o denunciado admitiu ter realizado o corte sem autorização (Evento 13 dos autos da Ação Penal).
Sentença: o juiz de direito Manoel Donisete de Souza julgou procedente a denúncia para condenar Paulo Afonso Simon pela prática dos crime previstos nos arts. 38 e 38-A, ambos da Lei 9.605/1998, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por 1 (uma) restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade à razão de uma hora de trabalho por dia de pena (Evento 76 dos autos da Ação Penal - em 21-10-2020).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para a acusação.
Recurso de apelação de Paulo Afonso Simon: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou, em síntese, que:
a) o recorrente deve ser absolvido do delito previsto no art. 38 da Lei 9.605/98 por atipicidade do fato, uma vez que retirou somente vegetação de pequeno porte, sendo a autora da derrubada das árvores a empresa CERSUL;
b) deve ser absolvido, também, quanto à imputação do delito previsto no art. 38-A, caput, da Lei de Crimes Ambientais, "levando em consideração que a denúncia não aponta, também, lesão específica à espécie da Mata Atlântica";
c) "tendo o requerido causado lesão à vegetação do Bioma da Mata Atlântica, não pode, ao mesmo tempo, ter causado lesão à "floresta", e assim, consequentemente, ser punido", sob pena de incorrer em bis in idem.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença nos termos da fundamentação (evento 82 dos autos originários - em 13-11-2020).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que o conjunto probatório acostado aos autos é firme no sentido de que o apelante efetivamente praticou os atos pelos quais foi denunciado, não havendo falar em atipicidade da conduta ou bis in idem.
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 271 dos autos originários - em 18-2-2021).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Marcílio de Novaes Costa opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9 - em 4-5-2021). 

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso de apelação preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
A despeito do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, com relação ao recurso interposto pela defesa, cabe registrar que o defensor constituído dos recorrentes reproduziu literalmente nos presentes apelos toda a matéria constante das alegações finais, sem discutir a razão pela qual não concordou com os fundamentos insertos na sentença penal.
O caso, portanto, seria de não conhecer da pretensão por violação ao princípio da dialeticidade recursal, conforme fundamentos adotados por este Órgão Fracionário (Apelação Criminal 0003454-12.2015.8.24.0036, deste relator, 12-04-2018, v.u.).
Pensar o contrário, com a devida venia, seria impor mero reexame necessário da decisão judicial, tornando irrelevante ou, no mínimo, de somenos importância a atuação do causídico em segundo grau de jurisdição. 
Além disso, não se mostra apropriado passar ao largo de todo o trabalho adequadamente efetuado na origem para conhecer de recurso que nem sequer minimamente rebateu os fundamentos da sentença, limitando-se a reproduzir de modo literal os argumentos expostos nas alegações finais. 
Apreciar questões assim seria, no mínimo, ignorar as regras que regem os direitos penal e processo penal, bem como o caótico quadro de congestionamento de processos aguardando por soluções que se acumulam aos milhões por este Brasil afora. Até porque, eventuais nulidades ou ilegalidades, poderão ser reconhecidas por ações constitucionais de rápida e prioritária tramitação, bem como ações revisionais.
Entretanto, em casos assim, mesmo diante da evidente afronta ao citado princípio, o Superior Tribunal de Justiça tem determinado o conhecimento da matéria por meio de decisões monocráticas, seja em virtude da interposição de Recurso Especial ou impetração de Habeas Corpus. 
Um dos feitos cuja análise foi determinada pela Instância Superior diz respeito aos autos da Apelação Criminal 0004147-50.2015.8.24.0018, deste relator, julgado por esta Primeira Câmara Criminal, em 18-01-2018, por votação unânime. 
Desse modo, sendo muito provável que o não conhecimento integral dos recursos sob exame possa ter como consequência a aplicação do referido entendimento consolidado na Corte de Uniformização, para evitá-lo, passa-se ao exame da insurgência.
Do mérito
Trata-se de apelação criminal interposta por  Paulo Afonso Simon em face da sentença que o condenou por infração aos arts. 38, caput, e 38-A, caput, ambos da Lei 9.605/1998, que assim dispõem:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Art. 38-A.  Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:      
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único.  Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Esclareça-se que para configuração do delito previsto no art. 38 do referido diploma legal, impõe-se a presença concomitante de dois elementos normativos: a) a floresta; e b) área de preservação permanente.
O art. 38 da Lei 9.605/98 constitui norma penal em branco em sentido lato, pois o conceito legal de floresta de preservação permanente é extraído do Código Florestal, que a conceitua da seguinte forma:
 Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento, observado o disposto nos §§ 1º e 2º ;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).   
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água, qualquer que seja a sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).    (Vide ADIN Nº 4.903)
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º , equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d'água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - as veredas.
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). [...].
Já floresta, é definida no item 18 do Anexo I da Portaria n. 486-P do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF, como "formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa".
A complementar esta descrição, o STJ, em voto de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, reiterou que:
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar referido tipo penal, assentou que "o elemento normativo 'floresta', constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei nº 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. (RHC 63.909/CE, Quinta Turma, j. 26/03/2019).
Ainda, a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) conceitua floresta como "área medindo mais de 0,5 ha com árvores maiores que 5 m de altura e cobertura de copa superior a 10%, ou árvores capazes de alcançar estes parâmetros in situ. Isso não inclui terra que está predominantemente sob uso agrícola ou urbano."1
De forma muito similar, a UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) preconiza que
Floresta é uma área de no mínimo 0,05-1,0 ha com cobertura de copa (ou densidade equivalente) de mais de 10-30%, com árvores com o potencial de atingir a altura mínima de 2-5 metros na maturidade in situ. Uma floresta pode consistir tanto de formações florestais fechadas (densas), onde árvores de vários estratos e suprimidas cobrem uma alta proporção do solo, quanto de florestas abertas. Povoamentos naturais jovens e todas as plantações que ainda atingirão densidade de 10-30% e uma altura entre 2 e 5 metros são incluídos como floresta, assim como áreas que normalmente fazem parte da área florestal e que estão temporariamente desflorestadas como resultado da intervenção humana, como a colheita ou causas naturais, mas cuja reversão da floresta é esperada.
Acerca do delito previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, por sua vez, retira-se da doutrina de Guilherme de Souza Nucci:
O objeto protegido é a vegetação, primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica (é o conjunto de vegetação predominante na Mata Atlântica). Para efeito de destruição ou dano não se envolve o estágio inicial de regeneração da vegetação [...] O tipo penal difere do anterior (art. 38), pois cuida não somente da floresta, mas da vegetação em geral existente na Mata Atlântica. Logo, não deixa de ser um tipo especial em relação ao anterior. (Leis penais e processuais penais comentadas. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 568). (grifou-se)
Trata-se, portanto, de tipos penais efetivamente diversos: o primeiro possui como elementar "floresta considerada de preservação permanente"; o segundo tutela "vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica".
Assim, entende-se ser possível, de fato, a prática concomitante dos dois delitos por um único agente em uma mesma propriedade, desde que constatado que houve a destruição de ambas as espécies de vegetação, sem que isso enseje duplo apenamento indevido.
A propósito, a matéria foi analisada de forma detalhada pelo membro do Ministério Público de segundo grau, o procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa, que não só reproduziu de modo fidedigno o conjunto fático-probatório, como fez questão de tratar das questões trazidas pela defesa, motivo pelo qual se adota o parecer inserto no evento 9 como razão de decidir, o que é permitido pelo Superior Tribunal de Justiça (EDcl no AgRg no AREsp 94.942/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 5.2.2013, v.u.; MS 17.054/DF, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, j. em 11.12.2019, v.u): 
Inicialmente, o recorrente afirma ser atípica a conduta descrita na denúncia como incursa no art. 38 da Lei n. 9.605/98, uma vez que teria se limitado a destruir vegetação de pequeno porte, não classificada como floresta, conceito que não se confundiria com vegetação nativa e que abrangeria apenas vastas áreas de vegetação de grande porte.
A correta identificação da natureza da vegetação suprimida pelo recorrente, por ser questão técnica complexa, demanda que seja realizada por pessoa com formação apta para tal. No caso dos autos, a identificação do bioma afetado pela ação do recorrente se deu por meio de relatório elaborado pela Polícia Militar Ambiental, autoridade competente para proceder a identificação do bioma (TJSC, Revisão Criminal n. 0153827-66.2015.8.24.0000, de Campos Novos, rel. Rodrigo Collaço, Seção Criminal, j. 30-03-2016).
A jurisprudência reconhece a necessidade de a identificação da área devastada ser feita por profissional com competência técnica, seja perito ou agente da Polícia Militar Ambiental, sendo as conclusões alcançadas por estes dotadas de presunção juris tantum de veracidade, razão pela qual é incabível questionar a classificação atribuída à área de vegetação devastada pelo recorrente, diante da existência de Auto de Infração Ambiental elaborado pela Polícia Militar Ambiental a comprovar a materialidade dos delitos ambientais.
Exemplifica a questão o julgado que aqui segue ementado:
APELAÇÃO CRIMINAL. DELITOS CONTRA O MEIO AMBIENTE (ARTS. 38-A E 46, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI N. 9.605/98). CONDENAÇÃO. RECURSO DEFENSIVO. [...] ART. 38-A DA LEI N. 9.605/98. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGADA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA, EM FACE DA NÃO REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA. ELEMENTOS DE PROVA CAPAZES DE SUPRIR A AUSÊNCIA DO LAUDO PERICIAL. MATERIALIDADE DEMONSTRADA PELO RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO DETALHADO, ELABORADO PELA POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL, CORROBORADO PELOS DEPOIMENTOS JUDICIAIS DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA. [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0005624-24.2014.8.24.0025, de Gaspar, rel. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 23-01-2020 - grifei).
Consta no Evento 1 o Auto de Infração Ambiental n. 48406-A, elaborado pela Polícia Militar Ambiental (INF6-INF14), além do respectivo levantamento fotográfico (INF15-INF19), cujas constatações dão conta de que as ações do apelante destruíram vegetação nativa integrante do bioma Mata Atlântica, bem como floresta considerada de preservação permanente, não restando dúvida sobre a materialidade e a tipicidade das condutas. 
Da documentação extrai-se que os agentes públicos, ao vistoriarem o perímetro desmatado pelo recorrente, encontraram "uma área onde um fragmento de floresta nativa do Bioma da Mata Atlântica havia sido destruído, nas Coordenadas UTM 22J 635620 / 6797950. Tal intervenção deu-se com o corte raso e o arranque do material radicular com a utilização de tratores, sendo que todas as árvores nativas foram removidas e empilhadas na borda do fragmento que permaneceu intacto. Dentre as espécies encontradas naquele local, destacam-se Maricás, Canelas e Tarumãs" (Evento 1, INF8 - grifei).
Em seguida, o mesmo Auto de Infração Ambiental descreve que "tal fragmento está localizado nas margens do rio Itoupava, que neste ponto possui aproximadamente 40m de comprimento, portanto sua área considerada de preservação permanente APP é de 50m de largura mínima, conforme dirá a alínea b do artigo 4° da Lei Federal 12.651/2012" (Evento 1, INF8 - grifei).
A localização da área de corte no perímetro de APP é verificável nas imagens de satélite colacionadas no Evento 1, INF15. Outrossim, o registro fotográfico do Evento 1, INF16-INF18 mostra claramente que houve a supressão de vegetação nativa da Mata Atlântica, em estágio médio de regeneração, conforme referido no Evento 1, INF9.
Acompanham as conclusões acima os depoimentos dos agentes da Polícia Militar Ambiental inquiridos na instrução, sintetizados na sentença na forma que segue:
Kao Silva Santos (testemunha de acusação): Que deslocou até propriedade do acusado por conta de denúncia de corte de vegetação às margens do rio; Que no local constatou o dano; Que verificou que estava em área de APP do rio; Que deslocaram à casa em que ficava próxima; Que o acusado confessou ter efetuado corte porque os galhos da vegetação estava atrapalhando a sua propriedade; Que o acusado se responsabilizou e foi autuado; Que se tratava de estágio médio de regeneração. 
Teo da Silva Santos (testemunha de acusação): Que guarnição foi acionada por denúncias; Que no local constatou às margens do rio havia fragmento de floresta nativa cortada; Que a propriedade da área era do acusado; Que o acusado assumiu ter desmatado a área sem autorização; Que havia "maricás", "tarumãs", em estágio médio de regeneração (Evento 76, SENT1 - grifei).
Por mais que o recorrente sustente que parte da área foi degradada pela Cooperativa de Distribuição de Energia (CERSUL), haja vista a utilização do espaço para passagem de rede elétrica, a prova testemunhal afasta a tentativa de imputação de responsabilidade penal a terceiro. Neste ponto, é pertinente ressaltar que o recorrente sequer produziu prova a comprovar que o dano ambiental teria sido provocado pela pessoa jurídica, ao passo que a CERSUL acostou declaração e Relatório Técnico Informativo no Evento 63, descrevendo as atividades realizadas pela empresa, acompanhando registro fotográfico destas, dando conta de que a sua ação se limitou a realizar poda da vegetação, a fim de evitar o contato desta com a rede elétrica, mas não a sua supressão por completo.
A prova encadernada, portanto, confirma sobremaneira a prática dos crimes ambientais pelo apelante. 
O recorrente afirma que a condenação concomitante pelos crimes dos arts. 38 e 38-A da Lei n. 9.605/98 implicaria em bis in idem, tanto que a Polícia Militar Ambiental não mencionou a ocorrência deste último delito no procedimento administrativo. Acrescenta que o termo "floresta", empregado em ambos os tipos penais, é genérico e, portanto, abarcaria o próprio Bioma Mata Atlântica, impedindo a responsabilização concomitante por ambos os crimes ambientais. 
Contudo, a ausência de indicação expressa da prática do crime do art. 38-A da Lei n. 9.605/98 ao final do Auto de Infração Ambiental n. 48406-A não afasta a existência de prova de materialidade da conduta, expressamente descrita no corpo no mesmo auto de infração (Evento 1, INF8) e confirmada pelos Policiais Militares Ambientais inquiridos na instrução.
Já a afirmação de que a condenação concomitante pelos crimes do art. 38 e do art. 38-A da Lei n. 9.605/98 implicaria em bis in idem é manifestamente improcedente. 
Embora ambos os tipos penais empreguem os mesmos verbos nucleares, "destruir ou danificar", destinam-se à proteção de dois objetos jurídicos diversos, ainda que semelhantes, sendo florestas consideradas de preservação permanente e vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica. 
O que ocorreu foi a prática de dois crimes ambientais distintos mediante uma única ação, o que caracteriza concurso formal próprio de crimes (art. 70, caput, do CP), conforme reconheceu a sentença, destacando: "Se de vontade do legislador fosse, as condutas cominadas não teriam sido descritas e tipificadas de modo apartado" (Evento 76, SENT1). 
Em casos semelhantes esse e. Tribunal de Justiça reconheceu a incidência do concurso formal de crimes. Exemplificando, cito: Apelação Criminal n. 0002489-31.2014.8.24.0016, de Capinzal, rel. Hildemar Meneguzzi de Carvalho, Primeira Câmara Criminal, j. 28-05-2020; e Apelação Criminal n. 0000260-18.2017.8.24.0041, rel. Júlio César Machado Ferreira de Melo, Terceira Câmara Criminal, j. 22-09-2020 [...]. (grifou-se)
Ainda, não sendo impugnada a transcrição efetuada na sentença (Evento 76), bem como para facilitar o exame do pleito recursal, colaciona-se abaixo os depoimentos das testemunhas de defesa e do apelante:
Giovane Carlessi (testemunha de defesa): Que a vegetação suprimida não se tratava de vegetação de rio; Que "pés de maricá" foram derrubados; Que Cersul comumente derrubava vegetação abaixo da rede de energia; Que os "pés de maricá" ficam acima da granja e provalvemente atrapalhavam, pelo que o acusado por isso teria suprimido a vegetação.
Vanderson Silveira dos Santos (testemunha de defesa): Que ajudava o acusado no trabalho às vezes; Que tomou conhecimento da área em que houve o corte de vegetação nativa; Que se trata de área de cerca de 300 metros quadrados; Que não haveria "tarumã"; Que poucas árvores, pequenas, foram suprimidas; Que a CERSUL tinha feito corte de vegetação anteriormente; Que o acusado procedeu ao corte porque havia muito espinho próximo ao arroz; Que se tratava de atividade comum; Que o corte foi feito a cerca de quarenta metro dos rio.
Giovane Carlessi (testemunha de defesa): Que a vegetação suprimida não se tratava de vegetação de rio; Que "pés de maricá" foram derrubados; Que Cersul comumente derrubava vegetação abaixo da rede de energia; Que os "pés de maricá" ficam acima da granja e provalvemente atrapalhavam, pelo que o acusado por isso teria suprimido a vegetação.
Paulo Afonso Simon (acusado): Que possuía granja de arroz na "beirada" onde tinha esses "maricá"; Que Cersul quem derrubou "tarumá" e "maricá" com motossera; Que derrubou "maricás" com trator; Que Cersul empurrou galhos de "maricá" para dentro de sua granja; Que então os arrancou com trator e encostou à beira do rio; Que entende ter arrancado a vegetação a cerca de quarenta ou cinquenta metros de distância do rio; Que Cersul arrancou a vegetação antes; Que na parte do rio não mexeu, apenas na parte da granja; Que a área que derrubou é inferior à calculada, pois aduz que a área devastada pela Cersul lhe foi atribuída.
Com efeito, as árvores suprimidas pertenciam a uma floresta do Bioma Mata Atlântica, conforme descrito no laudo pericial e observado nas imagens a ele colacionadas, pois se verifica a presença de densa área de vegetação na imagem de satélite, contando também com as fotografias tiradas no local que demonstram se tratarem de árvores, visivelmente, de grande porte.
Ademais, as cepas das árvores foram encontradas em menos de 50m, no entorno do curso d'água que possuía cerca de 40m de largura, portanto, dentro de área de preservação permanente, conforme art. 4º, inciso I, "b", da Lei 12.651/2012.
A Lei 11.428/2006, que dispõe sobre o Bioma Mata Atlântica, estabelece em seu art. 4° que "[a] definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente". 
Com efeito, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), editou a Resolução 4, de 4 de maio de 1994, para definir as vegetações primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica.
Foi esse parâmetro técnico-legal que a guarnição da Polícia Militar Ambiental utilizou para atestar o dano ambiental praticado em vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica. A descrição apresentada nos documentos lavrados corresponde, inclusive, em sua maior parte, ao previsto no art. 3°, III, da Resolução CONAMA 4/1994.
Por sua vez, a versão defensiva no sentido de que parte da área foi degradada pela Cooperativa de Distribuição de Energia (CERSUL), haja vista a utilização do espaço para passagem de rede elétrica, não encontra esteio nos elementos de prova coligados, ônus que lhe incumbia, conforme art. 156 do Código de Processo Penal. 
A uma, porque, apesar dos depoimentos das testemunhas de defesa, o Relatório Técnico Informativo constante no evento 63 dos autos originários, dão conta de que a ação da Cooperativa se limitou a realizar poda da vegetação, inclusive não havia razões para que suprimisse parte da flora do local, pois era possível evitar o contato desta com a rede elétrica sem efetuar sua supressão.
A duas, porque, ainda que busque imputar a responsabilidade a terceiro (CERSUL), o apelante reconhece que parte da vegetação foi arrancada por ele, com um trator. Assim, a título argumentativo, ainda que se acolhesse a alegação de que danificou área menor daquela descrita, sua conduta poderia se enquadrar naquela prevista no art. 39 da Lei 9.605/1998, que se distingue daquele imputado ao recorrente pela extensão da agressão2, mas que possui idêntico preceito secundário. 
Assim, no âmbito do livre convencimento motivado (CPP, art. 155), há nos autos um conjunto probatório suficiente para o reconhecimento da materialidade e da autoria delitivas, notadamente porque encontra respaldo na prova documental, em sintonia com a prova testemunhal, colhida nas fases indiciária e judicial, e, inclusive na confissão do agente. 
Por fim aplicação da pena revela a existência de flagrante ilegalidade passível de correção de ofício por este Órgão Fracionário. Isso porque o apelante, nascido em 30-5-1950, na data da sentença (21-10-2020) contava com 70 (setenta anos) de idade. 
Portanto, faz-se necessário reconhecer, de ofício, a incidência da atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, sem implicar na redução da pena privativa de liberdade, que já foi fixada no mínimo legal de 1 ano de detenção.
Diante do exposto, voto por conhecer e desprover o recurso; de ofício,  reconhecer a atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, sem reflexo na pena final.

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1. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2021.
2. Nesse sentido: HC 52.722/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25-3-2008, v.u.
 












Apelação Criminal Nº 0900109-82.2018.8.24.0076/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: PAULO AFONSO SIMON (ACUSADO) ADVOGADO: THIAGO SILVA SIMON (OAB SC040132) ADVOGADO: EDUARDO ROVARIS (OAB SC019395) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


EMENTA


PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA FLORA. DESTRUIR OU DANIFICAR FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, MESMO QUE EM FORMAÇÃO, OU UTILIZÁ-LA COM INFRINGÊNCIA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO (LEI 9.605/1998, ART. 38). DESTRUIR OU DANIFICAR VEGETAÇÃO PRIMÁRIA OU SECUNDÁRIA, EM ESTÁGIO AVANÇADO OU MÉDIO DE REGENERAÇÃO, DO BIOMA MATA ATLÂNTICA, OU UTILIZÁ-LA COM INFRINGÊNCIA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO (LEI 9.605/1998, ART. 38-A). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO. LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO. AUTOS DE INFRAÇÃO  E CONSTATAÇÃO ELABORADOS PELA POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL EM CONFORMIDADE COM A RESOLUÇÃO 04/1994 DO CONAMA. DESTRIUIÇÃO DE ÁRVORES EM ÁREA DE FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. BIS IN IDEM. NÃO CONFIGURADO. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO PELOS DOIS TIPOS PENAIS. PROTEÇÃO DE OBJETOS JURÍDICOS DIVERSOS. DOSIMETRIA. SEGUNDA FASE. PROVIDÊNCIA ADOTADA DE OFÍCIO. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, I, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA MANTIDA. 

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer e desprover o recurso; de ofício, reconhecer a atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, sem reflexo na pena final, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 27 de maio de 2021.

Documento eletrônico assinado por CARLOS ALBERTO CIVINSKI, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 818550v4 e do código CRC 7cd5bbeb.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ALBERTO CIVINSKIData e Hora: 27/5/2021, às 18:21:33

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 27/05/2021

Apelação Criminal Nº 0900109-82.2018.8.24.0076/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA

PROCURADOR(A): JAYNE ABDALA BANDEIRA
APELANTE: PAULO AFONSO SIMON (ACUSADO) ADVOGADO: THIAGO SILVA SIMON (OAB SC040132) ADVOGADO: EDUARDO ROVARIS (OAB SC019395) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 27/05/2021, na sequência 3, disponibilizada no DJe de 11/05/2021.
Certifico que o(a) 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DESPROVER O RECURSO; DE OFÍCIO, RECONHECER A ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, I, DO CÓDIGO PENAL, SEM REFLEXO NA PENA FINAL.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI
Votante: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKIVotante: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVAVotante: Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro
ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSELSecretário