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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0008156-53.2019.8.24.0038 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara Criminal
Julgado em: Thu May 06 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso em Sentido Estrito

 









Recurso em Sentido Estrito Nº 0008156-53.2019.8.24.0038/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA (ACUSADO) RECORRIDO: JOAO HENRIQUE SARAGOCA (ACUSADO) RECORRIDO: ANDREIA GUTKNECHT (ACUSADO)


RELATÓRIO


O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Gutknecht Cervejaria LTDA, João Henrique Saragoca e Andreia Gutknecht, pela prática em tese das infrações dispostas nos artigos 48, 60 e 64 da Lei n. 9.605/1998, bem como no artigo 330 do Código Penal, com disposição da seguinte forma na exordial acusatória (Evento 8, PET649):
Consta dos autos de investigação que a esta servem de base que nos anos de 2017 e 2018, em datas a serem melhor apuradas durante a instrução processual, em imóvel localizado na Estrada Motucas, n. 3122, na Área de Proteção Ambiental Serra Dona Francisca1 , em Joinville/SC, coordenadas 26º15'08.7"S e 48º56'21.2"O, os denunciados GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA., ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA edificaram, sem autorização dos órgãos competentes2 , imóveis em alvenaria, dos quais 80m², mais a calçada externa às edificações4 , 4 pergolados de madeira (de aproximadamente 12 m² cada), a ponte e o acesso em concreto, estão em área de preservação permanente, considerada solo não edificável em razão do seu valor ecológico.
Além disso, os 80m² de edificação, a calçada externa, os 4 pergolados de madeira, a ponte e o acesso em concreto ao imóvel, bem como as gramíneas e britas colocadas/plantadas pelos denunciados GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA., ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA nas margens dos cursos d'água existentes no local estão dificultando e/ou impedindo a regeneração natural da vegetação característica desta área de preservação permanente.
Assim procedendo, os denunciados GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA., ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA promoveram construção em solo não edificável e no seu entorno, assim considerado em razão do seu valor ecológico, sem autorização da autoridade competente, além de impedirem e dificultarem a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, condutas tipificadas nos artigos 64 e 48 da Lei de Crimes Ambientais.
Ademais, as atividades desenvolvidas pelos denunciados no local desde setembro/outubro de 2018, de fabricação de cervejas e comercialização desses produtos, sem autorização dos órgãos ambientais, são consideradas potencialmente poluidoras e dependem de licenciamento ambiental.
Não fosse isso, o imóvel está localizado na Zona de Uso Intensivo da Unidade de Conservação APA Serra Dona Francisca, cujo Plano de Manejo permite apenas a implantação de "agroindústrias de pequeno porte e de baixo potencial poluidor, complementares às atividades agropecuárias da região, devidamente autorizadas pelo Órgão Gestor" (fl. 13).
Em vista disso, os denunciados GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA., ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA fizeram funcionar estabelecimento potencialmente poluidor, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes e contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes (plano de manejo da APA Serra Dona Francisca), culminando na prática do delito previsto no art. 6011 da Lei de Crimes Ambientais.
Ressalte-se que as obras realizadas no imóvel e as atividades exercidas pela pessoa jurídica se deram sob ordem e providência direta dos denunciados (e sócios proprietários da PJ) ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA em favor da realização do objeto social da denunciada GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA.
Ainda, em 22 de janeiro de 2018 a 2ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Joinville, através do Setor de Fiscalização de Jogos, Diversões Públicas e Produtos Controlados, emitiu o Auto de Interdição (fl. 139) do estabelecimento da Denunciada GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA., do qual tomaram ciência os denunciados ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA.
Não fosse isso, em 11 de dezembro do mesmo ano o estabelecimento foi embargado pela Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Joinville (Auto de Embargo n. 38415).
Entretanto, a Denunciada GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA. continuou a exercer suas atividades, por determinação dos sócios denunciados ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA.
Em vista disso, os denunciados GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA., ANDREIA GUTKNECHT e JOÃO HENRIQUE SARAGOÇA desobedeceram ordem legal de funcionário público em duas ocasiões, praticando o crime previsto no art. 330 do Código Penal.
A denúncia foi inicialmente recebida (Evento 21), os réus citados (Evento 25) e apresentaram resposta à acusação (Evento 27).
Em virtude de preliminares terem sido arguidas na resposta à acusação, abriu-se vista (Evento 29) ao Ministério Público, o qual se manifestou sobre estas (Evento 33).
Na sequência, o juízo a quo rejeitou a denúncia em relações aos crimes ambientais, por ao seu sentir não estarem presentes os requisitos de justa causa para o prosseguimento da ação penal, com supedâneo no art. 395, III, do Código de Processo Penal (Evento 36).
Irresignado, o Parquet interpôs Recurso em Sentido Estrito juntamente com as razões recursais. Em seus argumentos aponta a existência de justa causa para a persecução penal, porquanto o Alvará de Construção n. 875/2018 e a declaração concedida pelo Órgão Gestor da APA Serra Dona Francisca, não prejudicariam a materialidade dos delitos dos artigos 60 e 64 da Lei de Crimes Ambientais. Por tais motivos, pede o provimento recursal para a reforma da decisão singular e consequente recebimento da denúncia. Subsidiariamente, pugna pela suspensão da ação penal e do consequente prazo prescricional em virtude de ações cíveis que em tese poderiam impedir, por ora, a análise do supostos crimes praticados (Evento 42).
Foram apresentadas contrarrazões (Evento 54) e os autos ascenderam a este Egrégio Tribunal de Justiça.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Rui Arno Richter, manifestando-se pelo conhecimento e provimento do recurso, de modo a cassar a decisão atacada, dando-se o devido prosseguimento à Ação Penal (Evento 10).
Este é o relatório.

VOTO


O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, irresignado com a decisão proferida pela MMa. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que rejeitou parcialmente a denúncia ofertada pelo Parquet sob alegação de ausência de justa causa.
Aduz a representante do Ministério Público, como relatado, a existência de justa causa para a persecução penal, porquanto o Alvará de Construção n. 875/2018 e a declaração concedida pelo Órgão Gestor da APA Serra Dona Francisca não prejudicariam a materialidade dos delitos dos artigos 60 e 64 da Lei de Crimes Ambientais.
Pois bem.
De antemão, cita-se que não há qualquer insurgência ministerial quanto ao não recebimento da denúncia pela prática, em tese, do art. 48 da Lei n. 9.605/1998, havendo recurso unicamente ao que tange a rejeição da denúncia por falta de justa causa no que se refere aos arts. 60 e 64 do mesmo Diploma Legal.
Prima facie, há de se constar que a rejeição da denúncia por ausência de justa causa deve ocorrer tão somente quando ela é evidente, ou seja, quando é notória a existência de imputação por fato atípico ou a ausência de elementos indiciários mínimos que fundamentem a persecução penal.
Nesta fase processual, vigora o princípio do in dubio pro societate, sendo que será através da persecução penal, após a produção probatória judicial pelas partes processuais, que ficará demonstrada a culpabilidade ou não daqueles que são acusados.
Neste sentido:
HABEAS CORPUS OBJETIVANDO O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIME AMBIENTAL (ARTIGOS 54 E 60 DA LEI N. 9.605/98) - ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA - ARGUMENTAÇÃO PAUTADA NA ATIPICIDADE DA CONDUTA E NA INEXISTÊNCIA DE PROVA PERICIAL A COMPROVAR OS DANOS AMBIENTAIS - MATÉRIA A SER DISCUTIDA DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL - IMPOSSIBILIDADE DE PROFUNDA ANÁLISE DE PROVAS PELA VIA ELEITA - INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO - ORDEM DENEGADA. "Só se justifica o trancamento da ação penal por meio de habeas corpus em situações excepcionais, quando o fato descrito na denúncia evidentemente não constituir crime ou quando não houver nem mesmo indícios da autoria e da materialidade. Quando a peça acusatória preenche satisfatoriamente esses requisitos e estão presentes os necessários indícios, não há que se falar em constrangimento ilegal, o que impõe a denegação da ordem" (HC n. 2002.024701-0, rel. Des. Jaime Ramos) (TJSC, Habeas Corpus n. 2007.012860-8, de Chapecó, rel. Tulio Pinheiro, Primeira Câmara Criminal, j. 24-04-2007).
AÇÃO PENAL - EXORDIAL ACUSATÓRIA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL - FORO PRIVILEGIADO - DENÚNCIA FORMALMENTE PERFEITA E QUE DESCREVE, EM TESE, A PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 54, § 2º, INC. V E 60, DA LEI N. 9.605/98 (CRIMES AMBIENTAIS) - MATÉRIA QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA - RECEBIMENTO. Cumpridas as exigências contidas no art. 41 do Código de Processo Penal, presentes indícios veementes da tipicidade e da prática dos crimes contra o meio ambiente, capitulados na denúncia, e, não havendo comprovação cabal da improcedência da acusação, deve ser recebida, pois há justa causa para deflagração da ação penal. (TJSC, Inquérito n. 2003.013694-0, de Ituporanga, rel. Irineu João da Silva, Segunda Câmara Criminal, j. 10-05-2005).
Feitas estas considerações, passa-se à análise do recurso.
A decisão impugnada (Evento 36) argumentou que a análise dos dois tipos penais nos artigos 60 e 64 exigiria complementação por parte do direito administrativo, uma vez que ambos referem-se a atos administrativos (licença e autorização). Por este motivo, elencou a existência de ações de outras esferas judiciais em andamento, ao passo que no âmbito do direito administrativo a legalidade das condutas realizadas pelos recorridos estaria em litígio, e que, neste momento, estaria presente autorização para que continuassem desenvolvendo as atividades no imóvel edificado objeto da presente ação penal.
Consta ainda da decisão singular que não seria possível verificar no atual momento a tipicidade da conduta e que o prosseguimento da ação estaria por ferir o princípio da fragmentariedade do direito penal.
Por fim, apontou que a construção dos réus foi realizada mediante expressa autorização administrativa, representada pelo Alvará de Construção n. 875/2018 da Prefeitura Municipal de Joinville.
Pois bem.
Em que pese os argumentos da decisão singular, tem-se que o recurso ministerial comporta provimento.
Os artigos 60 e 64 da Lei n. 9.605/1998 dispõem no seguinte sentido:
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
[...]
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
[...]
Segundo se extrai da denúncia já relatada, os recorridos foram denunciados por promoverem a construção em solo não edificável, de área de 80m² de edificação em alvenaria (parte integrante do empreendimento principal, com área total de 914,13m²), bem como pela construção de calçada externa às edificações, 4 pergolados em madeira (de aproximadamente 12 m² cada), de uma ponte de pedestres e um acesso em concreto.
De uma análise sumária, tendo em vista que a análise meritória compete a instrução processual, apenas a construção principal, com área total de 914,13 m² (da qual 80m² está em área não edificável), estava autorizada pelo Alvará de Construção n. 875/2018 citado pela magistrada singular.
Por estas considerações, vislumbra-se que a edificação, a priori, teria sido construída em desacordo com autorização administrativa concedida pela Prefeitura Municipal de Joinville.
Da visualização do Auto de Embargo n. 38415/2018 lavrado pelo Município de Joinville, visualiza-se que o motivo da decisão administrativa pelo embargo foi o fato da construção, supostamente, estar em desacordo com o projeto (Evento 1, INQ28).
No ponto, destaca-se que analisando o habite-se sanitário n. 31153/2018 da Vigilância Sanitária (Evento 1, INQ548), percebe-se que o local da construção tinha como atividade principal a de agrosilvopastoril, situação por óbvio deveras diferente da fabricação e comercialização de cervejas, atividade esta praticada pelos réus.
De mais a mais, há elementos indiciários de que não havia autorização para a edificação em Área de Preservação Permanente (solo não edificável).
Como se vê, há elementos indiciários que permitem o prosseguimento da ação penal, ainda que posteriormente os réus comprovem sua inocência, tendo em vista que neste momento processual não há a necessidade da certeza delitiva para a persecução.
Sobre o tema, do Superior Tribunal de Justiça, em crimes análogos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONSTRUÇÃO EM TERRENO DA UNIÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO-OCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE NARRA O FATO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. NÃO-COMPROVAÇÃO DO DOLO OU CULPA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NO ÂMBITO ESTREITO DO WRIT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APARENTE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRESCRIÇÃO. CRIME PERMANENTE. NÃO-OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.1. O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus reveste-se sempre de excepcionalidade, somente admitido nos casos de absoluta evidência de que, nem mesmo em tese, o fato imputado constitui crime.2. A estreita via eleita não se presta como instrumento processual para exame da existência ou não de procedência ou improcedência da acusação, com incursões em aspectos que demandam dilação probatória e valoração do conjunto de provas produzidas, o que só poderá ser feito após o encerramento da instrução criminal, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal.3. Não se configura inepta a denúncia que descreve, de forma pormenorizada, a conduta do recorrente de construir em área de preservação ambiental, que se amolda à figura do tipo penal descrito no art. 60 da Lei 9.605/98.4. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza.5. Havendo estrita observância dos requisitos legais previstos no art. 41 do Código Processo Penal, quais sejam, a exposição do fato criminoso, narrando todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a tipificação dos delitos por ele cometidos, não há falar em inépcia da peça acusatória.[...]8. Ordem denegada.(HC 104.369/TO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 29/03/2010).
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ARTS. 38, 54, § 2º, INCISO V E 60, TODOS DA LEI Nº 9.605/98. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA.I - A peça acusatória deve vir acompanhada com o mínimo embasamento probatório apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não houver um lastro probatório mínimo a respaldar a denúncia, de modo a tornar esta plausível, não haverá justa causa a autorizar a instauração da persecutio criminis. (Precedentes).II - O trancamento da ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é possível se houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não ocorre na espécie.(Precedentes).III - Na hipótese dos autos, o paciente, segundo afirmado na exordial acusatória, na qualidade de sócio-gerente da empresa TUTTO PARTICIPAÇÕES E IMÓVEIS SOCIEDADE CIVIL LTDA teria destruído e danificado floresta considerada de preservação permanente, utilizando-a com infringência das normas de proteção ambiental, a uma, causando poluição de qualquer natureza em níveis tais que podem resultar em destruição significativa da flora, por lançamentos de resíduos sólidos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, a duas, construindo e fazendo funcionar no local obras potencialmente poluidoras, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes, tudo isso de acordo com laudo do Instituto de Criminalística e do Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais. Em suma, narra a denúncia que o paciente teria violado gravemente a legislação ambiental, pois teria causado poluição, construído obra potencialmente poluidora, suprimido vegetação, assoreado córrego, etc. Assim, verifica-se que há, ao menos em tese, a descrição de condutas criminosas que, em princípio, se adequam perfeitamente aos tipos penais previstos nos arts. 38, 54, § 2º, inciso V e 60, todos da Lei nº 9.605/98, razão pela qual se mostra prematuro o pretendido trancamento da ação penal, tendo em vista a existência de um lastro probatório mínimo a respaldar a denúncia, de modo a tornar plausível a persecutio criminis.Ordem denegada.(HC 86.145/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 19/11/2007, p. 261).
De outro norte vislumbra-se a prescindibilidade de eventual anulação do alvará da edificação, ao contrário do que fundamentou a decisão impugnada.
No ponto, destaca-se que há elemento indiciário que permite aferir a possibilidade de que a edificação tenha sido construída, com potencial poluidor, em desacordo com autorizações dos órgãos competentes, ante a suposta diferenciação entre o aprovado e o construído.
Também existem indícios de que ao menos parte da construção encontrar-se-ia em solo não edificável, em razão de seu valor ecológico.
De mais a mais, não vislumbra-se a presença de licenciamento ambiental que autorizaria o exercício de atividade potencialmente poluidora (não a autorização do órgão gestor, que é mero pressuposto para o seu deferimento).
O Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina (CONSEMA), através da Resolução n. 099/2017, lista os empreendimentos que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, sujeitas ao licenciamento ambiental municipal.
O contrato social da empresa ré traz como objeto a "FABRICAÇÃO DE CERVEJAS ARTESANAIS; COMÉRCIO VAREJISTA E DEGUSTAÇÃO DE CERVEJAS ARTESANAIS E BAR".
A supracitada atividade se enquadra, em tese, no código 27.40.10 da referida Resolução:
27.40.10 - Fabricação e engarrafamento de cervejas, chopes, inclusive maltes.
Pot. Poluidor/Degradador: Ar: P Água: M Solo: P Geral: M
Porte Pequeno: 0,1 AU(3) 0,2 (RAP)
Porte Médio: 0,2 AU(3) RA1 (RAP)
Assim, num juízo de cognição sumária, não vislumbra-se situação apta a apontar falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, porquanto existentes condutas que, em tese, podem ser enquadradas nos tipos penais descritos.
Quanto ao argumento da necessidade de decisão em outras esferas do Direito antes da análise penal, ou sua fragmentariedade, tem-se que o direito penal ambiental é independente das searas administrativas e cível, conforme esta Câmara Criminal já decidiu:
APELAÇÃO CRIMINAL. DOIS RÉUS. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTIGOS 38-A, 46, PARÁGRAFO ÚNICO, C/C 53, INCISO II, "B", E 60 TODOS DA LEI N. 9.605/98. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. [...] PESSOA FÍSICA. PRELIMINAR. NULIDADE PROCESSUAL. OMISSÃO DE FORMALIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO ARTIGO 72 DA LEI N. 9.605/98 DE QUALQUER REGRAMENTO À APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PARA POSTERIOR INGRESSO NA VIA JUDICIAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. TESE RECHAÇADA. [...] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0001739-18.2014.8.24.0052, de Porto Uniao, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 16-05-2019).
Como bem apontado pelo parecer da douta Procuradoria-Geral de justiça, existe a "possibilidade de a sentença penal condenatória fazer coisa julgada no processo civil. Contudo, a recíproca não é verdadeira".
Neste vértice, não há como impedir a persecução penal do presente feito em virtude de discussões em ação civil pública sobre a legalidade do empreendimento como um todo, tendo em vista que na ação penal de origem se analisa a potencialidade lesiva frente ao meio ambiente e as eventuais ilegalidades do empreendimento no ponto de vista ambiental.
Quanto ao tema, há de se dizer que o Digesto Processual Penal elenca em seu art. 93 que "se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente".
Entretanto, no caso em comento, não vislumbra-se uma difícil elucidação a ponto de impedir o prosseguimento da persecução penal.
Na Ação Civil Pública n. 5003229-56.2019.8.24.0038 que tramita perante o Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville, a própria tese defensiva elenca a em teoria desnecessidade do licenciamento ambiental (Evento 39, DEFESAPREVIA1, Página 17) para o empreendimento objeto dos supostos delitos. Nesta toada, percebe-se que tal situação não é de difícil elucidação, tendo em vista que a mera análise dos autos, e seu comparativo com o ordenamento jurídico vigente, permite a comprovação da regularidade, ou não, da construção.
De outro norte, a eventual ocorrência de supressão arbórea ilícita e alteração do curso do corpo hídrico local, discutida na supracitada ação civil pública, diz respeito à situação obviamente divergente de potencialidade lesiva ambiental e construção em solo não edificável.
Em mesmo sentido, a ação n. 5000377-59.2019.8.24.0038, proposta pela ré Gutknecht Cervejaria Ltda em face do Município de Joinville, embora sentenciada em primeiro grau, nem mesmo teve a realização de laudo pericial, tendo a autoridade singular utilizado meios diversos para seu convencimento. No ponto, destaca-se que há recurso do Ministério Público e do Município.
Assim, tem-se a existência de elementos indiciários mínimos que permitem a persecução penal, porquanto presentes dúvidas quanto à legalidade das construções, que, em tese, podem ser de potencial poluidor, bem como teriam sido construídas em solo não edificável.
De outro norte, não se desconhece a alegação defensiva de que o Conselho Gestor da Área de Preservação Ambiental Serra Dona Francisca, teria anuído para a instalação do empreendimento Gutknecht Microcervejaria, de propriedade dos réus.
Entretanto, numa análise preliminar, não parece crível que um Conselho Gestor possa suprir a necessidade de um licenciamento ambiental, visto que, a priori, tal autorização do referido conselho seria mero pressuposto para o necessário licenciamento.
Também não se desconhece os argumentos de que a Área de Preservação Ambiental onde foi construído o empreendimento seria uma Zona de Uso Intensivo, não sendo uma área intocável, podendo possuir edificações conforme determinadas qualificações próprias.
Ocorre que todos estes argumentos, defensivos e acusatórios, denotam maior dilação probatória, até mesmo com provas técnicas, para a referida análise da legalidade da edificação, sua locação em áreas de preservação ambiental e o potencial poluidor deste, e, neste momento processual, unicamente no que tange o recebimento da denúncia, não vislumbra-se falta de justa causa para a persecução penal.
Inclusive, caso houvesse o acolhimento das teses defensivas de legalidade do empreendimento, estar-se-ia diante de situação de absolvição sumária e não de falta de justa causa para a persecução penal como decidido no primeiro grau.
Portanto, vislumbra-se ser o caso de acolhimento do pleito ministerial para, via de consequência, reformar a decisão impugnada e receber a denúncia quanto aos delitos dos artigos 60 e 64 da Lei n. 9.605/1998, porquanto exposto fato em tese criminoso, com suas circunstâncias, qualificações dos réus e do crime, nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, havendo ainda indícios das práticas criminosas apontadas.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso em sentido estrito.

Documento eletrônico assinado por CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 854988v35 e do código CRC f250499a.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERData e Hora: 6/5/2021, às 14:32:12

 

 












Recurso em Sentido Estrito Nº 0008156-53.2019.8.24.0038/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA (ACUSADO) RECORRIDO: JOAO HENRIQUE SARAGOCA (ACUSADO) RECORRIDO: ANDREIA GUTKNECHT (ACUSADO)


EMENTA


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES AMBIENTAIS (ARTS. 60 E 64 DA LEI N. 9.605/1998). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR FALTA DE JUSTA CAUSA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. ALEGADA EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE PERMITEM A PERSECUÇÃO PENAL. VIABILIDADE. CERVEJARIA CONSTRUÍDA, EM TESE, EM CONTRARIEDADE AOS PROJETOS APROVADOS. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. DISCUSSÕES SOBRE OBRIGATORIEDADES LEGAIS, ÁREA DE CONSTRUÇÃO E POTENCIALIDADE LESIVA QUE DEMANDAM DILAÇÃO PROBATÓRIA. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS FORMAIS. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA, CÍVEL E PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 06 de maio de 2021.

Documento eletrônico assinado por CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 854989v5 e do código CRC a268de62.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERData e Hora: 6/5/2021, às 14:32:12

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 06/05/2021

Recurso em Sentido Estrito Nº 0008156-53.2019.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

PROCURADOR(A): LUIZ RICARDO PEREIRA CAVALCANTI
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: WILSON PEREIRA JUNIOR por GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) RECORRIDO: GUTKNECHT CERVEJARIA LTDA (ACUSADO) ADVOGADO: ALEXANDRE GOMES NETO (OAB SC010884) RECORRIDO: JOAO HENRIQUE SARAGOCA (ACUSADO) ADVOGADO: ALEXANDRE GOMES NETO (OAB SC010884) RECORRIDO: ANDREIA GUTKNECHT (ACUSADO) ADVOGADO: ALEXANDRE GOMES NETO (OAB SC010884)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 06/05/2021, na sequência 1, disponibilizada no DJe de 20/04/2021.
Certifico que o(a) 5ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
Votante: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERVotante: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZAVotante: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA
JOSÉ YVAN DA COSTA JÚNIORSecretário