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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0000006-76.2018.8.24.0084 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara Criminal
Julgado em: Thu Mar 04 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Apelação Criminal

 









Apelação Criminal Nº 0000006-76.2018.8.24.0084/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


APELANTE: RUI CORREA BARBOSA (RÉU) APELANTE: FABIANE AIMON (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Rui Corrêa Barbosa e Fabiane da Silva Lima pela prática em tese da infração disposta no art. 171, caput, do Código Penal (por duas vezes Fatos 1 e 3) e art. 171, §4º, do Código Penal (Fato 2), todos em concurso material, assim constante na exordial acusatória (Evento 21, PET209):
Fato 1 - Estelionato consumado - vítimas Vanete Maria Dalmolin Dalla Vecchia e Nelson Dalla Vecchia.
Em data e local a serem precisamente apurados no curso da instrução processual, mas nas proximidades da estofaria Cerezer no município de Descanso/SC, os denunciados RUI CORRÊA BARBOSA e FABIANE DA SILVA LIMA, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, mediante o uso de ardil e fraude, obtiveram vantagem ilícita no valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) em prejuízo das vítimas Vanete Vecchia e Nelson Dalla Vecchia , induzindo-as em erro de que seriam curados de uma "coisa ruim" (inveja e olho gordo) que assolava a família das vítimas através de ritual que seria realizado pelos denunciados.
Segundo consta da investigação, os denunciados atraíram a vítima Vanete ao local onde estavam através de propaganda realizada em rádio local de palestra sobre assuntos espirituais. Chegando ao local, a vítima foi informada pela denunciada FABIANE DA SILVA LIMA que o seu comparsa RUI CORRÊA BARBOSA, estaria realizando "passes" no local.
Importante registrar que os denunciados que apresentaram-se como Róber ou Roberto Cober e Estela Maris. 
Após ter sido encaminhada por FABIANE ao denunciado RUI, a vítima foi então "benzida", tendo o falsário afirmado que as dores nas costas que acometiam a vítima passariam.
Em seguida, aproveitando-se da oportunidade que criara e utilizando-se de ardil próprio dos estelionatários, o denunciado RUI afirmou que a família da vítima estava com uma "coisa ruim" (inveja e olho gordo) e que, para "desfazê-la", precisava do valor de R$ 520,00. A vítima Vanete ligou para seu marido, Nelson Dalla Vecchia, o qual então trouxe o valor ao local e após ter sido ludibriado pelo mesmo engodo, entregou aos denunciados RUI e FABIANE os valores para que fosse "desfeita a coisa ruim".
Fato 2 - Estelionato consumado - vítimas Carmem Ferro Woiciechowski e Mariano Woiciechowski.
Em data e local a ser precisamente apurada no curso da instrução processual, mas no mês de junho de 2017, nas proximidades da área coberta de Descanso, os denunciados RUI CORRÊA BARBOSA e FABIANE DA SILVA LIMA, previamente mancomunados, obtiveram vantagem ilícita - o valor de R$ 600,00- mediante ardil, induzindo em erro as vítimas Carmem e Mariano, este último já idoso, com 63 anos à época dos fatos.
Segundo consta da investigação, as vítimas buscaram auxilio para o tratamento de depressão e insônia, comparecendo em uma consulta agendada com os denunciados RUI CORRÊA BARBOSA e FABIANE DA SILVA LIMA, que, mais uma vez, apresentaram-se como Roberto Cober e Estela Maris.
Realizada a consulta, o denunciado RUI diagnosticou a vítima Mariano como perseguido por um espirito, entregando-lhe alguns frascos de remédios (parecidos com perfumes) para serem usados após o banho, isto mediante o pagamento de R$ 800,00 (oitocentos reais).
Como as vítimas não possuíam tal valor em mãos, o pagamento foi parcelado em três vezes, sendo que pagaram no momento da consulta R$ 400,00 (quatrocentos reais). Após trinta dias, as vítimas retornaram para nova consulta, momento em que efetuaram o pagamento de mais R$ 200,00 (duzentos reais). O restando do valor não foi pago, vez que as vítimas desconfiaram das atitudes dos denunciados. 
Assim, verifica-se que os denunciados induziram as vítimas em erro e, por conseguinte, obtiveram ilicitamente o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), referente ao pagamento dos "medicamentos" entregues.
Fato 3 - Estelionato consumado - vítima Clari Pietro Biasi.
No dia 22 de novembro de 2017, no ao Hotel Descanso, localizado na Avenida Martin Piaseski, nº. 404, Centro de Descanso/SC, os denunciados RUI CORRÊA BARBOSA e FABIANE DA SILVA LIMA, ligados por nítido vínculo subjetivo, obtiveram vantagem ilícita, mediante ardil, induzindo em erro a vítima Clari Pietro Biasi. 
Conforme apurado, após a vítima relatar problemas pessoais entre sua filha e o esposo desta, os denunciados RUI CORRÊA BARBOSA e FABIANE DA SILVA LIMA induziram-na a acreditar que, mediante o pagamento da quantia de R$ 1.200,00, sua filha iria separar-se de seu marido e voltar para sua casa dentro de 3 (três) a 21 (vinte e um) dias. Diante disso, a vítima pagou a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais), vez que não possuía o valor total no momento, permanecendo acertado que o restante seria pago quando a filha retornasse à residência. 
Contudo, como não ocorreu o prometido, a vítima mandou mensagens aos denunciados exigindo a devolução do dinheiro, bem como foi diversas vezes ao local da consulta, sem, no entanto, receber o valor pago de volta, pois, o trabalho já estaria feito.
Após o deferimento de pleito de busca e apreensão (autos 0000788-20.2017.8.24.0084), foram encontrados nas residências do denunciado RUI CORRÊA BARBOSA, locais onde também realizava os atendimentos, diversos objetos usados nos crimes ora denunciados tais como fracos de líquidos similares aos entregues às vítimas (imagens de fls. 25-27 e auto de exibição e apreensão de fls. 32-33).
A denúncia foi recebida (Evento 23, DESP210), os réus citados (Evento 46, CERT291 e Evento 59, INF304) e apresentaram resposta à acusação (Evento 58, DEFESA PRÉVIA300 e Evento 78, DEFESA PRÉVIA326).
Não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (Evento 85, DEC332).
Em audiências, foram ouvidas as testemunhas de acusação e defesa, bem como os réus interrogados (Evento 130, TERMOAUD379 e Evento 170, TERMOAUD435).
Fechada a instrução, foram apresentadas alegações finais por memoriais (Evento 185, ALEGAÇÕES1 e Evento 191, ALEGAÇÕES1), sobrevindo sentença com o seguinte dispositivo (Evento 193, SENT1):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia do Ministério Público de Evento 21 para:
ABSOLVER os acusados RUI CORREA BARBOSA e FABIANE DA SILVA LIMA do delito previsto no artigo 171, caput, do Código Penal (fato 1), com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal; mas
CONDENAR o acusado RUI CORREA BARBOSA com incurso nas sanções do artigo 171, § 4º (fato 2) e artigo 171, caput, (fato 3), ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69, CP), à pena de 3 anos, 7 meses e 6 dias de reclusão em regime inicial semiaberto (art. 33, § 2º, "a", CP) e ao pagamento de 36 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos crimes (2017); e
CONDENAR a acusada FABIANE DA SILVA LIMA com incurso nas sanções do artigo 171, § 4º (fato 2) e artigo 171, caput, (fato 3) c/c artigo 29, § 1º, todos do Código Penal, em concurso material (art. 69, CP), à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão e 26 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos crimes (2017).
Substituo a pena privativa de liberdade da acusada FABIANE DA SILVA LIMA por duas restritivas de direitos (art. 44, §2º in fine, CP), consistentes em prestação de serviço à comunidade devendo ser cumprida à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação (art. 46, § 3º, CP), e à prestação pecuniária em favor do Fundo de Transações Penais da Comarca de Descanso/SC, no importe de 10 salários mínimos vigentes ao tempo dos fatos.
CONDENO os acusados a pagarem, solidariamente, os prejuízos causados às vítimas Carmem Ferro Woiciechowski e Mariano Woiciechowski no importe de R$ 600,00 (seiscentos reais) e à vítima Clari Pietro Biasi em R$ 1.000,00 (mil reais), tudo nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
Irresignados, os acusados interpuseram recurso de apelação juntamente com as razões recursais. Os apelantes Rui Corrêa Barbosa e Fabiane da Silva Lima requereram em sede preliminar a declaração de nulidade processual por inépcia da inicial. No mérito pugnam pela absolvição com fulcro na condenação ter sido prolatada baseada somente na palavra das vítimas e que não teriam agido com dolo. Subsidiariamente pedem a desclassificação da conduta para o crime de curandeirismo (art. 284 do Código Penal). Por fim, pedem a reforma dosimétrica da pena para o mínimo legal, alteração de regime inicial para o aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (Evento 202, RAZAPELA1).
Foram apresentadas contrarrazões (Evento 209, PROMOÇÃO1) e os autos ascenderam a este Egrégio Tribunal de Justiça.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Ernani Dutra, opinando pelo parcial conhecimento e, no que conhecido, pelo indeferimento do recurso interposto.
Este é o Relatório.

VOTO


Tratam-se de recursos de apelação interpostos por Rui Corrêa Barbosa e Fabiane da Silva Lima, irresignados com a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Descanso, que condenou: a) Rui Corrêa Barbosa à reprimenda de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão em regime inicial semiaberto (art. 33, § 2º, "a", do Código Penal) e ao pagamento de 36 (trinta e seis) dias-multa no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente ao tempo dos crimes, pela prática do disposto no art. 171, § 4º (fato 2) e art. 171, caput, (fato 3), ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69 do Código penal), e; b) Fabiane da Silva Lima, condenada à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente ao tempo dos crime, pela prática do constante no art. 171, § 4º (fato 2) e art. 171, caput, (fato 3) c/c art. 29, § 1º, todos do Código Penal, em concurso material (art. 69 do Código Penal).
Preliminarmente, os recorrentes - em mesma peça processual - pugnam pelo reconhecimento da inépcia da peça acusatória, porquanto inexistiria delimitação dos fatos imputados aos acusados e que isso comprova-se até mesmo pelo motivo do Parquet ter requerido a absolvição dos apelantes quanto ao fato 1.
Sem razão.
Conforme bem pontuado pelo parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça os quais incluo em meu voto como razões de decidir: "a Defesa nem sequer apontou específica e concretamente de qual vício padeceria a inicial apresentada pelo Ministério Público - v. g. ausência de descrição de algum elemento da estrutura do tipo penal que capitulara a denúncia. 
A circunstância de o Ministério Público ter pedido em alegações finais a absolvição dos réus quanto ao Fato 1 nada tem a ver com suposto vício na inicial acusatória, mas sim com a não comprovação no decorrer processual da conduta corretamente nela descrita."
No caso em tela, vislumbra-se que a exordial acusatória bem delimitou os fatos em tese praticados pelos acusados, em várias laudas, descrevendo todos os acontecimentos conforme já trazido no Relatório deste voto.
Quanto ao fato 2 há descrição minuciosa (e em sede de exordial acusatória não há essa necessidade) do estelionato consumado em tese praticado pelos apelantes contra as vítimas Carmem Ferro Woiciechowski e Mariano Woiciechowski, através de um suposto tratamento de contra depressão e insônia, por meio de perfumes, mediante pagamento de prestações pecuniárias.
O fato 3, relacionado a também estelionato consumado em tese praticado contra a vítima Clari Pietro Biasi, a exordial acusatória relatou minuciosamente que os acusados induziram a vítima a acreditar que pagando a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais) aos réus, a filha da vítima separar-se-ia do atual marido e voltaria para a casa da vítima. O valor foi pago.
Neste sentido desta Câmara Criminal:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE ESTELIONATO (ART. 171, CAPUT, DO CP, POR QUATRO VEZES). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. ARGUIDA INÉPCIA DA DENÚNCIA. INSUBSISTÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP PREENCHIDOS. DESCRIÇÃO DA CONDUTA DELITIVA, COM A EXPOSIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. PREFACIAL AFASTADA. [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0002996-14.2013.8.24.0020, de Criciúma, rel. Antônio Zoldan da Veiga, Quinta Câmara Criminal, j. 26-09-2019).
Desta feita, afasto a preliminar aventada.
De outro norte, a Procuradoria-Geral de Justiça, aponta, de ofício, a necessidade de realizar digressões sobre a alteração do 171, § 5°, do Código Penal, pela Lei n. 13.964/2019, que alterou a ação penal do crime de estelionato de pública incondicionado para pública condicionada à representação, para evitar qualquer argumento futuro de nulidade.
O Supremo Tribunal Federal, em seu Informativo n. 995, através do HC 187341/SP, Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.10.2020, da 1ª Turma, apontou que "não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do Código Penal, incluída pela Lei 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal".
Em mesmo sentido é o Informativo n. 674 do Superior Tribunal de Justiça, de processo oriundo deste Tribunal Catarinense (HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020):
A Lei n. 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.
Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu.
Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.
Não divergente é o entendimento desta Câmara Criminal:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO PRATICADO NA MODALIDADE TENTADA (CÓDIGO PENAL, ART. 171, CAPUT, COMBINADO COM ART. 14, II). SENTENÇA CONDENATÓRIA. PARCIAL ACOLHIMENTO DO PRETÉRITO INCONFORMISMO. APONTADA OMISSÃO DO JULGADO. MATÉRIA A SER ALEGADAMENTE APRECIADA DE OFÍCIO. RECONHECIMENTO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO AGENTE PELA DECADÊNCIA. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA DA AÇÃO PENAL DE INCONDICIONADA PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO PELA LEI 13.964/2019. INOCORRÊNCIA. ATO JURÍDICO PERFEITO QUE NÃO É ALCANÇADO PELA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. MÁCULA NÃO CONFIGURADA. TESE REMANESCENTE. ANÁLISE PREJUDICADA. ACLARATÓRIOS CONHECIDOS E REJEITADOS. (TJSC, Apelação Criminal n. 0001360-40.2018.8.24.0019, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 29-10-2020).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGADA OMISSÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO, DE OFÍCIO, ACERCA DA DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. DECADÊNCIA INEXISTENTE. NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. CRIME QUE, COM A VIGÊNCIA DA LEI 13.964/19, PASSOU A SER DE AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. PROCESSO JÁ INICIADO NO MOMENTO DE VIGÊNCIA DA LEI NOVA. PROCESSOS EM CURSO QUE NÃO NECESSITAM DA INTIMAÇÃO DA VÍTIMA PARA SE MANIFESTAR A CERCA DE SEU DESEJO DE VER O RÉU PROCESSADO. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. PEDIDO QUE SE NEGA ACOLHIMENTO. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, "H", DO CP. VÍTIMA DE ESTELIONATO QUE CONTA COM 52 ANOS DE IDADE. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS NO PONTO PARA AFASTAR A AGRAVANTE EM APREÇO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA AFASTAR A AGRAVANTE DO CRIME COMETIDO CONTRA PESSOA MAIOR DE 60 ANOS. (TJSC, Embargos de Declaração n. 0002632-55.2016.8.24.0014, de Campos Novos, rel. Antônio Zoldan da Veiga, Quinta Câmara Criminal, j. 22-10-2020). - sublinhei.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA DA AÇÃO PENAL, NOS CRIMES DE ESTELIONATO, PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. PRETENSA REDISCUSSÃO DA MATÉRIA E APRECIAÇÃO DE TESE AVENTADA EM SUSTENTAÇÃO ORAL. VÍCIO DE OMISSÃO INEXISTENTE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. INSATISFAÇÃO COM O RESULTADO DO JULGAMENTO. ADEMAIS, LEI N. 13.964/2019 QUE NÃO EXIGIU MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE, A PARTIR DE SUA VIGÊNCIA. REPRESENTAÇÃO QUE É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E NÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PEÇA, ADEMAIS, QUE NÃO EXIGE FORMALIDADE. PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DESNECESSÁRIA. HIPÓTESES DO ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO VERIFICADAS. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. (TJSC, Embargos de Declaração n. 0007635-75.2013.8.24.0020, de Criciúma, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 13-08-2020). - sublinhei.
E de minha Relatoria:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. OMISSÕES NÃO VERIFICADAS. REQUISITOS DO ARTIGO 619, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO EVIDENCIADOS. 1. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DO RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DE TESES NÃO DEBATIDAS NO RECURSO ANTERIOR, EM ALUSÃO AO PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. 2. PLEITO PELA APLICAÇÃO DA REGRA DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI N. 13.964/2019. CRIMES DE ESTELIONATO QUE ERAM DE AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA E APÓS A ALTERAÇÃO LEGISLATIVA TORNARAM-SE DE AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO. OMISSÃO INDIRETA NÃO CONFIGURADA. EIVA INEXISTENTE. 3. ALEGADA OMISSÃO INDIRETA NA AUSÊNCIA DE ANÁLISE DA CONVERSÃO EM DILIGÊNCIA PARA APLICAÇÃO DA REGRA PREVISTA NO ART. 28-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI N. 13.964/2019. NORMA QUE PREVÊ APLICAÇÃO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO. RETROATIVIDADE DA NOVA NORMA LEGAL QUE DEVE SER APLICADA SOMENTE AOS PROCESSOS NÃO SENTENCIADOS. PRECEDENTES. PERSECUÇÃO PENAL FINALIZADA. RECURSO JULGADO. INTENÇÃO DA LEI QUE VISA A DIMINUIÇÃO DE PROCESSOS. INCOMPATIBILIDADE DO RETORNO DOS AUTOS PARA A FASE INICIAL. EMBARGOS REJEITADOS. [...] 2. "A transformação da ação penal nos crimes de estelionato contemplados no art. 171 do Cód. Penal, operada através da Lei n. 13.964/19, malgrado ostente natureza penal, porquanto tem potencial efeito extintivo da punibilidade, não atinge o ato jurídico perfeito e acabado. Distinta interpretação implica na indevida amplificação dos efeitos do novo comando legal, com a subversão da natureza jurídica da representação, convolada que restaria em condição de prosseguibilidade" (TJSC, Embargos de Declaração n. 0005244-45.2014.8.24.0075, de Tubarão, rel. Des. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 12-03-2020) [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0001561-57.2017.8.24.0022, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cínthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaeffer, Quinta Câmara Criminal, j. 12-11-2020). - sublinhei.
Pelo exposto, tendo em vista que a representação é condição de procedibilidade e não de prosseguibilidade da ação penal, passo à análise meritória.
Os apelantes pugnam pela absolvição com fulcro na impossibilidade de condenação baseada exclusivamente na palavra das vítimas. Aduzem que os atendidos contribuíam com 1 kg (um quilo) de alimento não perecível. O réu Rui aduz ainda que não realizava procedimentos específicos, sendo feito apenas orações espirituais, ao passo que a ré Fabiane alega que não participava dos atendimentos. Em suma, elencaram inexistir dolo específico, e que a conduta dos acusados é congruente com o dízimo cobrado por Igrejas, não havendo que se falar em estelionato.
Ao meu sentir, razão não lhes assiste.
Inicialmente, ressalto que "nos crimes contra o patrimônio, comumente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima reveste-se de maior credibilidade, se associada a outros elementos de prova a assegurar a convicção do julgador" (TJSC, Apelação Criminal n. 2015.057400-6, de Indaial, rel. Getúlio Corrêa, Segunda Câmara Criminal, j. 17-11-2015).
Feita essa digressão, é preciso constar que o réu Rui é por diversas oportunidades reconhecido no presente voto como Roberto, ao passo que a ré Fabiane por Estela, tendo em vista que ambos utilizavam nomes fictícios para as práticas delitivas.
Pois bem.
Quanto ao fato 2, durante a fase indiciária, a vítima Carmem Ferro Woiciechowski afirmou que em junho do ano dos fatos, juntamente com seu companheiro Mariano, dirigiu-se à cidade de Descanso para realizar uma consulta com as pessoas de Roberto Cover e Estela Maris (nomes fictícios de Rui e Fabiane, respectivamente); Relatou que foram buscar auxílio em virtude de Mariano estar com depressão e insônia; Contou que foram atendidos por Roberto e Estela; Disse que após a consulta Roberto entregou frascos cobrando o valor de R$ 800,00 (oitocentos reais); Disse que falou para o acusado não possuir a quantia, sendo que o réu Rui disse poder parcelar em até 3 (três) vezes; Contou que pagaram no dia da consulta a quantia de R$ 400,00 (quatrocentos reais); Disse que não recebeu recibo; Falou que após 30 (trinta) dias retornou para nova consulta a qual pagaram a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais); Contou que o réu teria anotado o nome da declarante e de seu esposo em uma caderno na primeira consulta, sendo que na segunda o acusado não localizou mais os nomes; Disse ter ficado desconfiada do réu pela questão das anotações e pelos diagnósticos dados à Mariano; Relatou que dias após teve conhecimento que Rui restou preso (Evento 2, INQ154):
QUE, referente aos fatos, a declarante relata de que em junho do corrente ano, juntamente com seu esposo, Mariano Woiciechowski, dirigiram-se a Descanso, afim de consultar com a pessoa de Roberto Cover e Estela Maris, nas proximidades da área coberta de descanso; QUE, foram buscar auxílio em virtude de que seu esposo estava com depressão e com muita insônia, mesmo estando em tratamento médico; QUE, no local, foram atendidos com Roberto e Estela; QUE, após a consulta, Roberto entregou alguns frascos de remédios (parecido com perfume), tendo após cobrado o valor de R$800,00; QUE, a declarante e seu esposo informaram de que não possuíam todo este valor, onde Roberto falou que parcelaria o valor em até três vezes; QUE, no dia da consulta pagaram o valor de R$400,00; QUE, Roberto não entregou nenhum recibo acerca do valor pago; QUE, após trinta dias, retornaram para nova consulta, onde novamente foram atendidos por Roberto, sendo que nesta oportunidade entregaram mais R$200,00; QUE, Roberto teria anotado o nome da declarante e de seu esposo em um caderno isto na primeira oportunidade, sendo que na segunda consulta, Roberto não localizou mais os nomes da declarante e de seu esposo; QUE, a declarante ficou desconfiada visto que Roberto não teria localizado os nomes bem como acerca dos diagnósticos que teria dado para seu esposo; QUE, a alguns dias a declarante tomou conhecimento de que Roberto teria sido preso por curandeirismo. 
Em juízo, Carmem Ferro Woiciechowski contou que havia escutado na rádio que haviam pessoas que ajudavam quem tivesse problemas com depressão e insônia; que pelo fato de seu esposo ter esses problemas, resolveram se deslocar até onde essas pessoas estavam realizando as consultas; que quando chegaram, foram recebidos por uma mulher, mas que foram atendidos pelo homem; que o homem disse que precisava de R$ 800,00 para resolver os problemas de seu esposo; que seu esposo disse que não tinha todo aquele valor no momento, mas tão somente R$ 400,00; que o homem disse que teriam que vir mais dias, de modo que poderiam pagar de forma parcelada; que o tratamento foi jogar umas cartas e, no final, dar um frasco de perfume para cada um; que o problema de seu esposo, de acordo com o homem, era inveja, motivo pelo qual tinha pesadelos e insônia a noite; que após um mês, voltaram uma segunda vez, mas o homem não achou qualquer anotação sobre eles; que em virtude disso, ficaram desconfiados; que nessa segunda vez, pagaram mais R$ 200,00, mas que não foram uma terceira porque ouviram na rádio que um homem havia sido preso por "curandeirismo"; que, além de jogar cartas e dar os perfumes, o homem não realizou qualquer outra espécie de "trabalho"; que se sentiu enganada, pois seu marido sofre muito com insônia mesmo tomando remédios controlados e fazendo acompanhamento médico, sendo que procuraram aquelas pessoas com boa-fé, na esperança de que poderiam ajudá-los; que reconheceu à acusada Fabiane da Silva Lima [que se encontrava na sala de audiência] como sendo a mulher que estava no local dos fatos no segundo dia; que o homem lhe prometeu que seu marido iria melhorar em relação ao sues problemas de depressão, insônia e ansiedade; que o homem disse que faria orações (Evento 130, VÍDEO452 - transcrição extraída da sentença).
A vítima Mariano Woiciechowski, ouvido na fase administrativa, relatou que o depoente e sua esposa dirigiram-se até a cidade de Descanso para realizar uma consulta com as pessoas de Roberto Cover e Estela Maris; Disse ter sido atendido por Roberto enquanto Estela recebia as pessoas no local; Contou que foi buscar auxílio em virtude de depressão e insônia, mesmo realizando acompanhamento médico; Disse que Roberto lhe relatou que seu problema era um espírito que estaria o perseguindo e que diante disto o acusado entregou um frasco de perfume ao depoente, o qual deveria utilizar após o banho; Disse que naquele dia realizou o pagamento de R$ 400,00 (quatrocentos reais) em espécie, sem ter recebido recibo; Contou que após 30 (trinta) dias retornou ao local de atendimento, efetuando o pagamento de mais R$ 200,00 (duzentos) reais em novo consulta; Disse que o réu apontou que seria necessários 3 (três) atendimentos para que houvesse maior efeito ao tratamento e que para sua esposa seria necessário somente uma consulta; Disse que antes de retornarem para o terceiro atendimento tomaram conhecimento da prisão do acusado Rui (Evento 2, INQ171):
QUE, relata de que em junho do corrente ano, o declarante e sua esposa dirigiram-se a Descanso afim de realizar consulta com a pessoa de Roberto Cover e Estela Maris, os quais atendiam junto a um centro espírita localizado próximo a área coberta em Descanso; QUE, o declarante foi atendido por Roberto enquanto que Estela ficava recebendo as pessoas no local; QUE, foram buscar auxílio em virtude de depressão que o declarante tem, além de muita insônia, mesmo estando em tratamento médico; QUE, como diagnóstico para o declarante, Roberto relatou de que seria um espírito que estaria perseguindo o declarante; QUE, Roberto entregou um frasco de perfume, o qual deveria utilizar após o banho, e que teria que ser usado em até três dias; QUE, neste dia realizaram o pagamento de R$400,00 em espécie; QUE, Roberto não entregou nenhum recibo acerca do pagamento feito; QUE, após trinta dias do primeiro atendimento, retornaram e pagaram mais R$200,00, onde foram atendidos por Roberto em nova consulta; QUE, Roberto teria comentado que para o declarante seriam necessários três atendimentos para dar efeito e ficar melhor, e que para sua esposa seria apenas uma consulta; QUE, deveriam retornar após trinta dias da segunda consulta, sendo que neste meio tempo, tomaram conhecimento de que Roberto teria sido preso por curandeirismo.
Sob o crivo do contraditório, a vítima Mariano Woiciechowski afirmou que tinha problemas de depressão e na coluna; que, pela rádio, ouviu a propaganda do curandeiro, motivo pelo qual resolveu procurá-lo; que o homem lhe cobrou R$ 400,00, pois havia algo do passado que lhe estava fazendo o mal; que em troca do dinheiro, recebeu um vidro com uma espécie de perfume, que era para passar após o banho; que o retorno era após um mês; que ao voltarem no local no outro mês, o homem não se lembrava dele e de sua esposa; que o homem insinuou que teria que fazer um trabalho para o seu neto, porém, ao informar que não tinha netos, o homem lhe disse que então faria uma oração para a sua depressão; que desconfiou das atitudes, mas ainda assim pagou mais R$ 200,00; que o homem não lhe examinou e nem nada e que provavelmente sequer fez as orações, uma vez que não se lembrava dele e de sua esposa na segunda vez que foram; que havia uma mulher no local dos fatos na segunda vez que forma, sendo que esta mulher lhes disse para entrarem; que não sabe se a mulher era ajudante ou paciente; que reconheceu à acusada Fabiane da Silva Lima [que se encontrava na sala de audiência] como sendo a mulher que estava no local dos fatos no segundo dia; que reconheceu o advogado do acusado como sendo o acusado, mesmo após a apresentação da foto do réu constante nos autos; que se sentiu enganado, pois esperava uma cura, sendo que sequer foram feita as orações (Evento 130, VÍDEO451 - transcrição extraída da sentença).
Já quanto ao fato 3, a vítima Clari Pietro Biasi declarou extrajudicialmente que procurou atendimento espiritual no Hotel Riposare na cidade de Descanso, no qual encontrava-se Roberto Cover, o qual seria vidente/astrólogo para auxílio em problemas pessoais e familiares; Disse que na consulta relatou problemas familiares entre entre sua filha e genro; Contou que o réu lhe disse que sua filha separar-se-ia do marido e retornaria para casa no interstício de tempo entre 3 (três) à 21 (vinte e um) dias caso a vítima pagasse o valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais); Relatou que não possuía somente R$ 1.000,00 (um mil reais), sendo que Roberto aceitou o valor e que o restante seria pago após o retorno da filha para a residência; Disse que como sua filha não retornou para casa mandou mensagens para o acusado solicitando o valor de volta, ao passo que restou ameaçada; Relatou que foi por 3 (três) ou 4 (quatro) vezes no consultório do réu mas este disse que não poderia devolver o valor pois o trabalho já estava feito; Contou que durante os atendimentos Roberto estava sempre acompanhado de uma mulher, acreditando que fosse sua esposa, ao quando ficava sentada ao lado, e quando não havia pacientes, acompanhava o réu; disse que a mulher usava vários nomes, dentre eles Delamaris, Fabiana; Relatou que esta mulher também atendia outras pessoas; Contou que Roberto e Delamaris (Fabiana) tinha um programa na rádio de Descanso das 13h00min às 13h30min, sempre ao vivo, todas as quartas-feiras (Evento 2, INQ156/157):
QUE, relata a declarante que na data e hora acima procurou por atendimento espiritual junto ao Hotel Riposare em Descanso, onde no local encontrava-se a pessoa de Roberto Cover, o qual seria vidente/astrólogo para auxílio nos problemas pessoais da declarante e de seus familiares; QUE, na consulta, a declarante relatou problemas familiares entre sua filha e esposo desta, o qual teria relatado de que a filha da declarante iria se separar do marido e retornaria para casa de três a vinte e um dias, sendo que para isso a declarante deveria pagar o valor de R$ 1.200,00; QUE, a declarante não tinha todo o valor, informando que só teria R$ 1.000,00 naquele momento, o que foi aceito por parte de Roberto; QUE, o restante do valor deveria ser pago após o retorno da filha da declarante; QUE, como não ocorreu o prometido, a declarante mandou mensagens para Roberto solicitando o valor de R$ 1.000,00 de volta visto não ter se concretizado o prometido, sendo que Roberto retornou com a mensagem ameaçando a declarante onde escreveu "você sabe com quem está lidando?"; QUE, o celular contendo as mensagens enviadas restou danificado alguns dias após, não tendo mais cópias de referidas mensagens; QUE após isto, a declarante chegou a ir cerca de três a quatro vezes até o consultório do mesmo, próximo a área coberta de Descanso, onde pedia o dinheiro de volta, o qual apenas falava de que não poderia devolver visto que o trabalho já estava feito. Que a declarante restou com prejuízo de R$ 1.000,00; QUE, quando do atendimento que a declarante teve com Roberto, este usava óculos escuro, pele morena morena, com aparência de indígena, altura mediana, peso mediano, sem barba e sem bigode, cabelo preto escuro, curto, liso; QUE, durante os atendimentos, Roberto estava sempre acompanhado de uma mulher, acreditando a declarante que esta era esposa do mesmo, a qual ficava sentada ao lado e quando não haviam pacientes, ela acompanhava Roberto; QUE, a mulher usava vários nomes, entre eles Delamaris, Fabiana, entre outros, sendo que a mesma atendia pessoas como Roberto; QUE, Roberto e Delamaris tinham programa na rádio de Descanso, das 13h00min às 13h30min, sempre ao vivo, isto todas as quartas-feiras; QUE, o pagamento feito a Roberto foi em dinheiro, em espécie, todas notas de R$ 100,00; [...] QUE, a declarante manifesta interesse em representar contra o autor dos fatos.
Na fase judicial, a vítima Clari Pietro Biasi aduziu que ouviu um anúncio no rádio de que Rui era vidente e que resolvia problemas de saúde e familiares; que procurou o acusado porque queria que sua filha voltasse para casa, uma vez que ela foi traída pelo marido; que ao relatar o problema para Rui, este informou que resolveria o problema em até 21 dias, fazendo com que a sua filha voltasse para casa; que em contra partida, pediu R$ 1.200,00; que garantiu que, de 3 a 21 dias a sua filha voltaria; que estava muito doente em virtude do problema com a filha, motivo pelo qual pagou o valor que tinha, qual seja, R$ 1.000,00, sendo que o restante seria pago após a filha voltar para casa; que após mais de 21 dias, tentou entrar em contato como réu, mas este a ameaçou, bem como dizia que daria certo; que tentou inúmeras vezes cobrar o acusado, mas sem sucesso; que o acusado deu garantia que a filha voltaria; que se sentiu enganada, sendo que o referido dinheiro era para fazer um exame de ressonância e endoscopia; que o acusado era moreno, sem barba; que reconheceu à acusada Fabiane da Silva Lima [que se encontrava na sala de audiência] como sendo a mulher que estava no local junto com Rui; que Fabiane recebia, mas não lhe atendeu, somente cumprimentou; que acreditava nesse tipo de trabalho, mas depois de ser enganada não acredita mais (Evento 130, VÍDEO450 - transcrição extraída da sentença).
Na fase administrativa, os réus Rui Corrêa Barbosa e Fabiana da Silva Lima exerceram o direito constitucional ao silêncio (Evento 2, INQ163 e INQ168).
Sob o crivo do contraditório e ampla defesa, a ré Fabiana da Silva disse que está em união estável com Rui; que trabalhava como o acusado como sendo uma secretária; que na realidade, trabalhava como manicure; que não teve envolvimento com o fato, sendo a sua participação somente no sentido de pedir para que as vítima aguardassem; que sabia que Rui trabalhava como benzimentos e orações, sendo que acredita nesse tipo de coisa; que se apresentava como outros nomes porque, no caso do Rui, Roberto Cover é o seu nome artístico, segundo o acusado lhe disse; que o seu nome exotérico veio de pedido de Rui; que o seu único atendimento é de manicure, mas nunca atendeu ninguém diretamente, somente ajudava Rui a orar em momentos posteriores e raramente durante os atendimentos; que os frascos compravam em lojas, que acreditam nisso, mas que quem trabalhava com isso era o Rui; que não participava dos atendimentos, mas que eventualmente ouvia (Evento 130, VÍDEO447 - transcrição parcialmente extraída da sentença).
O apelante Rui Corrêa Barbosa, ouvido em juízo, relatou que faz um trabalho espiritual de aconselhamento; que são feita orações, algo espiritual em prol das pessoas que lhe procuram, uma vez que geralmente são depressivas, atormentadas espiritualmente; que sempre faz um "banho de descarrego" nos pacientes/crentes; que não há cobrança de pagamento, as pessoas dão se elas querem; que no caso do fato 2, Fabiane não estava presente; que era um caso mais profundo, pois houve um caso de traição entre as vítimas no passado, e eles não se perdoavam, motivo pelo qual foram feito orações para apaziguá-los; que os frascos dados são adquiridos em qualquer lugar, a diferença do seu atendimento eram as orações; que não era cobrado; que não utiliza nome falso, que Roberto Cover era um nome esotérico e artístico como músico; que tem curso de teologia realizado na cidade de Uruguaiana, RS; que o relato da vítima do fato 3 seria no sentido que o atendimento foi em novembro de 2017, sendo que a sua prisão se deu em setembro de 2017; que conversou com a filha, mas que esta não quis voltar para casa; que a filha da vítima queria ficar com o marido; que fizeram orações e aconselhamentos religiosas, mas não prometeu à vítima que a sua filha voltaria para casa; que não eram cobradas, mas que contribuíam de forma espontânea; que Fabiane não fazia nenhum atendimento (Evento 170, VÍDEO446 - transcrição parcialmente extraída da sentença).
Pois bem.
O tipo penal descrito na denúncia é assim vazado:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
A respeito da configuração do crime de estelionato, extrai-se do entendimento de Celso Delmanto:
Para que o estelionato se configure, é necessário: 1º) o emprego, pelo agente, de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2º) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3º) obtenção de vantagem patrimonial ilícita pelo agente; 4º) prejuízo alheio (do enganado ou de terceira pessoa). Portanto, mister se faz que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio) relacionado com a fraude (ardil, artifício, etc.) e o erro que esta provocou. (Código Penal Comentado, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pag. 620).
Conforme ver-se-á abaixo, os réus empregaram meio fraudulento com supostas práticas religiosas; levaram as vítimas em erro ao acreditarem que pagando a quantia solicitada mudanças ocorreriam em suas vidas; obtiveram vantagem pecuniária e trouxeram prejuízo financeiro às vítimas, estando plenamente configurado o crime de estelionato conforme apontado pela doutrina pátria.
Consonante produzido em ambas as fases procedimentais quanto ao fato 2, a vítima Carmen, juntamente com seu companheiro Mariano foram até a cidade de Descanso para realizar uma consulta com os acusados, os quais chamavam de Roberto Cover e Estela Maris (Rui e Fabiane, respectivamente). O motivo do atendimento dizia respeito à depressão e insônia sofridos por Mariano.
Carmen contou que foram Recebidos por Fabiane ao passo que Rui realizou o atendimento, o qual cobrou R$ 800,00 (oitocentos) reais por um frasco de perfume, sendo que disse para Rui que não possuíam o valor total, tendo sido pago a quantia de R$ 400,00 (quatrocentos reais) e posteriormente, pagaram mais R$ 200,00 (duzentos reais).
Se apurou no segundo atendimento que não havia qualquer anotação por parte de Rui e Fabiane sobre o atendimento anterior, visto que haviam informado às vítimas que realizariam orações para a melhora de Mariano, e que por motivo ficaram desconfiados.
Carmen contou ainda que Rui relatou que o problema de Mariano era inveja e que por este motivo necessitava adquirir o frasco de R$ 800,00 (oitocentos reais).
O depoimento de Mariano foi equânime ao de sua companheira, ao passo que acrescentou que foram até Descanso devido a propaganda na rádio realizada pelo acusado.
O réu Rui aduz que não cobrava valores pelos atendimentos mas apenas contribuições voluntárias e doação de 1kg (um quilo) de alimento não perecível, o que se mostra sem credibilidade, principalmente pelo fato do relato das vítimas que como alhures demonstrado, nos crimes patrimoniais detêm especial credibilidade.
De mais a mais, há nos autos o fato 3 que aponta caso análogo, ao passo que aportou no frente feito investigações da Polícia Civil de Guaraciaba/SC (Evento 2, INQ150) que apontava em tese o mesmo modus operandi dos réus, contra outras 13 (treze) vítimas.
Outrossim, resta duvidoso a tese de que não almejavam interesse financeiro, inclusive pois, possuíam programa de rádio na cidade de Descanso logo após o horário do almoço, programa este que obviamente era pago à empresa de radiodifusão.
Os apelantes tentam levar a crer que suas condutas eram abarcadas por um cunho meramente religioso, mas pelo produzido no presente feito, se mostra inequívoco que utilizam desta argumento unicamente para se esquivar de suas respectivas responsabilidades, ao ludibriarem vítimas de região interiorana com inverdades de que poderiam resolver quaisquer problemas destas.
Neste ínterim ainda, é de se ressaltar que as vítimas Carmen e Mariano, ao retornarem para um segundo atendimento um mês após terem pago a quantia de R$ 400,00 (quatrocentos reais) não encontraram seus nomes nem mesmo no suposto caderno de orações dos réus, o que demonstra que os fatos praticados nada tinham a ver com religiosidade, mas somente mentiras ditas pelos acusados para ludibriar Carmen e Mariano a receberem contraprestação pecuniária por um serviço obviamente inexistente.
No que se refere a Fabiane, esta tenta alegar que não efetuava atendimentos, trabalhando no local apenas como manicure. Entretanto, utilizava nome fictício (Estela Maris), realizava a recepção das vítimas e comprava os supostos "perfumes milagrosos" (conforme seu próprio relato) que eram vendidos com alto valor por Rui, o que demonstra a participação delitiva desta, nos termos do art. 29 do Código Penal.
Ademais, restou juntado no caderno indiciário cartão de visitas da apelante a qual se apresentava como vidente (Evento 2, INQ161), restando descredibilizada a tese de que não realizava ou ajudava nos atendimentos, trabalhando apenas como manicure.
É de se constar que Fabiane teve reconhecida sua participação como de menor importância, nos termos do art. 29, § 1º, do Código Penal.
Em mesmo sentido, agora quanto ao fato 3, restou comprovado que a vítima Clari Pietro Biasi foi até os acusados, no Hotel Riposare em Descanso buscando atendimento. A referida vítima possuía problemas familiares com o genro e buscava o retorno de sua filha para casa.
Nesta feita, Rui disse que a filha da vítima retornaria para residência desta de 3 (três) à 21 (vinte e um) dias, caso pagasse a quantia de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais).
Clari pagou R$ 1.000,00 (um mil reais), valor que possuía à época e prontamente aceito por Rui, ao passo que devido a sua filha não ter voltado para casa, buscou reaver o valor, sendo ameaçada por Rui.
A vítima contou ainda que Fabiane se apresentava por outros nomes, como por exemplo "Delamaris" e que também realizava atendimentos. Disse que conheceu os acusados por causa de um programa de rádio que possuíam ao vivo.Conforme se vê, o modus operando do fato 3 é idêntico ao fato 2, no qual os acusados ludibriaram a vítima a qual possuía problemas familiares para que, pagando uma quantia em dinheiro, fariam através de suas orações a filha da vítima abandonar o genro.
Se mostra irônico a defesa elencar que o fato 3 não seria crime até mesmo diante do livro arbítrio da filha da vítima. Livro arbítrio esse que não foi elencado por Rui quando ludibriou Clari para receber R$ 1.000,00 (um mil reais) por este fato.
De mais a mais, no caso em tela, a tese absolutória de Fabiane também se mostra incabível pelos mesmos motivos constantes no fato 2. O fato de não ter atendido diretamente Clari mas apenas a recebido na consulta para encaminhamento não tem o condão de afastar sua culpabilidade, pois conforme se demonstrou, essa tinha conhecimento dos fatos, adquiria os "perfumes milagrosos" vendidos "a preço de ouro" para as vítimas.
Ademais, no caso do fato 3, Fabiane ajudou a ludibriar a vítima com o programa de rádio o qual participava junto com Rui, estando inequivocamente sua participação delitiva demonstrada nos autos.
É de se constar, novamente, que Fabiane teve reconhecida sua participação como de menor importância, nos termo do art. 29, § 1º, do Código Penal, também para este fato.
A circunstância de estabelecimentos religiosos solicitarem dízimos não se mostra argumento correto para um decreto absolutório. Não é porquê há nuances e contradições sobre como algumas igrejas funcionam que se permite aos acusados que inventem estórias, das mais diversas, para ludibriar vítimas de regiões interioranas para receberem altas quantias em dinheiro sobre fatos que não tem poder de decisão.
Ao meu sentir, ao contrário do que aduz a defesa, os acusados não acreditavam na religiosidade que supostamente empregavam, mas sim no "dinheiro fácil" angariado através de ludibriarem pessoas com suas falas e perfumes "milagrosos"
Por todo o exposto, tenho que a condenação deve ser mantida, porquanto plenamente configurado o crime de estelionato e demonstração do dolo específico em ludibriarem as vítimas.
Subsidiariamente, a defesa pugna pela desclassificação da conduta do estelionato para o curandeirismo, pois a conduta estaria abarcada pela liberdade de crença.
Primeiramente, se faz importante frisar que a condenação dos apelantes nada tem a ver com a liberdade de crença. A Constituição Federal, no art. 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos.
No caso em apreço, nada se teve de crença, pois apenas utilizavam desses argumentos para enganar as vítimas, e, conforme se demonstrou, nem mesmo anotavam o nome das vítimas no suposto caderno de orações, o que demonstra que a conduta dos réus nada mais era do que estelionato por meio de ludibriar pessoas que estavam fragilizadas emocionalmente, sem qualquer comprometimento com estas, e agora, através de uma falsa alegação religiosa, tentam usar deste argumento como escudo para suas práticas delitivas.
Sobre o crime de curandeirismo ensina Cezar Roberto Bitencourt:
Bem jurídico protegido é a incolumidade pública, particularmente, a saúde pública, ante o risco criado pela prática habitual de métodos curativos e profiláticos não científicos ineficazes, produto, muitas vezes, de simples crendices populares. [...]. A incriminação do curandeirismo justifica-se, portanto, não somente para a proteção da boa-fé dos incautos, mas pelo risco à saúde pública que representa [...]. (Código penal comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1.197)
O crime em comento diz respeito à prática habitual de métodos científicos ineficazes, sendo um crime contra a saúde pública.
Pela análise acima, se vê que o crime de estelionato se diferencia do curandeirismo, pois o primeiro visa ludibriar a vítima para a obtenção de vantagem ilícita, como o caso dos autos, ao passo que no curandeirismo, o bem tutelado é a saúde pública, não havendo o dolo específico na obtenção da vantagem ilícita por meio da indução ao erro.
Na presente ação penal, os réus utilizavam de supostas orações e produtos milagrosos para a obtenção de vantagem pecuniária ilícita, ludibriando vítimas que estavam fragilizadas emocionalmente, estando plenamente configurado o delito de estelionato e não o de curandeirismo.
Neste sentido já decidiu este Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTINUADO (ART. 171, CAPUT, POR DUAS VEZES, C/C O ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PALAVRAS DAS VÍTIMAS CORROBORADAS PELA PROVA DOCUMENTAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CURANDEIRISMO (ART. 284 DO CÓDIGO PENAL). IMPOSSIBILIDADE. ACUSADA QUE AGIU COM A INTENÇÃO DE OBTER VANTAGEM ILÍCITA EM PREJUÍZO ALHEIO, MEDIANTE ARTIFÍCIO E ARDIL, APROVEITANDO-SE DA CREDULIDADE DAS OFENDIDAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. 1 Nos crimes contra o patrimônio, normalmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima goza de especial valor probante, mormente quando corroborada pelos demais elementos coligidos, como, no caso, pela prova documental. 2 Impossível a desclassificação da conduta para curandeirismo, pois este é crime contra a saúde pública que não se confunde com o delito patrimonial de estelionato praticado por aquele que cobra valor a pretexto de realizar benzeduras com a promessa de devolver posteriormente a quantia. [...] (TJSC, Apelação n. 0006801-10.2012.8.24.0052, de Porto Uniao, rel. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. 02-08-2016). - sublinhei.
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO (ARTIGO 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). OBTENÇÃO DE VANTAGEM ILÍCITA MEDIANTE MEIO ARDIL. RECURSO DEFENSIVO. SUSTENTADA A AUSÊNCIA DE PROVAS. INSUBSISTÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. VERSÃO ISOLADA DA RÉ/APELANTE, SEM AMPARO PROBATÓRIO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DA ACUSADA ALIADO AOS DEPOIMENTOS FIRMES E COERENTES DA VÍTIMA E DAS DEMAIS TESTEMUNHAS. ELEMENTOS SUFICIENTES A EMBASAR O DECRETO CONDENATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Empregando o agente, com vista à obtenção de vantagem pecuniária ilícita e mediante abuso da crendice alheia, manobra ardilosa consistente em efetivação de 'tratamento espiritual', não há que se reconhecer o delito de curandeirismo, mas, sim, o de estelionato". (JUTACRIM 30/327). (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.025408-5, de Sombrio, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 12-06-2012). - sublinhei.
Por fim, os requerimentos genéricos apresentados unicamente na aba "pedidos" das razões recursais para fixação da pena no mínimo legal, do regime inicial de cumprimento de pena aberto a e a substituição para restritivas de direitos não comportam conhecimento.
Como se sabe, o Código de Processo Penal, prevê em seu artigo 599, que: "as apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado, quer em relação a parte dele", ou seja, cabe a parte recorrente delimitar a matéria a ser objeto de reapreciação e de novo decisão pelo órgão jurisdicional competente.
Segundo Humberto Theodoro Júnior: "pelo princípio da dialeticidade exige-se, portanto, que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com o ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-se ao debate da parte contrária" (Curso de direito processual civil. vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 962).
Nesse norte, não basta que o apelante se mostre inconformado com a decisão de primeiro grau, é necessário que demonstre os pontos específicos da insurgência, contrapondo os fundamentos da sentença, sob pena de não conhecimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.
O pedido de minoração da reprimenda estipulada, regime e forma de cumprimento, desacompanhado de argumentos que impugnam especificamente os fundamentos da sentença gera ofensa ao princípio da dialeticidade.
Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal:
APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTS. 33, CAPUT, E 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N. 11.343/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DEFENSIVOS. [...] DOSIMETRIA. PEDIDO GENÉRICO DE MINORAÇÃO DAS PENAS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. [...] COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. RECURSOS DE M., Lo. E E. PARCIALMENTE CONHECIDOS. RECURSOS DE L. E A. CONHECIDOS. NO MÉRITO, RECURSOS DE A. E E. PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJSC, Apelação Criminal n. 0003337-86.2015.8.24.0079, de Videira, rel. Des. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 02-07-2020). - sublinhei.
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). RECURSO DEFENSIVO. [...] DOSIMETRIA. PEDIDO GENÉRICO DE ALTERAÇÃO DA REPRIMENDA, COM A CONSIDERAÇÃO DAS ATENUANTES QUE LHE SÃO CABÍVEIS. PLEITO DESACOMPANHADO DE ARGUMENTAÇÃO CONCRETA A AMPARÁ-LO. NÃO CONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. [...] 2. Não se conhece de pedido genérico de alteração da reprimenda, com a consideração das atenuantes que lhe são cabíveis, quando a defesa não elenca argumentação satisfatória a amparar o pleito, em desrespeito ao princípio da dialeticidade. (TJSC, Apelação Criminal n. 0001672-73.2016.8.24.0055, de Rio Negrinho, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 18-06-2020). - sublinhei.
De mais a mais, no caso de Fabiane, esta já teve fixado o regime inicial de cumprimento de pena aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, carecendo até mesmo de interesse por parte da ré quanto ao pleito no ponto.
Ante o exposto, voto por conhecer parcialmente dos recursos, e nessa extensão, negar-lhes provimento.

Documento eletrônico assinado por CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 626121v37 e do código CRC 7a305950.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERData e Hora: 4/3/2021, às 14:29:30

 

 












Apelação Criminal Nº 0000006-76.2018.8.24.0084/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


APELANTE: RUI CORREA BARBOSA (RÉU) APELANTE: FABIANE AIMON (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


EMENTA


APELAÇÕES CRIMINAIS. ESTELIONATOS EM CONCURSO MATERIAL (ART. 171, § 4º E ART. 171, CAPUT, C/C ART. 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DEFENSIVOS. 
PRELIMINAR DEFENSIVA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO DA CONDUTA DELITIVA, COM A EXPOSIÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. FATO DO MINISTÉRIO PÚBLICO TER PLEITEADO A ABSOLVIÇÃO EM UM DOS FATOS QUE NÃO CONTAMINA A EXORDIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. PREFACIAL AFASTADA.
PRELIMINAR DA PGJ. MANIFESTAÇÃO SOBRE A MUDANÇA DO ART. 171, § 5º, DO CÓDIGO PENAL PELA LEI N. 13.964/2019. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE. CRIMES DE ESTELIONATO QUE ERAM DE AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA E APÓS A ALTERAÇÃO LEGISLATIVA TORNARAM-SE DE AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO. REPRESENTAÇÃO QUE É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E NÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DESTA CÂMARA, DO STJ E STF.
MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO E DE PRÁTICA RELIGIOSA. INOCORRÊNCIA. FATO 2. VÍTIMA QUE POSSUÍA DEPRESSÃO E INSÔNIA. ACUSADO RUI QUE COBROU A QUANTIA DE R$ 800,00 (OITOCENTOS REAIS) POR UM FRASCO DE PERFUME "MILAGROSO". VÍTIMAS QUE SÓ POSSUÍAM R$ 400,00 (QUATROCENTOS REAIS) E VOLTARAM POSTERIORMENTE PAGANDO MAIS R$ 200,00 (DUZENTOS REAIS). RÉUS QUE HAVIAM SE COMPROMETIDO A INCLUIR O NOME DAS VÍTIMAS EM CADERNO DE ORAÇÃO O QUAL AS VÍTIMAS NÃO ENCONTRARAM NO SEGUNDO ATENDIMENTO. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO COBRAVAM VALORES E SOMENTE SOLICITAVAM DOAÇÕES. INOCORRÊNCIA. CREDIBILIDADE DA PALAVRA DAS VÍTIMAS. INQUÉRITO POLICIAL DE OUTRA COMARCA QUE APONTA INDÍCIOS DE OUTRAS 13 (TREZE) VÍTIMAS SOB O MESMO MODUS OPERANDI. RÉ FABIANE QUE APONTA INEXISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DELITIVA. INSUBSISTÊNCIA. RÉ QUE EFETUAVA A COMPRA DOS FRASCOS "MILAGROSOS", RECEPCIONAVA AS VÍTIMAS, PARTICIPAVA DE PROGRAMA DE RÁDIO NA CIDADE DE DESCANDO AJUDANDO A CAPTAR VÍTIMAS E POSSUÍA ATÉ MESMO CARTÃO COMO "VIDENTE". PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA MANTIDA (ART. 29, § 1º, DO CÓDIGO PENAL). FATO 3. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO, DE PRÁTICA RELIGIOSA E EXISTÊNCIA DE LIVRE ARBÍTRIO. INOCORRÊNCIA. RÉUS QUE LUDIBRIARAM A VÍTIMA ELENCANDO QUE SE PAGASSEM A QUANTIA DE R$ 1.200,00 (UM MIL E DUZENTOS REAIS) SUA FILHA SEPARAR-SE-IA DO GENRO E VOLTARIA A MORAR COM A GENITORA NO PRAZO DE 3 (TRÊS) À 21 (VINTE E UM) DIAS. VÍTIMA QUE SÓ TINHA A QUANTIA DE R$ 1.000,00 (UM MIL REAIS). VALOR ACEITO PELO RÉU RUI. RÉUS QUE TENTARAM ATÉ MESMO NOVAMENTE LUDIBRIAR A VÍTIMA POSTERIORMENTE AO PRAZO ESCOADO, SOLICITANDO MAIS DINHEIRO PARA IMPEDIR QUE MALES ACONTECESSEM COM A VÍTIMA E SUA FILHA. ALEGAÇÃO DOS ACUSADOS DE LIVRE ARBÍTRIO DA FILHA DA VÍTIMA QUE NÃO FOI ALEGADA PARA A VÍTIMA QUANDO A LUDIBRIARAM PARA O PAGAMENTO DA QUANTIA PECUNIÁRIA. RÉ FABIANE QUE APONTA INEXISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DELITIVA. INSUBSISTÊNCIA. RÉ QUE EFETUAVA A COMPRA DOS FRASCOS "MILAGROSOS", RECEPCIONAVA AS VÍTIMAS, PARTICIPAVA DE PROGRAMA DE RÁDIO NA CIDADE DE DESCANDO AJUDANDO A CAPTAR VÍTIMAS E POSSUÍA ATÉ MESMO CARTÃO COMO "VIDENTE". ADEMAIS, RÉ QUE SE APRESENTAVA COM NOME FALSO. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA MANTIDA (ART. 29, § 1º, DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÕES MANTIDAS.
PEDIDO SUBSIDIÁRIO PARA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTELIONATO PARA CURANDEIRISMO. IMPOSSIBILIDADE. RÉUS QUE AGIRAM COM INTENÇÃO DE OBTER VANTAGEM ILÍCITA EM PREJUÍZO ALHEIO, MEDIANTE MEIO FRAUDULENTO, APROVEITANDO-SE DA CREDULIDADE DAS VÍTIMAS. PRECEDENTES DESTA CORTE. CRIME DE ESTELIONATO MANTIDO.
DOSIMETRIA. REQUERIMENTOS GENÉRICOS DE PENA NO MÍNIMO LEGAL, REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PLEITOS REALIZADOS UNICAMENTE NA "ABA" PEDIDOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ADEMAIS, RÉ FABIANE QUE TEVE A PENA FIXADA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL, COM DETERMINAÇÃO DE REGIME INICIAL ABERTO E PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CARÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL DA RÉ NESTE PONTO. PEDIDOS NÃO CONHECIDOS.
RECURSOS PARCIALMENTE CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer parcialmente dos recursos, e nessa extensão, negar-lhes provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 04 de março de 2021.

Documento eletrônico assinado por CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 626122v6 e do código CRC e817ec60.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERData e Hora: 4/3/2021, às 14:29:30

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 04/03/2021

Apelação Criminal Nº 0000006-76.2018.8.24.0084/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

REVISOR: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZER

PROCURADOR(A): LUIZ RICARDO PEREIRA CAVALCANTI
APELANTE: RUI CORREA BARBOSA (RÉU) ADVOGADO: JUAREZ CECCON (OAB SC017816) APELANTE: FABIANE AIMON (RÉU) ADVOGADO: JUAREZ CECCON (OAB SC017816) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 04/03/2021, na sequência 25, disponibilizada no DJe de 12/02/2021.
Certifico que o(a) 5ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER PARCIALMENTE DOS RECURSOS, E NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHES PROVIMENTO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER
Votante: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERVotante: Desembargador LUIZ CESAR SCHWEITZERVotante: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA
JOSÉ YVAN DA COSTA JÚNIORSecretário