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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0009839-93.2016.8.24.0018 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Sérgio Rizelo
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Jul 21 00:00:00 GMT-03:00 2020
Classe: Apelação Criminal

 









Apelação Criminal Nº 0009839-93.2016.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: ANTONIO DOS SANTOS (RÉU) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Chapecó, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Antônio dos Santos, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 140, § 3º, e 147, caput, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:
Fato 1 - Injúria racial
No dia 24 de janeiro de 2015, por volta das 13 horas, na Rua Maria Jacinto Roque, n. 23-D, Bairro Vila Rica, em Chapecó/SC, o denunciado Antônio dos Santos, de forma livre e voluntária, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com manifesto animus injuriandi, ofendeu a dignidade da vítima Abraão Souto de Araújo, propalando as seguintes palavras: "negro macaco". Registre-se que ao proferir as palavras injuriosas, o denunciado utilizou-se de elementos referentes à cor da vítima.
Fato 2 - Ameaça
Nas mesmas circunstâncias de local e tempo do fato acima, o denunciado Antônio dos Santos, agindo em flagrante demonstração de ofensa à liberdade pessoal do ofendido Abraão Souto de Araújo, ameaçou-o, por meio de palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, ao afirmar que iria matá-lo (Evento 25).
Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito Mariana Helena Cassol julgou procedente a exordial acusatória e condenou Antônio dos Santos à pena de 1 ano de reclusão e 1 mês de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 10 dias-multa, substituída a privativa de liberdade por prestação pecuniária, no importe equivalente ao do salário mínimo, e prestação de serviços à comunidade, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 140, § 3º, e 147, caput, ambos do Código Penal (Evento 84).
Insatisfeito, Antônio dos Santos deflagrou recurso de apelação.
Em suas razões, sustenta que não há prova suficiente para a condenação e que não houve dolo no seu comportamento.
De forma sucessiva, pleiteia o afastamento de uma das penas alternativas e a concessão de pena de multa, sob o argumento de que não houve justificativa para a escolha de duas penas restritivas de direitos, podendo ser aplicada apenas uma e multa (Evento 93).
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 96).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Rui Arno Richter, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 9).

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
1. Destaca-se que, embora esta Segunda Câmara Criminal, por maioria, entenda pela retroatividade do art. 28-A do Código de Processo Penal (Ap. Crim. 0013790-62.2015.8.24.0008, deste relator, j. 19.5.20), o posicionamento não se aplica neste feito.
Isso porque, ao tratar da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89), instituto da mesma natureza despenalizadora do acordo de não persecução penal, o Superior Tribunal de Justiça delibera que a não proposição gera nulidade relativa, sujeita à preclusão quando a parte não a alega em seu primeiro ato processual praticado (APn 912, Relª. Minª. Laurita Vaz, j. 7.8.19; AgRg no HC 496.414, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 26.3.19; AgRg no REsp 1.686.511, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 20.9.18; AgRg nos EDcl no REsp 1.611.709,  Rel. Min. Félix Fischer, j. 4.10.16; e HC 208.051, Relª. Minª. Maria Thereza Assis de Moura, j. 11.3.14).
No caso, as razões de recurso foram protocoladas nos autos em 5.5.20, após a vigência da Lei 13.964/19 (23.1.20), esta nascedouro do acordo de não persecução penal, e o Apelante não suscitou o tema, de modo que, então, foi alcançado pela preclusão.
2. Não é viável a absolvição do Apelante por ausência de prova do cometimento dos crimes.
A materialidade está comprovada por meio do boletim de ocorrência (Evento 1, doc3) e dos termos de declaração colhidos na fase administrativa (Evento1, doc5, doc7 e doc8), que indicam a existência da ofensa racial e da ameaça de morte.
A autoria, da mesma forma, está suficientemente demonstrada no feito.
O Recorrente Antônio dos Santos, ao ser interrogado na fase administrativa, consignou:
é viciado em bebidas alcoólicas e na data dos fatos. era depois do meio-dia, chegou em casa embriagado e disse que iria assistir um filme de macaco, mas nega ter chamado seu vizinho Abrãao que residia cm frente sua casa de "nego macaco"; alega que seu vizinho pensou que o interrogado tinha falado esta ofensa e veio até sua casa e deu dois tapas na cara do interrogado e o interrogado pegou o facão e foice para se defender, só para afastá-lo [...]
Ao ser interrogado em Juízo, o Apelante Antônio dos Santos manteve a mesma versão, registrou que conhecia a Vítima Abraão Souto de Araújo e que não a chamou de "macaco"; na oportunidade, chegou em casa embriagado e disse que iria ver um "filme de macaco"; ao ouvir tal frase o Ofendido acreditou que essa declaração era dirigida a ele, iniciou-se uma briga entre eles e recebeu dois tapas no rosto, então armou-se com um facão, mas não chegou a ameaçá-lo de nada (Evento 59, doc2).
As palavras do Recorrente encontram-se isoladas nos autos.
A Vítima Abraão Souto de Araújo, ao ser inquirido na fase administrativa, anotou (Evento 1, doc5):
residiu cerca de quarenta anos no endereço da Rua Laranjeiras, 400-d, B. Vila Rica. e na hora e data acima estava trabalhando na casa de seu genro Jeferson de Oliveira quando apareceu o vizinho Antônio dos Santos, alega que se equivocou ao mencionar o sobrenome Chagas. Que este vizinho estava constantemente embriagado e começou a chamar o declarante de "negro macaco" etc. e nunca teve desavenças anteriores com Antônio, o qual quando estava são não ofendia o declarante. Que então o declarante foi conversar com ele, o mesmo armado de um facão e uma foice ameaçou a vitima de morte, e investiu contra o mesmo, que se defendeu dando dois tapas nele. Que estes fatos vinham ocorrendo há vários meses, e quando esposa do declarante faleceu, o declarante mudou-se de bairro e vai alugar a sua casa naquele endereço. Que as testemunhas dos fatos é seu genro Jeferson e o primo Ângelo Pinto.
Após sua oitiva, o Ofendido Abraão Souto de Araújo faleceu (Evento 67) e, por isso, não prestou declarações em Juízo.
As declarações da Vítima foram confirmadas por outros elementos de prova, pois seu genro Jeferson de Oliveira, ao ser inquirido na etapa administrativa, referiu (Evento 1, doc7):
na data dos fatos. quando retornavam da construção da casa do declarante e logo para frente. o ex-vizinho de seu sogro, Antônio dos Santos, embriagado, fez provocações a seu sogro. que tem pele escura, chamando de "negro macaco", e depois pegou um facão e uma foice e ameaçou de morte seu sogro. Que este vizinho constantemente se embriaga e fica violento, porém quando ele está são, este é outra pessoa. Que desconhece que haja desavenças entre seu sogro e Antônio. e acredita que as ofensas foram por causa da bebedeira, e quando ele está bêbado incomoda qualquer vizinho.
No contraditório, Jeferson de Oliveira confirmou que seu sogro Abraão Souto de Araújo foi chamado de "macaco" pelo Apelante Antônio dos Santos e ameaçado de morte enquanto portava um facão ou uma foice (Evento 48, doc2).
É importante ressaltar que o Recorrente é conhecido por ficar agressivo quando está sob o efeito de álcool. Nesse sentido, a Testemunha Ângelo Adir Pinto, quando prestou esclarecimentos na fase administrativa, verbalizou (Evento 1, doc8):
é primo de Abraão Souto de Araújo e residia casa dos fundos do mesmo terreno. Que recorda que data dos fatos chegou uma viatura da policia militar, por causa de um atrito com o vizinho Antônio dos Santos, que estava embriagado e havia feito provocações, ofensas e ameaças contra seu primo Abraão porém o depoente não escutou as palavras de ofensas "negro macaco", mas viu que Antônio estava transtornado portando um facão e uma foice e ameaçava Abraão, Que desconhece motivos para Antônio ameaçar seu primo Abraão, alega que Antônio quando embriagado incomoda "todo mundo" não respeita as pessoas. ofende e ameaça, porém quando está são "não tem boca para nada".
Ao ser ouvido na fase judicial, Ângelo Adir Pinto descreveu que não viu a briga descrita na denúncia, mas pode afirmar que o Apelante, quando ingere bebida alcoólica, fica agressivo e não respeita ninguém, incomodando a todos da vizinhança; viu Policiais Militares chegando para atender a ocorrência, mas não visualizou o Apelante armado com facão ou foice (Evento 59, doc3).
Logo, é possível concluir que há prova suficiente de que o Recorrente Antonio dos Santos injuriou a Vítima Abraão Souto dos Santos, fazendo referência à cor de sua pele e, no mesmo contexto, ainda, armou-se com um facão e ameaçou matá-lo.
Diante desse contexto, há prova suficiente da materialidade e da autoria, não sendo possível falar em absolvição por anemia probatória.
3. O Apelante sustenta, ainda, que não há prova do dolo, pois "as expressões proferidas não relatam qualquer mal grave ou humilhação, mas significavam meramente" seu "descontrole emocional" "diante do seu estado de embriaguez" (Evento 93, p. 6).
Deve-se consignar que o fato de Antonio dos Santos estar embriagado no dia dos fatos não o isenta de responsabilidade penal.
Não há prova do grau de embriaguez do Recorrente no momento da prática dos crimes.
Porém, ainda que estivesse embriagado, o art. 28, II, do Código Penal é expresso ao dispor que a embriaguez voluntária (que é o caso dos autos) não exclui a imputabilidade.
Da mesma forma, não se pode concordar com a tese de que o fato de o Apelante chamar Abraão Souto de Araújo de "macaco" e de, com arma branca, ameaçar acabar com sua vida, sejam indiferentes penais, condutas que não causaram "qualquer mal ou humilhação", como pretende fazer acreditar a Defesa.
Ao analisar o disposto no art. 140, § 3º, do Código Penal, Guilherme de Souza Nucci ensina:
esta figura típica foi introduzida pela Lei 9.459/97 com a finalidade de evitar as constantes absolvições que ocorriam quanto às pessoas que ofendiam outras, através de insultos com forte conteúdo racial ou discriminatório, e escapavam da Lei 7.716/89 (discriminação racial) porque não estavam praticando atos de segregação. Acabavam, quando muito, respondendo por injúria - a figura do caput deste artigo - e eram absolvidas por dizerem que estavam apenas expondo sua opinião acerca de determinado assunto. Assim, aquele que, atualmente, dirige-se a uma pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo pejorativo, responderá por injúria racial, não podendo alegar que houve uma injúria simples, tampouco uma mera exposição do pensamento (como dizer que todo "judeu é corrupto" ou que "negros são desonestos"), uma vez que há limite para tal liberdade. Não se pode acolher a liberdade que fira direito alheio, que é, no caso, o direito à honra subjetiva. Do mesmo modo, quem simplesmente dirigir a terceiro palavras referentes a "raça", "cor", "etnia", "religião" ou "origem", com o intuito de ofender, responderá por injúria racial ou qualificada (Código Penal comentado. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 845).
Trata-se, como se vê, de conduta criminalizada justamente para evitar que comportamentos similares ao adotado pelo Recorrente permanecessem impunes. Aliás, a conduta do Apelante não pode ser considerada incapaz de causar ofensa porque a linguagem e o termo que utilizou são manifestamente ofensivos.
Djamila Ribeiro ensina:
a maioria das pessoas admite haver racismo no Brasil, mas quase ninguém se assume como racista. pelo contrário, o primeiro impulso de muita gente é recusar enfaticamente a hipótese de ter um comportamento racista: ''Claro que não, afinal tenho amigos negros", "Como eu seria racista, se empreguei uma pessoa negra?", "Racista, eu, que nunca xinguei uma pessoa negra?".
A partir do momento em que se compreende o racismo como um sistema que estrutura a sociedade, essas respostas se mostram vazias. É impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está sempre em nós e contra o que se deve lutar sempre.
É claro que há quem seja abertamente racista e manifeste sua hostilidade contra grupos sociais vulneráveis das mais diferentes formas. Mas é preciso notar que o racismo é algo tão presente em nossa sociedade que muitas vezes passa despercebido. Um exemplo é a ausência de pessoas negras numa produção cinematográfica - aí também está o racismo. Ou então quando, ao escutar uma piada racista, as pessoas riem e silenciam, em vez de repreender quem a fez - o silêncio é cúmplice da violência. muitas vezes, pessoas brancas não pensam sobre o que é o racismo, vivem suas vidas sem que sua cor as faça refletir sobre essa condição. Por isso, o combate ao racismo é um processo longo e doloroso. Como diz a pensadora feminista negra Audre Lorde, é necessário matar o opressor que há em nós, e isso não é feito apenas se dizendo antirracista: é preciso fazer cobranças.
Amelinha Teles, memorável feminista brasileira, em seu livro Breve história do feminismo no Brasil, afirma que ser feminista é assumir uma postura incômoda. Eu diria que ser antirracista também. É estar sempre atento às nossas próprias atitudes e disposto a enxergar privilégios. Isso significa muitas vezes ser taxado de "o chato", "aquele que não vira o disco". Significa entender que a linguagem também é carregada de valores sociais, e que por isso é preciso utilizá-la de maneira crítica deixando de lado expressões como "ela é negra, mas é bonita" - que coloca uma preposição adversativa ao elogiar uma pessoa negra, como se um adjetivo positivo fosse o contrário de ser negra -, usar "o negão" para se referir a homens negros - não se usa "o brancão" para falar de homens brancos -, ou elogiar alguém dizendo "negro de alma branca" sem perceber que a frase coloca "ser branco" como sinônimo de característica positiva (Pequeno Manual Antirracista, 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 39-40).
   É grave a expressão "macaco" utilizada no contexto dos fatos, porque teve a nítida finalidade de diminuir/desprezar a pessoa da Vítima e colocá-la como ser inferior em virtude de cor e raça, ofendendo isso sua honra subjetiva e dignidade.
Se relacionar humano e macaco era conveniente aos europeus para justificar a ocupação de porções do mundo e, nessas terras, a escravatura e a desapropriação das terras indígenas, não é aceitável nem para buscar manter a superioridade de uns sobre os outros, constituindo figura típica.
Nas sábias palavras do Desembargador catarinense Henry Petry Júnior, "As ofensas raciais afrontam a personalidade da pessoa, afetando o respeito à intimidade, à individualidade e à imagem, principalmente em um País como o Brasil, em que a diversidade étnica e o pluralismo cultural são inerentes" (Ap. Cív. 0005193-30.2013.8.24.0023, j. 9.5.17).
A propósito, deste Tribunal:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA QUALIFICADA (ART., 140, § 3º, DO CP). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. PALAVRAS DA VÍTIMA HARMÔNICA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. TESE DEFENSIVA FULMINADA PELA PROVA. ANIMUS INJURIANDI. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, POR MAIORIA (Ap. Crim. 0000350-46.2017.8.24.0002, Rel. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, j. 28.8.18).
E:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA RACIAL. ARTIGO 140, §3º, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PALAVRAS FIRMES E COERENTES DA OFENDIDA TANTO NA FASE INVESTIGATIVA QUANTO JUDICIAL. INFORMANTE QUE CONFIRMA TER PRESENCIADO AS OFENSAS DIRIGIDAS À VÍTIMA. ACUSADO QUE PROFERIU INJÚRIA RACIAL CONTRA A OFENDIDA AO VERBALIZAR OFENSAS COMO: "NEGRA" E "VELHA VAGABUNDA". SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO (Ap. Crim. 0001867-82.2011.8.24.0039, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 3.5.18).
Ainda:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA E CRIME CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL, COM A INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. INJÚRIA RACIAL E AMEAÇA (ARTS. 140, § 3º, E 147 DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. AMEAÇA. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. OCORRÊNCIA DO CRIME E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. FALA DA VÍTIMA FIRME E COERENTE, EM AMBAS AS FASES, ALIADA À PROVA TESTEMUNHAL. VIOLÊNCIA FAMILIAR. PALAVRA DA OFENDIDA QUE ASSUME ESPECIAL RELEVÂNCIA. ÉDITO CONDENATÓRIO MANTIDO. INJÚRIA RACIAL. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR FALTA DE PROVAS. DEPOIMENTOS DO OFENDIDO E DA TESTEMUNHA PRESENCIAL SOB O CONTRADITÓRIO. "MACACO" E "NEGO SUJO". OFENSAS DE CONTEÚDO RACIAL. ANIMUS INJURIANDI EVIDENCIADO. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. DOSIMETRIA. PLEITO GENÉRICO DE REDUÇÃO DAS PENAS. REPRIMENDAS JÁ IRROGADAS NO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE RAZÃO PARA A REFORMA DA DECISÃO A QUO. PLEITO RECHAÇADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO (Ap. Crim. 2013.069280-3, Rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. 18.3.14).
Ademais, "o agente que chama pessoa da raça e de cor negra de 'macaco", inserido num contexto de animosidade, demonstra o dolo da conduta e o elemento subjetivo especial do tipo descrito no art. 140, § 3º, do CP" (TJSC, Ap. Crim. 2015.018964-9, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 28.7.15).
Ainda que estivesse havendo uma discussão entre o Ofendido e o Apelante, não poderia o segundo, entre as palavras usadas para o debate, referir-se de modo preconceituoso à raça de Abraão Souto de Araújo, uma vez que esta conduta ultrapassa o aceitável e a mera retorsão.
Quanto ao ponto, cita-se o ensinamento de Rogério Greco:
O contexto em que a "injúria" é cometida é fundamental para a sua configuração, oportunidade em que se verificará o dolo do agente, ou seja, a finalidade que tem de ultrajar a honra subjetiva da vítima, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, ou se, na verdade, busca dar sentido completamente diferente ao de uma agressão à honra daquela pessoa contra a qual são dirigidas as palavras ou atitudes aparentemente injuriosas. Não vemos por que afastar o delito de injúria justamente nas situações em que ele é cometido com mais frequência. Não nos convence o argumento de que a ira do agente que profere, por exemplo, as palavras injuriosas durante uma acirrada discussão tenha o condão de afastar o seu dolo. Tinha, como se percebe sem muito esforço, consciência e vontade de ofender a vítima, elementos integrantes do conceito de dolo (Código penal comentado., 8. ed. Niterói: Impetus, 2014. p. 406).
Portanto, é inegável que a utilização do termo "macaco" para se referir a pessoa de pele negra traz consigo a ideia de inferioridade e menosprezo ao indivíduo unicamente pela tonalidade de sua cútis. 
É manifestação daquilo que de pior existe na sociedade contemporânea.
Tal comportamento é totalmente contrário aos objetivos da República, de construir uma sociedade uma sociedade livre, justa e solidária e de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, ambos preconizados pela Constituição (CFRB, art. 3º, I e IV).
Minimizar agressões desse porte atenta contra princípios basilares do Estado brasileiro, que tem a dignidade da pessoa humana como o fundamento (CFRB, art. 1º, III) e marco central de toda a sistematização de direitos.
O processo de naturalização dos comportamentos preconceituosos, ainda que infelizmente comum na sociedade, não encontrará abrigo neste Órgão Fracionário do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina.
Da mesma maneira, não se pode concordar que a ameaça de ceifar a vida do Ofendido Abraão Souto de Araújo, perpetrada de forma oral, mas com um facão em punho, é manifestação de mero descontrole emocional. Trata-se de conduta criminosa praticada de forma dolosa e que deve receber a resposta adequada do Poder Judiciário.
Por conta disso, havendo prova de que o Recorrente Antônio dos Santos agiu com intenção de ofender a honra de macular a tranquilidade da Vítima Abraão Souto de Araújo, não se pode falar em absolvição por atipicidade dos comportamentos.
4. É inviável o reconhecimento da tese subsidiária sustentada na aviada apelação defensiva, no sentido de que a pena privativa de liberdade deve ser substituída por uma restritiva de direitos e multa, pois seria previsão mais benéfica ao Apelante, não havendo fundamentação idônea, na sentença resistida, para sua preterição.
De fato, verifica-se que a opção por uma ou outra alternativa legal, conquanto decorra da discricionariedade do Magistrado, deve ser devidamente fundamentada, não o tendo sido no caso apurado.
A escolha da pena aplicável, dentre as cominadas, nesse sentido, depende da avaliação criteriosa das circunstâncias judiciais do caso concreto, para que se possa determinar aquela que seja necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime.
Essa avaliação, aliás, deve ser explicitada nos autos, demandando decisão fundamentada, sob pena de violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da fundamentação das decisões judiciais (CF, arts. 5º, LIV e LV, e 93, IX).
A propósito, delibera o Supremo Tribunal Federal:
A necessidade de fundamentação dos pronunciamentos judiciais (inciso IX do art. 93 da Constituição Federal) tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes. Trata-se de garantia constitucional que junge o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido (STF, RHC 106.642, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29.3.11).
É certo que tal preceito se reveste de especial importância na escolha das alternativas legais quando uma é sabidamente mais gravosa do que a outra, como é o caso da escolha entre a multa e a privação de direitos. 
Não por outra razão, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. INDIVIDUALIZAÇÃO DA RESPOSTA PENAL. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS OU MULTA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. A aplicação de resposta penal mais gravosa, entre as admitidas, exige motivação específica, em obséquio do disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal (HC 50.163, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 3.8.06).
No entanto, a ausência de fundamentação, no presente caso, não conduz à necessária modificação da sentença resistida. Diga-se: mesmo a reanálise do caso conduziria à manutenção de duas penas restritivas de direitos.
Isso porque a mesma Corte Superior já se posicionou no sentido de que não se deve aplicar a pena de multa em substituição à privativa de liberdade, nos moldes do art. 44 do Código Penal, se o preceito secundário do tipo punido (no caso, do crime de injúria racial), já prevê a multa como uma de suas penas:
2. Se ao tipo penal é cominada pena de multa cumulativa com a pena privativa de liberdade substituída, não se mostra socialmente recomendável a aplicação da multa substitutiva prevista no art. 44, § 2º, 2ª parte do Código Penal. 3. Hipótese em que a pena restritiva de direitos de prestação pecuniária, de índole reparadora, melhor atenderá ao caráter ressocializador da reprimenda, podendo inclusive ser convertida em pena corporal, se descumprida (HC 416.530, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 7.12.17).
Ademais, as medidas restritivas de direitos de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade atendem melhor o caráter ressocializador da pena do que a multa, particularmente porque têm índole reparadora e poderão ser convertidas em pena corporal caso descumpridas.
Nesse sentido, no caso, a pena privativa de liberdade deve permanecer substituída por prestação pecuniária, no importe equivalente ao do salário mínimo, e prestação de serviços à comunidade, servindo ao fim de repressão penal, sem mostrar-se exacerbada ou excessivamente diminuta.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por SERGIO ANTONIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 142541v51 e do código CRC 0373a3ea.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SERGIO ANTONIO RIZELOData e Hora: 21/7/2020, às 17:57:29

 

 












Apelação Criminal Nº 0009839-93.2016.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: ANTONIO DOS SANTOS (RÉU) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


EMENTA


apelação criminal. injúria racial e ameaça (CP, arts. 140, § 3º, e 147, caput). sentença condenatória. recurso do acusado.
1. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (CPP, ART. 28-A). VIGÊNCIA. MANIFESTAÇÃO. PRECLUSÃO. 2. prova. autoria. depoimentos da vítima e de testemunhas. 3. tipicidade. dolo. ofensa racial. promessa de mal injusto grave. 4. penas RESTRITIVAs DE DIREITOS. MULTA. DISCRICIONARIEDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA.
1. Está configurada a preclusão quando há manifestação do acusado nos autos, após a entrada em vigor da medida despenalizadora do acordo de não persecução penal, e não há pedido de aplicação do benefício.
2. As declarações da vítima, dando conta de que foi chamada de "macaco" e ameaçada de morte pelo acusado, aliadas aos relatos de testemunhas que confirmam a utilização da expressão pejorativa ligada à cor da pele do ofendido, a promessa de mal injusto grave e a agressividade habitual do agente, constituem conjunto probatório suficiente da prática dos crimes de injúria racial e de ameaça e impedem a absolvição.
3. O acusado que se refere à vítima como "macaco" e ameaça ceifar sua vida enquanto porta um facão, age com intenção de macular a honra do ofendido e de causar-lhe intranquilidade e, ainda que embriagado, pratica os crimes de injúria racial e de ameaça.
4. Não se mostra socialmente recomendável a aplicação de uma nova pena de multa, em caráter substitutivo, no caso de o preceito secundário do tipo penal já possuir previsão de multa cumulada com a pena privativa de liberdade.
recurso conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 21 de julho de 2020.

Documento eletrônico assinado por SERGIO ANTONIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 142542v15 e do código CRC d065cd6d.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): SERGIO ANTONIO RIZELOData e Hora: 21/7/2020, às 17:57:29

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 21/07/2020

Apelação Criminal Nº 0009839-93.2016.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

PRESIDENTE: Desembargador SÉRGIO RIZELO

PROCURADOR(A): LIO MARCOS MARIN
APELANTE: ANTONIO DOS SANTOS (RÉU) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 21/07/2020, na sequência 19, disponibilizada no DJe de 06/07/2020.
Certifico que o(a) 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SÉRGIO RIZELO
Votante: Desembargador SÉRGIO RIZELOVotante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGELVotante: Desembargadora SALETE SILVA SOMMARIVA
FELIPE FERNANDES RODRIGUESSecretário