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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0014458-51.2021 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Soraya Nunes Lins
Origem: Navegantes
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue Jul 13 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0014458-51.2021.8.24.0710, de Navegantes



Relatora: Desembargadora Soraya Nunes Lins  



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. NEGATIVA DE REGISTRO DE INSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO PELO OFÍCIO DE REGISTRO CIVIL, TÍTULOS E DOCUMENTOS E REGISTRO DE IMÓVEIS DE NAVEGANTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO APRESENTANTE. EXISTÊNCIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA SOBRE O IMÓVEL. DEVEDOR QUE NÃO É PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL, MAS APENAS TEM A SUA POSSE DIRETA E DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO. PROPRIEDADE RESOLÚVEL DO CREDOR. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 22, CAPUT, E 23, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9.514/1997, E DO ART. 1.368-B, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. INSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE IMPLICA NA ABERTURA DE NOVAS MATRÍCULAS PARA AS UNIDADES AUTÔNOMAS, ACARRETANDO ALTERAÇÃO NA GARANTIA CONTRATUAL. INVIABILIDADE DA PRETENDIDA INSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO, PORTANTO, MESMO COM A ANUÊNCIA DO CREDOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.     



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0014458-51.2021.8.24.0710, da comarca de Navegantes, em que é recorrente Agnaldo Schoepping Júnior:  



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.



              O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador João Henrique Blasi e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Dinart Francisco Machado, Volnei Celso Tomazini, Salim Schead dos Santos, Carlos Adilson Silva, Roberto Lucas Pacheco, Odson Cardoso Filho, Hélio do Valle Pereira e José Agenor de Aragão.



              Participou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Ivens José Thives de Carvalho.



              Florianópolis, 12 de julho de 2021. 



Soraya Nunes Lins



RELATORA 



              RELATÓRIO



              Fernanda Schnaider, Titular do Ofício de Registros Civis das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas, das Pessoas Jurídicas e de Títulos e Documentos e Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Navegantes apresentou suscitação de dúvida, a requerimento de Agnaldo Schoepping Junior, em razão da discordância da nota devolutiva do título apresentado para registro, um instrumento particular de instituição de condomínio no imóvel matriculado sob n. 5.056.



              Afirmou a Registradora que o apresentante já havia sido cientificado no balcão de atendimento sobre o entendimento de que era incabível a instituição de condomínio, mas que, para possibilitar a suscitação de dúvida, devem ser sanadas todas as exigências para o ato antes da remessa ao juízo, razão pela qual foram solicitadas as demais formalidades antes da nota devolutiva.



              Explicou que o imóvel encontra-se alienado fiduciariamente, o que impossibilita o ato de instituição de condomínio sem prévio ou concomitante cancelamento da alienação fiduciária, pois o devedor não tem a propriedade plena do imóvel e, portanto, não tem o poder de dispor do bem.



              Argumentou que a anuência do credor fiduciário não confere poderes ao devedor de transformar um imóvel em condomínio de casas, uma vez que, "para o proprietário fiduciário, o imóvel constitui patrimônio afetado, o qual deve ser mantido intacto em sua natureza até que o devedor quite a dívida" (Informação 5472619, p. 3-5).



              O Ministério Público manifestou-se pela procedência da suscitação de dúvida (Parecer 5472688).



              O interessado apresentou impugnação, alegando, em síntese, que: a) não existe nenhum dispositivo legal que proíba a averbação da instituição de condomínio, estando a Oficial submetida ao princípio da legalidade; b) as exigências foram apresentadas "a conta gotas"; c) a nota de devolução silenciou sobre a anuência do credor fiduciário; d) é desnecessária a prévia incorporação imobiliária; e) o procedimento é feito em serventias de outras localidades; f) a manifestação do Ministério Público foi intempestiva (Petição 5472693).



              Em seguida, sobreveio a sentença, que julgou procedente a dúvida, "para manter incólume as exigências e, por consequência, a negativa da instituição do condomínio edilício, nos termos da dúvida suscitada" (Decisão 5472698).



              Irresignado, o interessado interpôs recurso, argumentando que a indivisibilidade da garantia não significa que não possam ser feitas averbações sobre a matrícula quando há concordância entre credor e devedor, mas sim que a garantia permanece até o pagamento integral da dívida.



              Reiterando as alegações apresentadas anteriormente, afirma que: a) de acordo com o entendimento adotado, o imóvel estaria em um limbo jurídico, de modo que não se poderia "mexer" nele enquanto pendente a alienação fiduciária, mesmo que credor e devedor concordem com a instituição de condomínio; b) apesar disso, foi averbada a construção dos sobrados; c) não existe nenhum dispositivo legal que proíba a averbação da instituição de condomínio com a anuência do credor fiduciário; d) os outros cartórios de registros de imóveis fazem esse procedimento hodiernamente; e) pelo princípio da legalidade, uma pessoa não pode ser obrigada a fazer ou deixar de fazer algo exceto se houver previsão em lei; f) desde o princípio a Oficial tinha ciência da alienação fiduciária sobre o imóvel, mas, em vez de informar sobre a impossibilidade do registro, apresentou exigências que resultaram em diligências desnecessárias; g) não há óbice à instituição de condomínio, pois foi apresentada carta de anuência do credor fiduciário; h) o ato não vai afetar a garantia representada pelo imóvel, que, ao contrário, aumentou seu valor; i) é desnecessária a prévia incorporação imobiliária.



              Por fim, assevera que a instituição de condomínio não constitui, extingue nem transmite direito real e, portanto, não afeta a alienação fiduciária.



              Requer, assim, o provimento do recurso, para que seja autorizada "a instituição de condomínio e demais movimentações da matrícula, com a posterior criação de unidades autônomas, mantidas em cada unidade nova a alienação fiduciária original" (Recurso 5472702).



              Sem contrarrazões.



              A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Doutor Murilo Casemiro Mattos, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Parecer 5604184).



              É o relatório. 



              VOTO



              O recorrente requereu, perante o Ofício de Registros Civis das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas, das Pessoas Jurídicas e de Títulos e Documentos e Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Navegantes, o registro da instituição de condomínio na matrícula n. 5.056, que se refere ao terreno "representado pelo lote n. 12 da quadra 'B', do desmembramento denominado Jardim Riosulense IV, com a área total de 300,00 metros quadrados" (Informação 5472619, p. 9-12).



              O imóvel foi adquirido pelo recorrente em 2/8/2016, mesma data em que foi registrada a alienação fiduciária em favor de Servopa - Administradora de Consórcios Ltda. Consta como objeto da garantia "o imóvel objeto desta matrícula, inclusive todas as benfeitorias existentes e as que de futuro vierem a ser acrescidas ao imóvel, na vigência do instrumento, mesmo que úteis ou necessárias, as acessões, melhoramentos e construções" (R.4-5.056).



              Em 11/2/2019, foi realizada a averbação de três construções, mais especificamente três edificações em alvenaria geminadas para uso residencial - sobrados n. 1, 2 e 3.



              Em seguida, o recorrente apresentou para registro instrumento particular de instituição de condomínio sobre o imóvel, acompanhado de carta de anuência, em que o credor fiduciário "declara não se opor a Instituição do Condomínio na matrícula citada, permanecendo o gravame de alienação fiduciária sobre o imóvel" (Informação 5472675, p. 13). 



              Não obstante, o título foi devolvido pelo Ofício de Registro de Imóveis, pelo seguinte motivo: "Assim, o devedor (fiduciante) não pode efetuar instituição de condomínio, pois não tem a propriedade plena do imóvel, possui apenas expectativa real de tornar a adquiri-lo, assim não tem o poder de dispor do bem. (...) Portanto, salvo apresentação de termo de cancelamento de ônus, não é possível promover o registro da instituição de condomínio, com a individualização das unidades autônomas" (Informação 5472675, p. 4).



              Na sentença, o Juiz acompanhou esse entendimento e julgou procedente a dúvida, mantendo a negativa da instituição de condomínio (Decisão 5472698).



              Inicialmente, cumpre analisar a alegação do recorrente de que, como a serventia já tinha conhecimento da alienação fiduciária desde quando formulado o requerimento, as exigências anteriores mostraram-se inúteis e causaram-lhe perda de tempo e prejuízos financeiros.



              A respeito dessa questão, esclareceu a Registradora que "o interessado já havia sido cientificado, mais de uma vez no balcão de atendimento, de que a signatária entendia ser incabível a instituição de condomínio no caso em tela. (...) Porém, para que fosse possível a suscitação de dúvida, devem ser sanadas todas as exigências para o ato antes de ser remetida ao juízo, eis que após eventual decisão não é possível a realização de novas exigências, motivo pelo qual antes da nota devolutiva foram solicitadas as demais formalidades" (Informação 5472619, p. 4).



              A discussão sobre a ocorrência de eventual equívoco na conduta da Cartorária, ao não apresentar, desde o início, todas as exigências para proceder ao registro, é incabível no âmbito do presente procedimento, cuja finalidade se restringe a dirimir a dúvida quanto à legalidade ou não de exigência feita pelo oficial registrador (art. 198, Lei de Registros Públicos). De modo que, se inviável o registro da instituição de condomínio em razão da alienação fiduciária, a apresentação das exigências "a conta gotas", como alega o recorrente, não altera o resultado do julgamento, pois, como bem consignou o d. Magistrado a quo na sentença, "ainda que se aventasse, argumentativamente falando, de ato ilegal do registrador, isso não teria o condão de, em não sendo possível constituir o condomínio, fazê-lo. Em outras palavras, ainda que em tese o registrador houvesse feito exigências desnecessárias ou ilegais, o que apenas se argumenta, isso não torna possível, por si só, ato registral posterior que seja vedado".



              Ultrapassada essa questão, passa-se a analisar se é possível o registro de instituição de condomínio em imóvel que está alienado fiduciariamente.



              A alienação fiduciária é uma forma de garantia pela qual o devedor, ou fiduciante, transfere a propriedade resolúvel do imóvel ao credor, ou fiduciário, ficando aquele com a posse direta do bem (arts. 22, caput, e 23, parágrafo único, da Lei n. 9.514/1997). Após o pagamento da dívida e seus encargos, extingue-se a propriedade fiduciária do imóvel (art. 25, caput). No entanto, não paga a dívida até a data de vencimento, e constituído em mora o devedor, a propriedade será consolidada em nome do credor, na forma prevista no art. 26 do mesmo ato normativo.



              Em outras palavras, o devedor, ou fiduciante, não é proprietário do imóvel, apenas tem a sua posse direta e direito real de aquisição (art. 1.368-B, caput, do Código Civil). O credor, ou fiduciário, por sua vez, não tem a propriedade plena do bem, mas a propriedade resolúvel, que se extinguirá quando for quitada a dívida.



              Quando é feito o registro de instituição de condomínio, ocorre o desdobramento da matrícula do imóvel em novas matrículas, que serão abertas para cada unidade autônoma, conforme dispõem os arts. 662, caput, e 773, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça, verbis:



Art. 662. Registrada a instituição de condomínio, loteamento ou desmembramento, o oficial abrirá matrícula para os lotes e as unidades autônomas.



Art. 773. Ao realizar o registro da instituição de condomínio, o oficial desdobrará a matrícula em tantas quantas forem as unidades autônomas integrantes do empreendimento.



              No caso em análise, o imóvel está alienado fiduciariamente, de maneira que o devedor, ora recorrente, não tem a propriedade do bem e, portanto, não tem o direito de dispor dele, sendo-lhe assegurada apenas, enquanto adimplente, "a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária" (art. 24, V, da Lei n. 9.514/1997).



              Ainda que tenha obtido carta de anuência do credor, não lhe é permitido proceder à instituição de condomínio, pois o registro resultaria na abertura de três novas matrículas, correspondentes às três unidades autônomas edificadas sobre o terreno, o que acabaria por acarretar a alteração na garantia contratada, uma vez que a alienação fiduciária foi instituída sobre o imóvel matriculado sob n. 5.056.



              Sobre a matéria, pertinente é a lição de Mario Pazutti Mezzari, extraída do site do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) (https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/irib-responde-incorpora-ccedil-atilde-o-imobili-aacute-ria-impossibilidade-im-oacute-vel-alienado-fiduciariamente Acesso em 28/6/2021 - grifo nosso):



Mario Pazutti Mezzari assim explica, em trecho extraído de sua obra "Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis", 3ª ed., Norton Editor, Porto Alegre, 2010, p. 122: 
"Imóvel sob alienação fiduciária não poderá ser objeto de incorporação imobiliária. Diversas são as razões para tanto, das quais citamos duas: 
1ª - O credor (fiduciário) não tem a posse do imóvel e a propriedade que detém encontra-se sob condição resolutiva expressa, eis que estará comprometida com o retorno ao anterior proprietário: o devedor ou fiduciante. A sequência lógica da alienação fiduciária é o retorno do imóvel ao anterior proprietário, ou seja, que o credor perca a propriedade assim que a dívida for paga. Ora, se a tendência natural do instituto é fazer com que o proprietário fiduciário perca sua propriedade, não pode ele contratar com terceiros o compromisso de alienação de partes do imóvel: as frações ideais. Para o proprietário fiduciário, o imóvel constitui patrimônio de afetado, o qual deve ser mantido intacto em sua natureza até que o devedor faça o resgate (pagando a dívida). 
No entanto, se a dívida não for paga e o imóvel ficar consolidado na propriedade do credor, mediante os procedimentos exigidos na Lei 9.514, de 1994, aí não mais estaremos frente à propriedade fiduciária, mas sim à propriedade plena, caso em que será perfeitamente possível o registro da incorporação imobiliária. 
2ª - O devedor (fiduciante) não pode efetuar incorporação imobiliária porque não tem a propriedade do bem, apenas uma expectativa real de tornar a adquiri-lo. Se não é proprietário, mas apenas titular de um direito real de aquisição, cuja transferência dependerá sempre de anuência do credor fiduciário, obviamente não poderá lançar um empreendimento imobiliário sobre o imóvel."  



              Mutatis mutandis, colhe-se da jurisprudência:



APELAÇÃO CÍVEL. EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. INVIABILIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOBRE O BEM IMÓVEL. PROPRIEDADE RESOLÚVEL. Não há falar em extinção de condomínio quando o imóvel se encontra gravado com alienação fiduciária, pois, em tais casos, o bem pertence à instituição financeira, tendo as partes apenas a propriedade resolúvel com posse direta. RECURSO DESPROVIDO À UNANIMIDADE (TJRS, Apelação Cível n. 70083406017, rel. Des. Liege Puricelli Pires, j. 19-12-2019).  



APELAÇÃO CÍVEL. Ação de extinção de condomínio cumulada com pedido de venda de quinhão. (...) 4. Inalienabilidade do imóvel. Alienação fiduciária em garantia. Partes que apenas são detentoras de direitos sobre o imóvel, e não da propriedade em si, de forma que não é possível a extinção do condomínio. Precedentes. Preliminar acolhida. Recurso provido para julgar extinto o processo sem resolução de mérito ante a falta de interesse processual da recorrida (TJSP, Apelação Cível n. 1013464-69.2016.8.26.0566, rel. Des. José Roberto Furquim Cabella, j. 6/11/2019).



              Registre-se, por fim, que a averbação das edificações construídas no terreno não é obstada pela existência de alienação fiduciária, pois, ao contrário da instituição de condomínio, não interfere na garantia, estando de acordo com o art. 167, II, 4, da Lei n. 6.015/1973, bem como o art. 692-A, § 2º, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça.



              Desse modo, diante da existência de registro de alienação fiduciária sobre o imóvel, é inviável o registro de instituição de condomínio, sendo procedente a dúvida suscitada.



              Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.



              É o voto.