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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0005235-74.2021 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Hélio do Valle Pereira
Origem: Santo Amaro da Imperatriz
Orgão Julgador:
Julgado em: Mon Jun 21 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0005235-74.2021.8.24.0710. 
Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira 



SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - PARCELAMENTO DO SOLO - DESMEMBRAMENTO - IMÓVEIS QUE SE LIGAM AO SISTEMA VIÁRIO POR SERVIDÃO - PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO - POSSIBILIDADE - SENTENÇA MANTIDA.



1. O desmembramento diferencia-se do loteamento por um aspecto básico: a divisão da gleba em lotes não deve depender da abertura de novas vias. A partir daí, os requisitos para cada uma das figuras (se loteamento, se desmembramento) variarão em complexidade.



2. A área a ser parcelada é servida por via que, mesmo sem a ratificação por um específico ato legislativo de incorporação ao sistema viário municipal, está aparelhada na plenitude: além de denominação por lei houve calçamento, ligação de energia elétrica, iluminação pública, abastecimento de água, sistema de drenagem pluvial, rede telefônica e inclusão na rede coleta de lixo.



Situação que, solidificada, não impede a divisão dos lotes. Não se observa fraude ou prejuízo urbanístico.



É certo que a simples designação de nome de rua não é fator, por si só, decisivo. É frequente o voluntarismo das Câmaras de Vereadores nesse campo, o que não pode superar a avaliação quanto à legitimidade da aspirante a via pública. Mas aqui se tem uma situação de tal modo solidificada, que demonstra a inclusão de fato daquela passagem entre os próprios públicos.



3. Recurso do Ministério Público desprovido.  



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Suscitação de Dúvida n. 0005235-74.2021.8.24.0710, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz em que é recorrente o Ministério Público de Santa Catarina e interessado Edemilson Leite.



              O Conselho da Magistratura decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso. 



              O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo José Roesler, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Hélio do Valle Pereira (Relator), Júlio César Machado Ferreira de Melo, José Agenor de Aragão, João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins, Dinart Francisco Machado, Volnei Celso Tomazini, Salim Schead dos Santos, Carlos Adilson Silva e Roberto Lucas Pacheco.



              Participou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Mário Luiz de Melo. 



              Florianópolis, 14 de junho de 2021.



Desembargador Hélio do Valle Pereira 
 
Relator 



RELATÓRIO



              Este recurso é do Ministério Público e se volta contra sentença havida na 2ª Vara da Comarca de Santo Amaro da Imperatriz pela qual se julgou improcedente a dúvida suscitada por Oficial do Registro de Imóveis. Permitiu-se por extensão o desmembramento de imóvel que margeia uma servidão.



              O recorrente insiste que a via de acesso não pode ser considerada como integrante da malha viária. Alega que, muito embora tenha recebido um nome pela municipalidade, foi aberta indevidamente, apenas para viabilizar o acesso aos lotes encravados, o que não altera sua clandestinidade, tampouco a torna via de circulação.



              "Ora, pelos ditames da Lei Federal n. 6.766/79, uma via de circulação só poderá ser criada pelo regular procedimento de loteamento junto a Prefeitura Municipal e ao Cartório de Registro de Imóveis. A servidão foi criada e nominada em 2011, portanto, já na vigência da referida lei. Então, onde está o procedimento administrativo de loteamento que deu origem a referida servidão? Ele não existe, porque nunca houve loteamento, apenas uma abertura de servidão de forma irregular pelo parcelador para viabilizar o desmembramento."



              No mais, manifesta que a AC n. 2011.057136-9 referida na sentença não deve ser utilizada como parâmetro para o caso presente na medida em que, além de não representar o entendimento jurisprudencial deste Tribunal, cuida de situação específica, com nuances próprias que a afastam da discussão concreta, onde, defende, é possível a realização de loteamento.



              Houve contrarrazões e o particular defendeu a manutenção da sentença.



              A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.



 
VOTO



              1. O interessado pretende o registro de desmembramento de imóvel urbano em cinco lotes, além de uma área remanescente. O Ministério Público, porém, se opõe ao argumento de que a gleba não seja servida por via pública, mas por mera servidão particular, que não se presta à finalidade.



              A tese, em princípio, está correta.



              Está no art. 2°, § 2°, da Lei de Parcelamento do Solo que o desmembramento só será viável mediante o "aproveitamento do sistema viário existente" e, no caso, não há dúvida de que o imóvel não é servido por logradouro oficial.



              Quer dizer, o Município de Angelina - que no âmbito administrativo deferiu a solicitação de desmembramento - classifica em suas manifestações a Servidão Rodolfo Alfredo Lutz como "via pública", mas da matrícula do imóvel não se extrai aquilo que essencialmente lhe conferiria essa qualidade: a aprovação de projeto de loteamento pelo Município e a transformação da porção em bem público (art. 22 da Lei 6.766/79).



              Não é isoladamente o fato de o acesso ter recebido denominação própria pela Câmara de Vereadores que solucionará o questionamento. O ato, mesmo que veiculado por lei, não implica a afetação ao patrimônio público, muito menos vale por aquela providência que se faculta no p. único do art. 22.



              Rente ao pensamento que defende agora o apelante, aliás, já decidi em caso submetido à Quinta Câmara de Direito Público:  



MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO URBANÍSTICO - DESMEMBRAMENTO - INVIABILIDADE - IMÓVEIS QUE NÃO SÃO SERVIDOS POR VIA PÚBLICA - MERA SERVIDÃO PARTICULAR.   



O desmembramento diferencia-se do loteamento por um aspecto básico: a divisão da gleba em lotes não deve depender da abertura de novas vias nem do prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes. Ainda assim, cada uma das porções que dali se originarem devem estar atendidas por via pública.  



No caso, a rua projetada que constava na matrícula não era reconhecida pelo Município. Pressupõe-se, a partir daí, que as terras particulares reservadas para acesso aos lotes não passaram ao domínio público, mesmo que alguma divisão anterior tenha sido referendada pelo Incra antes da urbanização.  



Recurso desprovido. (AC n. 0301068-44.2018.8.24.0063, de São Joaquim, rel. o subscritor).



              2. Só que a hipótese destes autos, no entanto, tem particularidades muito eloquentes.



              Diferentemente daquele outro caso, a servidão é vista e tratada no âmbito municipal há anos como uma via pública com todas suas implicações.



              Além de toda a manifestação do Município nesse sentido, consta que a área, não bastasse denominação, recebeu calçamento, ligação de energia elétrica, iluminação pública, abastecimento de água, sistema de drenagem pluvial, rede telefônica e é servida por coleta de lixo.



              Quer dizer, todo o aparelhamento público possível já foi implantado.



              Trata-se, portanto, de situação solidificada de tal modo que permitir a divisão dos lotes nessas condições não implicará vero prejuízo ou influência significativa no desenvolvimento urbanístico.



              Se o pressuposto essencial do direito urbanístico é a ordenação do desenvolvimento das cidades de acordo com o interesse público e o próprio Município atesta que foram observadas as exigências do Plano Diretor, é razoável permitir, nesse caso, o aproveitamento da servidão que está inegavelmente em termos práticos afetada à finalidade pública como se logradouro fosse.



              Por outro lado, a imposição do dever de lotear, como defende o Parquet revela-se contraprodutiva na medida que implicaria na inutilização ou, quando menos, na necessidade de modificação das obras já implementadas pela Prefeitura.



              3. Sob o mesmo raciocínio, aliás, já se decidiu neste Tribunal de Justiça:



SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PARCELAMENTO DO SOLO. PLEITO REGISTRAL DE DESMEMBRAMENTO DE IMÓVEL IMPUGNADO PELO ÓRGÃO MINISTERIAL. EXIGÊNCIA DE QUE SEJA IMPLANTADO LOTEAMENTO NO LOCAL. PECULIARIDADES DO CASO, NO ENTANTO, QUE DEMONSTRAM A VIABILIDADE DA PRETENSÃO PARTICULAR. SERVIDÃO DE PASSAGEM CONSOLIDADA. SOLUÇÃO QUE ATENDE AO PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, PROPORCIONANDO A PLENA UTILIZAÇÃO DO SOLO URBANO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.



(AC n. 2013.007996-4, de Presidente Getúlio)



              Do voto do relator, o Desembargador Ronei Danielli, extraio ainda está construção de fundamentos que, além de muito bem exposta, se adequa perfeitamente ao caso presente:



Além da redação legal, é preciso atentar aos valores nela imbuídos, a fim de que a aplicação literal da norma não induza à incidência cega da lei, olvidando-se da realidade fática que circunda a pretensão deduzida.



Nesse passo, convém trazer à tona os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles sobre o tema:



A lei de uso e ocupação do solo urbano, como geralmente é denominada, destina-se a estabelecer as utilizações convenientes às diversas partes da cidade e a localizar em áreas adequadas as diferentes atividades urbanas que afetam a comunidade. Para tanto, classifica os usos e estabelece a sua conformidade com as respectivas zonas em que se divide o perímetro urbano, visando a equilibrar e harmonizar o interesse geral da coletividade com o direito individual de seus membros no uso da propriedade particular, na localização e no exercício das atividades urbanas, e até na utilizado do domínio público. (Direito de Construir. 10 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 127 - sem grifo no original)



É preciso, assim, compatibilizar o escopo legislativo aos direitos fundamentais e individuais que enredam a hipótese, com especial destaque e atenção ao primado constitucional da função social da propriedade.



Seguindo este raciocínio, observa-se que, a despeito da dicção da referida lei específica, o simples fato de demandar o caso a abertura de servidão de passagem não conduz invariavelmente à exigência de implantação de loteamento.



(...)



As nuances declinadas revelam, em suma, que a plena e satisfatória utilização do imóvel só será realmente alçada, preenchendo sua função social, na forma de desmembramento, pois na modalidade de loteamento acarretar-se-ia prejuízos àqueles que nela se encontram instalados e à propriedade de que são detentores, sem, entretanto, o correspondente benefício à coletividade.



Em tempo, ressalta-se, ainda, a ausência de indícios que levem este órgão julgador a crer em uma possível má-fé por parte dos requerentes, mas, pelo contrário, repita-se, o que se percebe é a simples intenção de legalizar conjuntura perenemente instaurada.



              4. Assim, voto por conhecer e negar provimento ao recurso.



              É o voto.