Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0030137-62.2019 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Carlos Adilson Silva
Origem: Chapecó
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue May 11 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Apelação n. 0030137-62.2019.8.24.0710, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina



Relator: Des. Carlos Adilson Silva



APELAÇÃO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. 1º OFÍCIO DE REGISTRO IMÓVEIS DA COMARCA DE CHAPECÓ. REGISTRO DE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA CONSTITUÍDA POR DECISÃO JUDICIAL, REFERENTE À PASSAGEM DE LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. EXIGÊNCIAS: PLANTA E MEMORIAL DESCRITIVO DE TODO O IMÓVEL E DA ÁREA DA SERVIDÃO; ART COM INDICAÇÃO DA MATRÍCULA DO IMÓVEL; RECOLHIMENTO DE ITBI; PAGAMENTO DE EMOLUMENTOS. DECISÃO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, DISPENSANDO O RECOLHIMENTO DE ITBI.



INSURGÊNCIA DA PARTE INTERESSADA. PLANTA E MEMORIAL DESCRITIVO DO IMÓVEL INTEIRO. DESNECESSIDADE. EVENTUAL NECESSIDADE DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO DO IMÓVEL QUE COMPETE AOS PROPRIETÁRIOS, E NÃO À CONCESSIONÁRIA INSTITUIDORA DA SERVIDÃO. DELIMITAÇÃO DA ÁREA DA SERVIDÃO QUE SE MOSTRA SUFICIENTE. ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA - ART RELATIVA A SERVIÇO QUE ABRANGE DIVERSAS UNIDADES IMOBILIÁRIAS. DESCRIÇÃO DO OBJETO CONTRATUAL SEM MENÇÃO A CADA UMA DAS MATRÍCULAS. POSSIBILIDADE.



RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.  



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0030137-62.2019.8.24.0710, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em que é recorrente Rodeio Bonito Hidrelétrica S. A. e recorrido o Oficial do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Chapecó, Gelson Oliveira Ferri.



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para julgar improcedente a dúvida, afastando as exigências referentes à apresentação de planta e memorial descritivo da área total do imóvel serviente e à necessidade de indicação da matrícula imobiliária na ART.  



              O julgamento, realizado no dia 10 de maio de 2021, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Roesler, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Roberto Lucas Pacheco, Hélio do Valle Pereira, Júlio Cesar Machado Ferreira de Melo, José Agenor de Aragão, João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins, Dinart Francisco Machado, Volnei Celso Tomazini e Salim Schead dos Santos.  



              Funcionou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Mário Luiz de Melo.



              Florianópolis, 11 de maio de 2021.   



Carlos Adilson Silva



RELATOR 



              RELATÓRIO



              O Oficial do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Chapecó, Gelson Oliveira Ferri, instaurou suscitação de dúvida perante o juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Chapecó, diante discordância manifestada por Rodeio Bonito Hidrelétrica S. A. quanto a parte das exigências apresentadas para a efetivação do registro de servidão administrativa constituída mediante decisão judicial, referente à passagem de linha de transmissão de energia elétrica.



              Rodeio Bonito Hidrelétrica S. A. apresentou manifestação, sustentando a desnecessidade de planta e memorial descritivo da totalidade do imóvel, ao argumento de que a delimitação da área da servidão seria suficiente para o registro que se pretende. Alegou ser dispensável a indicação da matrícula imobiliária na ART a ser apresentada. Defendeu que a instituição de servidão administrativa não constitui fato gerador de ITBI, por não implicar transferência de domínio. Ressaltou que aguardaria o julgamento da presente suscitação de dúvida para pagar os emolumentos, sem questionar sua validade.



              O Promotor de Justiça Alessandro Rodrigo Argenta manifestou-se no sentido de: "(a) resolver-se a dúvida a favor da apresentante do título em relação à não incidência do ITBI no presente caso, ou seja, considerar a desnecessidade de recolher referido tributo; e (b) resolver-se a dúvida a favor do oficial do registro de imóveis no que pertine à necessidade de apresentação da Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, do memorial descritivo e da planta, todos relativos à área da servidão (incluindo-se o número da matrícula do imóvel), bem como no que diz respeito à obrigatoriedade do pagamento dos emolumentos de maneira antecipada."



              Sobreveio decisão proferida pelo Juíza de Direito Rogerio Carlos Demarchi, nos seguintes termos:



"ANTE O EXPOSTO, com fundamento no art. 201 da Lei n. 6.015/73, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a Suscitação de Dúvida, e determino o registro da Servidão Administrativa do imóvel com área de 2.731,57 m², sob matrícula n. 5.599, independentemente do recolhimento do ITBI, declarando escorreitas as demais exigências apresentadas pelo registrador. 



Cientifique-se via malote digital o Oficial Interino da Serventia Imobiliária de Chapecó.



Arca a interessada com 80% das custas (art. 207 da Lei 6.015/1973).



Publique-se.



Registre-se.



Intimem-se.



Transitada em julgado, arquive-se."  



              Contra essa decisão, a parte interessada interpôs recurso administrativo, reiterando as razões expostas em sua manifestação a respeito da desnecessidade de planta e memorial descritivo da área total do imóvel serviente, bem como de indicação da matrícula imobiliária na ART.



              Com as contrarrazões, ascenderam os autos ao Conselho da Magistratura, sendo distribuídos a este Relator.



              O Procurador de Justiça Alexandre Herculano Abreu formalizou parecer, opinando "pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se hígida a sentença vergastada".



              É o relatório.



              VOTO



              Trata-se de recurso administrativo interposto em face de decisão que julgou parcialmente procedente a dúvida suscitada, mantendo-se as exigências feitas pelo oficial para o registro da servidão administrativa, relativas à apresentação de planta e memorial descritivo da área total do imóvel serviendo, bem como de ART com indicação da matrícula imobiliária.



              Adianta-se que o recurso merece provimento, conforme se fundamenta nos tópicos a seguir.  



              1. Da exigência de planta e memorial descritivo da totalidade do imóvel serviendo:



              Sustenta a parte recorrente a desnecessidade de planta e memorial descritivo da totalidade do imóvel, ao argumento de que a delimitação da área da servidão seria suficiente para o registro que se pretende.



              Com razão.



              A parte interessada, concessionária de serviço público federal, promoveu a constituição de servidão administrativa no imóvel matriculado sob o nº 5.599 no Ofício de Registro de Imóveis de Chapecó, a fim de viabilizar a passagem de linha de transmissão de energia elétrica, por meio do ajuizamento de ação autuada sob o nº 018.08.019415-7.



              O processo encerrou-se com a homologação de acordo celebrado entre a concessionária e os proprietários do imóvel acerca da indenização devida.



              Após o trânsito em julgado da sentença homologatória, expediu-se mandado para a averbação da servidão administrativa em referência.



              Nada obstante, o Oficial Registrador apresentou uma série de exigências para a efetivação do registro da servidão, entre elas a entrega de planta e memorial descritivo da totalidade do imóvel serviendo. É o que se infere do item 1, "b" e "c", da Exigência nº 4.371/2019:



"1. Foi consignado no pedido de reconsideração (item n. 19) que a requerente já teria juntado a planta e o memorial descritivo do imóvel a este procedimento, todavia, tais documentos não foram apresentados, documentos esses que têm sido requeridos desde a primeira exigência formulada por este Cartório. Assim, em atenção ao princípio da especialidade objetiva, para que seja possível efetuar o registro da servidão administrativa, necessário apresentar:



[...]



b) Memorial Descritivo apresentado no processo judicial, o qual deve conter a descrição completa do imóvel E da área serviente (art. 225, § 3º da Lei n. 6.015/73).



c) Planta do imóvel apresentado no processo judicial, o qual deve conter a descrição completa do imóvel E da área serviente (art. 225, § 3º da Lei n. 6.015/73)." (Grifou-se.)  



              No que se refere à descrição completa do imóvel na planta e no memorial descritivo, as exigências não se mostram legítimas.



              Compete à concessionária identificar precisamente a área da servidão constituída, sendo desnecessário, entretanto, delimitar a totalidade da área do imóvel serviendo.



              Com efeito, parte-se da premissa de que o imóvel serviendo já está suficientemente descrito em sua matrícula imobiliária, nos termos do art. 176, § 1º, '3', 'a', da Lei nº 6.015/1973. Assim, a delimitação da área da servidão no interior do imóvel afigura-se suficiente para se localizá-la precisamente.



              Se porventura a matrícula apresentar precária descrição do imóvel, inaceitável aos padrões atuais, cabe aos respectivos proprietários retificá-la, e não à concessionária, que apenas instituiu a servidão. Assim deve ser interpretado o art. 225, § 3º, da Lei nº 6.015/1973, que preceitua:



"Art. 225 - Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.



[...]



§ 3Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. (Incluído pela Lei nº 10.267, de 2001)"  



              Como se vê, o dispositivo em alusão não se refere à constituição de servidão de passagem, mas a questões que envolvam o imóvel como um todo, discutidas pelos respectivos proprietários ou detentores do direito de posse.



              É dizer, a obrigação da concessionária limita-se a identificar precisamente a servidão em todos os seus contornos, não podendo lhe ser imputado o ônus de delimitar a totalidade do imóvel serviendo, que sequer lhe pertence.



              Do contrário, estar-se-ia onerando a concessionária com despesa que não lhe compete, encarecendo, em última análise, o próprio fornecimento de energia elétrica.



              No caso em apreço, aliás, isso fica evidente, porquanto a área da servidão administrativa (2.731,57 m²) corresponde a cerca de 1% da área total do imóvel 276.400,00 m².



              Dessa forma, mostra-se irrazoável e desproporcional imputar à concessionária o ônus de delimitar a área total do imóvel serviendo.



              Por essas razões, o recurso merece provimento neste ponto.  



              2. Da ART com indicação da matrícula imobiliária:



              Alega a parte recorrente ser dispensável a indicação da matrícula imobiliária na ART a ser apresentada.



              Razão também lhe assiste neste ponto.



              Ao receber o mandado judicial de registro da servidão administrativa, o Oficial de Registro, no item 1, "a", da Exigência nº 4.371/2019, exigiu que a ART apresentasse as seguintes informações:



"1. Foi consignado no pedido de reconsideração (otem n. 19) que a requerente já teria juntado a planta e o memorial descritivo do imóvel a este procedimento, todavia, tais documentos não foram apresentados, documentos esses que têm sido requeridos desde a primeira exigência formulada por este Cartório. Assim, em atenção ao princípio da especialidade objetiva, para que seja possível efetuar o registro da servidão administrativa, necessário apresentar:



a) Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), devidamente quitada, devendo ser elaborada por profissional habilitado, contendo o procedimento realizado, bem como o número da matrícula do imóvel (art. 1º Lei 6.496/77, Provimento 07/85 CGJ/SC, art. 618 CNCGJ/SC, e princípios da segurança jurídica e especialidade)" (Grifou-se.)  



              A exigência, tal como formulada, não se mostra legítima.



              A principal finalidade da Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, instituída pela Lei nº 6.496/1977, é registrar quem são os profissionais responsáveis pela realização de serviços de engenharia, arquitetura e agronomia. É o que se infere dos arts. 1º e 2º da lei em alusão:



"Art 1º - Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à 'Anotação de Responsabilidade Técnica' (ART).



Art 2º - A ART define para os efeitos legais os responsáveis técnicos pelo empreendimento de engenharia, arquitetura e agronomia."  



              Assim, a ART deve guardar relação com o objeto do contrato firmado entre a parte contratante e o profissional de um dos três ramos acima citados.



              No caso em foco, a concessionária afirmou que, em virtude da natureza dos serviços por ela prestados, seus contratos para delimitação de servidões administrativas abrangem mais de uma unidade imobiliária, talvez muitas. Consequentemente, a descrição dos serviços expressa na ART corresponderá à totalidade dessas áreas, ainda que sem menção a cada um dos imóveis que serão atravessados pelas servidões administrativas. Nesse sentido, extrai-se das razões recursais:



"Vale destacar, ainda, que a apelante detém a concessão de um empreendimento que atinge inúmeros municípios entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que a contratação de serviço técnico e a correspondente emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica não é realizada de forma isolada, para cada parcela de terra ou matrícula atingida, mas por região, de modo que exigir a indicação do procedimento e a matrícula não é viável para o nível do trabalho realizado."



              Ora, se o contrato engloba a prestação de serviços relativos a diversas unidades imobiliárias, não se mostra necessária a menção de cada uma delas na ART. Basta que o objeto contratual esteja descrito de modo a ser possível identificar o serviço prestado, viabilizando eventual responsabilização do profissional.



              Por fim, cumpre mencionar que as disposições normativas citadas pelo Oficial Registrador (art. 1º Lei 6.496/77, Provimento 07/85 CGJ/SC, art. 618 CNCGJ/SC, e princípios da segurança jurídica e especialidade) não obrigam a indicação das matrículas imobiliárias na ART, mas apenas a descrição do objeto contratual. 



              Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e dar-lhe provimento para julgar improcedente a dúvida, afastando as exigências referentes à apresentação de planta e memorial descritivo da área total do imóvel serviente e à necessidade de indicação da matrícula imobiliária na ART.



              Este é o voto.