Acesso restrito
Pesquisa de Satisfação:

Excelente

Bom

Ruim

Observações:


FECHAR [ X ]



Obrigado.











TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0003204-18.2020 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Volnei Celso Tomazini
Origem: Biguaçu
Orgão Julgador:
Julgado em: Fri Mar 12 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0003204-18.2020.8.24.0710, de Biguaçu



Relator: Desembargador Volnei Celso Tomazini  



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA ENCAMINHADA PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE BIGUAÇU. DECISÃO DO JUÍZO A QUO QUE CONHECEU E JULGOU PROCEDENTE A DÚVIDA PARA QUE SEJA REALIZADA A RETIFICAÇÃO DA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL, ANTES DO REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA.



INSURGÊNCIA DO INTERESSADO. PRETENSÃO DE REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA QUE NÃO MERECE SER ACOLHIDA. IMÓVEL DESTACADO DE ÁREA MAIOR. NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO E DESCRIÇÃO EXATA DO IMÓVEL. EXEGESE DOS ARTS. 213, II, E 225 DA LEI 6.015/73. APURAÇÃO DE ÁREA REMANESCENTE NECESSÁRIA PARA PERFEITA IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL. ESPECIALIDADE OBJETIVA NÃO OBSERVADA. SENTENÇA QUE RECONHECEU A NECESSIDADE DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO MANTIDA.



Inviável o ingresso de título, à míngua de descrição suficiente da área e dos limites do imóvel remanescente, sem a indicação de marcos seguros que permitam levantar de onde será destacada a área, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva previsto do art. 176 da Lei de Registros Públicos.



RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.  



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0003204-18.2020.8.24.0710, da comarca de Biguaçu, em que é recorrente Alex Lauri Gonçalves e recorrido Oficial Titular do Ofício de Registro de Imóveis de Biguaçu:



O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.



O julgamento foi realizado nesta data e dele participaram os Excelentíssimos Senhores DESEMBARGADOR VOLNEI CELSO TOMAZINI, Relator, DESEMBARGADOR SALIM SCHEAD DOS SANTOS, DESEMBARGADOR CARLOS ADILSON SILVA, DESEMBARGADOR ROBERTO LUCAS PACHECO, DESEMBARGADOR ODSON CARDOSO FILHO, DESEMBARGADOR HELIO DO VALLE PEREIRA, DESEMBARGADOR JULIO CESAR MACHADO FERREIRA DE MELO, DESEMBARGADOR JOSE AGENOR DE ARAGAO, DESEMBARGADOR JOAO HENRIQUE BLASI, Presidente, DESEMBARGADORA SORAYA NUNES LINS e DESEMBARGADOR DINART FRANCISCO MACHADO.



Florianópolis, 8 de março de 2021.  



RELATÓRIO   



Alex Lauri Gonçalves, inconformado com a sentença que, nos autos da Suscitação de Dúvida nº 0003204-18.2020.8.24.0710, apresentada pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Biguaçu, julgou procedente a dúvida suscitada "[?] para esclarecer que deve ser mantida a exigência cartorial objeto dos autos e que, portanto, deve ser realizada a retificação da descrição do imóvel antes que se registre a Compra e Venda" (doc. 3140638) interpôs o presente Recurso de Apelação Administrativo.



Em síntese, sustenta o recorrente que a sentença merece ser reformada, pois "não se pode concordar com a negativa em condicionar o acesso ao constitucional direito de propriedade do Apelante, que se submeteu a todas as formalidades legais como lavratura de escritura pública, pagamento de impostos incidentes ao ato, retirada de certidão de ônus a qual não condicionou a nenhuma prévia retificação, e no momento da formalização do registro, se submeter a uma condicionante absolutamente impossível de cumprimento" (fl. 5 - doc. 3140660).



Após breve histórico da matrícula objeto da presente suscitação de dúvida, alega que já houve anteriores registros de transmissão da propriedade, os quais tiveram regular ingresso no fólio real, inclusive como o registro contido no R-70 da mesma matrícula, de modo que a necessidade de aperfeiçoamento da descrição do registro não impede a sua individualização, de modo que inexiste prejuízo a terceiros.



Sustenta que "o Princípio da Fé Pública estabelece presunção (relativa) de veracidade da matrícula e, por conseguinte, da validade da descrição nela contida" (fl. 7 - doc. 3140660).



Alega, também, que a prévia retificação do registro não se enquadra na presente hipótese, sendo que "não foi a desapropriação pelo poder público de parte do imóvel que criou a necessidade até então não ventilada pelo Oficial nos atos anteriores" (fl. 8 - doc. 31400660).



Ainda, assevera que, se hipoteticamente fosse o caso, a retificação de registro seria medida economicamente impossível de cumprimento, pois a matrícula possui mais de 70 atos praticados, com diversos proprietários de frações ideais, sendo necessária a medição de cada uma das áreas e seus remanescentes, com expedição de memoriais descritivos e colheita da subscrição dos confrontantes.



Após tecer considerações sobre a necessidade de observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pleiteia o provimento do recurso para que a sentença seja integralmente reformada, e, via de consequência, seja autorizado o registro da Escritura Pública de Compra e Venda de fls. 19-22, constituindo o direito de propriedade do Apelante independentemente de retificação de toda a matrícula do imóvel.  



Sem contrarrazões e com a manifestação do Ministério Público, os autos foram remetidos ao Conselho da Magistratura e, com vista, a Procuradoria Geral de Justiça, por meio do Procurador de Justiça Paulo Ricardo da Silva, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.



É o relatório.



VOTO



O recurso é adequado e tempestivo (fl. 7 do documento nº 3140648) e está devidamente preparado (fls. 13-15 do documento nº 3140660), preenchendo, assim, os pressupostos de admissibilidade.



Extrai-se dos autos que a suscitação de dúvida apresentada pelo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Biguaçu ocorreu após pedido de registro de escritura pública de compra e venda, efetuada pelo recorrente, em razão de entender ser necessária a apuração da área remanescente do imóvel, a fim de se proceder a devida retificação do registro pelo procedimento previsto no art. 213, II, da Lei 6.015/73, em razão de ser inviável efetuar o registro da transferência sem a devida especialização, nos termos do § 2º do art. 225 da mesma lei.



Diante da devida impugnação (doc. n. 3140554), seguida de manifestação do representante ministerial em primeiro grau pela procedência do pedido (doc. n. 3140630), sobreveio sentença que julgou procedente a dúvida suscitada, nos moldes já referidos (doc. n. 3140638).



Compulsando os autos, verifica-se que a matrícula do imóvel, de nº 8.747 do Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Biguaçu datada de 11-12-1986 é originária de um terreno situado no Morro do Viveiro, no Município de Biguaçu, com 77,00m de frente, 550,00m de fundos, com área total de 42.350,00 m².



Em meados de fevereiro de 2011, após diversas alienações de frações do terreno, com dois desmembramentos - R.43 e AV-47 - foi realizada a primeira atualização sobre a localização e área do imóvel, a fim de que constassem as devidas medidas e confrontações.



Após, em agosto de 2016, foi realizada a averbação da transferência, por desapropriação, da fração de 360,00 m², constante no R.10.8747, ao Município de Biguaçu, abrindo-se a matrícula nº 39.916, do Livro 02, do Ofício de Registro de Imóveis de Biguaçu, o último ato constante na matrícula.



Em abril de 2018, o recorrente apresentou para registro a Escritura Pública de Compra e Venda, lavrada em 7-2-2018, às fls. 24/25, do Livro n. 210, sob o protocolo nº 23197, no Tabelionato de Notas do Município de Biguaçu/SC, pela qual adquiriu a fração ideal de 360,00 m², registrada sob R.7-8.747, correspondente a parte do imóvel de matrícula nº 8.747.



Verificando a necessidade de apuração da área total remanescente do imóvel, o Oficial do Cartório entendeu pela necessidade de retificação do registro, nos termos do previsto no inc. II do art. 213 da Lei 6.015/73, ato que foi impugnado pelo recorrente.



Em análise à Escritura Pública do imóvel objeto da presente suscitação de dúvida, verifica-se que, de fato, o Oficial Registrador competente à época, aceitou o ingresso de títulos no fólio real sem a apuração da área remanescente após os desmembramentos.



Referido procedimento, contudo, não se mostra coerente ao princípio da especialidade, pois, consoante se sabe, a descrição do imóvel corresponde a sua individualização, de modo que deve possuir descrição detalhada a ponto de diferenciá-lo de qualquer outro, para que não haja sobreposição de registro na mesma matrícula.



Outrossim, se eventualmente, no passado, outros títulos ingressaram indevidamente no registro imobiliário tais atos não justificam, nem autorizam, o registro de títulos posteriormente apresentados, que afrontaram a lei, a exemplo do título ora examinado, pois referidos erros devem ser retificados e não ratificados.



No caso, como o título possui como objeto a área de 42.350,00 m², não há dúvidas quanto à disponibilidade quantitativa no registro anterior. Entretanto, está claro que não se sabe a disponibilidade qualitativa, tampouco de onde sairá a área a ser destacada.



A situação apresentada, independentemente de se tratar de imóvel urbano ou rural e de ser caso ou não de se exigir georreferenciamento, mostra violação ao princípio da especialidade objetiva, previsto no artigo 176 da Lei n° 6.015/73, que exige a identificação do imóvel de modo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, em conformidade ao princípio da continuidade, e com o fim de não prejudicar o controle da disponibilidade.



No presente caso, verifica-se que houve destacamentos de partes ideais do imóvel, sem apuração do remanescente, o que tornou imprecisa a descrição da área e inviável sua exata posição física. Assim, o registro pretendido trará insegurança e incerteza, incompatíveis com os registros públicos, ainda que se trate de compromisso de compra e venda pelo qual se transmitem os direitos dele decorrentes e não a propriedade, pois, os requisitos previstos em lei e que devem ser observados no momento da qualificação são os mesmos para qualquer título sujeito a ingresso no fólio real.



O princípio da continuidade, consagrado no artigo 225, § 2°, da Lei de Registros Públicos, que é corolário do princípio da especialidade, prevê que "Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior", o que também impede o registro pretendido.



Verifica-se, ademais, que na certidão de inteiro teor da matrícula nº 8.747 consta expressa menção de que a área remanescente do imóvel está pendente de retificação (AV.75 - fls. 46); e na certidão negativa de ações e na de ônus há apontamento da necessidade de adequação prévia, mediante retificação, para registro de atos de transferência da propriedade, dentre outros, caso o imóvel seja parcelado sem a descrição da área remanescente.



Inviável, portanto, o ingresso do título, à míngua de descrição suficiente da área e dos limites do imóvel remanescente, sem a indicação de marcos seguros que permitam levantar de onde será destacada a área, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.



Nesse sentido, abeberando-se dos conhecimentos de Francisco José de Almeida Ferraz Costa Júnior, destaca-se:



São frequentes os casos de apresentação a registro de títulos relativos a imóveis cuja descrição registral se encontra descaracterizada, seja por alienações parciais, sem apuração do remanescente, hipótese em que a prática de qualquer ato fica condicionada a um prévio procedimento de retificação de registro, na forma do art. 213, § 7º, da Lei de Registros Públicos, pois não se permite a inscrição sem a identificação e exata localização do imóvel objeto do título (COSTA JUNIOR, Francisco José de Almeida Prado Ferraz. Princípios do registro de imóveis brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Coleção direito imobiliário. v. II)



Em caso análogo, já se manifestou este Conselho da Magistratura:



PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO DE DECISÃO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. OFÍCIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DE ITAPEMA. PEDIDO DE REGISTRO DO DESMEMBRAMENTO DE IMÓVEL. MEDIDAS PERIMETRAIS NÃO INFORMADAS. PLEITO INDEFERIDO. DEVOLUÇÃO PELO REGISTRADOR PARA SANEAMENTO. DECISÃO QUE JULGOU PROCEDENTE A SUSCITAÇÃO.



ATUAÇÃO DO REGISTRADOR PAUTADA PELAS NORMAS LEGAIS VIGENTES. NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO E DESCRIÇÃO EXATA DO IMÓVEL. EXEGESE DOS ARTS. 213, II, E 225 DA LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (N. Processo: 2017.900048-3, Relator: Roberto Lucas Pacheco Data: 10/07/2018, Itapema)



Da mesma forma, assim já julgou o Conselho da Magistratura do Tribunal do Estado de São Paulo:



REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura de compra e venda. Área maior transcrita, com marcos imprecisos e contendo diversos desfalques, perdendo suas características de especialização objetiva. Necessidade de retificação. Apuração de remanescente. Dúvida procedente. Recurso desprovido. (TJSP;  Apelação Cível 1000035-06.2018.8.26.0068; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Barueri - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/08/2018; Data de Registro: 06/09/2018, grifou-se).  



REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida julgada procedente Transcrição imprecisa que compromete a segurança do sistema Venda e compra celebrada com herdeiros dos titulares tabulares Sujeição do registro ao princípio da continuidade Desmembramento irregular de lote, a exigir retificação (apuração do remanescente) Irrelevância dos erros praticados no âmbito do serviço extrajudicial (notarial e registral) Sentença mantida Recursos improvidos. (Apelação nº 0005615-39.2015.8.26.0068, Comarca de BARUERI, Rel. Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS).  



REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - RECUSA DO INGRESSO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - IMÓVEL DESTACADO DE ÁREA MAIOR - APURAÇÃO DE REMANESCENTE NECESSÁRIA PARA PERFEITA IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL - ESPECIALIDADE OBJETIVA NÃO OBSERVADA - RECURSO NÃO PROVIDO. 
(TJSP;  Apelação Cível 1096530-55.2014.8.26.0100; Relator (a): Elliot Akel; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível - 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 30/07/2015; Data de Registro: 10/08/2015).



Ademais, não há óbice que impossibilite, de forma absoluta, que o apelante promova a retificação da transcrição, na condição de interessado no registro da compra e venda de área a ser destacada, uma vez que, na impossibilidade de iniciativa de eventuais titulares de domínio ou confrontantes, serão feitas as regulares notificações, na forma do art. 213 e parágrafos da Lei n° 6.015/73.



Ainda, importante destacar, a apuração das medidas, confrontações e área remanescente ocorrerá somente em relação à área desapropriada. Isso porque inexiste providência que exija a realização de medição das áreas ocupadas por cada um dos coproprietários, o que seria necessário somente se estes fossem desmembrar cada área ou realizar o loteamento do imóvel.



Por fim, em razão dos óbices elencados quanto ao provimento do recurso, não se verifica a plausibilidade jurídica das pretensões defensivas, o que inviabiliza a concessão do almejado efeito suspensivo ao Reclamo diante da ausência do fumus boni iuris.



Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.



Este é o voto.